Acessibilidade / Reportar erro

As origens do capitalismo monopolista: teoria e história (sécs. XIX-XX)*

The origins of monopoly capitalism: theory and history (19th-20th centuries)

Resumo

Este artigo objetiva aliar teoria e história para contribuir com o entendimento sobre as origens da forma sistêmica que nos alcança, a saber: o capitalismo monopolista. Recorrendo aos textos de Marx sobre a lei geral da acumulação capitalista, além da literatura econômica e da historiografia sobre os monopólios capitalistas, e selecionando evidências que historicizam o processo de concentração dos capitais e centralização produtiva em poucas e gigantescas empresas capitalistas, é possível analisar as origens históricas da pulsão monopolista que, na virada do século XIX para o XX, se tornou regra no mercado mundial. Na avaliação dos fatos, dos dados e na análise do processo, aquilatamos a preponderância do ocaso do capitalismo concorrencial e do surgimento do capitalismo monopolista para as expressivas mudanças sociais, geopolíticas e econômicas daquele momento e que, em partes, nos alcançam até o presente.

Palavras-chave:
Capitalismo monopolista; Teoria; História

Abstract

This article aims to combine theory and history to contribute to the understanding of the origins of the systemic form that reaches us, namely: monopoly capitalism. Resorting to Marx's texts on the general law of capitalist accumulation, in addition to the economic literature and historiography on capitalist monopolies, and selecting evidence that historicize the process of capital concentration and productive centralization in a few and gigantic capitalist companies, it is possible to analyze the historical origins of the monopolistic drive that, at the turn of the 19th century to the 20th, became the rule in the world market. In assessing the facts, data and analyzing the process, we assess the preponderance of the decline of competitive capitalism and the emergence of monopoly capitalism for the significant social, geopolitical and economic changes of that moment and which, in parts, reach us until the present.

Keywords:
Monopoly capitalismo; Theory; History

Introdução

Há muito as mais diferentes correntes da historiografia e da literatura econômica têm se debruçado sobre a existência e persistência de monopólios em formações econômico-sociais as quais o capitalismo assentou raízes. A tipicidade concorrencial do sistema capitalista que encontramos é recorrentemente posta em xeque, mas predominam explicações teóricas que desvinculam o sistema econômico da intrínsecidade dos monopólios e da tendência ao seu predomínio. Os argumentos vão desde a atuação dos Estados Nacionais até as supostas exceções à regra em monopólios ditos “naturais”, mas não parecem ser suficientes aos olhares críticos da economia política. No entanto, historiadores e economistas marxistas - ou com algum diálogo com o pensamento econômico e o conhecimento histórico produzido por marxistas - devem saber que uma das principais premissas do pensador alemão é que, sob o capitalismo, a concorrência nasce para morrer.

Prever o definhar do capitalismo de tipo concorrencial não era o suficiente. Os prosseguidores de Marx, especialmente Engels, procuraram observar no movimento real e historicamente construído as evidências daquela predição. Se é verdade que existiram monopólios antes do advento do capitalismo, também é verdade que os monopólios capitalistas guardam suas peculiaridades sócio-históricas e se manifestam de diferentes formas, embora sejam fruto de uma mesma lei geral formulada por Marx, a saber: a da acumulação capitalista.

Neste artigo, procuro aliar reflexão teórica e evidências históricas para demonstrar as origens sistêmicas e facto-processuais da extrapolação da mera tendência ao monopólio, da generalizada existência de empresas de pulsão monopolista em economias sob predomínio da lógica do capital. Trata-se de desvendar a primeira manifestação histórica ou as origens do capitalismo monopolista.

Na segunda metade do século XIX, o encadeamento de crises financeiras e econômicas apontavam para o ocaso do capitalismo concorrencial na Europa. O enredo das disfuncionalidades sistêmicas não tinha sentido de permanência, mas sim de mudança: o redimensionamento do mapa industrial do mundo, a intensificação e modificação do caráter do mercado mundial, o novo equilíbrio do poder político e militar entre as potências imperialistas e o surgimento do capital financeiro como figura dominante do capital foram as consequências em cascata de anos seguidos de baixa da lucratividade, falências, desemprego, deflação e destruição de riquezas (Hobsbawm, 1988HOBSBAWM, E. Era dos Impérios (1875-1914). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.). Este processo de revolucionamento, próprio do sistema capitalista, foi resultado da lei geral da acumulação capitalista nos países de capitalismo avançado, onde o monopólio passou a ser promovido.

As diferenças entre as décadas marcadas pela Grande Depressão (1873-1896) e as da chamada Belle Époque (1896-1914) aparecem, assim, pronunciadas: no momento de retração quem comandava o movimento da economia eram os industriais; após anos de lucratividade sofrível, eles entregaram as chaves dos seus cofres para os supervisores e conselheiros vindos dos bancos. O capital financeiro se consubstanciava no controle interno das diretorias de empresas e no controle “externo” através dos conselhos fiscais. No sentido contrário, a razão de ser do banco passava a ser - de forma crescente - fornecer à indústria pessoal com know how em gestão de negócios e, especialmente, capitais (Coggliola, 2009COGGIOLA, O. As grandes depressões (1873-1896 e 1929-1939): fundamentos econômicos, consequências geopolíticas e lições para o presente. São Paulo: Alameda, 2009.).

Como veremos mais à frente, novos mercados foram formados pelos capitais aplicados em grandes empresas de transportes, comunicações, metalurgia, química, construção civil, construção naval, etc. que exploraram sobremaneira a força de trabalho, criaram as demandas, inventaram necessidades e venderam produtos para supri-las de forma astuta. Junto com o surgimento do primeiro mercado de massas - urbano e industrial - é possível constatar uma nova escala de grandeza das desigualdades socioeconômicas. Pouco antes da Guerra, o nível pronunciadamente elevado de proporção da riqueza privada frente à renda nacional, em alguns países do centro do sistema, era espantoso: em 1910, é de 699% na França, 673% no Reino Unido, 604% na Alemanha e 556% nos Estados Unidos. No entanto, a introdução de melhorias relativas no consumo dos trabalhadores europeus e estadunidenses acalentava o clima social de progresso amenizando a ruptura entre as classes, que estavam em processo de reconfiguração exatamente por consequência de tão relevantes mudanças.

No fim do século, a recuperação vigorosa dos indicadores econômicos nos induz a acreditar que este novo momento sistêmico foi criado a partir do “vício da expansão” (Crouzet, 1968CROUZET, M. História geral das civilizações. A Época Contemporânea (Livro 1). São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1968.). O período de fulgurante crescimento combinado com o desenvolvimento das forças produtivas num centro alargado do capitalismo, recriando o mercado mundial, reforçando as bases da Divisão Internacional do Trabalho, foi gestado por uma estrutura sistêmica renovada: a plataforma da recriação capitalista foram os monopólios e a sua principal consequência foi o aumento sem precedente das desigualdades sociais.

1 Da lei geral da acumulação capitalista aos monopólios

No Capital (2013), Marx demonstra que a “lei geral da acumulação capitalista” é fruto da estrutura social injusta que contrapõe proprietários dos meios de produção aos produtores diretos criando uma desigualdade crescente e sistêmica. Quando o sistema funciona “bem”, o fosso social e econômico entre as classes tende a crescer - basicamente, pois os proprietários dos meios de produção comandam um processo de acumulação de capitais em detrimento dos reais rendimentos do trabalho, não pagos em sua inteireza, o que Marx chama de mais-valia. Isto se dá graças a dois dispositivos: a desproporção na composição orgânica do capital e as novas magnitudes em sua reprodução ampliada.

Primeiro, Marx observou que a parte despendida pelo capitalista com os meios de produção passou a ser cada vez maior frente a parte despendida com salários. Ou seja, os mesmos trabalhadores, com os mesmos salários, produziam muito mais graças ao desenvolvimento das forças produtivas que resultavam em mais-valia relativa crescente (Marx, 2013MARX, K. O Capital: crítica da economia política. O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 844). A exploração através da utilização de novos meios técnicos, científicos e organizacionais colaborou para o processo de concentração de capitais e centralização produtiva, ou seja, as grandes corporações capitalistas são resultados de mais de um século de funcionamento pleno do sistema que, via de regra, acumulava para acumular. Marx enxerga uma série causal nisto: mesmo que os salários crescessem, a produtividade era acrescida em escala muito superior. Num primeiro momento, mesmo que o trabalho não pago estivesse diminuindo, individualmente, a escala coletiva não comprometeria a mais-valia necessária para transformar-se em capital adicional, pelo menos o suficiente para pôr o capital constante - já cristalizado na produção - em valorização (Marx, 2013MARX, K. O Capital: crítica da economia política. O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 847). Aliás, um mesmo salário passava a ter de sustentar famílias cada vez maiores de trabalhadores, pois o exército industrial de reserva se ampliara, o êxodo rural e as imigrações forneciam contingente para tal.

A observação do pensador alemão era simples: as grandes fábricas contratam muito e, com isso, amontoam trabalhadores ao seu redor. Com efeito, ao mesmo tempo que controlava a escalada dos salários, garantia uma futura expansão. Da mesma forma que esta era uma das causas para o engrandecimento do porte das unidades fabris, também forçava a ser consequência que o retroalimentava: para controlar, explorar e gerir o mais trabalho de toda esta gente com eficiência para a valorização do capital - adicionado do trabalho anteriormente não pago - foi necessário plantas fabris cada vez maiores. A concentração dos capitais e a centralização produtiva, evidentes no capitalismo monopolista, foram gestadas na sua infância, o capitalismo concorrencial.

Um pressuposto importante, que liga as duas características da lei geral de acumulação capitalista, é que o capitalismo para se desenvolver necessita de trabalho coletivo em grande escala e com cooperação fortalecida; ao mesmo tempo que a apropriação do excedente era cada vez mais individualizada e exclusiva à determinada classe social, a burguesia (Marx, 2013MARX, K. O Capital: crítica da economia política. O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 849). Aqui que a escala se torna escopo: essa acumulação concentrada e seu poder de achatamento das rendas divisíveis do capital garantem a possibilidade dos seus proprietários e/ou gestores construírem infraestruturas cada vez maiores, muito difíceis para os trabalhadores discernirem as origens dos recursos responsáveis por tamanhas façanhas. Essas origens estavam, evidentemente, na apropriação do fruto do trabalho e sua acumulação concentrada na classe proprietária dos meios, mas também na expropriação do capitalista pelo capitalista no processo concorrencial (Marx, 2013MARX, K. O Capital: crítica da economia política. O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 850).

