Open-access Qualidade das práticas de profissionais dos programas de controle de infecção no Brasil: estudo transversal

Calidad de las prácticas de profesionales en programas de control de infecciones en Brasil: un estudio transversal

RESUMO

Objetivo  Analisar a qualidade das práticas de profissionais dos programas de controle de infecção em relação aos componentes de estrutura, processo e resultado.

Método  Trata-se de um estudo de abordagem quantitativa, do tipo descritivo e transversal realizado em 114 serviços de controle de infecção hospitalar das cinco regiões oficiais do Brasil. Coletaram-se os dados por meio de um instrumento estruturado, cujas propriedades psicométricas foram validadas previamente. O tratamento dos dados foi realizado pela análise de componentes principais e o teste não paramétrico Kruskal-Wallis.

Resultados  O melhor índice de qualidade dos programas de controle de infecção foi atribuído à região Sul, aos hospitais que continham 300 leitos ou mais, aos que utilizavam o critério National Healthcare Safety Network para vigilância das infecções e aos locais que realizavam busca ativa prospectiva como método de vigilância.

Conclusão e implicações para a prática  O índice de qualidade dos programas de controle de infecção está relacionado à localização, ao tamanho do hospital e ao método adotado para vigilância de infecções. A criação de um índice de qualidade, até então inédito em estudos nacionais, chama atenção para o desempenho precário dos serviços de saúde.

Palavras-chave:  Controle de Infecções; Programa de Controle de Infecção Hospitalar; Segurança do Paciente; Serviços de Controle de Infecção Hospitalar

RESUMEN

Objetivo  Analizar la calidad de las prácticas de los profesionales de los programas de control de infecciones en relación con los componentes de estructura, proceso y resultado.

Método  Se trata de un estudio cuantitativo, descriptivo y transversal realizado en 114 servicios de control de infecciones hospitalarias de las cinco regiones oficiales de Brasil. Los datos fueron recolectados mediante un instrumento estructurado, cuyas propiedades psicométricas fueron previamente validadas. El tratamiento de los datos se realizó mediante el análisis de componentes principales y la prueba no paramétrica de Kruskal-Wallis.

Resultados  El mejor índice de calidad de los programas de control de infecciones se atribuyó a la región Sur, a los hospitales que tenían 300 camas o más, a los que utilizaron el criterio de National Healthcare Safety Network para la vigilancia de infecciones y a los locales que realizaban las búsquedas prospectivas activas como el método de vigilancia.

Conclusión e implicaciones para la práctica  La calidad de los programas de control de infecciones está relacionada con la ubicación, el tamaño del hospital y el método adoptado para la vigilancia de infecciones. La creación de un índice de calidad, hasta ahora inédito en los estudios brasileños, llama la atención sobre el precario desempeño de los servicios de salud.

Palabras clave:  Control de Infecciones; Prevención & control; Programa de Control de Infecciones Hospitalarias; Seguridad del Paciente; Servicios Hospitalarios

ABSTRACT

Objective  To analyze the quality of professional practices in infection control programs regarding structure, process, and outcome.

Method  This is a quantitative, descriptive, and cross-sectional study carried out in 114 hospital infection control services in the five official regions of Brazil. The data were collected using a structured instrument whose psychometric properties were previously validated. Data treatment was performed by principal component analysis and non-parametric Kruskal-Wallis test.

Results  The best quality index of infection control programs was attributed to the South region, to hospitals that had 300 beds or more, to those that used the National Healthcare Safety Network criterion for infection surveillance and to places that carried out an active prospective search as their surveillance method. Conclusion and implications for practice: The quality of infection control programs is related to hospital location, size, and infection surveillance method. The creation of a quality index, hitherto unheard of in Brazilian studies, draws attention to the precarious performance of health services.

