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The takeover of social policy by financialization: the Brazilian paradox

Lavinas, Lena. . The takeover of social policy by financialization: the Brazilian paradox. New York: Palgrave Macmillan, 2017.

O livro The takeover of social policy by financialization: the Brazilian paradox, de autoria de Lena Lavinas, Professora Titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Pesquisadora do CNPq, constitui seu mais recente trabalho no âmbito das pesquisas sobre o fenômeno da financeirização das economias atuais, notadamente, no que concerne ao caso brasileiro. Trata-se de uma obra pioneira tanto pela temática desenvolvida quanto pela originalidade dos resultados alcançados.

Sua vasta produção científica a tornou conhecida por suas análises consistentes dos fatores estruturais que reproduzem os obstáculos endógenos ao desenvolvimento social brasileiro. Nesse campo, os trabalhos não são apenas profícuos, são igualmente numerosos, versando sobre a formulação de políticas sociais e seus efeitos sobre as desigualdades que marcam a economia e sociedade brasileiras.

A primeira geração de trabalhos dedicados à financeirização da economia brasileira manteve- se no âmbito das análises macroeconômicas, focando os impactos desse fenômeno para o crescimento econômico e para assim chamada "financeirização da riqueza", numa ótica que se pode considerar keynesiano-marxista e estruturalista. Na segunda geração, os trabalhos mobilizaram as abordagens institucionalistas, particularmente os aportes da Teoria da Regulação, combinadas com análises econométricas para explicitar o modo como a acumulação rentista-financeira reduzia a taxa de investimento e impedia o desenvolvimento sustentável da acumulação de capital fixo produtivo, particularmente, o industrial.

Com a publicação desse livro, Lavinas inaugura a terceira geração, dessa vez com uma nova problemática que nos atinge de modo ainda mais incisivo, pois integra e reatualiza as preocupações das duas gerações de trabalhos anteriores diretamente no âmbito social e das relações Estado-sociedade- economia. A dimensão que estava implícita ou apenas sugerida nas pesquisas anteriores surge agora como objeto de pesquisa plenamente constituído e analisado em suas principais consequências para a sociedade: a financeirização da política social. A expressão mais contundente da subordinação dos Estados nacionais às exigências de rentabilidade e revalorização mercantil que a alta finança, detentores de capital e grandes grupos empresariais, cujas atividades tornaram-se, por assim dizer, "transsetoriais", impõem à sociedade e às suas instituições.

Após a leitura de "The takeover of social policy by financialization: the Brazilian paradox" é impossível negar, como até então se fazia, de forma um tanto leviana, nos meios acadêmicos e de pesquisa, a relevância do fenômeno da financeirização e seu estatuto teórico para uma abordagem pertinente dos desafios do desenvolvimento socioeconômico brasileiro na atualidade. As implicações das descobertas dessa pesquisa são muitas, e para uma resenha, é preciso limitar-se a algumas delas.

No modelo de crescimento responsável pelo boom dos anos 1920, o taylorismo revolucionou as condições de produção elevando rapidamente os ganhos de produtividade. Porém, as condições de demanda permaneceram praticamente as mesmas do capitalismo de final do século 19, criando as condições estruturais para a crise de superprodução dos anos 1930. No modelo fordista do pós-Segunda Guerra, o modo de consumo assalariado fora, dessa vez, revolucionado, graças à conexão do salário médio real aos ganhos de produtividade e à institucionalização do salário indireto, através da difusão das estruturas do Welfare State. O resultado macroeconômico foi excepcional. Um crescimento econômico forte e estável, sem precedentes históricos, com expansão do consumo de massa, em sinergia com uma oferta igualmente de massa por três décadas consecutivas. Foi a Golden Age do capitalismo nos países da OCDE que difundiu o American way of life ao redor do mundo.

