Resumo
Objetivo Refletir sobre a Teoria de Sistemas de Betty Neuman no cuidado holístico de enfermagem ao paciente oncológico.
Método Trata-se de um estudo reflexivo, originado a partir do estudo do paradigma do Pensamento Sistêmico/Teoria Geral dos Sistemas de Ludwig von Bertalanffy com base em discussões de uma disciplina de pós-graduação em enfermagem, tendo como referencial a Teoria dos Sistemas de Betty Neuman.
Resultados O Modelo de Sistemas de Betty Neuman é uma abordagem de enfermagem holística baseada na Teoria Geral dos Sistemas. Para o paciente oncológico, enfatiza a avaliação e abordagem de aspectos físicos e psicossociais que afetam sua saúde. Com foco na prevenção, promoção e reabilitação do sistema, busca reduzir estressores e manter o equilíbrio. A perspectiva sistêmica facilita a coleta de dados e ações adequadas.
Considerações finais e implicações para a prática O cuidado de enfermagem oncológico considera o impacto da doença e do tratamento não apenas no paciente individualmente, mas também na família, comunidade e sociedade, demonstrando uma visão sistêmica e holística na abordagem do cuidado.
Palavras-chave: Cuidados de Enfermagem; Enfermagem; Enfermagem Holística; Oncologia; Teoria de Enfermagem
Resumen
Objetivo Reflexionar sobre la Teoría de Sistemas de Betty Neuman en la atención holística de enfermería a pacientes con cáncer.
Método Este es un estudio reflexivo basado en el paradigma del Pensamiento Sistémico y la Teoría General de Sistemas de Ludwig von Bertalanffy, desarrollado a partir de discusiones en una asignatura de posgrado en enfermería, utilizando como referencia la Teoría de Sistemas de Betty Neuman.
Resultados El Modelo de Sistemas de Betty Neuman propone un enfoque holístico de enfermería fundamentado en la Teoría General de Sistemas. Para los pacientes con cáncer, destaca la evaluación y abordaje de los aspectos físicos y psicosociales que afectan su salud. Al centrarse en la prevención, promoción y rehabilitación del sistema, busca reducir los factores estresantes y mantener el equilibrio. La perspectiva sistémica facilita la recopilación de datos y la implementación de acciones adecuadas.
Consideraciones finales e implicaciones para la práctica Los cuidados de enfermería oncológica consideran el impacto de la enfermedad y el tratamiento no solo en el paciente individual, sino también en su familia, comunidad y sociedad, demostrando una visión sistémica y holística en el abordaje del cuidado.
Palabras clave: Atención de Enfermería; Enfermería Holística; Enfermería; Oncología Médica; Teoría de Enfermería
Abstract
Objective To reflect on Betty Neuman's Systems Theory in holistic nursing care for cancer patients.
Method This is a reflective study originated from the study of the Systems Thinking/General Systems Theory paradigm by Ludwig von Bertalanffy based on discussions in a postgraduate nursing course, using Betty Neuman’s Systems Theory as a framework.
Results Betty Neuman’s Systems Model is a holistic nursing approach based on General Systems Theory. It emphasizes the assessment and approach of physical and psychosocial aspects that affect cancer patients’ health. Focusing on prevention, promotion and system rehabilitation, it seeks to reduce stressors and maintain balance. The systemic perspective facilitates data collection and adequate actions.
Final considerations and implications for practice Cancer nursing care accounts for the impact of the disease and treatment not only on individual patients, but also on their families and communities, and society, demonstrating a systemic and holistic view in the approach to care.
