RESUMO
Objetivo Estimar a prevalência de sintomas de ansiedade e depressão e seus fatores relacionados, entre os profissionais de enfermagem de uma maternidade, durante a pandemia de COVID-19.
Método Estudo observacional, descritivo e transversal, realizado com 189 profissionais de enfermagem de uma maternidade de referência, em Fortaleza-Ceará. A coleta de dados ocorreu durante três meses − de agosto a outubro de 2020 −, e utilizou-se Formulário Sociodemográfico e Clínico e Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão. Os fatores relacionados para depressão ou ansiedade foram determinados pela análise bivariada, por meio do teste qui-quadrado (nominais) e Wilcoxon (numéricas), com significância de p<0,05.
Resultados Estimou-se a prevalência de sintomatologia ansiosa e depressiva em 58,3% e 29,6% dos participantes, respectivamente. Cerca de 53,5% foram afastados por suspeita de COVID-19 e 58%, infectados pelo vírus. Observou-se que os profissionais que atuavam na emergência, clínica obstétrica e Unidade de Terapia Intensiva materna foram os mais expostos ao risco de ter depressão (p=0,01055).
Conclusão e implicações para a prática Alta prevalência de sintomas de ansiedade e depressão entre os participantes, independentemente de estarem na linha de frente da pandemia ou não. A situação requer acolhimento às demandas da saúde mental.
Palavras-chave: Ansiedade; COVID-19; Depressão; Enfermagem; Maternidades
RESUMEN
Objetivo Estimar la prevalencia de síntomas de ansiedad y depresión y sus factores relacionados entre profesionales de enfermería en una maternidad durante la pandemia de COVID-19.
Método Estudio observacional, descriptivo y transversal realizado con 189 profesionales de enfermería de una maternidad de referencia en Fortaleza-Ceará. La recolección de datos ocurrió durante tres meses, de agosto a octubre de 2020, utilizando el Formulario Sociodemográfico y Clínico y la Escala Hospitalaria de Ansiedad y Depresión. Los factores relacionados con la depresión o la ansiedad se determinaron mediante análisis bivariado mediante las pruebas de chi-cuadrado (nominal) y Wilcoxon (numérica), con una significancia de p<0,05.
Resultados La prevalencia de síntomas ansiosos y depresivos se estimó en 58,3% y 29,6% de los participantes, respectivamente. Alrededor del 53,5% fueron retirados por sospecha de COVID-19 y el 58% estaban infectados con el virus. Se observó que los profesionales que actuaban en emergencia, clínica obstétrica y Unidad de Terapia Intensiva materna eran los más expuestos al riesgo de tener depresión (p=0,01055).
Conclusión e implicaciones para la práctica Alta prevalencia de síntomas de ansiedad y depresión entre los participantes, independientemente de si están en la primera línea de la pandemia o no. La situación requiere atender las demandas de salud mental.
Palabras clave: Ansiedad; Depresión; Enfermería; COVID-19; Maternidades
ABSTRACT
Objective To estimate the prevalence of anxiety and depression symptoms and their related factors among nursing professionals in a maternity hospital during the COVID-19 pandemic.
Method Observational, descriptive and cross-sectional study carried out with 189 nursing professionals from a reference maternity hospital in Fortaleza-Ceará. Data collection took place over three months, from August to October 2020, using the Sociodemographic and Clinical Form and the Hospital Anxiety and Depression Scale. Factors related to depression or anxiety were determined by bivariate analysis using the chi-square (nominal) and Wilcoxon (numerical) tests, with a significance of p<0.05.
Results The prevalence of anxious and depressive symptoms was estimated in 58.3% and 29.6% of the participants, respectively. About 53.5% were removed due to suspected COVID-19 and 58% were infected with the virus. It was observed that professionals who worked in the emergency, obstetric clinic and maternal Intensive Care Unit were the most exposed to the risk of having depression (p=0.01055).
Conclusion and implications for practice High prevalence of anxiety and depression symptoms among participants, regardless of whether they are on the front lines of the pandemic or not. The situation requires meeting the demands of mental health.
Keywords: Anxiety; COVID-19; Depression; Maternity; Nursing
INTRODUÇÃO
A pandemia pelo novo coronavírus (COVID -19) é um grave problema de saúde mundial, considerada, desde janeiro de 2020, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), uma emergência de saúde pública de interesse internacional, por se tratar de uma doença com alta taxa de transmissibilidade e morbidade.1
O cenário da pandemia vivenciada evidenciou que existem lacunas no sistema de saúde brasileiro, como a deficiência de leitos hospitalares, escassez de recursos humanos e materiais.2 Associadas a isso, a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), a sobrecarga de trabalho para equipes subdimensionadas, a ausência de políticas de educação permanente e a testagem deficiente3 contribuem diretamente para o desgaste sofrido pelos profissionais da saúde que atuam na linha de frente no combate do vírus.
