Resumo
Objetivo descrever a experiência de participar da criação do Museu da Enfermagem da Universidade Federal do Piauí e sua contribuição na preservação da história e da memória da profissão.
Método trata-se de relato de experiência de natureza descritiva acerca do trabalho desenvolvido para organizar, guardar e preservar documentos e objetos relativos à enfermagem piauiense, que culminou com a inauguração do Museu da Enfermagem da Universidade Federal do Piauí, pertencente ao Departamento de Enfermagem do Centro de Ciências da Saúde.
Resultados relato de fatos que antecederam a criação do museu, a definição do ambiente para organização, guarda e preservação de documentos e objetos que culminou na inauguração do espaço museológico e a constituição de seu acervo que inclui vestimentas, documentos escritos, iconográficos e jornalísticos, obras históricas de enfermagem, objetos institucionais e biográficos, bem como objetos de enfermagem e assistência à saúde.
Conclusão e implicações para prática o local contribui para a preservação da história e memória da enfermagem, por tratar-se de um espaço de exposição, pesquisa e formação permanente que possibilita a reconstrução da identidade e história da profissão.
Palavras-chave:
Enfermagem; Ensino de Enfermagem; História da Enfermagem; Memória; Museus
Abstract
Objective to describe the experience of participating in the creation of the Universidade Federal do Piauí Nursing Museum and its contribution to preserving the history and memory of the profession.
Method this is a descriptive experience report about the work carried out to organize, store and preserve documents and objects relating to nursing in Piauí, which culminated in the inauguration of the Universidade Federal do Piauí Nursing Museum, belonging to the Nursing Department of the Health Sciences Center.
Results a report of the events that preceded the creation of the museum, the definition of the environment intended to organize, store and preserve documents and objects, which culminated in the inauguration of the museum space and the establishment of its collection, which includes clothing, written, iconographic and journalistic documents, historical nursing works, institutional and biographical objects, as well as nursing and healthcare objects.
Conclusion and implications for practice the site contributes to preserving the nursing history and memory, as it is a space for exhibition, research and ongoing training that enables us to reconstruct the identity and history of this profession.
Resumen
Objetivo describir la experiencia de participar en la creación del Museo de Enfermería de la Universidade Federal do Piauí y su contribución a la preservación de la historia y memoria de la profesión.
Método se trata de un relato descriptivo de experiencia sobre el trabajo de organización, almacenamiento y conservación de documentos y objetos relacionados con la enfermería en Piauí, que culminó con la inauguración del Museo de Enfermería de la Universidade Federal do Piauí, perteneciente al Departamento de Enfermería del Centro de Ciencias de la Salud.
Resultados relato de los acontecimientos que precedieron a la creación del museo, la definición del entorno de organización, almacenamiento y conservación de documentos y objetos, que culminó con la inauguración del espacio museístico y la constitución de su acervo, que incluye indumentaria, documentos escritos, iconográficos y periodísticos, obras históricas de enfermería, objetos institucionales y biográficos, así como objetos de cuidados de enfermería y de salud.
Conclusión e implicaciones para la práctica el sitio contribuye a la preservación de la historia y la memoria de la enfermería, ya que es un espacio de exposición, investigación y formación continua que permite la reconstrucción de la identidad y la historia de la profesión.
