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China: desafios de desenvolvimento, influência global e relações com América Latina e Brasil* * Editorial escrito em 2 de junho de 2024.

A revista Economia e Sociedade, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/Unicamp), foi fundada em 1992. Desde então, tem se consolidado como uma revista científica de referência na área de economia, buscando excelência acadêmica e promovendo ampla circulação e elevado impacto social dos trabalhos publicados. O objetivo da revista, desde sua fundação, tem sido contribuir para o desenvolvimento da reflexão crítica em temas de amplo interesse nas áreas de teoria econômica, economia aplicada, história do pensamento econômico e história econômica, acolhendo a produção heterodoxa inspirada, sobretudo, pelas tradições de Marx, Keynes, Kalecki e Schumpeter, bem como pela reflexão latino-americana sobre o desenvolvimento econômico.

A revista completou 32 anos em 2024, tendo publicado 80 números regulares e 4 especiais: o primeiro, em dezembro de 2008, contou com as contribuições de alguns participantes do Primeiro Encontro Internacional da Associação Keynesiana Brasileira (AKB), realizado no IE/Unicamp; o segundo, em dezembro de 2012, para comemorar os 20 anos da revista, foi composto por artigos acerca da problemática do Desenvolvimento e desenvolvimentismo(s) no Brasil; o terceiro, em dezembro de 2017, contou com contribuições de alguns dos participantes do Seminário Internacional “Financeirização e Dinâmica do Capitalismo Contemporâneo”, realizado no IE/Unicamp; e o quarto, em outubro de 2021, em homenagem ao professor Wilson Cano, foi composto por artigos que refletem a sua obra.

A presente edição da revista Economia e Sociedade, em memória aos 50 anos de relações diplomáticas entre Brasil e China, é fruto de uma chamada especial de artigos sobre temas relacionados ao desenvolvimento econômico e social da China, à sua influência global e às relações com o Brasil e com a América Latina. Este número especial contou com a colaboração dos editores convidados Célio Hiratuka, Ana Rosa Ribeiro de Mendonça e Roberto Alexandre Zanchetta Borghi, além dos editores da revista Carolina Troncoso Baltar, Alex Wilhans Antonio Palludeto, Bruno Martarello De Conti e Antonio Carlos Diegues.

As contribuições recebidas e aprovadas para esta edição certamente irão auxiliar estudantes, pesquisadores, professores e o público em geral interessado em temas relacionados à China na complexa tarefa de compreender melhor o país e os desafios que ele traz ao cenário contemporâneo, especialmente para o Brasil e nossa região.

Em linhas gerais, é possível organizar os artigos desta edição em dois blocos. O primeiro trata de diferentes aspectos do desenvolvimento contemporâneo da China. O segundo aborda o perfil e os impactos das relações econômicas da China com a América Latina, de modo geral, e com o Brasil, em particular.

Dada a magnitude e a rapidez das transformações na China, é comum que analistas se percam em análises conjunturais ou pontuais, negligenciando uma visão mais ampla que situe as mudanças dentro de uma tendência geral, proporcionando sentido aos eventos específicos. Não é o que acontece com os 5 artigos que compõem o primeiro bloco desta edição. Com diferentes perspectivas teóricas e temáticas, esses artigos proporcionam um excelente panorama de alguns dos aspectos-chave das recentes mudanças, contradições e desafios do desenvolvimento contemporâneo da China.

O primeiro artigo, O “novo normal” da economia chinesa, escrito por Carlos Aguiar de Medeiros e Esther Majerowicz Gouveia, analisa a fase recente de redução das taxas de crescimento da China e destaca que essa desaceleração é resultado de tendências estruturais externas e internas que culminaram na busca por uma nova trajetória, baseada em um maior protagonismo do consumo interno e em uma economia mais equilibrada e focada na inovação. Segundo os autores, esse “Novo Normal” pode conduzir a China para uma taxa de crescimento moderada em relação à sua experiência histórica, mas superior à dos países da OCDE, e possivelmente, mais equilibrada social e ambientalmente do que no padrão anterior.

No segundo artigo, intitulado Transformação econômica na China: o papel do crédito bancário, Marília Ceci Cubero e Ana Rosa Ribeiro de Mendonça traçam um panorama do sistema de crédito bancário na China e analisam as suas diferentes fases, caracterizando elementos de política, atores e segmentos privilegiados. Dedicam especial atenção às transformações na política de crédito no contexto do “Novo Normal” da economia chinesa.