Keywords:  Hospital Infection Control Program; Infection Control; Hospital Services; Patient Safety

INTRODUÇÃO

A qualidade em saúde é considerada um conjunto de propriedades atribuídas ao atendimento às necessidades do paciente para melhoria contínua da segurança assistencial. Um dos modelos de avaliação da qualidade refere-se à tríade Donabediana, representada pelos componentes de estrutura, processo e resultado, destinados ao monitoramento, detecção e adequação de desvios para atingir os objetivos esperados.1

O modelo de avaliação da qualidade em saúde descreve a estrutura como as características organizacionais atribuídas aos diversos recursos disponíveis. Em relação ao processo, destacam-se as normas e os procedimentos relacionados às atividades desenvolvidas nas instituições. Por fim, o componente resultado pode ser atribuído aos indicadores de avaliação do cuidado que refletem o sistema.1

Entre os diversos agravos que afetam a qualidade, destacam-se as Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS).2-4 Estima-se que, nos Estados Unidos, ocorram anualmente 1,7 milhão de IRAS, com registros totais de 99 mil óbitos. A incidência de infecções na Europa atinge cerca de 2.609.911 pacientes hospitalizados por ano, sendo notificados aproximadamente 37 mil óbitos.2,3 No Brasil, as taxas são similares às de outros países em desenvolvimento, acima de 10,8%, e variam de acordo com a complexidade do serviço de saúde.4

As IRAS podem ser evitadas quando os serviços de saúde realizam vigilância epidemiológica e adotam medidas eficazes para o controle de agravos. Uma das estratégias abrange a implementação do Programa de Controle de Infecção Hospitalar (PCIH), definido pelo Ministério da Saúde como um conjunto de ações desenvolvidas deliberada e sistematicamente com vistas à redução máxima possível da incidência e da gravidade das infecções.3,5

As ações desenvolvidas pelo PCIH ainda são diversificadas e reforçam problemas que exigem a necessidade de aprimorar os componentes de qualidade.6-8 Os problemas estão associados à falta de incentivo governamental, à baixa concessão de apoio financeiro, ao número insuficiente de recursos humanos e à infraestrutura inadequada, que influenciam negativamente a promoção do cuidado seguro, livre de danos.9

Estudos reforçam a importância de desenvolver estratégias para o monitoramento do Programa, analisando periodicamente as atividades exercidas pela Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) e pelo Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH).8,9 Acrescenta-se que a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou um novo guideline com recomendações baseadas em evidências sobre componentes essenciais para implementação e monitoramento do PCIH tanto em nível regional como central.3 No entanto, as publicações priorizam uma abordagem local sobre o panorama de qualidade em saúde nas ações de prevenção e controle das IRAS.7,8

Desse modo, ainda não há, estabelecido na literatura, um índice de qualidade no Brasil relacionado a estrutura, processo e resultado que permita conhecer a realidade dos serviços diante das atividades propostas pelo PCIH. Além disso, os estudos não realizam uma comparação entre os serviços de saúde por meio de avaliação sistemática das práticas de profissionais do SCIH.8-10 Essa lacuna reforça a contribuição desta pesquisa no reconhecimento da magnitude dos agravos infecciosos e seus impactos na qualidade assistencial.

Espera-se, com este estudo, alertar os gestores em saúde e órgãos reguladores sanitários sobre a real situação brasileira no que diz respeito à qualidade dos programas de controle de infecção. Os dados poderão servir de base para construção de políticas públicas relacionadas à prevenção das IRAS e outras doenças de importância epidemiológica que afetam diretamente a saúde pública.

Assim, o objetivo deste estudo é analisar a qualidade das práticas de profissionais dos programas de controle de infecção em relação aos componentes de estrutura, processo e resultado.