The takeover of social policy by financialization é um trabalho pioneiro no Brasil, pois dedica- se a uma problemática inexplorada até a publicação desse livro: as implicações do processo de financeirização em curso no Brasil para a formatação e gestão das políticas sociais e, mais amplamente, para a necessária retomada dos rumos do desenvolvimento desse país. Sem nenhuma concessão às concepções neoliberais e sem jamais endossar os argumentos, em geral, sempre ideológicos, da oposição conservadora ao Partido dos Trabalhadores, o livro revela os limites estruturais do modelo petista de desenvolvimento e inclusão social. Para tanto, a análise é desenvolvida através de argumentações não apenas claras, mas convincentes, pois amplamente apoiada em dados, estimações econométricas e na literatura nacional e internacional sobre o tema da financeirização e suas consequências adversas tanto para países em vias de desenvolvimento quanto já desenvolvidos. Trata-se, portanto, de um trabalho original e necessário, pois imprescindível aos desafios brasileiros e mundial. O livro se estrutura em cinco capítulos:

Como nos mostra Lavinas (2017)LAVINAS, Lena. The takeover of social policy by financialization: the Brazilian paradox. New York: Palgrave Macmillan, 2017., em contraste com os dois precedentes, o modelo do PT buscou antes, revolucionar as condições de demanda, no sentido da expansão do consumo de massa, sem, contudo, revolucionar as condições de produção. Estas necessitavam de mudanças estruturais fundamentais, como a recuperação das bases produtivas industriais e a retomada de grandes investimentos públicos e privados em infraestrutura, inovação, ciência e tecnologia. A sustentabilidade desse modelo mostrou-se fortemente dependente da demanda externa pelas commodities brasileiras, de maneira a compensar o crescimento dos salários reais diante dos baixíssimos ganhos de produtividade da economia brasileira. Quando a crise americana de 2008 pôs fim ao boom dos preços internacionais das commodities exportadas pelo Brasil, as taxas de lucro internas despencam. A política de conciliação de classes, eixo da governabilidade petista, chega ao fim, culminando com o golpe parlamentar de 2016 e a captura total do Estado nacional brasileiro pelos interesses da alta finança com sua ideologia neoliberal.

O capítulo 1 - Twenty-frist century developmentalism, introduz e define a problemática. O Brasil havia se tornado exemplo mundial de combate à pobreza e redução das desigualdades sociais. As pesquisas sobre pobreza nunca foram tão numerosas, seguindo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, de acordo com as prescrições de política social dos organismos internacionais. Nunca tantos escreveram tanto sobre o mesmo tema, o que fez a historiadora Virgínia Fontes denominar, ironicamente, por "probretologia", essa nova área da pesquisa científica tão em voga nos anos 1990 e primeira década de 2000. Mas a pobretologia pecava em três direções principais. A primeira, por promover o combate às desigualdades sociais através da aplicação de políticas públicas focalizadas. A segunda, por esvaziar política e sociologicamente os indivíduos pobres da verdadeira classe social a que pertencem sob a égide do sistema capitalista. A terceira por secundarizar a importância das transformações estruturais e do desenvolvimento industrial como substrato necessário à eficiência e eficácia das políticas sociais.

Como observa Lavinas, o necessário e inadiável combate à pobreza e às desigualdades sociais deixou de fora o conjunto amplo de reformas estruturais (tributária, financeira, política, reindustrialização, sistema nacional de inovação, etc.) necessário para efetivamente estabelecer e manter o país numa trajetória consistente de desenvolvimento socioeconômico sustentável. Nas palavras da autora (p. 3):

While lack of demand seemed to have been overcome, the structures sustaining a continued reproduction of inequalities remained in place.

Pode-se considerar que o Brasil transitou entre dois extremos que não lhe permitiram o efetivo desenvolvimento socioeconômico. No período 1950-1980, a industrialização possibilitou o alto crescimento econômico, mas a questão distributiva não foi apenas secundarizada, foi simplesmente desprezada pelo Estado. O país termina o "milagre" com uma economia industrializada, mas ainda subdesenvolvida. Uma aparente contradição, pois a industrialização era tida como o caminho mais rápido e certo para a entrada no mundo das sociedades avançadas. Tratava-se, porém, do que Bresser- Pereira (1986) denominou por "subdesenvolvimento industrializado".

No período 1981-2003, o crescimento estaciona em patamares muito baixos, face às necessidades econômicas e sociais, beirando a estagnação da renda e do produto. Entretanto, acreditava- se que a esperança de retomada do processo de desenvolvimento viria com a gestão do Partido dos Trabalhadores, que, em tese, cuidaria da questão distributiva sem deixar de lado as mudanças estruturais necessárias, incluindo a preservação e atualização das bases produtivas industriais, herdadas do período precedente.