Palabras clave:
Enfermería; Educación en Enfermería; Historia de la Enfermería; Memoria; Museos
INTRODUÇÃO
Os museus e centros de memória guardam e preservam obras e artefatos que constituem acervos representativos da história e da cultura de um povo. Ao serem reunidos em espaços museais, tornam-se objetos que compõem locais de produção de conhecimento, que intermediam a construção social da memória e favorecem a interdisciplinaridade.1
Com esse pensamento, o museu, como espaço de produção de conhecimento, originou-se no Palácio de Alexandre, fundado por Ptolomeu Filodelfo no século III a.C. na Alexandria e funcionava como uma instituição pluridisciplinar de ensino e de pesquisa, com financiamento do Estado.2 Essa concepção perdura na atualidade, como espaço de ensino e pesquisa, com uma variedade de objetos de estudo disponíveis a pesquisadores e estudantes, originando pontos de interseção nos contextos das práticas sociais.1
No Brasil, a criação e a reformulação de museus vêm acontecendo no contexto de políticas públicas, promovidas pelo Estado e relacionadas ao interesse de formação e instrução das pessoas e da sociedade,3 na construção de uma identidade coletiva em constante desenvolvimento, de acordo com os momentos sociopolíticos vividos.4
Nesse sentido, a enfermagem brasileira, neste início do século XXI, também tem mostrado preocupação com a memória e a identidade profissional, expressa na criação e manutenção de acervos institucionais,1 considerando que todos os tipos de guarda e preservação da memória são indispensáveis, visto ser a partir deles que se perpetua o conhecimento do legado construído pelas profissionais de enfermagem no Brasil.4
Nesse esforço de perpetuar o conhecimento e a história da enfermagem sobressai-se o Curso de Enfermagem da Universidade Federal do Piauí (UFPI), o primeiro do estado do Piauí, instituído em 1973, no Campus Ministro Portela, localizado na cidade de Teresina, capital do estado. Seu primeiro vestibular foi realizado neste mesmo ano, embora a criação da Coordenação de Enfermagem tenha acontecido somente em 06 de outubro de 1975.5
O Curso de Enfermagem da UFPI, ao longo dos seus 50 anos consolidou-se como um instrumento de profissionalização da enfermagem no estado. Nesse sentido, destaca-se a atuação da Professora Benevina Maria Vilar Teixeira Nunes que se dedicou a estudar e divulgar estudos na área, com enfoque principal na história da enfermagem piauiense. Em 2008, a referida professora criou o Grupo de Estudo em Educação e História em Enfermagem e Saúde, do qual foi líder até o ano de 2021, quando faleceu. Com valoroso capital intelectual e social adquirido em sua jornada, a Professora Benevina Maria Vilar Teixeira Nunes almejava criar e manter um espaço para a guarda e preservação do acervo da enfermagem do Piauí.
Com o falecimento da Professora Benevina Maria Vilar Teixeira Nunes, o compromisso social com a construção do Museu da Enfermagem da Universidade Federal do Piauí (MEUFPI), foi assumido pela comunidade acadêmica da universidade. Considera-se que a constituição deste espaço memorial, vai além de um lócus para contar a história da enfermagem. Tornou-se espaço de compromisso social com a preservação da trajetória da profissão, fomentador do desenvolvimento de pesquisas no campo da história da Enfermagem, visibilizando a classe e identidade profissional da enfermagem no estado do Piauí e no Brasil.
Face ao exposto, o objetivo deste relato foi descrever a experiência de participar da criação do MEUFPI e sua contribuição na preservação da história e da memória da profissão.
MÉTODO
Trata-se de relato de experiência sobre o trabalho desenvolvido para organizar, guardar e preservar documentos e objetos relativos à enfermagem piauiense, que culminou com a inauguração do MEUFPI. O processo ocorreu ao longo de nove meses, entre janeiro e setembro de 2023, e envolveu o uso de recursos humanos, materiais, tecnológicos e financeiros, além de parcerias institucionais que foram essenciais para o desenvolvimento do projeto.
Os relatos de experiência referem-se à descrição de um fato e, na maior parte das vezes, apresentam a experiência individual ou de um determinado grupo de profissionais sobre uma certa situação. Não existe, ainda, um guideline específico que norteie a escrita desse tipo específico de publicação.6
Esta experiência contou com a participação de quatro docentes do Departamento de Enfermagem da UFPI, que lideraram o processo e atuaram na coordenação das atividades, juntamente com duas doutorandas que participaram nas etapas de pesquisa e catalogação, e uma docente de outra instituição de ensino superior, que contribuiu com sua experiência em gestão de espaços museais.