Keywords: Holistic Nursing; Medical Oncology; Nursing; Nursing Care; Nursing Theory
INTRODUÇÃO
A Organização Mundial de Saúde (OMS)1 define o câncer como um conjunto de mais de cem doenças que podem atingir qualquer tecido humano, sendo reconhecidas pelo crescimento rápido e desordenado das células anormais que tendem a invadir tecidos e órgãos vizinhos. Possuem causa multifatorial e resultam, na maioria das vezes, de alterações genéticas, fatores comportamentais e ambientais.2
Em diversos países, o câncer ocupa a primeira ou segunda posição entre as causas de óbito. O aumento na incidência e na mortalidade relacionadas ao câncer é resultado de mudanças demográficas e epidemiológicas que ocorrem globalmente. O envelhecimento da população, mudanças comportamentais e ambientais, como alterações na estrutura social que impactam a mobilidade, atividades de lazer, dieta e exposição a poluentes, são fatores que contribuem para o crescimento dos casos de câncer e suas consequências, muitas vezes, fatais.3
A OMS projeta que, até o ano de 2030, haverá mais de 27 milhões de novos casos de câncer e aproximadamente 17 milhões de mortes relacionadas à doença em todo o mundo. No Brasil, o câncer ocupa a posição de segunda causa de morte, tornando-se um grave desafio para a saúde pública em nosso país.4
Além disso, a prestação de cuidados a indivíduos em tratamento oncológico pode ser um processo complexo, prolongado e desafiador, uma vez que envolve múltiplas etapas, terminologia especializada — não familiar aos pacientes — e efeitos colaterais debilitantes ao corpo humano.5 Por isso, é fundamental enfatizar a relevância do cuidado e da abordagem holística do indivíduo no contexto da saúde e da doença.
Assim, destaca-se a necessidade de profissionais, sobretudo enfermeiros, qualificados para assistir o paciente com base no conhecimento técnico-científico e aptos a entenderem as particularidades do cuidado ao paciente oncológico e a realizar uma assistência com empatia, atenção, responsabilidade e suporte emocional.5
Essas considerações sustentam a ideia de que o enfermeiro deva ser o profissional encarregado de implementar estratégias que visam dignidade, conforto, qualidade de vida e redução do sofrimento, para além do biopsicossocial e espiritual, tendo uma formação adequada o suficiente para prepará-los para fornecer um cuidado humanizado que atenda às necessidades específicas de um paciente oncológico. Isso implica respeitar sua individualidade e promove uma abordagem abrangente que engloba a prevenção, detecção precoce, diagnóstico, tratamento e cuidados paliativos, de forma oportuna.6,7
Muitas dessas necessidades do paciente oncológico podem ser atendidas sem custos apenas com atenção e diálogo. Porém, no âmbito da assistência de enfermagem, entende-se que habitualmente as funções do enfermeiro encontram-se voltadas aos cuidados da doença e não da pessoa, o que dificulta uma assistência segura e de qualidade por esses profissionais. Nesse contexto, identifica-se como principal desafio inerente à prática dos enfermeiros, qual seja, o de prestar o cuidado humanizado às pessoas acometidas pelo câncer, centrado na atenção, diálogo e proximidade com o paciente oncológico, apoiando-se num método cientificamente adequado.8
Dentre os fundamentos teóricos que direcionam a abordagem nessa perspectiva, há duas referências significativas: a Teoria de Sistemas de Betty Neuman e o Pensamento Sistêmico, no campo da Enfermagem, e a Teoria Geral dos Sistemas de Ludwig von Bertalanffy. Essas teorias, juntamente com sua filosofia subjacente, ressaltam a relevância de estabelecer um arcabouço que sustente a prática de enfermagem holística, levando em consideração o cliente em sua totalidade e sua interação com o ambiente.
Assim, justifica-se o presente estudo, pautado na urgência de mais fundamentação na assistência de enfermagem ao paciente oncológico, com base em conceitos e princípios teóricos que qualifiquem o enfermeiro para uma assistência humanizada, holística, de qualidade e centrada nas especificidades que permeiam o paciente oncológico.
