Acessibilidade / Reportar erro

Do semiproletariado à nova classe trabalhadora na China

From the semiproletariat to the new working class in China

Resumo

O objetivo desse trabalho é analisar, teórica e empiricamente, as grandes transformações da classe trabalhadora chinesa nos últimos 45 anos. Nós realizamos uma ampla revisão da literatura sobre a categoria do semiproletariado, sobre os debates em torno das causas dos aumentos salariais na China e sobre a recente onda de informalidade, trabalhos por plataforma e novas formas de precarização. Este artigo também atualiza os dados sobre mercado de trabalho, mostrando as transformações recentes e suas implicações para as categorias analíticas. Nossa contribuição está em avançar na caracterização e na teorização da nova forma da classe trabalhadora chinesa, utilizando um arcabouço marxiano crítico centrado nas formas que a relação entre trabalhador ativo e exército de reserva pode assumir.

Palavras-chave:
Trabalho; classe; China; Semiproletariado; Precarização

Abstract

The objective of this article is to analyze, theoretically and empirically, the major transformations of the Chinese working class over the last 45 years. We conducted a comprehensive literature review on the semi-proletariat category, on the debates surrounding the causes of wage increases in China, and on the recent wave of informality, platform-based work and the new forms of precarization. This article also updates the data on the labor market, showing recent transformations and their implications for the analytical categories. Our contribution lies in advancing the characterization and theorization of the new form of the Chinese working class, using a critical Marxian framework centered on the forms that the relationship between active worker and reserve army can take shape.

JEL: F66, J01, J21, J31, J61.

Keywords:
Labour; class; China; Semi-proletariat; Precarization

Introdução

A classe trabalhadora chinesa passou por transformações brutais nos últimos 45 anos. Basta relembrar que em 1978, quando as reformas econômicas começaram, não existia nada parecido com um mercado para alocação de trabalho na China, dado que nas cidades imperava o regime de pleno emprego e trabalho vitalício por meio das empresas estatais, e nas zonas rurais a divisão do trabalho era definida administrativamente no âmbito de cada comuna. Foi necessária uma profunda transformação da questão agrária chinesa, que implicou em nova estrutura de uso da terra e novas relações sociais no campo, para que uma massa de trabalhadores fosse liberada das zonas rurais para iniciar a formação de um mercado de trabalho urbano.

É então que começa, nos anos 1990, a China chão de fábrica do mundo, profundamente imbricada com o novo padrão de acumulação em escala global centrado na financeirização e nas cadeias de valor. A China entrou nessa divisão internacional do trabalho pela periferia, com trabalhadores rurais migrantes chegando à cidade para receber baixíssimos salários e vivendo em um contexto de ausência de regulação trabalhista, vácuo de direitos sociais, sem contratos formais de trabalho e dormindo nos dormitórios das próprias fábricas. A remuneração era tão baixa que não assegurava nem mesmo a reprodução social do trabalhador, dando origem ao conceito de semiproletariado (Pun, 2005PUN, N. Made in China: factory women workers in a global workplace. Durham, NC: Duke University Press, 2005.; 2016PUN, N. Migrant labor in post-socialist China. New York; London: Polity Press, 2016.; Pun; Lu, 2010PUN, N.; LU, H. Unfinished proletarianization: self, anger, and class action among the second generation of peasant-workers in present-day China. Modern China, v. 36, n. 5, p. 493-519, 2010.; Pun; Chan, 2013PUN, N.; CHAN, J. The spatial politics of labor in China: life, labor, and a new generation of migrant workers. South Atlantic Quarterly, v. 112, n. 1, p. 179-190, 2013.; Pun; Smith, 2007PUN, N.; SMITH, C. Putting transnational labour process in its place: dormitory labour regime in post-socialist China. Work, Employment and Society, v. 21, n. 1, p. 27-46, 2007.).