É neste ponto que recorremos a Marx para tentar explicar o vínculo entre monopólios e capital financeiro. A dispersão inicial do capital em muitas pequenas unidades de produção, sob as ordens de muitos burgueses, é contrariada pela força de atração que exercem as grandes massas de capitais. Segundo Marx:

Essa fragmentação do capital social total em muitos capitais individuais ou a repulsão mútua entre seus fragmentos é contraposta por sua atração. Essa já não é a concentração simples, idêntica à acumulação, de meios de produção e de comando sobre o trabalho. É concentração de capitais já constituídos, supressão de sua independência individual, expropriação de capitalista por capitalista, conversão de muitos capitais menores em poucos capitais maiores. Esse processo se distingue do primeiro pelo fato de pressupor apenas a repartição alterada dos capitais já existentes e em funcionamento, sem que, portanto, seu terreno de ação esteja limitado pelo crescimento absoluto da riqueza social ou pelos limites absolutos da acumulação. Se aqui o capital cresce nas mãos de um homem até atingir grandes massas, é porque acolá ele se perde nas mãos de muitos outros homens. Trata-se da centralização propriamente dita, que se distingue da acumulação e da concentração (Marx, 2013MARX, K. O Capital: crítica da economia política. O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 851, grifos meus).

Além disso, se as formas de acumulação são inovadas com o desenvolvimento das forças produtivas, as formas de conceber a concentração capitais e tornar factível a centralização da produção - na monta e complexidade exigidas - são, também, novas. Daí que Marx chega ao capital bancário e às novas formas de organização das empresas. O crédito é visto por Marx como uma força inteiramente renovada pelo capitalismo. Comandado pela banca à serviço do sistema, o crédito revolucionou a capacidade de investimento das empresas.

Na mesma medida em que se de/senvolvem a produção e a acumulação capitalistas, desenvolvem-se também a concorrência e o crédito, as duas alavancas mais poderosas da centralização. Paralelamente, o progresso da acumulação aumenta o material centralizável, isto é, os capitais individuais, ao mesmo tempo que a ampliação da produção capitalista cria aqui a necessidade social, acolá os meios técnicos daqueles poderosos empreendimentos industriais cuja realização está vinculada a uma centralização prévia do capital. (Marx, 2013MARX, K. O Capital: crítica da economia política. O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 852)

Para entender a forma de organização que tornou concreto esta dinâmica, Marx aborda a principal e mais recorrente forma de organização das empresas capitalistas em franca concentração de capitais e centralização da produção: as sociedades anônimas. A leitura de Marx deixa translúcida a importância das sociedades anônimas para o entendimento enfeixado do encontro entre: o processo de acumulação pela reprodução ampliada dos capitais, o processo de concentração de capitais e centralização da produção pela tendência ao monopólio, o imperativo de crescimento da escala e da cooperação do trabalho sob o capitalismo, a atuação do crédito e das disponibilidades financeiras necessárias para os desafios criados (princípio do capital financeiro), as necessidades criadas pelo desenvolvimento das forças produtivas - em termos técnico-científicos, mas também organizacionais para a exploração da força de trabalho e controle do processo de produção por parte das empresas - e as implicações destas mudanças para as tarefas dos trabalhadores na luta de classes.

O registro teórico de Marx marca a importância das sociedades anônimas na formação do caráter renovado do capitalismo: o monopolista.

A centralização complementa a obra da acumulação, colocando os capitalistas industriais em condições de ampliar a escala de suas operações. [...] a fusão ocorre a partir de uma multidão de capitais já formados ou em vias de formação, mediante o “simples” procedimento da formação de sociedades por ações. A extensão aumentada de estabelecimentos industriais constitui por toda parte o ponto de partida para uma organização mais abrangente do trabalho coletivo, para um desenvolvimento mais amplo de suas forças motrizes materiais, isto é, para a transformação progressiva de processos de produção isolados e fixados pelo costume em processos de produção socialmente combinados e cientificamente ordenados (Marx , 2013MARX, K. O Capital: crítica da economia política. O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 853-854, grifo meu).

O capitalismo monopolista nasce do capitalismo concorrencial. Em termos nacionais é a expressão da transição para uma estrutura econômica e social mais elevada. Sua construção parte de cinco fatores plenamente observáveis quando da superação da Grande Depressão do século XIX (1873-1895): 1- concentração de capitais e a centralização da produção; 2- o controle das maiores frações de fontes de matérias-primas, da produção em si e da distribuição-comercialização dos produtos finais num mercado de massas; 3- toda economia passa a ser altamente financeirizada, até os pequenos burgueses dependem de diversos tipos de créditos, assim como são oferecidas aos consumidores diversas formas de compra à prazo, parcelada e facilitada; 4- uma política de Estado permissiva quanto as grandes corporações, internamente, e, externamente, agressiva contra povos desprotegidos e potências rivais - uma verdadeira política de expansão colonial; 5- a agudização das diferenças e desigualdades entre as classes proprietárias e trabalhadoras, mas também uma sofisticação no fracionamento intraclasses.

Decorrência necessária da combinação desses fatores é o entendimento do monopolismo como forma de operar o sistema capitalista que melhor combinou forças para dar concretude ao imperialismo de tipo capitalista. Hilferding (1985)HILFERDING, R. O capital financeiro. São Paulo: Nova Cultural, 1985. e Lenin (2013)LENIN, V. O Imperialismo: fase superior do capitalismo. Lisboa: Edições Avante, 2013. enxergaram a importância dos monopólios para grande concentração e relativa ociosidade de massas de capitais no centro do sistema capitalista, criando então uma pressão por exportação - especialmente, de capitais - que era identificada por ambos como o primeiro impulso das economias centrais (naquele momento, na Europa e nos Estados Unidos da América) rumo ao imperialismo capitalista. No entanto, se guardavam concordâncias no diagnóstico, contradiziam-se no prognóstico: para Hilferding o capitalismo concorrencial morria e o monopolista surgia como um meio para o capitalismo planificado, o que tornava o sistema ainda mais forte e estável, resistente às crises como não era na fase anterior; para Lenin, ao contrário, a concorrência intercapitalista tornara-se elevada e acirrada, não havia deixado de existir, mas naquele momento arrastava os estados nacionais para alimentar os seus colossos empresariais monopolistas contra os demais, portando, assim, um potencial catastrófico em escala global - o que, em grande medida, foi confirmado com o desenrolar dos fatos e acontecimentos (revoluções, crises e guerras, especialmente) seguintes à publicação de O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo.

As obras de Hilferding e Lenin nos deixam, no entanto, algumas indicações que não parecem proceder ao processo histórico. Para o primeiro, os monopólios não constituíam novidade e eram manifestações análogas à existência das companhias mercantis e manufatureiras monopolistas, historicamente existentes na Europa. No entanto, não é possível assim asseverar, a pulsão monopolista sob o capitalismo é completamente diversa dos monopólios mercantis ou das corporações de ofício por que não é resultado de um arranjo político, social e militar à margem da infraestrutura econômica como em estruturas sociais pretéritas, esta pulsão deriva exatamente das relações sociais de produção capitalistas maduras e introduz elementos dinâmicos, de luta privada por sua disputa e sucessão, além de suscitar vagas de reação popular por sua destruição.

Já para Lenin, os monopólios permaneceriam concentrando a abrangência de seus principais negócios no centro do sistema, predominando lá e deixando por conta da exportação de capitais “desconcentrados” a exploração da periferia englobada subordinadamente ao sistema. Para ele, no destino destes capitais exportados e aplicados em “zonas virgens” de investimentos vigiam negócios menores, mercados consumidores secundários, embora importantes pela extração de mais-valor face a um trabalho relativamente mais barato para o fornecimento de matérias-primas. Em realidade, já no momento em que Lenin redigia o seu trabalho, os monopólios transbordaram as fronteiras nacionais e conseguiam transnacionalizar sua atuação para além da simples exportação de capitais individuais, exemplo disso são as filiais da mesma empresa no exterior - que são, em si, novas empresas criadas para serem controladas por organismos privados no centro do sistema.

A unidade de produção típica na sociedade capitalista não era mais a pequena fábrica de uma empresa limitada, muitas vezes familiar, que se pululavam individualmente, mas que produzia uma fração ínfima da potência que a atividade econômica em que estava inserida era capaz. Não mais produzia com métodos poucos sistemáticos, com técnica e tecnologia constituídas na base da “tentativa e erro” e formando um mercado desconhecido, em que ela não tomava muita ciência dos seus limites e potencialidades. Com o advento do capitalismo monopolista, a empresa em grande escala produz uma parcela significativa da sua atividade econômica matriz e incorpora várias outras, sendo capaz de controlar desde a aquisição ou produção de matérias-primas até os preços para a formação de um mercado de massas que maximizasse as possibilidades de lucros e garantisse a sua expansão, aparentemente contínua e ilimitada. Os monopólios capitalistas até tinham atributos que foram “outrora considerados como exclusivos dos monopólios” (Baran, Sweezy, 1966, p. 16) de outras formações sociais pré-capitalistas, mas suas peculiaridades garantem uma força e uma perenidade para além da durabilidade de uma geração humana, muito acima dos monopólios da Época Moderna.

A dominação puramente econômica, típica do capitalismo, levou a conquista de monopólios “puramente econômicos”. Sem prescindir do suporte do Estado na política econômica, externa, na segurança interna e na defesa dos interesses dos capitais de suas bandeiras, mas a forma da dominação promovida pelos capitais monopolistas é contratual, tanto intraclasse dominante à frente das suas empresas em pleno processo de amalgama, quanto entre os proprietários e os trabalhadores juridicamente livres, mas totalmente despossuídos de qualquer coisa que não sua força de trabalho. Segundo Wood, os monopólios capitalistas diferem dos monopólios de épocas pretéritas por que eles são uma elevação do conteúdo das relações sociais de produção vigentes no capitalismo como modo de produção preponderante (Wood, 2014WOOD, E. O império do capital. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 35).