Considera-se também que é escassa a literatura científica sobre a Teoria de Betty Neuman no cuidado de enfermagem ao paciente oncológico, comprovado pelos resultados identificados na realização de estudo sobre o estado da arte na base de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), em que não foram encontrados estudos relacionados entre essa teoria e a temática em discussão. Além disso, há necessidade de uma reflexão sobre o referencial teórico e conceitual do modelo, permitindo aprimorar a visão da enfermagem com ênfase no holismo e bem estar do paciente oncológico.
Diante do exposto, este estudo tem como objetivo refletir sobre a Teoria de Sistemas de Betty Neuman no cuidado holístico de enfermagem ao paciente oncológico.
MÉTODO
Este trabalho é um ensaio teórico e analítico que adota uma abordagem lógico-reflexiva, na qual é enfatizada a argumentação e a interpretação pessoal como meios de exposição, com vistas a responder ao seguinte questionamento: “Como a aplicação da Teoria de Sistemas de Betty Neuman contribui para uma abordagem holística no cuidado de enfermagem ao paciente oncológico?”.
O estudo foi desenvolvido durante o período de março a julho de 2023, no decurso da disciplina de Bases Filosóficas e Teóricas de Enfermagem na Atenção à Saúde de um curso de pós-graduação Stricto Sensu em Enfermagem de uma universidade pública.
A reflexão foi estruturada a partir de uma revisão narrativa da literatura durante o período de julho de 2023, por meio da busca de livros, artigos e documentos que versam sobre a temática em questão, a fim de discuti-la sob um ponto de vista teórico/contextual.
Fez-se uma busca na BVS com a utilização dos termos “oncologia”, “cuidados de enfermagem”, “saúde integral”, “enfermagem” e “teorias de enfermagem”. Não foram estabelecidos critérios específicos de inclusão ou exclusão para o material bibliográfico, e os referenciais teóricos mencionados foram identificados pelos próprios autores, considerando a abordagem do tema sem restrições temporais.
Para a estruturação do referencial teórico e o aprofundamento temático-conceitual, realizou-se o estudo do paradigma do Pensamento Sistêmico/Teoria Geral dos Sistemas de Ludwig von Bertalanffy e a leitura do livro “The Neuman systems model” e dos artigos científicos selecionados na busca que possibilitassem a formação de pontes entre o referencial em questão e o cuidado de enfermagem ao paciente oncológico.
Para a estruturação da análise dos resultados, elaboraram-se fichamentos com os pontos reflexivos provenientes dos materiais selecionados, possibilitando uma visão geral sobre os resultados deste estudo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O Modelo de Sistemas de Betty Neuman é um sistema aberto e dinâmico de energia que abrange o cliente, grupos, comunidade ou questão social. Uma das teorias em que este modelo se baseia é a Teoria Geral dos Sistemas, desenvolvida por Ludwig von Bertalanffy na Biologia; tal modelo está relacionado com a Gestalt e o estresse. Além disso, o Modelo de Sistemas de Betty Neuman segue uma perspectiva filosófica holística e tem como objetivo promover o bem-estar. Os conceitos desse modelo podem ser aplicados de forma interdisciplinar, multidisciplinar ou transdisciplinar, abrangendo diferentes culturas.
A teoria de Neuman adota uma abordagem de sistemas que se concentra nas necessidades humanas de proteção e alívio do estresse. Neuman acreditava que as causas do estresse podem ser identificadas e tratadas por meio de intervenções de enfermagem. Ela enfatizou a importância do equilíbrio dinâmico nos seres humanos, algo que pode ser alcançado pelo enfermeiro por meio da identificação de problemas, estabelecimento de metas compartilhadas e utilização do conceito de prevenção como intervenção.9,10
Neuman incorporou o pensamento sistêmico em sua teoria de enfermagem, o que permite a percepção da conexão entre diferentes aspectos do sistema, tais como a influência do ambiente na saúde do indivíduo e a relação entre a saúde e o bem-estar emocional e social. A abordagem sistêmica é aplicada na avaliação do paciente, na análise das variáveis importantes que interferem em seu equilíbrio e na determinação das intervenções de enfermagem necessárias para mantê-lo equilibrado.