Um estudo brasileiro demonstrou que trabalhadores da saúde têm um índice de risco de 97 a 100% de serem infectados pela COVID-19 durante suas atividades profissionais. Esse elevado risco de contágio acomete desde técnicos de saúde bucal a técnicos de enfermagem, enfermeiros e médicos.4
A saúde mental dos trabalhadores tem sido alvo de estressores nessa pandemia devido à sobrecarga psicológica, fadiga, exposições a mortes em larga escala e perdas significativas, frustrações relacionadas à qualidade da assistência, ameaças, agressões e aumento do risco de infecção.2 A sobreposição desses fatores contribui para o desenvolvimento ou agravamento de transtornos mentais nessa população, com destaque para a ansiedade e depressão.5
As especificidades dos serviços de saúde podem potencializar a tensão e o estresse entre esses profissionais, a exemplo dos que trabalham em maternidades. A gestação é um estado imunológico singular. Diversas peculiaridades relacionadas a esse período torna o enfrentamento da COVID-19 ainda mais complexo, exigindo diferentes estratégias para o desenvolvimento das práticas profissionais de enfermagem.6
O número gradual de usuários graves surgiu simultaneamente ao crescente afastamento de profissionais infectados, exacerbando problemas que foram ampliados com a sobrecarga oriunda da pandemia, a saber: precarização das condições de trabalho; sobrecarga de horas trabalhadas; escassez ou falta de profissionais capacitados para assumir setores que exigem qualificações, experiência e tomada de decisão; escassez de equipamentos de proteção, entre outros desafios estruturais. Esses problemas são similares aos evidenciados em outros espaços não obstétricos. Entretanto, os cuidados obstétricos voltados ao ciclo gravídico-puerperal têm as especificidades das síndromes hipertensivas e hemorrágicas, que ampliam a exposição dos profissionais a sangue e fluidos corporais. Tais situações elevam o risco de infecção e exigem um olhar diferenciado nos cuidados ocupacionais.7,8
Estudos com enfoque nos profissionais de centros obstétricos contribuem para o delineamento de estratégias em prol da saúde dos profissionais de enfermagem − cuja prática concentram-se na obstetrícia −, a partir da identificação dos fatores de risco que podem desencadear ou potencializar transtornos mentais, a exemplo da ansiedade e depressão. Sabe-se que a infecção pelo coronavírus configura-se fator agravante do estado gestacional ou puerperal da usuária, reverberando na disseminação da doença nos profissionais.
Soma-se, a isso, a importância de se estimar a prevalência e fatores relacionados para reorientar condutas e protocolos na esfera da gestão em saúde, fomentando a elaboração de estratégias de prevenção e tratamento de agravos mentais para a equipe de enfermagem.
Perante o exposto, o estudo objetiva estimar a prevalência de sintomas de ansiedade e depressão e seus fatores relacionados, entre profissionais de enfermagem de uma maternidade, durante a pandemia de COVID-19.
MÉTODO
Estudo observacional, descritivo e transversal, realizado em uma maternidade de referência em Fortaleza, estado do Ceará, Brasil. Consideraram-se as diretrizes de Estudo Observacional em Epidemiologia (STROBE).9 O local de estudo foi escolhido pelas pesquisadoras, por tratar-se de uma maternidade de ensino e de referência para alta complexidade no atendimento de puérperas e gestantes, incluindo gestação de alto risco; e por prestar serviços ginecológicos, atender casos de violência e Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) entre as mulheres.
A população do estudo foi constituída por 189 profissionais de enfermagem. Aplicando-se a amostra para populações finitas, considerando-se a confiança de 95%, margem de erro de 5% e uma proporção de desfecho de 15% de ansiedade e depressão entre profissionais que realizam atendimento de usuárias com COVID-19,10 chegou-se ao tamanho da amostra de 189 profissionais. Para seleção dos participantes, utilizou-se a técnica de amostragem por conveniência. Os critérios de inclusão foram: profissionais de enfermagem (técnicos e enfermeiros); trabalhar na assistência durante o período da pandemia; aceitar participar da pesquisa; e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos os profissionais que se encontravam em atividade remota.