Há de se pontuar que o capitalismo monopolista não é feito de monopólios ao pé da letra, nem de oligopólios que alcançam, de fato, uma prevalência com proporções incontornáveis e irreversíveis sobre determinados mercados por poucas empresas articuladas, em termos quantitativos e absolutos. Quando a atividade econômica não é controlada pelo Estado em sua execução e partição, são principalmente nos termos qualitativos que os mercados mudam de condições com o estabelecimento do capitalismo monopolista. Quer dizer, o capitalismo monopolista é feito de empresas que, antes de deterem monopólios de fato, detêm uma pulsão monopolista.

Embora dominem a maior parte dos mercados e consigam concentração crescente nas atividades já plenamente assentadas, as grandes corporações capitalistas não conseguem abarcá-las em sua totalidade, as vezes nem próximo a isso, mas conseguem ordenar o(s) setore(s) de atividade por sua capacidade de: criar mercados; fixar preços correntes; estabelecer as melhores condições produtivas, por isso detêm as condições mais vantajosas de comercialização e financiamento; e, decisivamente, por ter o poder de delimitar a atuação de seus competidores menores.

Na medida em que as empresas de pequeno e médio porte sobreviveram - e muitas o fizeram -, elas passaram a viver como membros subalternos de uma economia de comando privado controlado por um grupo intimamente ligado de financistas e industriais, que atuavam mediante burocracias administrativas cada vez maiores e mais complexas (Arrighi, 1994ARRIGHI, G. O Longo Século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. São Paulo: Editora da Unesp, 1994., p. 275).

Quando a conjuntura econômica é favorável, as corporações monopolistas funcionalizam a torrente de empresas menores que atuam contra ou junto a si no mercado, relegando a estas as funções e atividades econômicas menos interessantes; entretanto, no momento em que a conjuntura se torna negativa e uma vaga de ascenso da competição passa a vigorar, as empresas monopolistas podem sequestrar os mercados, podar o fornecimento de matérias-primas e de seus subprodutos, chegando até a baixar os preços artificialmente para englobar ou eliminar seus concorrentes menores. Quando fraquejava frente aos competidores menores, a pulsão monopolista de determinada organização empresarial parecia enfraquecida. Inclusive, nos momentos em que agressivamente passava a forçar o desaparecimento dos competidores menores; antes de ser uma demonstração de força e vitalidade, isto indiciava o momento de temor pelo crescimento de rivais, possivelmente, à altura.

Ao nível das unidades de produção capitalistas a principal reação à Grande Depressão do século XIX foi o corte de custos, isto inverteu a tendência secular e deflacionou os preços durante as décadas depressivas. Com a recuperação econômica já não foi possível manter o tipo de medidas que levaram a esta reação. Agora, ao contrário, era necessário engrossar investimentos - alguns com período de maturação e previsão de lucratividade acrescida a perder de vista -, comprar matérias-primas recorrentemente mais disputadas e caras, além de sustentar gastos militares que pareciam improdutivos, mas alimentavam poderosa cadeia produtiva.

Este processo levou a autores liberais, como Ronald Coase (2016)COASE, R. A firma, o mercado e o direito. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016., a admitirem que o sistema coaduna com a existência das grandes corporações capitalistas. Em seu conhecido Teorema Coase, o economista britânico entende que a “integração vertical” foi o principal estratagema das empresas capitalistas mais eficientes para eliminar os “custos de transação” inerentes às operações de mercado.

Bem fora da firma, o movimento dos preços direciona a produção, o que é coordenada por meio de uma série de operações de troca efetuadas no mercado. Dentro de uma firma, essas transações de mercado são eliminadas e, em lugar da complexa estrutura do mercado com operações de troca, entre o empresário-coordenador, que direciona a produção (Coase, 2016COASE, R. A firma, o mercado e o direito. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016., p. 36).

Existe uma combinação quando transações que eram anteriormente organizadas por dois ou mais empresários passam a ser organizadas por um só. Isto se torna uma integração quando envolve a organização de transações que eram anteriormente efetuadas entre os empresários no mercado. Uma firma pode expandir-se de uma dessas formas, ou de ambas. Passa a ser possível lidar com a totalidade da “estrutura da indústria competitiva” por meio da técnica comum da análise econômica (Coase, 2016COASE, R. A firma, o mercado e o direito. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016., p. 47).

Coase esgrima muito bem seus argumentos para que pareça perfeitamente cabível que a “indústria competitiva” acabe com a competição. A priori, nada disso teria a ver com monopólios, e sim seria fruto de suposta “racionalidade capitalista” aplicada aos negócios em expansão, mas não foi bem assim.

Em seu livro mais famoso - "Socialismo, Capitalismo e Democracia", Schumpeter (1961)SCHUMPETER, J. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. - Schumpeter desacredita a possibilidade de uma “concorrência perfeita” em meio a qualquer mercado capitalista. Economista apologético do capitalismo, mas em processo de ruptura com a visão ortodoxa, ao longo de sua vida, o autor refutava os modelos matemáticos de explicação do desenvolvimento capitalista, valorizando o conhecimento histórico e das sociedades em que o sistema se assentava. Schumpeter asseverava que o desenvolvimento capitalista era dinâmico, transformava a sociedade e por ela era transformado. Assim, chegava a conclusão que o capitalismo maduro se encontrava, diretamente, na dinâmica de fazer e desfazer monopólios. Sem qualquer contradição, ao contrário, considerava uma das possibilidades de “novas combinações” que buscava enxergar: “Estabelecimento de uma nova organização de qualquer indústria, como a criação de uma posição de monopólio (por exemplo, pela trustificação) ou a fragmentação de uma posição de monopólio” (Schumpeter, 1982SCHUMPETER, J. Teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1982., p. 76).

Algumas das formas de “novas combinações” - preconizadas pelo autor como efeito disruptivo, fortalecedor e perpetuador do sistema - que seriam vias para a inovação, tem paralelo com a formação do capitalismo monopolista e da fase imperialista do sistema vivida pelo autor, são elas: a criação de um novo produto ou de uma nova qualidade de um produto; a introdução de um novo método, preferencialmente exclusivo; a construção de um novo mercado a ser explorado com exclusividade ou grande vantagem; e a conquista de uma nova fonte de matérias-primas. Guardo diferenças a respeito da concepção de desenvolvimento de Schumpeter, mas é preciso registrar que ele contempla a realidade, em alguma medida, na sua obra mais importante.

Todas essas transformações, patentes no que ficou conhecido como capitalismo monopolista, tem uma primeira razão de ser, e aqui se apresenta o nó górdio do processo que analisamos: a queda tendencial da taxa de lucros, observada a quente nas últimas décadas do século XIX, especialmente na Inglaterra. Essa tendência secular, exacerba o temor de que caíssem ainda mais os preços, já baixos com o aumento da escala de produção. Entretanto, esta é a consequência da expansão tão desejada pelos donos do capital. Expansão, aliás, que não se deve prescindir devido a pulsão por cotas maiores de mercado em lenta criação ou manutenção, especialmente quando da Grande Depressão. O desafio seria, então, concentrar os capitais mantendo um nível mínimo de precificação, ou seja, evitar a guerra de preços era um objetivo premente a ser alcançado. Para tanto, a centralização produtiva e o controle dos mercados por empresas gigantescas apareciam como solução mais segura.

Arrighi (1994ARRIGHI, G. O Longo Século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. São Paulo: Editora da Unesp, 1994., pp. 295-297) considera “natural” o “cansaço” dos empresários que “mal conseguiam atingir uma margem de lucro tolerável”, especialmente durante os momentos de crise. O autor retira da burguesia, os dirigentes capitalistas, o seu protagonismo na construção de meios para tentar escapar da queda tendencial da taxa de lucros, antagonizando esta classe e seu veículo econômico - a empresa - com a sua principal (re)criação: o mercado capitalista, assim naturaliza a criação de monopólios. Uma análise rebaixada da realidade histórica, que utiliza de forma precária as avaliações de Landes (1994)LANDES, D. S. Prometeu desacorrentado. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1994., Sklar (1988)SKLAR, M. The corporate reconstruction of american capitalism, 1890-1916: the market, the law, and politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1988., Galbraith (1985) e Chandler (1998)CHANDLER, A. Ensaios para uma teoria histórica da grande empresa. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1998. para embasar sua argumentação, levando a considerações equivocadas como as que vemos a seguir:

Entretanto, a indústria moderna, com sua tecnologia especializada e seus compromissos simultâneos de capital e tempo, forçou a empresa a se emancipar das incertezas do mercado. Os preços e os volumes a serem vendidos ou comprados por esses preços têm de estar sujeitos, de algum modo, à autoridade do planejamento empresarial (Arrighi, 1994ARRIGHI, G. O Longo Século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. São Paulo: Editora da Unesp, 1994., p. 297, grifo meu.

O autor explica as formas de “controle”, “suspensão” e “superação” do mercado na lógica de comando dos preços, que explicitam diferentes formas de vedação das “guerras de preços” tão comuns em momentos de depressão. Entretanto, é incapaz de ver que o mercado capitalista é obrigatório, é uma compulsão (Wood, 2014WOOD, E. O império do capital. São Paulo: Boitempo, 2014.), e quando é cerceado só pode sê-lo através da atuação das classes dominadas em sua autodefesa; através das classes dominantes em sua manipulação contra os efeitos colaterais típicos do sistema, remendando-o, lutando contra as suas leis e tendências - neste momento, nomeadamente: a queda tendencial da taxa de lucros.

De fato, nas últimas décadas do século XIX, a empresa familiar fora sucedida pela gigante organização de interesses múltiplos que atuavam sobre o mesmo corpo lutando contra a queda tendencial da taxa de lucros, especialmente grave num momento de preços descendentes, e a corrosão das rendas, especialmente grave num momento de preços ascendentes. Entretanto, essa forma generalizada de concentração de capitais e centralização produtiva, criando uma pulsão monopolista em alguns agentes econômicos privilegiados, é uma eterna “corrida atrás”. Essa solução não resolvia o problema de forma estrutural, pelo contrário, o agravava. Tornava o antagonismo Capital X Trabalho mais sensível e, potencialmente, mais destrutivo devido ao aumento das desigualdades e ao acúmulo sem precedentes de trabalhadores nas mesmas dependências das empresas em que eram empregados.