Essa teoria parte de uma visão multidimensional do ser humano, da família, do grupo e da comunidade, os quais estão constantemente interagindo com estressores ambientais. Em sua essência, o modelo de Neuman destaca a resposta do indivíduo ao estresse, bem como os fatores de adaptação. Assim, a teoria se baseia em um modelo de sistemas abertos, que inclui estressores, a reação aos estressores e a interação do indivíduo com o ambiente. Essa interação constante ocorre entre o ambiente, no qual o indivíduo, a família e as comunidades vivem, e as forças externas e internas provenientes desse meio, capazes de modificar o equilíbrio existente.9,10
Portanto, o Modelo de Sistemas de Neuman abrange dois elementos: o estresse e a reação a ele. Ele analisa fatores como tempo e ocorrências, condições presentes e passadas do indivíduo, natureza e intensidade do estressor, além da quantidade de energia necessária para que o organismo se adapte às situações.9,10
Ao estabelecer uma conexão contínua entre o paciente, seu ambiente, a saúde em geral e a prática de enfermagem, os enfermeiros colaboram para uma assistência integral ao longo do processo saúde-doença do paciente com câncer. O emprego de ferramentas, como o Processo de Enfermagem, embasado em teorias, viabiliza a organização e sistematização dessa assistência, com ênfase no holismo e na interação entre equipe de saúde, paciente e família.
Nesse contexto permanente de interrelação entre seus elementos teóricos, os estressores são problemas que geram tensão no sistema do indivíduo, resultando na interação do indivíduo com o seu entorno. Neuman classifica os estressores de acordo com a sua natureza, em três tipos: intrapessoais (ocorrem dentro dos limites do sistema, como uma resposta autoimune), interpessoais (fora dos limites do sistema, como uma expectativa de papéis) e extrapessoais (fora do sistema, numa distância maior, como a política social).9
Os estressores extrapessoais, que representam influências externas ao sistema do paciente, podem ser compreendidos como fatores desencadeadores de estresse e ansiedade relacionados ao meio social do paciente oncológico.
Sabe-se que o diagnóstico de câncer pode impactar adversamente o contexto social do paciente, tendo em vista que o ônus financeiro associado ao tratamento do câncer, como os custos com medicamentos e exames diagnósticos, pode ser fonte significativa de estresse para os pacientes oncológicos.
Em geral, a morbidade é um aspecto impactante no contexto do câncer, principalmente durante o tratamento, e se torna um impeditivo para que o paciente exerça suas atividades laborais, o que desencadeia diversos desafios como desemprego e dificuldades financeiras, e isso gera ainda mais estresse no contexto social do paciente.
Quando se trata de estressores interpessoais, merecem destaque o suporte familiar, as relações familiares e afetivas e a interação com a equipe multiprofissional. As famílias, em especial os cuidadores principais das pessoas em tratamento oncológico, são consideradas como apoio essencial e o elo necessário entre pacientes, familiares e a equipe de saúde.11
Nota-se que esses cuidadores apresentam níveis elevados de estresse, que podem se desenvolver em decorrência da necessidade de a pessoa lidar com fatores externos ao organismo. Nesse caso, esses fatores são a dependência do familiar e as demandas de cuidados; há ainda condições internas relacionadas aos sentimentos de ansiedade, pessimismo e insegurança. O estado de tensão ocasionado pelo estresse pode ter consequências físicas e psicológicas nos cuidadores, afetar sua capacidade de entender as necessidades da pessoa dependente e de fornecer respostas adequadas. Tais fatores diminuem o conhecimento do cuidador acerca do outro e de si mesmo, sua coragem de enfrentar as adversidades e sua habilidade de cuidado total.
É importante frisar que as relações familiares são fundamentais na vida do paciente oncológico e conflitos, falta de compreensão ou apoio insuficiente representam estressores interpessoais. Do mesmo modo, as relações afetivas, como amizades e relacionamentos amorosos, também podem gerar desgastes na esfera interpessoal e causar impactos negativos na saúde emocional e psicológica dos indivíduos.