A coleta de dados ocorreu durante 3 meses, de agosto a outubro de 2020, por meio de entrevista em ambiente privativo, com duração média de 20 minutos. Foram utilizados dois instrumentos: o Formulário Sociodemográfico e Clínico e a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD).11
O Formulário Sociodemográfico e Clínico, criado pelas pesquisadoras, apresentava as seguintes variáveis: sexo; idade; procedência; raça/cor; anos de estudo; cargo; setor; renda familiar mensal; mais de um vínculo empregatício; estado civil; religião; distanciamento de familiares/amigos; família com sintomas/Covid-19; comorbidade; licença por suspeita de COVID-19; infecção e/ou internação prévia por COVID-19.
A HAD é um instrumento adaptado à população brasileira, composto por 14 itens, que busca avaliar sinais e sintomas de ansiedade e depressão de forma individual e em conjunto, sendo metade dos itens relacionados à ansiedade, e a outra metade, à depressão, apresentando conceitos separados. Na escala HAD, o conceito de depressão encontra-se centrado na noção de anedonia. Destina-se a detectar graus leves de transtornos afetivos em ambientes não psiquiátricos, porém o conceito de ansiedade não fica explícito nesse instrumento.11
A escala possibilita quatro opções de resposta, devendo o participante escolher aquela que corresponde à forma como se sentiu na última semana. Cada item do instrumento é avaliado em escala do tipo Likert, a qual varia de 0 a 3, possibilitando um espectro de pontuação de 0 a 21, em cada subescala.11 Enquanto variável desfecho, utilizou-se a escala HAD com suas subdivisões: ansiedade e depressão. Cada uma das subescalas foi transformada em um desfecho específico, utilizando-se o ponto de corte 8, ou seja, para valores ≥8, considerou-se possuir sintomatologia de ansiedade ou depressão.
Para a análise de dados, realizou-se descrição das variáveis nominais por meio de frequência simples e relativa, e quanto às variáveis numéricas, foram apresentados a mediana e o intervalo interquartílico. A seguir, compararam-se as variáveis preditoras com a presença ou ausência de depressão ou ansiedade por intermédio do teste qui-quadrado (para variáveis nominais) e Wilcoxon (para variáveis numéricas), considerando significante o valor de p<0,05.
O estudo foi desenvolvido de acordo com o preconizado pela Resolução n.º 466, de 2012, do Conselho Nacional de Saúde e complementaridades, que descreve os padrões éticos e morais de pesquisa envolvendo seres humanos, garantindo os direitos do participante e os deveres da pesquisa referentes à comunidade científica. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Maternidade Escola Assis Chateaubriand, no dia 31 de julho de 2020, sob o CAAE n.º 35340620.1.0000.5050 e Parecer n.º 4.184.752.
RESULTADOS
Responderam ao formulário de pesquisa 189 profissionais, sendo 48,2% enfermeiros e 51,8% técnicos de enfermagem. Observou-se predominância do sexo feminino (69,3%; n=182), com idade mediana de 40 anos (IIQ 34 – 46), procedentes de Fortaleza-Ceará (69,6%). A raça/cor preponderante foi a parda (57,4%; n=105). A mediana de anos de estudo foi 17 (IIQ 12 – 19) (Tabela 1).
Associação entre fatores sociodemográficos e a ocorrência de ansiedade/depressão em profissionais de enfermagem (n=189). Fortaleza, CE, Brasil, 2022.
A prevalência de sintomatologia ansiosa foi 43,4% (36,4% - 50,6%), sendo mais prevalente entre as participantes do sexo feminino. Os setores de trabalho mais comuns foram aqueles da linha de frente (62,6%; n=117) emergência; clínica obstétrica (designada pela gerência do Hospital como Unidade COVID-19); UTI (Unidade de Terapia Intensiva) materna. Dos 117 trabalhadores da linha de frente, 40,2% apresentaram sintomatologia de ansiedade, enquanto a taxa de ansiedade nos demais profissionais foi de 50%. A renda familiar mensal predominante variou de 3 a 5 salários-mínimos (44,4%; n=37), a maioria dos profissionais eram casados (57,5%; n=108) e católicos (64,9%; n=122) (Tabela 1).
A prevalência de sintomatologia depressiva foi 29,6%, sendo mais prevalente no público feminino − 30,2%. Dos entrevistados que apresentaram sintomatologia depressiva, 23,5% eram enfermeiros e 36,3%, técnicos de enfermagem. A maioria dos funcionários entrevistados (62,6%; n=117) estava atuando em setores da linha de frente, recebendo usuárias com suspeita ou casos confirmados de COVID-19. Os profissionais que trabalhavam nos setores da emergência, clínica obstétrica e UTI (Unidade de Terapia Intensiva) materna foram os mais expostos ao risco de ter depressão (p=0,01055). Houve associação estatisticamente significativa entre a quantidade de anos de estudo e a sintomatologia depressiva (p=0,033). Os demais fatores não foram associados à presença de sintomatologia de ansiedade ou depressão (p>0,05) (Tabela 1).