Thomas Piketty aclara que, apesar dos esforços trabalhistas e socialistas pelas melhorias das condições de trabalho e renda terem, de fato, avançado a proporção dos salários na renda nacional, o que custou um recuo relativo do capital nessa composição, as desigualdades sociais só fizeram crescer. Junto, aliás, da criação e fortalecimento de camadas médias da sociedade - trabalhadores qualificados, em posição privilegiada no mercado de trabalho e no acesso aos bens e serviços.

Os dados que coletamos indicam, entretanto, que não houve qualquer redução estrutural da desigualdade antes da Primeira Guerra Mundial. O que se observa nos anos 1870-1914 é tão somente uma estabilização da desigualdade em nível extremamente elevado e, em certos casos, é possível identificar uma espiral de disparidade acompanhada de concentração progressiva da riqueza (Piketty, 2014PIKETTY, T. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014., p. 15).

O comando e o aproveitamento do excedente na forma da propriedade privada se tornaram concentrados de forma qualitativa e quantitativamente diferentes (Baran, Sweezy, 1966). Por isso, é possível constatar os arranjos políticos que visavam amortecer a face brutal deste processo: “Organizam-se cartéis, trustes e sindicatos de produtores, enquanto os Estados, percebendo que é impossível deixar que patrões e empregados briguem anarquicamente, elaboram uma legislação social” (Pirenne, 1914PIRENNE, H. The stages in the social history of capitalism. The American Historical Review, v. 19, p. 494-526, 1914., p. 516).

O enorme desenvolvimento das forças produtivas, a concentração dos capitais, a centralização da produção e a acumulação extremamente potenciada tornaram a produção cada vez mais socializada, tornaram as unidades produtivas cada vez mais coabitadas por centenas ou milhares de trabalhadores, disciplinadamente organizados e articulados para levar a cabo objetivos cada mais grandiosos e audazes. Entretanto, o ritmo, a escala e a proporção de apropriação do excedente pelos produtores diretos decresciam de forma brutal. Os trabalhadores passaram a ser mais produtivos - absoluta e relativamente -, em compensação se apropriavam de menor fatia do que efetivamente produziam e a constatação disso reforçava as concepções políticas críticas aos status quo burguês.

2 Dos monopólios ao capitalismo monopolista

A concentração de capitais e a centralização produtiva tornaram-se tendências inescapáveis nos setores-chave das economias mais dinâmicas. Previsto por Marx e observado por Lenin, as movimentações que deram contorno ao capitalismo monopolista ganharam maior concretude e estabilidade na chamada Belle Époque (1896-1914), com a superação da Grande Depressão (1873-1896).

Os primeiros acordos para sustentação de preços e estabelecimento de cotas produtivas dos tempos de depressão já não eram suficientes. Dado que havia um novo aceleramento da acumulação, as gigantes empresas capitalistas passaram de simples reorganizações internas visando cortes de custos e sustentação da lucratividade, com direito a incorporação de competidores diretos e locais - através da compra ou assumindo as massas falidas -, para sofisticados esforços de combinação com grandes competidores - na maior parte das vezes de outras regiões do seu território nacional -, o que exigia grandes esforços de integração das empresas via contratos sigilosos e de construção extremamente delicada, e isto tem nome: cartel; ou, de forma mais agressiva, da fusão direta ou indireta das maiores empresas de determinado ramo, e isto tem nome: truste. Naquele momento, ainda existia o sindicato, que funcionava como uma forma de centralizar a política de vendas e representação comercial de diferentes produtoras em determinado ramo.

A forma mais difundida e efetiva destas soluções anticompetitivas de concentração de capital era o cartel. Entretanto, como tomamos por pressuposto teórico (Lenin, 2013LENIN, V. O Imperialismo: fase superior do capitalismo. Lisboa: Edições Avante, 2013.): a competição não é anulada, apenas acirrada. Mais aprofundadamente, a competição se tornava mais interna às unidades produtivas. Via de regra, não mais residia no mercado, na batalha por menores preços, maior qualidade e variedade de produtos. Neste sentido, os investimentos em produtividade e maior eficiência comercial, além dos acordos mais vantajosos para contratos de serviços de transportes e financeiros, se tornaram pedra de toque do desenvolvimento das forças produtivas nessa nova fase do capitalismo (Mauro, 1973MAURO, F. História econômica mundial: 1790-1970. Rio de Janeiro: Zahar, 1973., p. 270).

Uma questão muito bem apontada por Mauro (1973)MAURO, F. História econômica mundial: 1790-1970. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. indicia que a concorrência não deixou de existir sob o capitalismo monopolista, apenas tomou nova forma: os cartéis, mesmo, organizam esquemas de autocontrole e vigilância. Os contratos previam penalidades aos que o rompiam e o segredo industrial se tornou mais sofisticado, residia na forma de organização empresarial e seu financiamento. Os departamentos de contabilidade e finanças se tornaram, então, progressivamente mais profissionalizados e especializados nesta atividade para servir a qualquer outro departamento, ou a todos ao mesmo tempo. Interessados nos destinos estratégicos da empresa, conseguem fazer a diferença, para o seu sucesso ou fracasso - inclusive escondendo e dissimulando os maus momentos para manter as diversas formas de financiamento. Não à toa, a história das empresas monopolistas está recheada de exemplos de quebras repentinas e inesperadas.

Na Alemanha e nos Estados Unidos, a intensificação da competição e suas consequências deletérias convenceram os agentes econômicos e as lideranças políticas, além dos formadores de opinião, que um regime de concorrência generalizada e difusa dentre uma irrestrita e profusa gama de unidades produtivas, atomizadas e relativamente autônomas, não gerava estabilidade social. Aliás, nem, a rigor, eficiência em suas empresas e, muito menos, em seu mercado. Desorganização empresarial, desperdícios na corrida de preços, concorrência desenfreada, fracassos, crises reiteradas, necessidade recorrente de cortes de custos - especialmente em salários, aumentando a composição orgânica do capital de forma frenética -, greves, lockouts, agitação social e sublevação política foram os elementos que difundiram na mentalidade burguesa dos “países novos” - aqueles de industrialização recente - uma repulsa pelo mercado não regulado, pouco integrado, desorganizado e difuso (Landes, 1994LANDES, D. S. Prometeu desacorrentado. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1994., p. 255).

Exemplo disto é a prática do dumping que combinava os resultados de controle de preços dos cartéis e proteção das economias nacionais, por meio de políticas tarifárias agressivas, criando duas escalas de precificação: uma mais elevada para o mercado nacional e outra rebaixada para os mercados estrangeiros - até que este tivesse sua garantia de inserção, quando os preços passavam a se equiparar aos do “mercado protegido”.

Segundo Bukharin (1984BUKHARIN, N. A economia mundial e o imperialismo. São Paulo: Abril Cultural, 1984., p. 68): “O ‘protecionismo superior’ de nossos dias é apenas a fórmula estatal da política econômica dos cartéis. Os direitos alfandegários modernos são direitos de cartéis, um meio para que adquiram lucro suplementar.”. Os cartéis alemães da metalurgia, da indústria química e do comércio exterior foram useiros e vezeiros desta prática, pelo menos até a Grande Guerra.

Gráfico 1
Dez setores de maior concentração da produção mundial em cartéis e trustes (1900)

Segundo Saes e Saes: “O efeito dessas diversas formas de combinação de capitais foi dotar as empresas de poder de monopólio sobre o seu mercado, impedindo as guerras de preços e garantindo margens de lucros elevadas para as firmas envolvidas nos acordos” (Saes; Saes, 2013SAES, F.; SAES, A. História econômica geral. São Paulo: Editora Saraiva, 2013., p. 222). Diferente dos autores, não consideramos que o poder de monopólio tenha sido conquistado, de fato, com esta transformação. Os agentes econômicos corriam atrás de uma miragem monopolista. Muito raramente alcançavam resultados palpáveis em termos de domínio completo de determinado mercado. Como preconiza Lenin (2013)LENIN, V. O Imperialismo: fase superior do capitalismo. Lisboa: Edições Avante, 2013., o capitalismo monopolista não anula a concorrência, apenas a torna concentrada em gigantescas magnitudes de capitais, expandida no globo terrestre e acirrada entre estados nacionais.

Podemos incluir nesta lógica os chamados “monopólios naturais”. A teoria econômica neoclássica de vertente marginalista preconizou que determinadas atividades econômicas dependem de uma maximização do desempenho de fatores de produção naturais ao ponto da necessidade de mobilizar grandes massas de capital para lidar com recursos naturais escassos, de difícil acesso e improdutivamente fracionáveis. Para autores como Marshall (1996)MARSHALL, A. Princípios de economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1996., a única forma de monopólio admissível num mercado de “concorrência perfeita” é exatamente esta pelas “circunstâncias”, mesmo assim ela geraria distorções na remuneração de capital, como é patente:

Todos os monopólios naturais (entendendo-se com isso os que são criados pelas circunstâncias, e não por lei) que geram ou agravam as disparidades da remuneração dos diferentes tipos de trabalho, operam similarmente entre diferentes empregos de capital. Se um determinado empreendimento só puder ser dirigido com vantagem empregando um capital elevado, essa circunstância, na maioria dos países, restringe tanto a categoria de pessoas habilitadas a participar do negócio, que estas têm condições de manter sua taxa de lucro acima do nível geral. Conforme a natureza do caso, um empreendimento pode estar limitado a tão poucos que é possível manter altos os lucros por meio de uma associação entre os comerciantes. Já mencionei o caso das companhias de gás e de água (Marshall, 1996MARSHALL, A. Princípios de economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1996., p. 462).