Nesse sentido, os profissionais de enfermagem, a partir da articulação com os membros da equipe multiprofissional e níveis de atenção à saúde, podem planejar estratégias para apoio aos cuidadores, incluindo ações de educação em saúde e suporte psicológico, no intuito de promover uma atenção adequada e qualidade de vida aos cuidadores do paciente oncológico.11
Por sua vez, os estressores intrapessoais estão relacionados ao indivíduo em si e podem estar associados, por exemplo, a ansiedade e depressão, seus sentimentos em relação ao enfrentamento da doença e ao medo da morte. A experiência de um paciente oncológico frequentemente inclui uma batalha emocional intensa, na qual as inquietações internas, como a incerteza quanto ao futuro, a sensação de perda de domínio sobre a própria vida e a contemplação de questões existenciais, podem desencadear estresse intrapessoal.
A ansiedade e depressão são distúrbios prevalentes em pacientes oncológicos. Nesse sentido, a avaliação da ansiedade e depressão devem ser sempre consideradas, pois esses transtornos psiquiátricos afetam a adesão ao tratamento e a qualidade de vida e podem influenciar na evolução do câncer.12
Entende-se então que, na prestação de cuidados holísticos ao paciente oncológico, a teoria de Neumann enfatiza a necessidade de avaliar e abordar os aspectos físicos, psicossociais e espirituais que podem afetar a saúde do paciente.
Ao assistir o paciente, os enfermeiros devem considerar os estressores específicos associados ao diagnóstico e tratamento do câncer, bem como as necessidades individuais do paciente. Identificar os fatores desencadeantes de estresse aos quais os pacientes foram ou estão expostos e compreender como esses fatores afetam não apenas o indivíduo, mas também a família, a comunidade e a sociedade são aspectos essenciais para oferecer cuidados abrangentes e eficazes no contexto oncológico.13
Dessa forma, o enfermeiro deve adotar uma abordagem abrangente, focada na promoção, prevenção e reabilitação do sistema, com base nos conceitos de prevenção primária, secundária e terciária. O objetivo é preservar um nível máximo de bem-estar, em que os cuidados de enfermagem têm como propósito intervir em caso de possíveis desequilíbrios, trabalhando em colaboração com o cliente para otimizar seus recursos, permitindo assim que alcance a estabilidade em seu sistema. Uma vez alcançado esse estado, são implementadas estratégias para manter a homeostase.9
A enfermagem desempenha um papel fundamental na identificação e manejo de estressores no sistema familiar do paciente oncológico. A abordagem começa com a prevenção primária, visando reduzir a incidência de estressores que afetam o sistema; nesse estágio, busca-se não apenas evitar a exposição a esses estressores, mas também reduzir as reações adversas decorrentes de sua presença. Se o estressor persistir, a atenção se desloca para a prevenção secundária, focada na estabilização biopsicossocial, almejando-se reduzir os sintomas, diminuir a resposta aos estressores e fortalecer as defesas do organismo.
Além disso, ações de prevenção terciária são implementadas para mitigar os efeitos negativos do estresse na saúde do paciente, promovendo sua adaptação e bem-estar. Ela inicia-se após a finalização do tratamento ativo com foco em intervenções que promovam a readaptação, educação para a prevenção de recorrências e a manutenção da estabilidade emocional e do bem-estar geral; para tanto, recorre-se à conservação de energia do paciente, bem como à promoção de suas capacidades físicas e mentais, retornando, assim, ao foco da prevenção primária.10
A equipe de enfermagem deve avaliar não apenas sua saúde, mas também o ambiente e os estressores envolvidos, reconhecendo o paciente e sua família como uma unidade interdependente. Baseada na teoria de Betty Neuman, essa abordagem busca promover equilíbrio e estabilidade, considerando aspectos físicos, psicológicos, sociais e ambientais, e oferecer suporte às relações familiares e à qualidade de vida global.