Para a organização e preservação do acervo, foram utilizados equipamentos de digitalização, como scanners e máquinas fotográficas de alta resolução, além do software Photoshop, que permitiram a digitalização e a criação de cópias digitais dos documentos históricos e das fotografias. O Excel foi empregado para catalogar e organizar os itens de forma sistemática, garantindo que cada peça fosse devidamente identificada e registrada em um banco de dados. Para a preservação e exposição do acervo, foram adquiridos materiais específicos, como expositores, manequins, televisores e painéis.
A criação do MEUFPI teve o apoio da administração central da UFPI, que forneceu aporte financeiro e a infraestrutura física para a instalação do museu. Contou também com o apoio de instituições privadas que contribuíram com a doação de serviços de planejamento de interiores, fabricação e montagem dos expositores, impressão das fotografias e criação da identidade visual.
A análise dos dados foi realizada a partir do experienciado pelas autoras deste estudo, durante a criação do MEUFPI e a discussão foi desenvolvida considerando referenciais do campo da história da enfermagem.
Este relato de experiência descreve as atividades desenvolvidas pelas autoras e seguiu a legislação vigente em relação aos preceitos éticos,6 não necessitando de apreciação por Comitê de Ética em Pesquisa.
RESULTADOS
Antecedentes da criação do museu
O MEUFPI foi um sonho gestado ao longo de alguns anos. Em 2017 iniciou-se o planejamento para a sua execução, quando foi contatada a administração superior da universidade para deliberação da área para sua localização, definida no próprio Departamento de Enfermagem, tendo início o processo para autorização das alterações na estrutura física do local.
Nesse ínterim, entre idas e vindas, nos anos seguintes ocorreram mudanças políticas significativas na administração das instituições públicas federais de ensino superior, ocorrendo bloqueios e cortes no orçamento dessas instituições com consequente limitação dos gastos públicos sob a justificativa de respeitar a chamada “regra do teto de gastos”, em vigência no país. Somado a isso, a ocorrência da pandemia COVID-19 postergou, por alguns anos, os planos em andamento. Ainda, na sequência de todos esses obstáculos, em 11 de julho de 2021, repentinamente, a Professora Benevina Maria Vilar Teixeira Nunes, por uma fatalidade, deixou-nos.
Somente no início de 2023, retomaram-se os esforços para a criação do MEUFPI. Nesse período, foi criada uma comissão composta pelas professoras chefes e coordenadoras do Departamento de Enfermagem com o objetivo de buscar o apoio da administração superior para as comemorações do cinquentenário de criação do Curso de Graduação em Enfermagem da UFPI. Destaca-se que dentre essas ações, o maior destaque foi dado para a criação do museu.
Além do apoio institucional, a comissão estabeleceu parceria com o Curso de Artes Visuais da UFPI e com a empresa LUCAIA Artes e Ofícios, que elaborou e executou o projeto de interiores. Contou-se também com a parceria da empresa Parler Comunicação que criou a identidade visual do museu. As Figuras 1 e 2 registram reuniões da referida comissão em janeiro e maio de 2023, respectivamente.
Professor Doutor Viriato Campelo Vice-Reitor da UFPI e as Professoras Doutoras Patrícia Carvalho e Ana Santos (esquerda), Tereza Galiza e Lívia Carvalho (direita). Teresina, Piauí, Brasil, 2023.
Professor Doutor Viriato Campelo, Professor Paulo Vasconcelos e Professoras Doutoras Patrícia Carvalho, Ana Santos e Lívia Carvalho. Teresina, Piauí, Brasil, 2023.