O marxista Hilferding desmistifica essa tese. Toda a economia capitalista tem tendência ao monopólio, as distorções apontadas por Marshall são, em realidade, generalizadas. Citando os tais “monopólios naturais”, o marginalista apenas reconhece, mesmo que de forma limitada, a pulsão monopolística do sistema. Os fatores naturais e a intervenção dos Estados Nacionais sobre a utilização dessas riquezas apenas atenuam ou acentuam esta tendência. A extensão, duração, domínio e potência dos monopólios são, também, resultados da existência, ou não, de “monopólios naturais”. Por isso que, quando existem empresas que chegam próximas ao “monopólio total”, geralmente estas estão estribadas em atividades econômicas dependentes de fatores naturais mais escassos e/ou dificilmente fracionáveis para a lógica econômica vigente. Neste caso, as indústrias extrativas são exemplares. Segundo o teórico austríaco:

A existência ou ausência de um monopólio natural, portanto, atua decisivamente na formação de preços e nos custos da produção, mas, com isso também, na existência e duração da associação monopolista e daí, igualmente, no grau de seu poder para dominar o mercado. É decisivamente determinante a grandeza da participação na produção global que a associação deve ter em sua mão para poder dominar o mercado (Hilferding, 1985HILFERDING, R. O capital financeiro. São Paulo: Nova Cultural, 1985., p. 197).

Entretanto, o grau de controle e intervenção necessários sobre a natureza para o pleno desenvolvimento das forças produtivas em determinada atividade econômica é, apenas, um dos fatores nesta tendência secular do capitalismo e não justificam, por si só, a pulsão monopolista intrínseca ao sistema. As suas leis são mais decisivas.

Passemos ao processo histórico de forma mais detida para clarificar o que estamos postulando. As crises bancárias alemã, em 1901, e americana, entre 1907 e 1908, aparecem neste processo como verdadeiros momentos de “limpeza”, após o grande crescimento do capital financeiro num momento de retomada pós-Grande Depressão. A Alemanha e os Estados Unidos da América foram os dois países líderes no arranque da chamada Segunda Revolução Industrial (Mantuano, 2018MANTUANO, T. A revolução dos vapores na navegação marítima. História Econômica & História de Empresas, v. 21, p. 479-517, 2018.) e essas crises abalavam a confiança na retomada capitalista em todo mundo, pois os principais bancos já não mais podiam ser resumidos as atividades bancárias. Naquele momento, a falta de liquidez resultou em altos encaixes entre depósitos e compromissos contraídos que motivaram restrição de crédito, profunda desconfiança a respeito de pequenas instituições bancárias - não associadas a grandes - e respectiva quebradeira, que foram seguidas de maior concentração onde gigantescos colossos financeiros são criados ou fortalecidos quando assumem as massas falidas ou na associação entre os sobreviventes.

Segundo Mauro: “O Deutsche Bank absorve 49 outros bancos, o Disconto 28, o Dresdner 41. Resta finalmente 5 ou 6 grandes bancos que, por sua vez, fazem associações” (Mauro, 1973MAURO, F. História econômica mundial: 1790-1970. Rio de Janeiro: Zahar, 1973., p. 269); nos Estados Unidos, os mega banqueiros J. P. Morgan, George Baker e James Stillman (ambos do First National City Bank of New York) foram os bombeiros nomeados pelo Tesouro norte-americano para enfrentar aquilo que ficou conhecido como “pânico dos banqueiros”. Tratava-se da falência de mais de uma centena de bancos e corretoras de valores, incluindo os poderosos Twelfth Ward Bank, Empire City Savings Bank, Hamilton Bank of New York, First National Bank of Brooklyn, Internacional Trust Company of New York, Williamsburg Trust Company of Brooklyn, Borough Bank of Brooklyn, Jenkins Trust Company of Brooklyn, Union Trust Company of Providence, Trust Company of America e Lincoln Trust Company. Os sobreviventes, pouco a pouco, passaram a assegurar todos os serviços imagináveis, principalmente os serviços financeiros e investimentos às indústrias e empresas rurais, participação em comanditas, letras de câmbio e descontos vários.

Imagem 1
Capa da Revista Puck Questionando o Poder de Morgan (1910)

Já em 1900, Morgan controlava investimentos na monta de US$ 3.490.000.000 - incluindo US$ 1.691.000.000 em ferrovias, US$ 122.000.000 em bancos e US$ 1.677.000.000 em trustes industriais (Morris, 2005MORRIS, C. R. Os magnatas: como Andrew Carnegie, John D. Rockefeller, Jay Gould e J. P. Morgan inventaram a supereconomia americana. Porto Alegre: L&PM, 2005., pp. 233-234). As grandes associações de banqueiros se tornaram controladores e mantenedores de um conjunto vasto e diversos de empresas, especialmente como acionistas ou corretores de sociedades anônimas. Muitas vezes, a empreitada era tão grande que, para dividir os riscos, os diferentes colossos financeiros se associavam para financiar a mesma empresa. Sistematicamente, os dirigentes destes poderosos bancos integravam os conselhos destas empresas - especialmente os Conselhos Fiscais.

O predomínio do Capital Financeiro sobre todas as demais formas de capital implica o predomínio do rentier e da oligarquia financeira, a situação destacada de uns quantos “Estados de Poder” financeiro em relação a todos os restantes (Lenin, 2013LENIN, V. O Imperialismo: fase superior do capitalismo. Lisboa: Edições Avante, 2013., p. 63).

Melhores formados, mais técnica e cientificamente apurados, engenheiros e advogados, principalmente, mas também médicos, professores, etc., passaram a integrar a burguesia dirigente destes colossos capitalistas. Esta nova fração burguesa, os chamados “técnicos”, não se confundiam com o mestre-artesão ou o pequeno burguês das fases pretéritas ao capitalismo. É difícil traçar o perfil socioprofissional destes agentes, pois se encontram numa tensão entre serem proprietários-controladores - mesmo que, em algumas ocasiões, minoritários -, portanto rentistas, e assalariados, mas com grandes privilégios. Isto criou um poderoso impacto na formação das novas gerações da classe burguesa: “Os pequenos industriais e comerciantes submergiam, substituídos pela emergente burguesia de negócios e os diretores de bancos” (Mauro, 1973MAURO, F. História econômica mundial: 1790-1970. Rio de Janeiro: Zahar, 1973., p. 285).

Da mesma forma, ressurgem enquanto classe como evidência da reorganização superior dos capitais e da concentração do seu controle nas mãos de poucos burgueses, cada vez mais poderosos. Nas palavras de Hilferding:

Com o desenvolvimento das sociedades anônimas, por um lado, e com a crescente concentração da propriedade, por outro lado, vem crescendo o número de grandes capitalistas que investiram seu capital em sociedades anônimas diversas. A posse de muitas ações confere, todavia, o poder de se nomear um representante para a direção da sociedade. Como membro do conselho fiscal, o grande acionista recebe primeiro em forma de cotas de participação nos lucros, uma parte destes, tendo ainda a oportunidade de influir na administração da empresa ou de aproveitar seus conhecimentos sobre a política da empresa, seja para especular ou para lucrar em outras transações comerciais. Forma-se, assim, um círculo de pessoas que vivem em virtude do poder do capital próprio ou na condição de representantes do poder reunido do capital alheio (como diretores de banco), fazem parte dos conselhos fiscais de um grande número de sociedades anônimas. Surge assim um tipo de união pessoal, de um lado, entre as diversas sociedades anônimas e, a seguir, entre esta e os bancos, circunstância que deve ser da maior influência para a política da sociedade por formar-se entre as diversas sociedades um interesse comum de proprietários (Hilferding, 1985HILFERDING, R. O capital financeiro. São Paulo: Nova Cultural, 1985., p. 123-124, grifo meu.

Essa “união pessoal” se corporifica na ocupação de postos diretivos ou fiscalizatórios por representantes do capital financeiro nas Sociedades Anônimas Gigantes (Sweezy, Baran, 1966SWEEZY, P.; BARAN, P. O Capital Monopolista: ensaio sobre a ordem econômica e social americana. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1966.). Este fato se torna relevante para a teoria quando estes agentes promovem o estabelecimento de relações anticoncorrenciais entre empresas independentes. Mais uma vez a tendência ao monopólio se confirma, como se pode constatar na Tabela 1 e no Quadro 1, a seguir.

Tabela 1
Postos nas Diretorias ou Conselhos das Sociedades Anônimas Gigantes Alemãs ocupados por Representantes dos Bancos (1903)
Quadro 1
Postos nas Diretorias ou Conselhos de algumas Sociedades Anônimas Gigantes nos Estados Unidos (1904)

Na Tabela 1, fica patente a soma assustadora de 751 postos de diretoria e conselho em sociedades anônimas ocupados por representantes de apenas seis bancos. Apesar de não termos os dados referentes ao número de sociedades, é possível depreender a ostensiva presença dos bancos em posições decisórias, deliberativas ou fiscalizatórias nas maiores empresas alemãs. Eles forneciam o crédito, mas também o know how nos negócios, especialmente na área da contabilidade.

O Quadro 1 já é mais complexo e se refere à economia norte-americana. Primeiramente, é possível cruzar os nomes da Imagem 2, coletados pela Forbes, com os deste quadro: à exceção do advogado e senador Chauncey Mitchell Depew, todos os nomes que constam na lista das maiores fortunas dos EUA, se repetem na lista dos que mais ocupam postos nas diretorias ou conselhos das sociedades anônimas norte-americanas. Essa constatação brinda com uma evidência elementar o seminal trabalho de Sweezy (1942)SWEEZY, P. The illusion of the ‘managerial revolution’. Science and Society, v. 6, n. 1, p. 1-18, 1942..

Imagem 2
Lista da Forbes “30 Maiores Fortunas da América”

Imagem 3
English Octopus (1894)

Também é possível constatar no Quadro 1 que as Empresa de Referência1 (1) Medida tomada a partir do maior negócio que comandavam, no qual eram mais próximos e estavam em posto mais proeminente. são, na maioria das vezes, bancos ou seguros (5) e empresas de transportes (5), ficando as indústrias em papel ligeiramente secundário (4). Os famosos magnatas atuavam como diretores e conselheiros em impressionantes 530 postos nas sociedades anônimas norte-americanas. Pouco mais da metade desses postos eram em empresas ferroviárias, mesmo tendo passado mais de uma década do estouro da bolha ferroviária norte-americana.