MÉTODO

Este é um estudo de abordagem quantitativa, do tipo descritivo e transversal. A construção das etapas metodológicas deste artigo foi norteada pelos critérios da ferramenta Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).11

Foi feita amostragem não probabilística por conveniência utilizando a técnica de snowball. O público-alvo da pesquisa contemplou enfermeiros e médicos especialistas em controle de infecção e/ou áreas afins. Os critérios de inclusão foram: ser profissional de saúde atuante em serviço público, privado, filantrópico ou beneficente de pequeno, médio ou grande porte com experiência de mais de um ano. Excluíram-se aqueles que não eram vinculados ao SCIH e/ou não tinham concluído curso superior (acadêmicos/estagiários).

Compuseram a amostra 114 profissionais de saúde, sendo 103 enfermeiros especialistas em controle de infecção e 11 médicos, estratificados em 9 infectologistas e 2 epidemiologistas. Todos representaram os serviços de controle de infecção localizados nas cinco regiões oficiais do Brasil: Centro-Oeste, Nordeste, Norte, Sudeste e Sul. Os primeiros quarenta e cinco locais foram recrutados pelo Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), localizados nas capitais de cada estado brasileiro. Os participantes foram contatados pelo primeiro pesquisador via telefone e/ou e-mail. Posteriormente, os profissionais de saúde responderam ao instrumento estruturado enviado eletronicamente, via e-mail, ao mesmo tempo em que indicavam outros serviços, até atingir a proporção nacional. Nesta etapa, não houve recusa e/ou perda de participantes.

A coleta de dados foi realizada no período de dezembro de 2018 a julho de 2019, por meio do instrumento de avaliação dos Programas de Controle de Infecção Hospitalar. A ferramenta foi construída e validada pelos próprios pesquisadores por meio de um estudo metodológico já publicado.12 Possui 36 questões de múltipla escolha estratificadas em 15 itens de avaliação da estrutura, 16 relacionados ao processo e cinco ao resultado. Todas as perguntas eram procedidas de definições, explicações detalhadas e conceitos que incluíam as normativas atribuídas a cada questão. As respostas para cada pergunta foram geradas por meio da escala de Likert, contendo as seguintes respostas: sim, parcialmente e não. O índice de validade de conteúdo (0,902) e o teste alfa de Cronbach (0,82) evidenciaram boa consistência interna dos itens. Optou-se por interromper a coleta de dados a partir de agosto de 2019 após ausência de respostas por um período superior a três semanas.

A variável desfecho de interesse foi o Índice de Qualidade dos Programas de Controle de Infecção (IQPCI). As variáveis de investigação foram: tipo de administração (privada, pública, filantrópica, beneficente/outro); região do Brasil onde está localizado (Sudeste, Norte, Centro-Oeste, Nordeste ou Sul); corpo clínico (aberto ou fechado), número de leitos e especialidade de atendimento (clínico e/ou cirúrgico, outros). Além dessas, foram incluídas as perguntas relacionadas à avaliação dos programas de controle de infecção.

Para tratamento e análise dos resultados, procedeu-se à conferência do banco de dados, tendo sido feita a dupla checagem de informações e das inconsistências para os ajustes necessários. Na primeira etapa, foi feita a análise exploratória por meio de estatística descritiva utilizando valores absolutos e relativos com o intuito de caracterizar os serviços envolvidos na pesquisa utilizando o software Epi Info (versão 6.0).

Para criação do IQPCI, utilizou-se a Análise de Componentes Principais, do inglês Principal Component Analysis (PCA), aplicada à matriz de correlação amostral das variáveis. Essa técnica estatística permitiu a criação de combinações lineares das variáveis correlacionadas entre si e foi utilizada para criar um índice de adequação que permitisse a comparação do PCIH não apenas para cada item de qualidade isoladamente, mas de uma forma global, por meio de um único indicador de qualidade global.

Assim, a realização dessa técnica envolveu a verificação do grau de associação entre as variáveis de interesse. As diferenças das unidades de medidas das variáveis podem ocasionar acentuadas discrepâncias entre as variâncias. Para amenizar esse problema e reduzir possíveis vieses, os autovalores de variância foram equilibrados, colocando-os na mesma unidade de medida e obtendo-se, dessa forma, a matriz de correlação das respostas de cada uma das 36 variáveis.