No texto Do semiproletariado à nova classe trabalhadora na China, Iderley Colombini e Isabela Nogueira analisam as transformações no mercado de trabalho da China. O artigo apresenta uma visão abrangente das contradições presentes nas condições de trabalho na China, combinando aumentos salariais, aumento da informalidade, difusão de trabalhos por plataforma e novas formas de precarização. Ao mesmo tempo, revisita conceitos teóricos e propõe uma síntese analítica, destacando a relação híbrida e fluida entre trabalhadores ativos e exército de reserva para compreender as novas formas da classe trabalhadora chinesa.

No quarto artigo, A dinâmica do investimento externo direto na China: uma análise do planejamento e desenvolvimento pós-abertura, de autoria de Tomás Costa de Azevedo Marques e Giorgio Romano Schutte, o tema é o processo de internacionalização da economia chinesas por meio do recebimento de investimentos diretos do exterior e os ciclos domésticos de política econômica para direcionar estes investimentos. Os autores destacam que, apesar desses ciclos atribuírem finalidades distintas ao investimento estrangeiro ao longo do tempo, permanece o entendimento do planejamento estatal de que ele deve obedecer aos objetivos de desenvolvimento do país em cada momento.

Ao final do primeiro bloco, no artigo Pressupostos dialéticos acerca do socialismo e projetamento na China de hoje, escrito por Elias Marco Khalil Jabbour e Cristiano Capovilla, os autores argumentam que a China é representativa de uma nova formação econômico-social e de uma nova dinâmica de acumulação mais racional e eficaz. Além disso, enfatizam a possibilidade de utilizar o conceito de projetamento como arcabouço para elucidar o caráter racional do socialismo com características chinesas.

O segundo bloco, também composto por 5 artigos, aborda como as transformações tratadas no primeiro bloco se projetam para a economia mundial, com ênfase na América Latina e no Brasil. Em seu conjunto, permitem perceber as características e a evolução das relações bilaterais, assim como avaliar desafios e oportunidades que a China pode representar para o desenvolvimento da região.

O artigo de abertura do segundo bloco, de autoria de Valéria Ribeiro, tem como título América Latina: desenvolvimento, dependência e o papel do capital chinês. A autora destaca as profundas transformações na dinâmica produtiva, financeira e tecnológica global, e como, nesta última dimensão, a América Latina tem se inserido apenas como consumidora e importadora de produtos e serviços tecnológicos e digitais. Entre os novos atores, a China tem se destacado como investidora importante, somando-se aos países centrais, o que acentua o desafio da dependência tecnológica dos países da região.

No artigo China and the reshaping of the Argentinian and Brazilian development models during the 21st century, Sergio Martín Páez e Leandro Bona enfatizam como a relação com a China promoveu na Argentina e no Brasil um modelo de inserção na economia global dependente da exportação de commodities. Além disso, enfatizam como essa relação também esteve entrelaçada com o fortalecimento de blocos de poder nos dois países latino-americanos que problematizam uma estratégia de desenvolvimento autônoma e inclusiva.

O oitavo artigo desta edição especial, de autoria de Célio Hiratuka, intitulado Relações econômicas entre Brasil China nas duas primeiras décadas do século XXI: uma perspectiva a partir dos desafios contemporâneos para a reindustrialização brasileira, realiza um balanço crítico das relações econômicas entre Brasil e China nos últimos 20 anos. Além de sintetizar os temas que têm guiado a literatura sobre as relações econômicas bilaterais, o autor enfatiza a necessidade de avanços qualitativos para além do que se consolidou nas duas décadas iniciais do século XXI, decorrente do longo processo de desindustrialização, reforçado pelo cenário complexo de transformações que vêm ocorrendo na economia global depois da grande crise financeira (GCF) de 2008 e pelas mudanças nas estratégias de desenvolvimento adotadas pela própria China desde então.

Em seguida, no artigo Novo boom das commodities e a crescente participação chinesa na estrutura de comércio exterior do Brasil, Alexandre Cesar Cunha Leite e Bernardo Salgado Rodrigues destacam a importância das commodities nas relações bilaterais e enfatizam o novo boom desses bens e o respectivo aumento da demanda chinesa observado no início da década de 2020. Através da análise primária das estatísticas de comércio exterior do Brasil e por meio de uma pesquisa de cunho exploratório, vislumbra-se um redirecionamento das empresas e capitais chineses para o setor de commodities brasileiro.

No último artigo desta edição, Investimento estrangeiro direto da China no Brasil: um estudo de setores selecionados, escrito por Higor de Freitas e Roberto Alexandre Zanchetta Borghi, analisa-se a intensificação dos investimentos da China no Brasil, tomando por base as estratégias mais amplas de internacionalização do capital chinês. O estudo explora os principais setores de destino, assim como as formas de entrada do capital chinês no país.

Desejamos a todos uma boa leitura.

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    Editorial escrito em 2 de junho de 2024.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024
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