A conformação desta burguesia dirigente (Baran, Sweezy, 1966) foi, ao mesmo tempo, resultado e significou impactos igualmente contraditórios na sua relação com a infraestrutura que comandavam e na própria sociedade que encabeçavam como classe dominante. São eles:

1. com o agigantamento do tamanho médio das empresas, por isso não fazia mais sentido que apenas membros das famílias fundadoras originais as dirigissem. Muitas vezes os herdeiros estavam apenas em posição estratégica na hierarquia organizacional, nomeadamente em funções fiscalizatórias e de determinação da política empresarial;

2. o comando das grandes corporações não estava divorciado da propriedade dos seus capitais - a burguesia dirigente era também acionista, garantindo o seu “lucro de fundador” (Hilferding, 1985HILFERDING, R. O capital financeiro. São Paulo: Nova Cultural, 1985.) -, mas a propriedade, no geral cada vez mais difusa, estava afastada do comando dessas corporações;

3. sua relação com os trabalhadores era mais impessoal ainda, desimpedindo quaisquer constrangimentos sociais em sua ação frente à força de trabalho e viabilizando a exploração em muitas escalas, ritmos e sentidos superiores. Por isso, o abismo social - que, dentre outras dimensões do humano, também era intelectual e mental - entre as classes dominantes e dominadas apenas se ampliava (Ferrarotti, 1972FERRAROTTI, F. Uma sociologia alternativa. Da sociologia como técnica do conformismo à sociologia crítica. Porto: Afrontamento, 1972.);

4. a representação que faziam das empresas se tornou mais institucional, negociar com os demais agentes econômicos, com os poderes políticos, com os Estados Nacionais e com os próprios trabalhadores passava por falar “pela organização”;

5. suas qualidades técnicas e científicas estavam constantemente à prova - mesmo que não as praticassem nos processos de trabalho, diretamente -, portanto o nível educacional e a formação intelectual formal deveriam se fundir ao conhecimento prático de forma obrigatória;

6. a capacidade de conseguir realizar seus projetos pessoais aumentou enormemente, pois, para aqueles que estavam em posição de mando, a máquina empresarial era instrumentalizada;

7. os membros desta classe disputavam internamente as empresas que compunham, seus fundos, alocação de recursos materiais e humanos, a formulação e execução de projetos, a valorização de seu departamento, suas descobertas, implementações e ganhos, esta era uma forma de se afirmar enquanto membro da classe e de galgar postos na hierarquia organizacional;

8. sua inserção e participação na organização da classe, como membro, passava a ser reconhecida pelo “crachá da empresa”, até porque essas mesmas corporações, de forma contumaz, serviram de base criadora e financiadora dos aparelhos privados de hegemonia (Gramsci, 2007GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.) que seus dirigentes compunham;

9. a dedicação à corporação era qualitativamente diferente da dedicação à empresa individual. Neste novo quadro, as decisões eram tomadas mais coletivamente e tinham repercussões mais generalizadas e impactantes. Contraditoriamente, as margens de pequenos erros se tornaram maiores e as possibilidades de erros catastróficos eram bem menores. Entretanto, as repercussões deste pequeno hall de erros cruciais não encontravam previsibilidade ou medida. Desta forma, as responsabilidades eram acrescidas e os ganhos também;

10. o advento do burguês dirigente - em diferentes níveis, nas posições executivas, coordenadoras, supervisoras e controladoras - e também da classe média - frações da classe trabalhadora tecnicamente qualificada ou em posição gerencial -, assalariados que são, fizeram a desigualdade de renda crescer mais do que a desigualdade de riquezas pessoais consolidadas em patrimônio. Embora o primeiro tipo alimentasse o segundo (Wright Mills, 1981WRIGHT MILLS, C. A elite do poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.).

Como registra Piketty (2014)PIKETTY, T. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014., neste momento, os salários e os rendimentos variáveis - atrelados à atividade produtiva e especulativa internas às corporações capitalistas - se tornaram tão importantes, para a dinâmica das desigualdades sociais, quanto a herança familiar patrimonial acumulada durante gerações. As participações de lucros, premiações, bônus e gratificações por desempenho e presença em determinadas atividades, além dos próprios dividendos de ações, determinaram a potência de riqueza pessoal desses membros da classe dirigente (Wright Mills, 1981WRIGHT MILLS, C. A elite do poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1981., p. 158).

Entretanto, é dirigindo o capital alheio - de centenas, milhares ou milhões de acionistas minoritários e sem qualquer poder sobre os destinos da corporação - que a burguesia dirigente ganhava nova potência num momento de grandes desafios.

Não as grandes fortunas, mas as grandes empresas é que são as unidades de riqueza importantes, as quais as pessoas que dispõem de bens estão ligadas de forma variadas. A empresa é a fonte e a base da permanência do poder e privilégio de riqueza. Todos os homens e famílias de grande riqueza estão, hoje, identificados com grandes empresas nas quais se fundamenta a sua fortuna (Wright Mills, 1981WRIGHT MILLS, C. A elite do poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1981., p. 141).

Segundo o próprio Wright Mills, em 1914, o salário médio, dos trabalhadores na produção das fábricas da Ford - que era tida como uma das melhores remunerações da indústria - girava entorno de US$ 2.50 diários. Anualmente, um trabalhador mais qualificado e disciplinado, os mais produtivos na ponta da produção de Ford, recebia até 750 dólares. O Ford T fora lançado custando 850 dólares, em 1908, mas àquela altura já custava algo entorno de 400 dólares. Os melhores trabalhadores da fábrica se esfalfavam, contavam com créditos, se endividavam, vivam no limite da sobrevivência e da dignidade, mas, efetivamente, compravam o modelo popular que produziam - até porque tinham facilidades garantidas por serem empregados de Ford. Entretanto, a lista trazida pela Forbes contendo as “30 Maiores Fortunas da América” denuncia o abismo social observável à época.

A força que torna factível esta expressiva desigualdade era a mesma que operava as conexões do mercado mundial e que, a rigor, dava o ritmo ao capitalismo monopolista: o capital financeiro. Todos os listados pela Forbes eram, se tornaram ou se associaram a banqueiros em algum momento de suas vidas. Desta forma, o sistema passou a repousar inteiramente na autoridade do banco, a qual depende de seus recursos financeiros. Por isso, o movimento de mercadorias se tornou mais autônomo das possibilidades financeiras imediatas de seus compradores e até da existência imediata dos produtos - surgem assim os “mercados futuros”. Os bancos na City de Londres, até a Grande Guerra, e aos poucos, os de Nova Iorque, passaram a desempenhar a função de garantidores das transações com alcance mundial.

Entretanto, a função bancária se torna financeira quando sua “união íntima” com a indústria se fortalece.

Desenvolve-se, por assim dizer, a união pessoal dos bancos com as maiores empresas industriais e comerciais, a fusão de uns com as outras mediante a posse das ações, mediante a participação dos diretores dos bancos nos conselhos de supervisão (ou de administração) das empresas industriais e comerciais, e vice-versa (Lenin, 2013LENIN, V. O Imperialismo: fase superior do capitalismo. Lisboa: Edições Avante, 2013., p. 46).

A relação de retroalimentação é clara: os bancos garantem mais recursos às indústrias em posição privilegiada; estas indústrias, por sua vez, garantem poderosa rentabilidade nas diversas formas de crédito e capitalização que passavam pelas instituições financeiras (Landes, 1994LANDES, D. S. Prometeu desacorrentado. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1994., p. 359).

Na década anterior à Grande Guerra, as indústrias no centro do sistema reforçaram sua infraestrutura, contrataram mais, conseguiam melhores posições no mercado comprador e criavam mais mercados consumidores, tinham melhores condições de dar e receber créditos, facilitavam o pagamento e conseguiam condições facilitadas para quitar suas contas; os bancos se capitalizavam poderosamente, penetravam numa miríade de negócios, tão mais vastas, quanto os seus investimentos tinham capilaridade, e, especialmente, se tornavam muito mais importantes como órgãos ordenadores da liquidez nas economias nacionais. Confessa Schumpeter:

Portanto, o banqueiro não é primariamente tanto um intermediário da mercadoria “poder de compra”, mas um produtor dessa mercadoria. Contudo, como toda poupança e fundos de reserva hoje em dia afluem geralmente para ele e nele se concentra a demanda de poder livre de compra, quer já exista, quer tenha que ser criado, ele substitui os capitalistas privados ou tornou-se o seu agente; tornou-se ele mesmo o capitalista par excellence. Ele se coloca entre os que desejam formar combinações novas e os possuidores dos meios produtivos. Ele é essencialmente um fenômeno do desenvolvimento, embora apenas quando nenhuma autoridade central dirige o processo social. Ele torna possível a realização de novas combinações, autoriza as pessoas, por assim dizer, em nome da sociedade, a formá-las. É o éforo da economia de trocas (Schumpeter, 1982SCHUMPETER, J. Teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1982., p. 83).

Desmistificando a crença no mercado autorregulado, Karl Polanyi aquilata o peso da alta finança como “núcleo organizador” do funcionamento do mercado capitalista. Para o autor, os grandes bancos ganharam importância paraestatal já na virada do século - inclusive assumindo funções típicas dos Estados Nacionais - funcionando, nesse período, como o principal elo entre as políticas econômicas em todo mundo. O autor assevera a existência de um

[...] poderoso instrumento social a funcionar no novo quadro, capaz de desempenhar o papel anteriormente exercido pelas dinastias e sedes episcopais e de conferir desse modo eficácia ao interesse na paz. Esse fator anônimo foi, em nosso entender, a haute finance (Polanyi, 2000POLANYI, K. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 2000., p.129).

Polayni chega a sustentar que eram os banqueiros quem manejavam os instrumentos mais eficazes para um “sistema internacional de paz”. Os Estados Nacionais, no que ele chama de “Concerto da Europa” atuavam, então, apenas em alguns momentos agudos com sua diplomacia e se provando na corrida armamentista, enquanto os poderes financeiros teriam sido uma “agência permanente” e com flexibilidade suficiente para apaziguar os ânimos e compor soluções conjuntas aos capitais de diferentes bandeiras. Para tanto, exemplifica a partir do exemplo dos Rothschild:

Os Rothschilds estavam longe de ser pacifistas; tinham feito a sua fortuna financiando guerras; eram impermeáveis a considerações morais; não punham objeções a guerra de menores de pouca duração ou limitadas ao nível local. Mas os seus negócios seriam prejudicados se uma guerra generalizada entre as grandes potências interferisse nos alicerces monetários do sistema (Polanyi, 2000POLANYI, K. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 2000., p.129).