Quanto à vivência com COVID-19, 66,3% (n=122) praticaram distanciamento de família/amigos e 55,1% (n=102) tiveram algum familiar/amigo com sintomas da doença. Além disso, 53,5% (n=100) receberam licença médica por suspeita de COVID-19 e 58% (n=109) foram infectados pelo vírus. A maior parte dos profissionais não referiu internamento devido à doença (98,4%). Não houve associação estatisticamente significativa entre a vivência com COVID-19 e a presença de sintomas de ansiedade ou depressão (p>0,05) (Tabela 2).
Associação entre os fatores relacionados à vivência de COVID-19 e a ocorrência de ansiedade/depressão em profissionais de enfermagem (n=189). Fortaleza, CE, Brasil, 2022.
Dos participantes, 83,6% (n=158) realizaram testagem para COVID-19, sendo o teste rápido o exame mais utilizado (Tabela 3).
Associação entre os exames realizados e a ocorrência de ansiedade/depressão em profissionais de enfermagem (n=189). Fortaleza, CE, Brasil, 2022.
DISCUSSÃO
Evidenciou-se, no presente estudo, alta prevalência de sintomas de ansiedade e depressão entre os profissionais de enfermagem, tanto nos que atuavam na linha de frente da pandemia de COVID-19 quanto nos que trabalhavam nos demais setores.
Tais dados podem estar relacionados ao risco iminente desses profissionais em razão de encontrarem-se expostos ao vírus, pelo fato exercerem suas atividades laborais em uma instituição hospitalar que acolhe pessoas acometidas da doença. Esses resultados também foram identificados no estudo de Gupta et al.,12 que demonstraram o aumento do sofrimento mental entre os profissionais de enfermagem durante a pandemia − em especial dos que atuam em obstetrícia −, haja vista que a saúde materna e neonatal, sob a responsabilidade desses profissionais, é composta por importantes indicadores de saúde global.13
Os profissionais que não estavam na linha de frente apresentaram menor chance de ter depressão. Esse fato pode ser justificado devido aos profissionais da linha de frente estarem diante de maior risco de infecção do vírus, da sensação de impotência em face de uma doença permeada pela incerteza, e do sofrimento físico e psíquico diante das mortes ocorridas no decorrer da oferta de cuidados.
Resultados semelhantes foram apresentados em estudo realizado na China, na cidade de Wuhan, que comparou o impacto psicológico do surto de COVID-19 entre trabalhadores médicos da linha de frente (1173) e aqueles exerciam atividades em outros setores (1173). Os resultados mostraram que os profissionais da linha de frente tiveram taxas mais altas de qualquer problema mental (52,6% vs. 34,0%) − sintomas de ansiedade (15,7% vs. 7,4%), humor deprimido (marginalmente insignificante; 14,3% vs. 10,1%) e insônia (47,8% vs. 29,1%), por exemplo −, quando comparados com os trabalhadores médicos de outros setores.10
Na pesquisa, entre os fatores associados ao iminente risco de apresentar sintomas depressivos, destacou-se o maior tempo de estudo. A literatura comprova que os profissionais de enfermagem já apresentam enorme predisposição para sofrimento mental em situações cotidianas. Resultado semelhante demonstrou que esse fator é considerado de risco para ansiedade, pois proporciona um cotidiano intenso com os usuários e equipe.14
No presente estudo, a maioria dos participantes referiu haver se distanciado da família e dos amigos como forma de proteção, embora esse fato não tenha sido estatisticamente associado ao risco de depressão ou ansiedade. Esse distanciamento pode impactar na saúde mental, considerando que o homem é um ser sociável e necessita relacionar-se com os outros para sua formação individual. Essa socialização foi alterada durante o período de pico da pandemia, em decorrência da necessidade de isolamento social para mitigar a transmissão do vírus, induzindo a população mundial a enfrentar apreensão, medo, solidão, pânico e ansiedade.15,16
Dentre as medidas de prevenção para controle da COVID-19, o isolamento social é a medida mais adotada mundialmente, com efeitos positivos nas taxas de transmissão. Para proteger seus familiares e amigos, muitos profissionais de saúde se distanciaram fisicamente dessas pessoas, diminuindo sua rede de apoio afetiva e social. Esse distanciamento, associado a vários outros fatores estressores, leva a um desequilíbrio psíquico e mental.17 Isso desencadeia sofrimento mental, gerando incertezas e sintomas de ansiedade e depressão.