Infraestrutura, organização, guarda e preservação do acervo no Museu da Enfermagem da Universidade Federal do Piauí
O projeto de interiores do museu contou com uma área de 120 metros quadrados, a qual foi dividida em três salas, onde foram organizados sete cenários para facilitar o acesso e consulta da comunidade, distribuídos na sequência: Pioneiras da Enfermagem; História da Enfermagem; Ensino da Enfermagem; Enfermagem no Piauí; Enfermagem na UFPI; Enfermagem nos Hospitais; e Enfermagem do Futuro. A Figura 3 retrata alguns desses cenários.
Cenários do Museu da Enfermagem da Universidade Federal do Piauí com exposição do acervo. Teresina, Piauí, Brasil, 2023.
Os documentos e objetos que compõem o acervo do MEUFPI foram doados ou adquiridos por membros do Grupo de Estudo em Educação e História em Enfermagem e Saúde. Entre aqueles doados, destaca-se no acervo de indumentárias, o uniforme de Maria Otávia de Andrade Poti, primeira enfermeira piauiense, doado por sua família, composto, inclusive, por braçadeira com a cruz de Malta bordada em vermelho e um broche em ouro, símbolo da Escola Anna Nery, na qual a referida personagem graduou-se.
No acervo documental, encontram-se exemplares de revistas, livro de atas e relatório técnicos doados pela Revista de Enfermagem da UFPI (REUFPI), pela Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) e pela irmã vicentina Abrahíde Alvarenga. Quanto aos objetos biográficos ressaltam-se as fichas sobre procedimentos de enfermagem e um broche da Escola Anna Nery doados pela enfermeira Maria Vieira de Moares. Os objetos de cuidado de enfermagem e saúde foram doados pela UFPI e pelo Hospital Getúlio Vargas (HGV), considerado um dos maiores hospitais públicos do estado do Piauí, localizado em Teresina.
Acervo das indumentárias
No cenário “Pioneiras da Enfermagem”, encontram-se expostas três indumentárias que representam personagens de destaque da enfermagem, cuja personagem mundial homenageada, foi Florence Nightingale. A vestimenta escolhida para representar essa personagem foi uma réplica do uniforme utilizado por ela ao desenvolver cuidados de enfermagem na Guerra da Crimeia.
Anna Justina Ferreira Nery foi a personagem nacional eleita, cuja réplica da roupa utilizada para representá-la foi baseada na sua vestimenta no quadro pintado por Victor Meirelles de Lima em 1873.
A personagem local homenageada foi Maria Otávia de Andrade Poti, formada pela Escola de Enfermagem Anna Nery em 1943, selecionada por ter sido a primeira enfermeira piauiense a desenvolver esta função no HGV, em Teresina, no ano de 1944. A vestimenta é original, usada por ela nas atividades profissionais no referido hospital, segundo seus familiares.
No cenário “Enfermagem no Piauí” a personagem homenageada foi a Professora Benevina Maria Vilar Teixeira Nunes, por seu profissionalismo, conhecimento, compromisso, ética, generosidade, humildade e humanidade no ensino da enfermagem. A vestimenta escolhida para representá-la foi a réplica da beca usada por ela em sua solenidade de formatura no dia 20 de julho de 1979, selecionada por ter sido um momento de grande destaque da personagem, quando foi escolhida oradora oficial entre todos os formandos do primeiro período de 1979 da UFPI.
Acervo documental
No cenário “Enfermagem na UFPI”, encontram-se expostos documentos históricos relacionados à enfermagem nesta instituição de ensino superior e no estado do Piauí. Dessa forma, o MEUFPI guarda o primeiro livro de atas do Centro de Ciências da Saúde, o qual retrata a criação deste centro na UFPI, no ano de 1973, composto na época pelos cursos de Medicina, Odontologia e Enfermagem.
Outro documento significativo que compõe o acervo documental refere-se ao primeiro livro de atas da ABEn da seção Piauí (ABEn/PI), por tratar-se da primeira associação de enfermagem no estado, criada pela Irmã Vicentina Abrahíde Alvarenga em 22 de março de 1959.