Para Lavinas, apesar da empiricamente constatável melhora dos rendimentos das classes de baixa renda e assalariadas, a indústria foi negligenciada e, com ela, as principais reformas estruturais de que o país tanto precisa. A reforma tributária para eliminar a regressividade do atual sistema, a reforma agrária, a reforma política, etc. Poder-se-ia acrescentar à essa agenda, a reforma financeira, "mãe" de todas as reformas, porque buscaria reestruturar o sistema bancário-financeiro brasileiro para adequá-lo às necessidades do crescimento e do desenvolvimento. No entanto, a razão para isso decorre da inviabilidade de uma estratégia nacional de desenvolvimento que desconsidere os limites estruturais impostos pelo atual processo de financeirização da sociedade brasileira.

No capítulo 2 - Social developmentalism as a growth model in times, Lavinas mostra as contradições entre o discurso "social-desenvolvimentista" da gestão do PT e as ações do Estado no âmbito das políticas sociais e da política econômica. Apesar de continuamente sujeita às práticas deliberadas de sub-financiamento por parte do Governo, a provisão pública universal nos sistemas de saúde e educação permanecera lado a lado com a expansão acelerada da provisão privada, embora eivada de problemas infraestruturais e incapaz de responder prontamente às necessidades da população. Como argumenta Lavinas (p. 7):

Social policy in Brazil is designed primarily to solve market failures, as opposed to underwriting structural transformations of profound asymmetries, whether in the social or in the productive sphere. It is no coincidence that two-thirds of social spending in Brazil has taken the form of monetary transfers, to the detriment of decommodified forms of direct provision.

Os trabalhos internacionais sobre a financeirização são unânimes num resultado crucial: em economias e sociedades financeirizadas, os Estados nacionais perdem autonomia. Autonomia para formular estratégias consistentes de desenvolvimento, para implementar políticas econômicas contracíclicas e compatíveis com a expansão da indústria, autonomia para expandir em qualidade e amplitude os serviços públicos fundamentais à melhora sustentável das condições de vida da população. Capturados pelos interesses de curto prazo da acumulação rentista-financeira, os Estados são premidos a encolher seu raio de ação, entregando ao setor privado várias de suas funções tradicionalmente reconhecidas como provedoras de bens públicos, incluindo aqueles considerados bens meritórios como a educação.

Nesse contexto de desmonte das estruturas do Estado Social e de re-mercantilização da vida social, a teoria do bem-estar (the economic of welfare) e a teoria do setor público são vistas como possuidoras de hipóteses e conceitos já ultrapassados historicamente. Por isso, o neoliberalismo surge como a ideologia, par excellance, da financeirização, que busca ampliar seus espaços de revalorização rentista dos capitais tanto fora quanto através das atividades produtivas e de serviços. Observe-se o status que a disciplina de Economia do Setor Público possuía até a década de 1980, e o agora conferido ao seu homólogo reducionista "finanças públicas", focado, quase que exclusivamente, nas definições de dívida e déficit públicos, e sempre encampando, acriticamente, as hipóteses monetaristas e novo clássicas de que a expansão dos gastos do governo é sempre problemática. Gera inflação, desestabiliza a economia e cria ciclos conjunturais desnecessários.

Nesse capítulo, Lavinas apresenta um conjunto robusto de estimativas econométricas que embasam seus principais argumentos. A aceleração do crescimento econômico do período petista, precisamente entre 2004 e 2013, foi impulsionada pelo forte crescimento do consumo familiar, graças à expansão das operações de crédito em diversas modalidades. O governo promove um processo intensivo de "bancarização" dos consumidores de baixa renda, com a criação de novas e simplificadas contas bancárias.

Outro ponto forte da análise desenvolvida é a detecção de mudanças nas regularidades macroeconômicas observadas e nos valores das elasticidades estimadas. Mediante testes econométricos de quebra estrutural, Lavinas mostra a existência de três subperíodos que atravessaram a gestão petista (mar./2004 a jul./2007; ago./2007 a mai./2012; jun./2012 a jun./2015). Essa subdivisão torna-se relevante para mostrar os impactos diferenciados das expansões da massa salarial e do crédito sobre a dinâmica do consumo familiar. Com base nas evidências empíricas, Lavinas (p. 39) conclui:

The wage bill is no longer able to explain the continued expansion of retail, which is now strongly dependent on new and growing credit concessions.

A importância das operações de crédito ao consumo foi crescente, como se constata pelo exame das elasticidades estimadas, 0,27; 0,32; 0,45; respectivamente, no primeiro, segundo e terceiros subperíodos.