Longe de ser um movimento pragmático, essa união é parte da nova forma como o capitalismo é encarado por seus agentes de proa. Os banqueiros e grandes industriais - que, cada vez mais, podiam ser confundidos - sabiam que estavam criando, fundando ou fortalecendo empresas que, em breve, “não poderiam quebrar” e seriam sustentadas por toda sociedade de forma viciante. Os trustes e cartéis, feitos à sorrelfa de legislações contrárias em diversos países, são provas de seu destemor em seguir a tendência à concentração de capitais. Como atenta Bukharin:

Por trás dos trustes e cartéis estão, geralmente, as empresas que os financiam, bancos principalmente. Esse processo de internacionalização - que tem no intercâmbio internacional sua mais primitiva forma e, no truste internacional, seu mais elevado nível de organização - provoca uma internacionalização muito intensa do capital bancário que, por meio do financiamento de estabelecimentos da indústria, se transforma em capital industrial e constitui assim uma categoria especial de capital financeiro (Bukharin, 1984BUKHARIN, N. A economia mundial e o imperialismo. São Paulo: Abril Cultural, 1984., p. 51).

A falta de limites do capital financeiro concretizou o capitalismo monopolista, e estas foram as bases para constituição do imperialismo capitalista. Protegidos e controlados os mercados internos, chegava a hora de expandi-los por meio das anexações de colônias ou criação de zonas de influência (Gráfico 2). Exportar capitais na forma de empréstimos passou a ser apenas uma das modalidades oferecidas pelos capitalistas no centro do sistema. Cada vez mais, explorá-los diretamente, em outros territórios, se tornou uma opção. O financiador já havia ultrapassado as fronteiras nacionais, antes mesmo dos industriais e grandes empresas comerciais. Entretanto, se anteriormente fazia apenas o papel de prestamista, naquele momento passava a ser “investidor”. Como repara Hobson:

Gráfico 2
Capitais Ingleses Investidos no Estrangeiro (1911)

Em medida limitada, essa cosmopolização das finanças é um resultado, natural e normal, da comunicação material e moral aperfeiçoada entre os vários países do globo. Mas, em larga medida, ela provém de uma restrição de mercados internos, que deve ser qualificada de artificial, no sentido que os trustes, os pools e outras combinações industriais e financeiras, ao retirar do produto agregado uma quantidade maior de “lucro” do que podem empregar, para obtenção de lucros posteriores nesses ou em outros investimentos internos, são levados a olhar sempre para mais longe e a utilizar toda a sua influência financeira e política para desenvolver mercados estrangeiros por meios, pacíficos ou violentos, que melhor sirvam aos seus objetivos (Hobson, 1983HOBSON, J. A evolução do capitalismo moderno: um estudo da produção mecanizada. São Paulo: Abril Cultural, 1983., p. 194).

Um dos efeitos mais notáveis deste amontoado de recursos sob responsabilidade cada vez mais restrita, de um pequeno número de “executivos”, é a consecução de feitos técnico-tecnológicos e sua aplicação em desafios produtivos que impressionaram a humanidade. O mais veloz, consistente e perene desenvolvimento das forças produtivas, naquilo que se convencionou chamar de Segunda Revolução Industrial, se deu por conta destas condições criadas pelo capital financeiro e executa/das nos moldes do capitalismo monopolista. Por exemplo: a eletrificação e a motorização facilitaram, pois, a racionalização das empresas e aumentaram o índice de produtividade, tanto na indústria, como na distribuição (Chandlera, 1998). Assim como, os métodos de organização do trabalho, preconizados já antes da guerra por Taylor e Ford, bem como a “racionalização da produção”, propagam-se desigualmente e com atrasos em alguns grandes países industriais - especialmente na Inglaterra -, este projeto visava transformar as condições de mercado e consumo, impulsionando a concentração de capitais e a centralização de unidades produtivas. O aproveitamento total das matérias-primas e seus derivados; a perseguição implacável aos trabalhadores dentro do espaço de trabalho, aproveitando-se de sua mais-valia absoluta de forma cada vez mais extensiva e de sua mais-valia relativa de forma cada vez mais intensiva; a redução dos custos em grandes economias de escala; a produção em massa e estandardizada levaram a dois fenômenos conexos que davam finalidade à fase superior do capitalismo: aumentos brutais de produtividade e necessidade intensamente crescente do consumo de massas variado, diversificado e contínuo (Landes, 1994LANDES, D. S. Prometeu desacorrentado. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1994.).

Este consumo de massas não entrava em contradição, ao contrário, sustentava - através do crédito e das facilidades de compra - um modelo econômico que gerava desigualdades sociais em níveis proibitivos para a mobilidade social entre as classes. As empresas monopolistas pagavam “bem”, o restante dos empregadores não. Mas o “bem” das grandes empresas, no geral, significava cobrir apenas as necessidades básicas, de manutenção das famílias e reposição da força de trabalho. Este “bem” tornara-se o “teto” salarial das economias avançadas e os trabalhadores que não fossem seus contratados - grande maioria da força de trabalho, espalhada em pequenas unidades de produção persistentes e subordinadas às empresas monopolistas - recebiam abaixo do que necessitavam. Entretanto, essa lógica do mercado de trabalho, especialmente o norte-americano, criou uma “classe média” com boa ocupação, salários fixos e razoáveis, e algum crédito (Fontana, 2017FONTANA, J. El Siglo de la Revolución: una historia del mundo desde 1914. Barcelona: Crítica, 2017., pp. 136-137).

A Tabela 2, elaborada por Hobson a partir dos dados do 12º Censo dos Estados Unidos, indica clara tendência de expansão dos capitais de forma mais acelerada que o número de estabelecimentos e operários, assim como no valor produzido pelo computo geral das manufaturas. No setor manufatureiro e de transportes a concentração aconteceu primeiro, afetando por sua amálgama, após, os setores dos demais serviços, comerciais e da agricultura.

Tabela 2
Manufaturas nos Estados Unidos (1880-1900)

Observadores contemporâneos consideravam este tipo de monopólio uma excrescência, algo retrógrado, que deveria ser combatido porque contrariavam o ideal da livre concorrência. Entretanto, houve uma vanguarda de intelectuais - desde os mais liberais, até os mais críticos e marxistas convictos -, que alertavam para os monopólios como um novo traço estruturante do capitalismo. E, para isso, havia uma razão prática:

Todavia, há sérias razões para pensarmos que o “grande negócio” era de fato melhor do que o pequeno, pelo menos a longo prazo: mais dinâmico, mais eficiente, mais capaz de empreender as tarefas cada vez mais complexas e dispendiosas do desenvolvimento (Hobsbawm, 1988HOBSBAWM, E. Era dos Impérios (1875-1914). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988., p. 15).

O novo ciclo de acumulação exigia volumes crescentes de capital para novas estruturas produtivas e de circulação, com aplicações técnicas e desenvolvimento tecnológico que demandavam um esquema de financiamento muito mais robusto. Disto derivam as consequências produtivas, de circulação, distribuição, vendas, publicidade e propaganda, pesquisa e desenvolvimento, de organização administrativa e gerencial. Foi a concentração de capitais, através dos diversos mecanismos aqui deslindados, que criou a necessidade destes vastos empreendimentos integrados.

Mais uma prova de que a teoria marxista não falhou no tocante ao monopolismo está expressa na Tabela 3. Essa tabela é uma reorganização e desdobramento dos números apresentados em trabalho anterior (Mantuano, 2018MANTUANO, T. A revolução dos vapores na navegação marítima. História Econômica & História de Empresas, v. 21, p. 479-517, 2018.). Trata-se da relação das maiores companhias de navegação de todo o globo terrestre. Possivelmente, as mais importantes empresas de transporte internacional do mundo. Naquele trabalho, estabelecemos o caráter dos transportes transoceânicos, analisando o século XIX e trabalhando com os números fornecidos pelo Journal Of The Royal Satistical Society para os anos de 1891 e 1901. Virando a página para o século XX, percebemos as características do século anterior agravadas: o número de novas empresas no setor vai caindo de acordo com o que o tempo avança, no fim do XIX, para a criação de uma única e gigantesca companhia, ao alvorecer do novo século; a hegemonia britânica na marinha mercante é, definitivamente, posta em xeque; as maiores empresas crescem funcionalizando empresas médias e absorvendo massas falidas de pequenas empresas; as maiores são sociedades anônimas, enquanto as médias ainda são empresas individuais; por último, e mais importante, continuam crescendo endogenamente, tanto as maiores, quanto as médias. A maioria das empresas listadas tiveram expressivo crescimento da capacidade de carregamento em suas embarcações - apenas 5 das 38 empresas listadas decresceram nesse quesito; no entanto, 15 empresas diminuíram a quantidade de embarcações na sua frota e, aquelas que aumentaram, experimentaram um aumento proporcionalmente muito maior na capacidade de carga - o que confirma a tendência à centralização da produção.

Tabela 3
Maiores Companhias de Navegação a Vapor Transoceânica (1901-1910)

O que há de novo, embora seja coerente com a tendência anterior, é que a pulsão monopolista passou a ser confirmada de maneira exógena com as fusões, curadorias mútuas de ações ou sindicatos de companhias de navegação transoceânicas. Anteriormente, durante a Grande Depressão, as empresas também se uniam, mas por fragilidade de um dos lados da negociação. Na conjuntura desfavorável as compras e as diferentes formas de assumir massas falidas eram mais presentes que as fusões. Neste novo estágio, a tendência se confirma em momento de expansão: são empresas sadias e em posições confortáveis no mercado - mesmo que de diferentes tamanhos - que se unem.

Como demonstramos no trabalho anterior, o Lloyd de Hamburgo, até a década de 1890, assumiu massas falidas e forçou o englobamento de adversários mais frágeis; na década de 1890, ao mesmo tempo que crescia endogenamente e passava a enfrentar a multidão de empresas de navegação inglesas, passou a ensaiar combinações cartelizadas com outras grandes empresas de navegação alemãs; já na década de 1900, conseguiu duas fusões importantes: com a linha Hanseática e com a empresa hamburguesa que navegava no Atlântico Sul.