Quando os salários na manufatura passaram a subir, a partir de meados dos anos 2000, instalou-se um amplo debate acerca das suas causas (Zhang et al., 2011ZHANG, X., YANG, J.; WANG, S. China has reached the Lewis turning point. China Economic Review, v. 22, n. 4, p. 542-554, 2011.; Chan, 2010CHAN, K. W. A China Paradox: migrant labor shortage amidst rural labor supply abundance. Eurasian Geography and Economics, v. 51, n. 4, p. 513-530, 2010.; Du; Wang, 2010DU, Y.; WANG, M. A discussion on potential bias and implications of Lewisian turning point. China Economic Journal, v. 3, n. 2, p. 121-136, 2010.; Qi, 2019QI, H. Semi-proletarianization in a dual economy: the case of China. Review of Radical Political Economy, v. 51, n. 4, p. 553-561, 2019.). A melhora nos salários, acompanhada de melhora nos direitos e na seguridade social, veio na esteira de intensa luta de classes e de uma ampla mudança no regime de acumulação do país em direção à inovação. Não há dúvidas de que a China tem tido sucesso na sua modernização industrial, e tornou-se um dos países líderes na disputa tecnológica intercapitalista. As novas transformações no mercado de trabalho, por sua vez, fizeram proliferar um recente debate sobre precarização, informalidade e trabalho de plataformas na China (Swider, 2015SWIDER, S. Building China: informal work and the new precariat. Ithaca: Cornell University Press, 2015.; 2017SWIDER, S. Informal and precarious work: the precariat and China. Rural China, v. 14, p. 19-41, 2017.; Lee, 2016LEE, C. K. Precarization or empowerment? Reflections on recent labor unrest in China. The Journal of Asian Studies, v. 75, n. 2, p. 317-333, 2016.; 2019; Standing, 2017STANDING, G. The precariat in China: a comment on conceptual confusion. Rural China , v. 14, n. 1, p. 165-170, 2017.; 2011STANDING, G. The precariat: the new dangerous class. London; New York: Bloomsbury Academic, 2011.; Lee; Swider; Tilly; 2020; Smith; Pun, 2018SMITH, C.; PUN, N. Class and precarity: an unhappy coupling in China’s working class formation. Work, Employment and Society, v. 32, n. 3, p. 599-615, 2018.; Chan, 2020CHAN, J. A Precarious worker-student alliance in Xi’s China. The China Review, v. 20, n. 1, p. 165-190, 2020.; Pun, 2020PUN, N. The new Chinese working class in struggle. Dialectical Anthropology, v. 44, p. 319-329, 2020.; Qi e Li, 2020QI, H.; LI, Z. Putting precarity back to production: a case study of Didi Kuaiche drivers in the city of Nanjing, China. Review of Radical Political Economics, v. 52, n. 3, p. 506-522, 2020.).

O objetivo desse trabalho é analisar, teórica e empiricamente, as grandes transformações pelas quais a classe trabalhadora passou nos últimos 45 anos na China. Nós realizamos uma ampla revisão da literatura sobre a categoria do semiproletariado, sobre os debates em torno das causas dos aumentos salariais na China, e sobre a recente onda de informalidade, trabalhos por plataforma e novas formas de precarização. Nós também atualizamos os dados sobre mercado de trabalho, mostrando as transformações recentes e suas implicações para as categorias analíticas. Nossa contribuição está em avançar na caracterização e na teorização da nova forma da classe trabalhadora chinesa, utilizando um arcabouço marxiano crítico centrado nas formas que a relação entre trabalhador ativo e exército de reserva pode assumir (Colombini, 2020COLOMBINI, I. Form and essence of precarization by work: from alienation to the industrial reserve army at the turn of the Twenty-Fist Century. Review of Radical Political Economics, v. 52, n. 3, p. 409-426, 2020.).

Este trabalho está dividido em três seções, além da introdução e conclusão. Na primeira seção, nós detalhamos como se deu a forma de constituição da classe operária chinesa no pósreformas, apresentando seu caráter parcialmente proletarizado (ou semiproletarizado) e o surgimento de uma classe trabalhadora com um pé na cidade e outro pé no campo para garantir sua reprodução social. Na segunda seção, nós escrutinamos os dados sobre as transformações mais recentes do mercado de trabalho na China, destacando o aumento recente da informalidade, do setor de serviços e a queda no emprego industrial, além de discutir quais são as causas dos aumentos salariais. Na terceira seção, nós revemos o debate sobre precarização, informalidade e economias de plataforma na China, mostrando seus avanços e limites. E propomos uma síntese analítica que evidencie a relação híbrida e fluida entre trabalhador ativo e exército de reserva para compreensão da antiga e das novas formas da classe trabalhadora chinesa.