Um posicionamento crítico central ao regime de crescimento da era do PT é apresentado no penúltimo parágrafo, à página 40. Esse tipo de estratégia de "desenvolvimento" por expansão do consumo, financiado com taxas demasiadamente elevadas e câmbio real apreciado, não é capaz de garantir taxas altas e sustentáveis de crescimento econômico. Como um de seus subprodutos diretos é a desindustrialização precoce e o predomínio das commodities na pauta de exportações brasileiras, toda expansão forte da demanda agregada tem de ser contida, em razão da restrição externa. Em outros termos, as commodities são inelásticas à renda do resto do mundo, mas as importações industriais brasileiras são elásticas à renda interna. Uma combinação nociva ao equilíbrio externo, que leva a uma política permanente de taxas de juros reais elevadas para manter as condições de financiamento do balanço de pagamentos, pouco tendo a ver com o combate à uma inflação sempre, equivocadamente, interpretada como de demanda.

Para Lavinas, a gestão da dívida pública interna continua a ter um papel fundamental na financeirização da economia brasileira. Trata-se do principal eixo da acumulação rentista, que lhe diferencia de seus homólogos em países desenvolvidos que apresentam baixas taxas de juros. Entretanto, o país encontra-se em um novo patamar de subordinação à natureza e lógica desse processo, pois a financeirização incorporou, de forma avassaladora, o endividamento familiar no rol de suas estruturas de ativos. Seja através do grande varejo e suas práticas de financiamento com numerosas parcelas a juros altos, seja através da captação das demandas sociais por serviços de saúde, educação e previdência, que anteriormente podiam ser parcialmente satisfeitas pela provisão pública.

No capítulo 3 - Financial inclusion in the new covenant for growth, Lavinas analisa o modo como as políticas de inclusão financeira foram estrategicamente institucionalizadas em compatibilidade estrutural com os interesses da acumulação rentista-patrimonial. Destaca o equívoco metodológico e teórico de se considerar melhorias no plano dos rendimentos dos estratos populacionais de baixa renda como condição necessária e suficiente para sua entrada no universo multiforme das chamadas classes médias. E é nesse contexto que o conceito de "nova classe média" foi politicamente explorado, abstraindo-se das características sociológicas e do estoque de ativos e patrimônio necessários à definição de classe social. Por outro lado, a propaganda oficial em torno da suposta emergência da nova classe média foi promovida ao mesmo tempo em que as demandas mais urgentes das classes médias tradicionais eram secundarizadas.

Este capítulo também mostra como os organismos internacionais, como, por exemplo, o Banco Mundial, tornaram-se os porta-vozes da hegemonia e dos interesses do capital financeiro internacional. A agenda de inclusão financeira foi difundida entre os países emergentes e em desenvolvimento como uma espécie de panaceia para a melhora das condições de vida de suas populações. Para Lavinas, as finanças introduzem a "racionalidade do colateral", isto é, incentivam a acumulação de poupanças e outros ativos juntos ao sistema bancário-financeiro, a fim de reduzir os custos de transação e facilitar o desenvolvimento da mentalidade do investidor (financeiro). Entretanto, o investidor produtivo, que precisa enfrentar todos os riscos inerentes às imobilizações em capital fixo nas atividades efetivamente geradoras de valor, é desestimulado pelas alternativas fáceis, líquidas e de baixo risco oferecidas pelo setor bancário-financeiro.

Este capítulo também destaca outra consequência deletéria da financeirização da economia e sociedade brasileiras. O combate aos fatores estruturais da pobreza passa a ser substituído por uma abordagem parcial e equivocada da "pobreza como déficit de renda" que poderia ser seguramente superado através de programas de transferência de renda. Ora, a melhora sustentável e permanente das condições de vida não pode ser alcançada apenas por mecanismos institucionais de redistribuição do produto social. Os valores módicos de tais programas destinam-se a um tipo de "economia de sobrevivência", não de elevação contínua e significativa da renda per capital familiar, pré-requisito para uma "economia de abundância". Se as economias capitalistas funcionam, necessariamente, sobre a base de sociedades salariais, como destacaram Michel Aglietta e Robert Castell, é a inclusão no universo da ocupação assalariada em postos de trabalho satisfatórios em remuneração e demais condições de produção, uma condição necessária para a efetiva erradicação dos fatores que reproduzem o fenômeno da pobreza. Nesse contexto, o resgate do Estado Social, com a institucionalização do salário indireto, apresenta-se como um elemento-chave complementar, embora em oposição ao movimento de re- mercantilização imposto pela lógica e natureza dos processos de financeirização.