Inicialmente, houve a decomposição da matriz de correlação, encontrando-se os autovalores dessa matriz e avaliando-se o número de componentes implícitos na estrutura da base de perguntas. Assim, obteve-se o primeiro autovetor, com 36 valores referentes às variáveis da pesquisa. Em seguida, calculou-se a média e o desvio padrão de cada variável para usar no cálculo do escore padronizado, que foi considerado para a construção do número índice. A última etapa definiu o escore padronizado das respostas por meio do ponto de corte estatístico na divisão em quartil.

Ao final, foram definidas as faixas de valores do IQPCI para uma comparação entre os serviços de saúde e as respectivas categorias de qualidade, sendo elas: muito precário (IQPCI ≤ -3); precário (IQPCI > 3 e ≤ 0); regular (IQPCI > 0 e < +2); bom (IQPCI ≥ +2 e < +3) e muito bom (IQPCI ≥ +3). Após avaliação de normalidade das variáveis, adotou-se o teste não paramétrico Kruskal-Wallis para comparação dos escores obtidos (média, mediana e desvio padrão) e o nível de significância foi de 0,05. Todas as análises estatísticas foram realizadas utilizando o software IBM® SPSS.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Lifecenter sob número de parecer 2.340.091 e CAAE: 78299817.0.0000.5126 em 20/10/2017. Os participantes foram incluídos após leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Dos 114 serviços de saúde envolvidos na pesquisa, 72 (63%) estavam localizados na região Sudeste do Brasil e 45 (39%) eram privados com até 200 leitos (47%). Do total, 90 (79%) atendiam especialidades clínico-cirúrgicas e 63 (55%) tinham corpo clínico aberto. Além disso, 100 (87,7%) adotavam o critério da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para vigilância epidemiológica das infecções e 45 (39,5%) utilizavam o método prospectivo para investigação das IRAS.

Na Tabela 1, apresenta-se a análise da qualidade do PCIH em relação a estrutura, processo e resultado. Destaca-se que somente 36 (31,6%) serviços possuíam um programa de gerenciamento do uso de antimicrobianos e 53 (46,5%) relatavam que os protocolos de segurança do paciente estavam implantados de forma eficaz. Não mais que 29 (25,4%) tinham a participação de Stakeholders (público estratégico) na elaboração de protocolos e diretrizes de prevenção e controle das IRAS. Em relação a educação em saúde, apenas 25 (22%) responderam que havia participação periódica de médicos nas capacitações propostas pelo SCIH. Entre os serviços de saúde, 48 (42,1%) utilizavam estratégias multimodais. Vale mencionar que 80 (70,2%) participantes disseram que a equipe multidisciplinar estava sobrecarregada. Apenas 60 (52,6%) instituições realizavam monitoramento periódico da qualidade do ar.

Tabela 1
Análise descritiva do instrumento de avaliação dos programas de prevenção e controle de infecção (n=114), Brasil, 2019.

A Tabela 2 apresenta a categorização do nível de qualidade em relação às práticas de profissionais dos programas de controle de infecção. As principais categorias representaram 79,8% do baixo desempenho do IQPCI, sendo elas: regular (40,4%), precário (27,2%) e muito precário (12,2%).

Tabela 2
Categorização do nível de qualidade: análise conforme a faixa de valores do Índice de Qualidade dos Programas de Controle de Infecção, Brasil, 2019 (n=114).

O melhor desempenho de qualidade do PCIH entre os serviços incluídos neste estudo está na Tabela 3. Identificou-se diferença estatisticamente significativa em relação à região Sul (p=0,02), à administração privada (p=0,04), aos serviços de saúde que continham 300 leitos ou mais (p<0,01), aos que utilizavam o critério do National Healthcare Safety Network (NHSN) para vigilância das IRAS (p<0,01) e àqueles que realizavam busca ativa prospectiva como método de vigilância (p<0,01).