Esse modelo permite uma avaliação abrangente do paciente, em que as partes ou elementos (variáveis) são organizados em um sistema inter-relacionado que está constantemente interagindo com o ambiente. Essas interações podem ter impactos positivos ou negativos na condição do paciente. De tal modo, quando as necessidades do sistema são atendidas, ocorre um estado de bem-estar ideal, mas quando essas necessidades não são satisfeitas, o bem-estar do paciente diminui.
Dito isto, as intervenções de enfermagem planejadas para cada diagnóstico identificado pelo enfermeiro têm como objetivo fortalecer as defesas do organismo, minimizar o impacto dos estressores e promover o melhor estado possível de bem-estar para o paciente oncológico após sua recuperação ou reconstituição.
Dentro dessa estrutura teórica, a enfermagem desempenha um papel fundamental ao buscar controlar as cinco variáveis fundamentais (fisiológicas, psicológicas, socioculturais, desenvolvimentais e espirituais) que fazem parte da estrutura básica do sistema do paciente, bem como das linhas de defesa flexíveis, normais e de resistência, buscando promover a homeostase do paciente por meio da aplicação de intervenções nos níveis primário, secundário e terciário. Essas linhas de defesa têm um impacto significativo nos cuidados prestados ao paciente, seja para a melhoria geral do sistema, a adaptação dos padrões de comportamento ou o aprimoramento das habilidades em tarefas específicas.9
Assim, ao planejar as intervenções de enfermagem, os profissionais de enfermagem estabelecem metas de curto e longo prazo, juntamente com estratégias para manter, preservar e alcançar a estabilidade do sistema do paciente. Em seguida, durante a avaliação, é necessário verificar se houve a mudança desejada ou se é necessário reformular as estratégias. A aplicação do processo de enfermagem de acordo com o modelo de Neuman permite avaliar não apenas o paciente de forma holística, mas também a relação entre o profissional de enfermagem e o paciente, facilitando uma coleta de dados adequada para futuras avaliações e planejamentos.14
Ao aplicar o pensamento sistêmico à sua teoria de enfermagem, Betty Neuman reconhece a interconexão entre os elementos do sistema e a influência mútua entre o ambiente, a saúde e o bem-estar emocional e social. Essa abordagem é utilizada na avaliação do paciente, identificando as variáveis essenciais que afetam o equilíbrio do sistema, e na determinação das intervenções de enfermagem apropriadas para restaurar ou manter esse equilíbrio. Essa perspectiva holística orienta a prática de enfermagem, visando promover a saúde e o bem-estar não apenas do indivíduo, mas também de suas relações sociais e familiares.
Com vista a sistematizar a aplicação do modelo, Neumann criou um diagrama que permite uma visão aumentada dos seus conceitos, abrangendo as dimensões fisiológicas, psicológicas, socioculturais e de desenvolvimento do indivíduo, com base na abordagem holística.15
Baseado nesse diagrama, o cliente pode ser descrito como um conjunto de círculos concêntricos, representando sistemas abertos que interagem de forma constante e dinâmica, tanto entre si como com outros sistemas. Sob a perspectiva sistêmica, o cliente pode se referir a uma pessoa, uma família, um grupo ou uma comunidade, sendo os principais elementos desse modelo o estresse e a resposta ao estresse. Esse sistema evolui em resposta às intervenções recebidas, sendo a responsabilidade do enfermeiro auxiliar no processo de restauração do equilíbrio do sistema.15
O círculo externo, mais sólido em sua natureza, é conhecido como a “linha normal de defesa” e representa o estado típico de bem-estar de uma pessoa ou o estado de adaptação que ela manteve ao longo do tempo. A linha tracejada que se estende além da linha normal de defesa é chamada de “linha de defesa flexível”. Idealmente, essa linha flexível visa prevenir que os fatores estressores penetrem no sistema do cliente, bloqueando ou neutralizando esses estressores antes que possam atingir a linha normal de defesa.9
O modelo inclui uma série de camadas concêntricas conhecidas como “linhas de resistência”. Essas camadas desempenham o papel de resguardar a estrutura fundamental localizada no núcleo do sistema e entram em ação quando a linha de defesa convencional é impactada por fatores estressores. Cada linha de resistência abriga recursos internos e externos que fornecem suporte tanto à estrutura básica do paciente quanto à linha de defesa normal, assegurando, desse modo, a proteção do sistema como um todo.9
Na Figura 1 representamos o Diagrama da Teoria de Betty Neuman para abordar a compressão dos sistemas no paciente oncológico.