1 Formação da classe operária chinesa: o semiproletariado

A relação de trabalho na China pós-reformas tem como grande marca as enormes ondas migratórias de urbanização e industrialização. Essa massiva migração para formação da classe operária, entretanto, destoa de grande parte do referencial das ciências econômicas no debate sobre desenvolvimento com “oferta ilimitada de mão de obra” (Qi, 2019QI, H. Semi-proletarianization in a dual economy: the case of China. Review of Radical Political Economy, v. 51, n. 4, p. 553-561, 2019.), caracterizado pelas leituras maniqueístas do modelo de Arthur Lewis (1954)LEWIS, W. A. Economic development with unlimited supplies of labour. Manchester School of Economic and Social Studies, v. 22, n. 2, p.139-191, 1954.. Como será analisado nessa seção, a formação do mercado de trabalho chinês foi marcada por uma espécie de “semiproletarização” (Pun, 2005PUN, N. Made in China: factory women workers in a global workplace. Durham, NC: Duke University Press, 2005.), com as famílias de trabalhadores migrantes tendo que se engajar tanto no trabalho assalariado urbano quanto manter a agricultura de subsistência para garantir sua reprodução, impactando na constituição de formas particulares de geração de exército de reserva e de controle e exploração das classes operárias. Quando essa relação social em torno da semiproletarização começou a se exaurir, já estava consolidada uma nova polarização e hierarquização da classe trabalhadora, agora entre formais e informais, como veremos nas duas próximas seções.

Nas vertentes mais ortodoxas da economia, o debate sobre trabalho na China é marcado pela noção derivada do modelo de Lewis de absorção do excedente populacional do campo pela urbanização e industrialização. Segundo essa abordagem, a própria lógica de mercado pós-reforma imporia um crescimento “natural” dos salários com maior convergência entre eles à medida que o excedente populacional camponês fosse se exaurindo (Cai; Du, 2011CAI, F.; DU, Y. Wage increases, wage convergence, and the Lewis turning point in China. China Economic Review, v. 22, n. 4, p. 601-610, 2011.; Knight et al., 2011KNIGHT, J.; DENG, Q.; LI, S. The puzzle of migrant labour shortage and rural labour surplus in China. China Economic Review, v. 22, n. 4, p. 585-600, 2011.; Cai; Wang, 2007CAI, F.; WANG, M. Growth and structural changes in employment in transition China. Journal of Comparative Economics, v. 38, n. 1, p. 71-81, 2010.; Garnaut; Huang, 2006GARNAUT, R.; HUANG, Y. Continued rapid growth and the turning point in China’s economic development. In: GARNAUT, R.; SONG, L. (Ed.). The turning point in China’s economic development. ANU E-press and Asia-Pacific Press, 2006.). Por volta de 2010, com os impactos da crise financeira de 2008 e o aumento de greves e contestações sociais, um número grande de autores passou a decretar a chegada do ponto de virada do modelo de Lewis na China (Zhang et al., 2011ZHANG, X., YANG, J.; WANG, S. China has reached the Lewis turning point. China Economic Review, v. 22, n. 4, p. 542-554, 2011.; Chan, 2010CHAN, K. W. A China Paradox: migrant labor shortage amidst rural labor supply abundance. Eurasian Geography and Economics, v. 51, n. 4, p. 513-530, 2010.; Du; Wang, 2010DU, Y.; WANG, M. A discussion on potential bias and implications of Lewisian turning point. China Economic Journal, v. 3, n. 2, p. 121-136, 2010.).

O cerne do debate se deu em torno de projeções e estimativas sobre o tamanho da classe operária chinesa disponível e a demanda industrial por força de trabalho (Golley; Meng, 2011GOLLEY, J.; MENG, X. Has China run out of surplus labour? China Economic Review, v. 22, n. 4, p. 555-572, 2011.), com a intenção de mensurar a provável escassez de mão de obra excedente. Como apontado por uma literatura posterior (Qi, 2019QI, H. Semi-proletarianization in a dual economy: the case of China. Review of Radical Political Economy, v. 51, n. 4, p. 553-561, 2019.; Qi; Li, 2019QI, H.; Li, Z. Giovanni Arrighi in Beijing: rethinking the transformation. Science & Society, v. 83, n. 3, p. 327-354, 2019.), esses trabalhos partem de uma série de reducionismos que os impedem de compreender as transformações da relação de trabalho na China. Esses estudos reduzem a lógica da relação de trabalho às supostas leis de mercado, mais precisamente à demanda das indústrias urbanas frente à oferta de mão de obra rural. Dessa forma, apagam ou eliminam o papel ativo do Estado chinês na constituição desse exército industrial de reserva, as lutas operárias e camponesas, e a imbricação da dinâmica de acumulação da China com as transformações do mercado mundial a partir do final dos anos de 1970.