Tabela 3
Análise dos Componentes Principais relacionada aos fatores associados ao Índice de Qualidade dos Programas e Controle de Infecção (IQPCI), Brasil, 2019.

DISCUSSÃO

A partir da avaliação das práticas de profissionais dos programas de controle de infecção, foi possível observar que os serviços de saúde relatavam sobrecarga de trabalho, indicavam a necessidade de realizar o monitoramento periódico da qualidade do ar e o acompanhamento do uso de antibióticos por meio de um programa de gerenciamento específico. Outro aspecto que chamou atenção diz respeito à baixa adesão de médicos nos treinamentos propostos pelo SCIH.

Nessa perspectiva, os serviços incluídos neste estudo apresentaram ações diversificadas no contexto da prevenção e controle de infecções que influenciaram a qualidade em saúde. Esse fato interliga-se à baixa adesão da equipe multidisciplinar frente às atividades operacionais propostas pelo SCIH.10 Embora a adesão ao PCIH apresente oportunidades de melhoria em países como a Áustria, Brasil e China, o impacto da implementação desse programa promove reduções significativas das IRAS, o que inclui as diversas topografias, a resistência antimicrobiana e o aumento da taxa de sobrevida em pacientes.10,13-15

Essa pesquisa mostrou que a sobrecarga de trabalho, implantação de protocolos específicos para redução das IRAS, educação em saúde e utilização de estratégias multimodais devem ser reconhecidos como prioridades para a tomada de decisão. Estudo conduzido em 65 hospitais austríacos levantou fragilidades similares que devem ser trabalhadas pelos gestores e profissionais de saúde pelo fato de serem cruciais para a segurança do paciente, de modo a garantir um padrão de qualidade mínimo aceitável.13

A oferta, o acesso e a utilização dos serviços de saúde no Brasil apresentam menores disparidades nas regiões Sul e Sudeste.16 Este estudo revela essas duas regiões como locais que apresentaram o melhor desempenho do IQPCI. Outra pesquisa que avaliou a estrutura de prevenção das IRAS em hospitais brasileiros reforça a necessidade de elaborar um plano nacional priorizando esse componente de qualidade, principalmente, nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste, que apresentam o menor crescimento econômico e recursos mínimos para a prevenção de agravos infecciosos quando comparados ao Sul e Sudeste.6

Todavia, no que diz respeito à administração dos serviços de saúde, a melhor performance foi observada no setor privado. Existem poucos apontamentos na literatura que atribuem essa variável ao desempenho do IQPCI, podendo relacionar os achados ao maior investimento em estrutura, equipamentos e recursos tecnológicos nesse setor. Destaca-se que a busca pela qualidade em saúde deve ser universal, incluindo serviços públicos e filantrópicos. Uma sugestão de melhoria refere-se aos processos de auditorias, qualificação ou acreditação em saúde, que poderá contribuir para avanços organizacionais nas ações sistemáticas desenvolvidas por controladores de infecção.17,18

Também foi avaliada neste estudo a capacidade operacional dos serviços de saúde com 300 leitos ou mais, fator associado ao melhor índice de qualidade. Os hospitais de pequeno porte (até 50 leitos) lidam, frequentemente, com recursos precários devido à falta de investimento econômico.17,19 De fato, os estudos mostram que os hospitais a partir de 200 leitos podem obter melhores recursos tecnológicos que facilitam a prevenção e controle das IRAS, como suprimentos adequados para higiene das mãos, esterilização de produtos para saúde e suporte laboratorial para análise microbiológica de espécimes.6