A teoria oferece uma base sólida para um cuidado de enfermagem abrangente e holístico do paciente oncológico, permitindo que os enfermeiros intervenham não apenas nas questões relacionadas à doença, mas também nas necessidades psicossociais do paciente. Ao considerar o paciente como parte de um sistema maior, os profissionais de enfermagem podem identificar e lidar com os estressores que afetam a homeostase do paciente, incluindo medo, ansiedade e preocupações familiares.
Entende-se também se tratar de uma abordagem que proporcionará aos enfermeiros formular diagnósticos e prescrições de enfermagem que visam fornecer suporte emocional e prático não apenas ao paciente, mas também aos familiares e cuidadores envolvidos. Às atividades educativas sobre a condição do paciente, acrescem-se o tratamento e o fornecimento de recursos de suporte, juntamente com uma comunicação eficaz entre a equipe de saúde e a família, como componentes essenciais desse cuidado integral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS E IMPLICAÇÕES PARA PRÁTICA
A teoria de Betty Neuman reconhece a enfermagem como uma profissão única, que se dedica a todas as variáveis capazes de influenciar as respostas de um indivíduo aos estressores, destacando a importância dos profissionais de enfermagem em cuidar da pessoa de forma holística e buscar manter, recuperar ou alcançar a estabilidade do sistema do cliente. Essa teoria enfatiza a necessidade de identificar os estressores por meio da interação entre enfermeiro e cliente e fornece subsídios para a formulação de estratégias de enfrentamento e níveis de prevenção relevantes.
O cuidado de enfermagem oncológico, em sua abordagem sistêmica, envolve a identificação dos estressores que afetam os pacientes e suas famílias, considerando os aspectos intrapessoais, interpessoais e extrapessoais. Essa compreensão permite ao enfermeiro analisar o sistema como um todo e determinar o nível de intervenção necessário para promover a saúde e a recuperação do paciente. Por meio de estratégias de apoio emocional, ensino de habilidades de enfrentamento e orientação sobre recursos, a enfermagem desempenha um papel essencial na manutenção e reconstrução da estabilidade do sistema e da estrutura do indivíduo, estabelecendo uma conexão permanente entre o paciente, o ambiente, a saúde e a própria enfermagem.
Além disso, o cuidado de enfermagem oncológico considera o impacto da doença e do tratamento não apenas no paciente individualmente, mas também na família, comunidade e sociedade, demonstrando uma visão sistêmica e holística na abordagem do cuidado.
Como limitações desta reflexão, nota-se ausência de pesquisas publicadas, sobretudo recentes, abordando a Teoria de Betty Neuman no cuidado ao paciente oncológico e que, para a realização dessa reflexão, utilizou-se uma revisão narrativa e não uma revisão sistemática. Ademais, outra limitação relevante é o fato de ter se pesquisado apenas na Biblioteca Virtual em Saúde, o que pode ter restringido o acesso a uma gama mais ampla de estudos disponíveis em outras bases de dados internacionais e especializadas.
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Editado por
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Editor associado
Marta Sauthier https://orcid.org/0000-0002-5153-0170
-
Editor científico
Marcelle Miranda da Silva https://orcid.org/0000-0003-4872-7252
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
11 Out 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
26 Fev 2024 -
Aceito
24 Jul 2024