Conta-se também com um exemplar do relatório da direção da Escola Maria Antoinette Blanchot, referente ao período 1958-1978, intitulado “Na memória uma lembrança”. Ressalta-se que essa escola, de nível médio, criada em 28 de junho de 1958, foi a primeira instituição de ensino de enfermagem no estado do Piauí.
Há, também, três volumes impressos da REUFPI, referentes aos anos de 2012, 2013 e 2014. Embora a REUFPI, atualmente, seja uma revista em formato eletrônico, esses três primeiros volumes foram impressos.
Acervo iconográfico
O acervo imagético está distribuído em todos os cenários do MEUFPI. Assim, há réplicas de fotografias, documentos, gravuras e desenhos dispostos desde o primeiro cenário, “Pioneiras da Enfermagem”, até o último, “Enfermagem do Futuro”. Toda a iconografia foi selecionada, classificada e organizada por cenário, com descrição inserida em planilhas, digitalizadas na integralidade, sendo possível acessar essas fontes de forma eletrônica.
Acervo jornalístico
Nos cenários “Enfermagem no Piauí” e “Enfermagem na UFPI” encontram-se imagens do acervo jornalístico de diferentes jornais, tais como “O Dominical”, um semanário de orientação católica cuja reportagem é relativa à criação da Escola Maria Antoinette Blanchot. Há também reportagem do jornal “O Dia” de Teresina, acerca de fatos polêmicos relacionados ao funcionamento inicial e, condições inadequadas do curso de enfermagem na UFPI. Há ainda matérias jornalísticas relativas às personagens locais da enfermagem, como Professora Benevina Maria Vilar Teixeira Nunes e a enfermeira Maria Otávia de Andrade Poti, publicadas no “Jornal da Cidade” do município de Campo Maior e no jornal “O Dia”, respectivamente.
Acervo das obras históricas da enfermagem
No cenário “Enfermagem na UFPI”, encontram-se obras históricas da enfermagem, no âmbito internacional e nacional. Uma obra internacional rara que está disponibilizada no acervo, no idioma original é o livro “Notes on Nursing”, de autoria de Florence Nightingale, escrito em 1859.
No âmbito nacional existem diversas publicações da ABEn, tais como o livro “Associação Brasileira de Enfermagem: ABEn 1926-1976 (Documentário)”, de Anayde Correa de Carvalho. Existem ainda vários exemplares da Revista Brasileira de Enfermagem e do Boletim Informativo da ABEn.
O referido cenário conta ainda com exemplares do livro “História da Associação Brasileira de Enfermagem: Seção Piauí”, obra que fez um resgate histórico dos 50 anos da ABEn Piauí, assim como CD dos Anais do 60 Seminário Nacional de Diretrizes para a Educação em Enfermagem, realizado em Teresina em 2002.
Acervo dos objetos institucionais e biográficos
No cenário “Enfermagem na UFPI”, guardam-se objetos como a réplica da lâmpada utilizada por Florence durante as vigílias no hospital da Crimeia, assim como outros objetos. Entre os objetos biográficos, merecem destaque as fichas sobre procedimentos de enfermagem elaboradas na Escola de Enfermagem Anna Nery e um broche dessa escola.
Acervo dos objetos do cuidado de enfermagem e saúde
No cenário “Enfermagem nos Hospitais”, encontra-se um acervo de objetos do cuidado de Enfermagem e Saúde, que evidencia suas utilizações pela Enfermagem em diferentes épocas da trajetória histórica da profissão.
No último cenário, “Enfermagem do Futuro”, encontram-se expostos equipamentos e materiais utilizados pelos Enfermeiros na atualidade, representando as novas tecnologias em saúde que, a cada dia, se mostram mais surpreendentes e práticas, essenciais para o desenvolvimento das atividades dos enfermeiros nas diferentes especialidades.