Outro ponto a ser discutido é a influência do fator religião, embora na presente pesquisa a religiosidade não repercutiu em menor risco para sintomas de ansiedade e depressão. Tal achado diverge de outros estudos, ao apontarem que participar de alguma religião torna-se um significativo mecanismo de enfrentamento para a saúde mental, controle do estresse, redução da ansiedade e depressão.18,19 Vale ressaltar que recursos pessoais podem ser desenvolvidos pelo trabalhador como mecanismos de defesa para neutralizar o sofrimento e potencializadores da resiliência. Incluem fé na transcendência, apoio da equipe, família, religião, prática de atividades físicas, experiência profissional e aprimoramento.
Identificou-se também que a maioria dos profissionais foi infectada com o coronavírus, sendo o teste rápido o tipo de exame mais utilizado para diagnosticar os casos; e verificou-se que um número reduzido de profissionais necessitou de internação. A confirmação diagnóstica por meio do teste rápido pode estar relacionada à falta de disponibilidade de testes moleculares na rede pública no período da pesquisa. Até o dia 6 de novembro de 2021, tinham sido notificados 650.456 casos de síndrome gripal suspeitos de COVID-19 em profissionais de saúde no e-SUS Notifica. Destes, 153.247 (23,6%) foram confirmados para COVID-19. As profissões de saúde com maiores registros dentre os casos confirmados de síndrome gripal por COVID-19 foram técnicos/auxiliares de enfermagem (45.631; 29,8%), seguidos de enfermeiros e afins (25.853; 16,9%) e médicos (16.574; 10,8%).20
Mais da metade dos entrevistados afastou-se do setor por causa dos sintomas da doença. Essa ausência leva ao absenteísmo, desfalcando as equipes, sobrecarregando aqueles que se mantiverem sadios para continuar na assistência. Além de fazer falta para seus filhos, pais, mães e companheiros, e representar risco à população, pois esse profissional pode ser fonte de contágio para seus familiares ou a sociedade.21 Estudo realizado com profissionais de enfermagem em um hospital de São Paulo identificou que, dentre os motivos do absenteísmo, os transtornos mentais e comportamentais eram os mais prevalentes.22
CONCLUSÃO E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA
Observou-se alta prevalência de sintomas de ansiedade e depressão entre os profissionais de enfermagem, independentemente de estes estarem na linha de frente da pandemia de COVID-19 ou não. Evidenciou-se maior prevalência de sintomas de ansiedade e depressão no público feminino, com idade mediana de 40 anos, e em técnicos de enfermagem. Os sintomas de depressão foram mais prevalentes em profissionais que atuavam na linha de frente da pandemia e naqueles que atendiam usuárias com suspeita ou casos confirmados.
Os resultados indicam que ações visando à melhoria das condições de trabalho e atendimentos psicológicos aos profissionais são benéficas para a manutenção e fortalecimento das condições de saúde mental dessa população. Recomenda-se que as instituições realizem capacitações e atendimentos psicológicos on-line direcionados aos profissionais de enfermagem que atuam ou não na linha de frente de combate à COVID-19, a fim de aliviar os impactos na saúde mental desses profissionais, assim como promover estratégias de enfrentamento e gerenciamento das emoções.
Diante do exposto, sugere-se a realização de novos estudos abordando profissionais que atuem tanto na linha de frente contra a pandemia quanto em atividade remota. Dessa forma, observar-se-á se a presença física no ambiente de trabalho agrega sentimentos que intensificam os sinais e sintomas de ansiedade e depressão no contexto da pandemia.
Evidenciou-se como limitações do estudo o fato de que, apesar de a escala HAD ser um instrumento eficaz na mensuração de sintomas de ansiedade e depressão em ambientes hospitalares, é considerada mecanismo de rastreio, não estabelece diagnóstico, necessitando de avaliação psicológica. Além disso, outro fator limitante da pesquisa é ter sido realizada em apenas uma instituição de saúde, bem como a não realização da pesquisa incluindo profissionais em atividade remota ou que se encontravam afastados das atividades laborais por adoecimento.
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Editado por
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EDITOR ASSOCIADO
https://orcid.org/0000-0002-2547-9906
Antonio José de Almeida Filho
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EDITOR CIENTÍFICO
https://orcid.org/0000-0002-1522-9516
Ivone Evangelista Cabral
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Jul 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
04 Mar 2022 -
Aceito
26 Maio 2022