Os capítulos precedentes proporcionam os principais elementos para a fundamentação da análise desenvolvida no capítulo 4 - Connections between the social protection system, taxation, and financialization: a análise da problemática das conexões estruturais entre o processo de financeirização da sociedade brasileira e as diversas componentes do sistema de proteção social e do regime fiscal resultante. Além disso, esse capítulo traz informações cruciais para se compreender os verdadeiros objetivos das reformas trabalhista, previdenciária e da terceirização irrestrita. Todas inscritas, como as demais reformas ainda em fase de aprovação, na agenda neoliberal necessária à nova etapa da financeirização nesse país. Lavinas analisa também como os sistemas de previdência fechada e os fundos de pensão se articulam com as estruturas do Estado para alavancarem suas posições de carteira e expandirem sua lógica privada de acumulação rentista-patrimonial.

À página 141, uma estimação econométrica mostra a forte correlação positiva entre o crédito consignado (uma das bases para expansão do consumo de assalariados, principalmente, do setor público) e a provisão privada de serviços de saúde e educação. Por outro lado, a massa salarial revelou-se sem nenhuma correlação. Observa a autoria (p. 144):

The process of financialization of the supplemental healthcare sector in Brazil is advancing in long strides, although little is known about the extremely complex dynamic of the interaction between private interests, financial conglomerates, and public regulation, with not inconsiderable effects on the Unified Health System. In this process, the State has played a prominent role in the shaping of the legal and fiscal framework, both legitimizing and institutionalizing this trajectory.

A Constituição de 1988 estabelecera as bases jurídicas e institucionais para o desenvolvimento do Estado Social brasileiro. No entanto, como essa modalidade de Estado pressupõe a provisão pública e universal dos serviços de saúde, educação e previdência, a Carta Maior entra imediatamente em contradição com os interesses da alta finança. Nesse contexto, Lavinas demonstra que não se trata de excluir totalmente a participação do Estado, mas torná-la mínima o suficiente para promover a expansão da provisão privada desses mesmos serviços e ao mesmo tempo institucionalizar e reproduzir a lógica da colaterização. Esta pode ser interpretada como o necessário lastro monetário-financeiro a partir do qual as operações bancárias e financeiras da acumulação rentista-patrimonial podem se desenvolver. Sempre às expensas dos critérios de solidariedade social e do desenvolvimento de uma sociedade economicamente mais justa.

Compreende-se assim as razões para as violações e alterações sistemáticas à Constituição de 1988, promovidas após o golpe parlamentar de 2016. E para aqueles que ainda resistem em reconhecer o estatuto teórico do conceito de financeirização, com suas consequências deletérias sobre o desenvolvimento brasileiro, é útil refletir sobre quem são as autoridades máximas responsáveis pela Ministério da Fazenda e pelo Banco Central do Brasil. Quando a um setor econômico é facultado o controle absoluto e antidemocrático desses dois órgãos fundamentais à definição e gestão da economia e do orçamento público, se tem, em consequência, o controle do Estado nacional a favor, prioritariamente, desse setor. Não, necessariamente, em prol dos demais setores de atividade e das demandas mais urgentes da sociedade e do desenvolvimento da nação.

Após demonstrar as várias formas, contextos e direções tomadas pelo processo através do qual a política social está sendo subsumida pela financeirização no Brasil, o livro é concluído pelo capítulo 5 - Lingering Brazilian paradoxes. A estratégia dos grupos de pressão e dos demais agentes desse processo torna-se agora explícita. Não se trata de "remercantilizar" totalmente as estruturas organizacionais que ainda restam do incompleto e precário Estado Social brasileiro, mas torná-las residuais para adequá-las aos objetivos e interesses da revalorização rentista-financeira. Para isso, a provisão pública dos serviços sociais tem de ser mínima e, dessa forma, manter-se desvalorizada no imaginário social, a fim de que a provisão privada possa se expandir. E é esse processo que, segundo Lavinas, fomenta a remercantilização da esfera da reprodução social. Estando na contramão do que ocorria no regime de acumulação precedente, que integrava entre seus fatores de desenvolvimento as estruturas de welfare que caracterizaram o modo de desenvolvimento fordista no pós-Segunda Guerra. Nesse sentido, sustenta a autora (p. 173):

Financialization, meanwhile, would march onward and pick up speed starting in 2003, under the Workers'Party, as it came to engulf new areas in the field of social reproduction, going so far as to institute the collateralization of social policy.