Após superar os desafios, o MEUFPI foi inaugurado em 29 de setembro de 2023, durante uma cerimônia que celebrou não apenas a trajetória dos 50 anos do curso de enfermagem da UFPI, mas também o legado da enfermagem no estado do Piauí e no Brasil. A experiência de criar o MEUFPI destaca a importância de um planejamento cuidadoso, a necessidade de parcerias estratégicas e o envolvimento da comunidade acadêmica e profissional para o sucesso de um projeto museal. Esse processo de criação e implantação oferece um modelo que pode inspirar e orientar a criação de outros espaços museais dedicados à preservação da memória de profissões e áreas do conhecimento.
Destaca-se que a descrição deste resultado busca não apenas relatar a experiência vivida, mas também servir como uma contribuição prática para outras iniciativas que pretendam criar espaços museais voltados à preservação da memória e história da enfermagem, bem como de outras áreas profissionais.
DISCUSSÃO
Os esforços dispensados para a criação do MEUFPI se assentam no entendimento de sua importância para a sociedade e para formação profissional em enfermagem, de modo a contribuir para o fortalecimento dos processos históricos e a compreensão do processo construtivo da profissão.7
As indumentárias são um acervo de destaque no MEUFPI e possibilitam constatar que os uniformes, por serem vestimentas elaboradas para determinada categoria, identificam aquela pessoa que está usando como pertencente a um grupo ou a uma instituição. Assim, ao caracterizar quem usa, funcionam como objeto disciplinador e padronizam as atitudes e comportamentos de quem os veste. Com isso, deduz-se que o uniforme das enfermeiras evidencia suas qualidades, construindo sua imagem social.7
Na evolução do cuidado de enfermagem, o estilo religioso dos uniformes das enfermeiras permaneceu semelhante ao de religiosas até o momento que Florence Nightingale fundou a Escola de Enfermagem Nightingale no Hospital St. Thomas, em Londres, em 1860, quando então foram estabelecidas recomendações acerca dos uniformes.8
Verifica-se que, ainda no século XIX, Florence já indicava e chamava a atenção da Inglaterra para a importância da higiene como um dos princípios básicos, às vezes, ignorado no cotidiano, porém fundamental. Este fato posteriormente serviu de exemplo para o mundo.9
Em relação à indumentária da personagem nacional, o artista retratou a homenageada em sua obra, como uma legítima guerreira, que se expõe aos perigos do trabalho, tal como na atualidade, o fazem muitas profissionais de saúde, especialmente em tempos difíceis.10 Alterou-se a cor da roupa, adaptando-a às cores do museu, relacionando-a à cor verde da enfermagem, na atualidade.
O uniforme utilizado por Maria Otávia de Andrade Poti, demonstra o significado simbólico que o uniforme da Escola Anna Nery representava para as ex-alunas, relacionado à imagem da enfermeira e à sua identidade profissional, ao caracterizar a conduta exemplar. O mesmo valor também foi aplicado às insígnias, parte essencial do uniforme, na visão dessas profissionais.7
Quanto ao acervo documental, a análise do primeiro livro de atas do Centro de Ciências da Saúde nos leva a concordar com argumentos apontados à época que informavam que o curso de enfermagem foi inserido na UFPI com o objetivo principal de viabilizar a constituição desse centro.5
O relatório dos 20 anos de funcionamento da Escola Maria Antoinette Blanchot, evidencia o trabalho desenvolvido pela Irmã Vicentina Abrahide Alvarenga no Piauí que proporcionou o desenvolvimento de um contingente significativo de auxiliares de enfermagem que prestavam serviço em diversas instituições de saúde do estado do Piauí, assim como em estados vizinhos.11
Assim, constata-se que os documentos existentes no MEUFPI possuem valor histórico, representam fontes para pesquisas na história da enfermagem e possibilitam a análise com interpretações das representações de cada época.12