Os serviços de saúde que utilizavam o critério NHSN apresentaram melhor desempenho quando comparados aos que utilizavam o critério da ANVISA. Embora sejam observadas algumas diferenças conceituais entre as duas metodologias, do ponto de vista epidemiológico, não há restrições para que sejam realizadas a detecção e notificação de casos.20,21 Uma possível explicação associada ao baixo desempenho de qualidade do PCIH refere-se à diferença de parâmetros laboratoriais entre os critérios diagnósticos. Reforçando essa análise, pesquisadores brasileiros já alertaram que os desacordos entre as metodologias podem impactar nos indicadores infecciosos, subestimando ou superestimando as taxas de incidência.10

Além dos critérios utilizados pelos profissionais do SCIH, o método prospectivo de vigilância das IRAS relacionou-se ao melhor IQPCI. No entanto, a literatura não apresenta uma explicação do resultado. Infere-se que o acompanhamento dos casos infecciosos de forma ativa poderá favorecer a rápida detecção de um agravo inesperado e assim, subsidiará a elaboração de ações preventivas assertivas o mais precoce possível.22,23

Merece destaque o índice de qualidade classificado entre regular, precário e muito precário nos locais de estudo avaliados. Esse resultado era esperado, considerando que o Brasil possui ampla área territorial e aspectos divergentes em relação à situação econômica dos estados, recursos para a prevenção de agravos infecciosos, incentivo governamental e profissionais qualificados.6,16,19 Uma das hipóteses que pode justificar o desempenho ineficaz é a baixa adesão dos serviços aos programas nacionais propostos por órgãos sanitários, que geralmente não consideram as especificidades regionais durante a construção de diretrizes para o controle de IRAS.

Considerando o referencial de Donabedian e os resultados obtidos, a avaliação dos componentes de qualidade deve ser observada de forma simultânea e transversal pelos profissionais do SCIH, representando uma abordagem criteriosa de avaliação do PCIH. A literatura reforça que a busca pela qualidade deve ser global, envolvendo desde a alta direção até a equipe operacional, de maneira que as ações propostas pelo PCIH possam contribuir para melhorias no cuidado ao paciente.1,23 Portanto, essa pesquisa apresentou desenlaces promissores da temática visando a redução da incidência de IRAS e melhores práticas baseadas em evidências.

CONCLUSÃO E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

A partir das ações diversificadas no contexto da prevenção e controle de IRAS, a heterogeneidade nacional contribuiu para o baixo desempenho do índice de qualidade verificado entre os serviços de saúde analisados, sendo classificados como regular, precário e muito precário. No entanto, a região Sul, a administração privada, os serviços de saúde que continham 300 leitos ou mais, os que utilizavam o critério National Healthcare Safety Network para vigilância das IRAS e aqueles que realizavam busca ativa prospectiva como método de vigilância apresentaram desenlaces promissores do PCIH.

Esta pesquisa apresentou algumas limitações que devem ser consideradas. A primeira consiste na dificuldade de generalizar os resultados pela utilização de amostragem não probabilística. Outra restrição refere-se ao tamanho amostral em determinadas regiões do Brasil, o que não impediu o alcance dos objetivos propostos. Nesse último caso, os pesquisadores adotaram as precauções na análise estatística para redução de possíveis vieses. Por fim, destacam-se limitações metodológicas para tirar conclusões quanto às variáveis associadas aos melhores desfechos do IQPCI, pois estas podem gerar possíveis interpretações quanto à associação de melhor desempenho de hospitais que utilizam critérios não indicados pela agência nacional.

A contribuição deste estudo para a prática diz respeito aos dados que evidenciam a necessidade de aprimorar o PCIH em relação aos componentes de qualidade. A criação de um índice de qualidade chama atenção para o desempenho precário dos serviços de saúde. Esta pesquisa poderá alertar aos gestores em saúde sobre a heterogeneidade nacional observada em relação a fragilidades de estrutura, processo e resultado. Portanto, os resultados subsidiarão a construção de políticas de prevenção e controle de IRAS fundamentadas na segurança do paciente.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao apoio recebido do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com recursos do Programa de Apoio à Pós-Graduação (PROAP), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Jul 2022
  • Aceito
    06 Jan 2023
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