Nesse ambiente macroeconômico e estrutural, o endividamento de massa tornou-se um indicador de "inclusão social" e a renegociação recorrente de dívidas das famílias assalariadas foi lançada e institucionalizada como uma alternativa à marginalização econômica que impedia o direito ao consumo. Famílias e indivíduos internalizaram a noção de que os mercados financeiros e a sua dependência do crédito poderiam proporcionar uma resposta às suas preocupações e necessidades. Não importava mais os limites ao consumo impostos pelos níveis tão reduzidos e díspares de renda, o acesso ao crédito, mesmo que onerosamente financiado em termos de prazos e encargos (pois sempre sujeito a uma das mais elevadas taxas de juros reais do planeta), era a solução mais rápida e economicamente mais adequada. Para Lavinas, era como se, parafraseando Pierre Bourdieu, o processo de construção do habitus passasse a ser mediado pela lógica das finanças, através das mudanças institucionais e estruturais promovidas pelo governo, em parceria com o mercado bancário-financeiro.

Nesse contexto, Lavinas estabelece uma interpretação original dos protestos de junho de 2013. Ao expandir o acesso via crédito aos serviços fundamentais à vida em sociedade, como o acesso aos sistemas de saúde e educação, o governo fomentou, sem o pretender, novas demandas por mais serviços em quantidade e qualidade, como aqueles relacionados à infraestrutura de transporte urbano. Mas o governo petista foi incapaz de corretamente interpretar os desejos e expectativas da população nos termos dessas demandas concretas. Simplesmente considerou-os fora de lugar, sem objetivos explicitamente definidos e, portanto, sem associá-los às novas necessidades estimuladas pela lógica e natureza do processo de financeirização.

Nessa altura, Lavinas move uma grave, porém consistente acusação, visto que amplamente apoiada em evidências empíricas e argumentos sólidos: a redistribuição nunca fora verdadeiramente prioridade dos mandatos do PT. Para tanto, seria necessária uma corajosa reforma fiscal que superasse a alta regressividade do sistema brasileiro, cujo maior ônus tributário sempre recaiu sobre as classes de baixa e média renda de assalariados, graças à elevada participação da tributação indireta sobre o consumo, paralelamente às isenções sobre os rendimentos do capital.

Outro resultado fundamental também pode ser inferido desse capítulo: sob regimes de acumulação dominados pelas finanças, não há lugar para o Estado desenvolvimentista e para políticas keynesianas. O Estado é endogenamente capturado. Não apenas a política social é reconfigurada de acordo com os interesses da revalorização financeira, mas as estratégias nacionais de desenvolvimento são politicamente esvaziadas e descartadas como anacrônicas e despropositadas. Consequentemente, a crítica da ortodoxia à chamada "nova matriz de política econômica", um lugar comum sob o governo Dilma, não apenas carece de fundamentação teórica, simplesmente não se aplica. Pois é impossível a um Estado nacional sob hegemonia do setor financeiro, implementar políticas desenvolvimentistas autênticas sem desconstruir as bases institucionais que reproduzem o processo de financeirização. Sobretudo, quando se trata da financeirização com proeminência da renda de juros.

Um processo de financeirização usurária, que inicialmente teve como principal eixo o endividamento público interno, mas, em seguida, expande-se rapidamente em redes contratuais pela esfera pública e privada, disseminando-se através de múltiplos setores de atividade. Do grande varejo ofertante de cartões de crédito com marcas das lojas à redução da provisão pública de serviços essenciais à população. Fatores que se conjugam e se reforçam para abrir espaço à revalorização dos capitais via acumulação privada dos elevados fluxos de juros gerados pelos estoques da dívida pública e da dívida privada de famílias e empresas em poder da alta finança.

Pelas razões apontadas, essa obra torna-se uma referência imprescindível para se pensar e construir uma análise pertinente dos obstáculos ao desenvolvimento social e econômico brasileiros. E, nesse contexto, a financeirização da política social surge como novo limite estrutural a ser superado pela sociedade nesse século 21. Mas, as perspectivas não são otimistas, como se depreende das próprias palavras da autora, ao final desse último capítulo, à página 182: "The future suggests that Brazil may be destined to remain peripheral."

Referência bibliográfica

  • LAVINAS, Lena. The takeover of social policy by financialization: the Brazilian paradox. New York: Palgrave Macmillan, 2017.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    17 Ago 2018
  • Aceito
    17 Set 2018
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