O processo de proletarização da China pós-reformas possui uma forte singularidade. As primeiras gerações de trabalhadores rurais foram condicionadas a trabalhar na cidade, mas não exatamente a permanecer na cidade. Como veremos ao longo dessa seção, o processo de proletarização dos trabalhadores camponeses chineses, ligados às cadeias globais de valor, foi moldado por uma separação espacial da produção em áreas urbanas e da reprodução social no campo (Pun; Chan, 2013PUN, N.; CHAN, J. The spatial politics of labor in China: life, labor, and a new generation of migrant workers. South Atlantic Quarterly, v. 112, n. 1, p. 179-190, 2013.). Essa separação de esferas só foi possível pelo surgimento de um regime de trabalho em dormitórios, que oferecia uma nova combinação de trabalho e dormitório e se assemelhava aos arranjos de trabalho e residência do início do capitalismo (Smith; Pun, 2007PUN, N.; SMITH, C. Putting transnational labour process in its place: dormitory labour regime in post-socialist China. Work, Employment and Society, v. 21, n. 1, p. 27-46, 2007.). Essa própria constituição híbrida entre rural e urbano, ou entre campo e indústria, impossibilita a própria existência da lógica de esgotamento do exército de reserva, como descrito nos modelos baseados em Lewis. Diferente das supostas forças de mercado, essa lógica híbrida da formação da classe operária chinesa ocorreu com uma forte intervenção do Estado acoplado aos interesses das cadeias globais de valor em formação nas décadas de 1980 até 2000.

Isso também significa dizer que as transformações no tratamento da chamada questão agrária na China serão definitivas para como as relações de trabalho do semiproletariado irão se constituir. Afinal, a estrutura da terra, a formação das classes, o papel do Estado e o papel do grande capital na agricultura irão mudar radicalmente a partir de 1978. Na verdade, as reformas chinesas começam, nos anos 1980, exatamente pelo campo, pavimentando as bases para as reformas que irão ganhar força nas cidades sobretudo a partir dos anos 1990. Zhang et al. (2015)ZHANG, Q.; OYA, C.; YE, J. Bringing agriculture back in: the central place of agrarian change in Rural China studies. Journal of Agrarian Change, v. 15, n. 3, p. 299-313, 2015. observam três grandes períodos distintos no tratamento da questão agrária chinesa e que são determinantes para a forma como o semiproletariado irá se constituir.

Num primeiro período (1978-1988), a China viveu a “era de ouro” das reformas no campo da perspectiva camponesa. A transferência do direito de uso da terra para as famílias, termos de troca favoráveis, e as compras públicas pelo Estado elevaram a produtividade agrícola e a renda no campo de maneira expressiva (Bramall, 1995; Medeiros; Nogueira, 2011MEDEIROS, C. A.; NOGUEIRA, I. Uma análise estruturalista da distribuição de renda na China Contemporânea. Revista Tempo do Mundo, v. 3, n. 3, p. 99-122, 2011.). A China também viveu na década de 1980 um período de “industrialização rural triunfante” por meio das empresas de vila e município, um fenômeno que será celebrado tanto por economistas ortodoxos (Huang, 2008HUANG, Y. Capitalism with Chinese characteristics: entrepreneurship and the state. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.; Naughton, 2018NAUGHTON, B. Chinese economy: adaptation and growth. 2nd ed. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 2018.) quanto heterodoxos (Arrighi, 2007ARRIGHI. G. Adam Smith in Beijing: lineages of the 21st Century. London: Verso Books, 2007.) e que será minuciosamente dissecado por sociólogos rurais e do trabalho (Oi, 1999OI, J. Rural China takes off: institutional foundations of economic reform. Berkeley: University of California Press, 1999.; 1992OI, J. Fiscal reform and the economic foundations of local state corporatism in China. World Politics, v. 45, p. 99-126, 1992.; Peng, 2001PENG, Y. Chinese villages and townships as industrial corporations: ownership, governance, and market discipline. American Journal of Sociology, v. 106, n. 5, p. 1338-1370, 2001.). Durante essa fase, a migração campo-cidade começou lentamente a aparecer, mas ainda era um fenômeno incipiente.