A exposição dos volumes impressos da REUFPI é uma forma de reconhecer a importância dessa revista no contexto da UFPI. Trata-se de periódico on-line, editado pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, cuja primeira edição foi publicada em 2012 e, na última Avaliação da Pós-Graduação desenvolvida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), referente ao quadriênio 2017/2020, atingiu o Qualis B1, encontrando-se desde 2019 entre as 50 revistas mais citadas na América Latina segundo o Ranking Cuiden Citación.13
O acervo iconográfico presente nos cenários do MEUFPI mostra que o museu é um importante recurso educativo acerca das contribuições da enfermagem, por ser um repositório onde as pessoas colocam recordações de valor inestimável, oferecendo uma visão fascinante do passado e presente da enfermagem.14 Trata-se de um local que oferece aos enfermeiros a oportunidade de constatar que participam de uma profissão honrosa.15
Em relação ao acervo jornalístico, a materialidade das fontes históricas, futuramente, possibilitará a compreensão do passado e poderá auxiliar os pesquisadores a entenderem o vivido, especialmente os problemas e os dilemas da enfermagem.16
O acervo dos objetos institucionais e biográficos guarda objetos pessoais e de arte doados por professoras do Departamento de Enfermagem e enfermeiras que demonstram a dedicação e amor à enfermagem. Acredita-se que socializar os espaços museais com os estudantes de enfermagem, enfermeiros e a comunidade científica interessada na existência e preservação desses locais poderá contribuir para despertar a consciência ética do seu passado recente, necessária para a preservação da memória e da identidade da profissão.17
O acervo dos objetos do cuidado de enfermagem e saúde expostos no MEUFPI, possibilita que as novas gerações de enfermeiros possam entrever como era o cuidado e como ele acontecia, quais eram as tecnologias utilizadas, para com isso ampliar as concepções do cuidado.4
A criação do MEUFPI representa um espaço de resgate, resistência e contemplação. É um espaço de resgate, pela importância de documentar e transformar o espaço em um ambiente da memória. É um espaço de resistência, pela própria condição na área de saúde. E é um espaço de contemplação, pelo passado que conta a trajetória que resulta na enfermagem atual, mas também de um futuro em que, enfermeiros, serão profissionais mais valorizados.
CONCLUSÃO E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA
Este relato de experiência descreveu a criação do MEUFPI, desde a sua idealização até a sua abertura para visitação da comunidade universitária e a sociedade em geral. Acredita-se que o local contribui para a preservação da memória da enfermagem, por tratar-se de um espaço de exposição, pesquisa e formação permanente que possibilita a reconstrução da identidade e da história da profissão.
A experiência contribuiu para ampliar e divulgar o conhecimento sobre iniciativas exitosas no âmbito dos espaços de formação dos profissionais de enfermagem, especialmente no tocante à valorização da história da enfermagem.
Como limitação do estudo, aponta-se o apagamento da memória do cerimonial das colações de grau, como o discurso da Professora Benevina Maria Vilar Teixeira Nunes, proferido na solenidade de formatura dos concludentes do primeiro período de 1979 da UFPI, o qual não foi localizado.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à UFPI e à Secretaria de Estado da Cultura do Piauí pela ajuda para a criação do MEUFPI. Também agradecemos a parceria com a LUCAIA Artes e Ofícios, na pessoa do professor da UFPI e arquiteto Paulo Castello Branco de Vasconcelos Filho e sua equipe, pela execução da obra, e a Parler Comunicação, na pessoa da publicitária Débora dos Santos Oliveira, pela criação da identidade visual do museu. Agradecemos também aos alunos do curso de graduação em enfermagem da UFPI, membros do Grupo de Estudo em Educação e História em Enfermagem e Saúde, pela contribuição.
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EDITOR CIENTÍFICO
Marcelle Miranda da Silva https://orcid.org/0000-0003-4872-7252