Os ingleses, tão ciosos da concorrência sob o capitalismo, promoveram duas fusões que impressionam pelo caráter estratégico do movimento: a Royal Mail se une, em 1910, à Pacific Steam Navigation, fusão essa que espantou os contemporâneos, pois se tratava de duas empresas pari passu em termos de tamanho e importância, que disputavam mercados completamente distintos; já a Ocean SS conseguiu se unir à novíssima frota da China Mutual, em 1902, conseguindo demanda para viagens mais longas e “engatando” suas linhas.

Registrado por Lenin, a mais chocante dessas fusões se deu nos Estados Unidos e foi conduzida pelo banqueiro John Pierpont Morgan. Este comprou boa parte das companhias transatlânticas norte-americanas e algumas inglesas, além de adquirir embarcações novas dos crescentes estaleiros norte-americanos e comprar em leilões embarcações - de viagem e apoio - usadas por companhias do mundo todo. Assim foi formada a International Mercantile Marine, em 1902.

Foram necessárias algumas décadas para que a chamada “partilha do mundo” também significasse uma “partilha dos mares” (Lenin, 2013LENIN, V. O Imperialismo: fase superior do capitalismo. Lisboa: Edições Avante, 2013.). Para tanto, a concentração de capitais, como está demonstrada na monta dos capitais distribuídos em ações e obrigações de algumas dessas empresas, somada a centralização da produção, evidenciada pela relação entre o ritmo de (de)crescimento das frotas frente ao exponencial crescimento das capacidades de carga, atuaram poderosamente confirmando a pulsão monopolista nos mares. Para tanto, se serviram de novos mecanismos, acelerando sua expansão/concentração numa forma - a Sociedade Anônima Gigante (Baran; Sweezy, 1966) - que contribuiu para alterar o conteúdo sistêmico: o capitalismo que era concorrencial passou a ser monopolista.

Considerações finais

Com este artigo, procurei demonstrar que o capitalismo monopolista foi e deve continuar a ser encarado como a expressão no real, historicamente manifesta, da lei geral da acumulação capitalista. A concentração e a exportação de capitais, bem como a centralização da produção e a dispersão geográfica da indústria, aparentemente poderiam ser fenômenos contraditórios, mas interagiram para salvar o sistema, modificando-o radicalmente: a recriação do mercado mundial, das práticas imperialistas, o predomínio do capital financeiro e a reconfiguração das classes sociais, bem como as mudanças nos termos de sua luta, fatores cada vez mais adequados à lógica do capital, são processos integrantes do ocaso do capitalismo concorrencial e do parto do capitalismo monopolista.

As evidências históricas nas origens do capitalismo monopolista demonstram que existem empresas monopolistas sob o capitalismo, mas mais do que isso: indicam que todas aquelas empresas com capacidade de criar ou modificar mercados de acordo com seus desígnios possuem uma pulsão monopolista. De braços dados aos Estados Nacionais em seu país-sede, na virada do século XIX para o XX, capitalistas criaram unidades de produção em que se ultrapassam as determinações humanas individualmente tomadas, e em nosso recorte fica claro como os colossos capitalistas passaram por um processo de personificação. A empresa passou, lentamente, a ser mais importante que o proprietário ou o dirigente. A burguesia saiu fortalecida e profundamente transformada, mas, sobretudo, os burgueses caíram em si, cientes da sua limitação humana: por mais poderosos e enriquecidos que passassem a ser - e eram mesmo - não viveriam mais do que suas empresas. Algumas delas se mantiveram ativas mesmo passando por acontecimentos de cariz e proporções trágicas, nos alcançando até hoje.

A história das origens do capitalismo monopolista conta um pouco da nossa própria história, como ainda existem ou puderam surgir boa parte das empresas que nos empregam ou que por elas somos encarados como consumidores. Gigantes e centenárias, algumas empresas são comandadas por pessoas que não se constrangem com as contradições e feitos condenáveis desvelados sobre sua história.

É evidente que essas empresas mudaram. O próprio sistema se mundializou e sofisticou, variando ao extremo em um século. O desenvolvimento das forças produtivas e as mudanças sociais, políticas e econômicas em sociedades tão diversas entre si foram elementos do acirramento de suas contradições e, consequentemente, de seus revezes. No entanto, a identificação ainda presente dos resultados estruturais e seculares de tão determinante processo indiciam que, muito provavelmente, Marx estava certo.

  • JEL: B14, N10, P12.
  • (1)
    Medida tomada a partir do maior negócio que comandavam, no qual eram mais próximos e estavam em posto mais proeminente.

Referências bibliográficas

  • ARRIGHI, G. O Longo Século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. São Paulo: Editora da Unesp, 1994.
  • AMERICAN ECONOMIC ASSOCIATION. Annual Report Washington: AEA, 1904.
  • BEAUD, M. História do capitalismo de 1500 aos nossos dias São Paulo: Brasiliense, 1989.
  • BUKHARIN, N. A economia mundial e o imperialismo São Paulo: Abril Cultural, 1984.
  • CHANDLER, A. Ensaios para uma teoria histórica da grande empresa Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1998.
  • COASE, R. A firma, o mercado e o direito Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016.
  • COGGIOLA, O. As grandes depressões (1873-1896 e 1929-1939): fundamentos econômicos, consequências geopolíticas e lições para o presente. São Paulo: Alameda, 2009.
  • CROUZET, M. História geral das civilizações. A Época Contemporânea (Livro 1). São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1968.
  • DOLLAR, R. One hundred thirty years of steam navigation São Francisco: Robert Dollar Company, 1931.
  • FERRAROTTI, F. Uma sociologia alternativa. Da sociologia como técnica do conformismo à sociologia crítica. Porto: Afrontamento, 1972.
  • FONTANA, J. El Siglo de la Revolución: una historia del mundo desde 1914. Barcelona: Crítica, 2017.
  • FORBES. The first list of the Richest Americans New York: Forbes, 1918. Disponível em: shttps://www.forbes.com/sites/chasewithorn/2017/09/19/the-first-forbes-list-see-who-the-richest-americans-were-in-1918/ Acesso em: 19 jan. 2020.
    » https://www.forbes.com/sites/chasewithorn/2017/09/19/the-first-forbes-list-see-who-the-richest-americans-were-in-1918/
  • FOSTER, W. Fortunes made in business: a series of original sketches, biographical and anecdotic, from the recent history of industry and commerce. 3 v. London: Sampson Low, Marston, Searle & Rivington, 1884-1887.
  • GALBRAITH, J. O novo estado industrial Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
  • GINSBURG, B. W. Steamship lines. In: CHISHOLM, H. (Org.). Encyclopædia Britannica Cambridge: Cambridge University Press, 1911, p. 850-860.
  • GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
  • HARVEY, W. H. Coin’s financial school Chicago: Coin Publishing Company, 1894.
  • HILFERDING, R. O capital financeiro São Paulo: Nova Cultural, 1985.
  • HOBSBAWM, E. Era dos Impérios (1875-1914) Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
  • HOBSON, J. A evolução do capitalismo moderno: um estudo da produção mecanizada. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
  • JOURNAL OF THE ROYAL SATISTICAL SOCIETY. Steamship Lines London: Blackwell Publishing, 01 set. 1901, p. 859.
  • KENNEDY, J. The history of steam navigation London: Charles Birchall, 1903.
  • LANDES, D. S. Prometeu desacorrentado Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1994.
  • LENIN, V. O Imperialismo: fase superior do capitalismo. Lisboa: Edições Avante, 2013.
  • LIBRARY OF CONGRESS. Prints and Photographs Division The Central Bank. Washington: Puck, 1910. Disponível em: https://www.loc.gov/resource/ppmsca.27602/ Acesso em 01 mar. 2020.
    » https://www.loc.gov/resource/ppmsca.27602/
  • MANTUANO, T. A revolução dos vapores na navegação marítima. História Econômica & História de Empresas, v. 21, p. 479-517, 2018.
  • MARSHALL, A. Princípios de economia política São Paulo: Nova Cultural, 1996.
  • MARX, K. O Capital: crítica da economia política. O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013.
  • MAURO, F. História econômica mundial: 1790-1970. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
  • MORRIS, C. R. Os magnatas: como Andrew Carnegie, John D. Rockefeller, Jay Gould e J. P. Morgan inventaram a supereconomia americana. Porto Alegre: L&PM, 2005.
  • MORRISON, J. H. History of American steam navigation New York: Sametz, 1908.
  • NAZAREVSKY, P. Esboço da história e da teoria a econômica coletiva capitalista. Sindicatos, indústrias e empresas combinadas. Esboço da história da unificação da indústria norte-americana. Moscou: s. e., 1912.
  • PHILIPPOVICH, E. V. Monopole und Monopolpolitik. Grünberg’s Archiv für die Geschichte des Sozialismus und der Arbeiterbewegung, a. 6, fas. 1, 1915.
  • PIKETTY, T. O capital no século XXI Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
  • PIRENNE, H. The stages in the social history of capitalism. The American Historical Review, v. 19, p. 494-526, 1914.
  • POLANYI, K. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
  • SAES, F.; SAES, A. História econômica geral São Paulo: Editora Saraiva, 2013.
  • SCHUMPETER, J. Capitalismo, socialismo e democracia Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.
  • SCHUMPETER, J. Teoria do desenvolvimento econômico São Paulo: Abril Cultural, 1982.
  • SKLAR, M. The corporate reconstruction of american capitalism, 1890-1916: the market, the law, and politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1988.
  • SWEEZY, P. The illusion of the ‘managerial revolution’. Science and Society, v. 6, n. 1, p. 1-18, 1942.
  • SWEEZY, P.; BARAN, P. O Capital Monopolista: ensaio sobre a ordem econômica e social americana. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1966.
  • WOOD, E. O império do capital São Paulo: Boitempo, 2014.
  • WRIGHT MILLS, C. A elite do poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
EDITOR RESPONSÁVEL PELA AVALIAÇÃO Fábio Antonio de Campos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2023
  • Aceito
    24 Jan 2024
Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Publicações Rua Pitágoras, 353 - CEP 13083-857, Tel.: +55 19 3521-5708 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: publicie@unicamp.br