É a partir de 1992, com a famosa viagem ao sudeste de Deng Xiaoping, que a China inaugura o segundo período no tratamento da questão agrária pós-reformas (1992-2004), que Zhang et al. (2015)ZHANG, Q.; OYA, C.; YE, J. Bringing agriculture back in: the central place of agrarian change in Rural China studies. Journal of Agrarian Change, v. 15, n. 3, p. 299-313, 2015. chamam da era dos “deixados para trás”. Com a explosão da industrialização e da urbanização nas cidades costeiras, o universo rural passou a ser associado com o atraso, e deixado para pessoas menos educadas, idosos e, particularmente, para as crianças, dado que os migrantes encontravam muitos empecilhos para levar consigo os filhos para as cidades. O período também foi marcado por rápidas privatizações das empresas rurais então coletivas (Pan, 2002PAN, W. Nongmin yu Shichang: Zhongguo Jiceng Zhengquan yu Xiangzhen Qiye (Peasants and the market: the coalition between grassroots authorities and rural enterprises). Beijing: Commercial Press, 2002.) e forte aumento do gap urbanorural. Um novo arranjo fiscal implicou em enorme peso tributário para os camponeses, que assistiram à proliferação de impostos e taxas agrícolas e para muitos serviços públicos (Lu, 1997LU, X. The politics of peasant burden in reform China. Journal of Peasant Studies, v. 24, n. 4 p. 113-138, 1997.; Bernstein; Lu, 2009BERNSTEIN, T.; LU, X. Taxation without representation: peasants, the central and the local states in reform China. The China Quarterly, v. 163, p. 742-763, 2009.). Por fim, a insatisfação explodiu com o que Riskin (2008)RISKIN, C. Property rights and the social costs of transition and development in China. Economic and Political Weekly, v. 43, n. 52, p. 37-42, 2008. chama de uma “epidemia” de expropriação de terras de camponeses, a partir de então usadas para construção de infraestrutura ou novas indústrias. Até 2006, cerca de 70 milhões de camponeses perderam suas terras, segundo Riskin (2008)RISKIN, C. Property rights and the social costs of transition and development in China. Economic and Political Weekly, v. 43, n. 52, p. 37-42, 2008., e receberam compensações grosseiramente pequenas.

Além disso, os anos 1990 exibem todo o impacto do vácuo deixado pelo desmonte das comunas rurais existentes durante o período maoísta na China (1949-1976)1 (1) Antes das reformas, as relações de trabalho na China maoísta podiam ser divididas em dois grandes grupos: trabalho urbano organizado em torno das empresas estatais (SOEs) e trabalho nas zonas rurais organizado descentralizadamente pelas comunas (atividades agrícolas, manufatura e infraestrutura). Nas SOEs, a relação de trabalho era a chamada “tigela de arroz de ferro”, caracterizada pelo emprego permanente e com garantia dos serviços de bem-estar social do “berço ao túmulo”, contudo disponível apenas para um quinto da força de trabalho chinesa, quase todos habitantes urbanos (Walder, 1986). Os trabalhadores rurais dependiam das receitas das suas próprias empresas coletivas e das atividades agrícolas nas comunas tanto para remunerações quanto para os benefícios, o que na prática implicava em uma grande diversidade entre unidades de trabalho e regiões (Lee, 2019). Dentro desse quadro, as reformas iniciadas no final dos anos de 1970 levaram, em um primeiro momento (década de 1980), à dissolução da estrutura coletiva rural por meio da retomada do sistema familiar de produção, da mercantilização da agricultura e da ascensão das empresas de vila e município (Qi; Li, 2019; Du, 2002). Durante a década de 1990, foram impactadas principalmente as estruturas urbanas estatais de estabilidade laboral, com as privatizações em massa e novas leis de trabalho (Chan, 2020). e a ausência de um regime de bem-estar no seu lugar. A despeito da retumbante incapacidade das comunas rurais de elevar a produtividade agrícola (Nogueira, 2019NOGUEIRA, I.; QI, H. The state and domestic capitalists in China’s economic transition: from great compromise to strained alliance. Critical Asian Studies, v. 51, n. 4, p. 1-21, 2019.), a coletivização do campo chinês havia tornado coeso um grande contingente populacional através da chamada “acumulação de trabalho” (Nickum, 1978NICKUM, J. Labour accumulation in rural China and its role since the Cultural Revolution. Cambridge Journal of Economics, v. 2, n. 3, p. 273-286, 1978.; Rawski, 1979RAWSKI, T. G. Economic growth and employment in China. Oxford University Press, 1979.; Huang, 1990HUANG, P.C.C. The peasantfamily and rural development in the Yangzi Delta, 1350- 1988. Stanford University Press, 1990.; Saith, 1995SAITH, A. From collectives to markets: restructured agriculture-industry linkages in rural China: some micro-level evidence. The Journal of Peasant Studies, v. 22, n. 2, p. 201-260, 1995.), que se caracterizava pelo trabalho coletivo não-agrícola e responsável pela construção de toda a infraestrutura rural. A descoletivização rompeu com a “acumulação de trabalho” para a introdução da “responsabilidade total para a família” (baogan daohu) (Du, 2002DU, R. Dangdai zhongguo de nongye hezuozhi (Agricultural Cooperative System in Contemporary China). Beijing: Contemporary China Press, 2002.), trocando o sistema de incentivos e propriedade coletiva para o familiar. O fim das comunas implicou em um aumento expressivo da produtividade agrícola (e, portanto, na emergência de um enorme excedente de mão de obra), mas também em um grande vácuo de proteção social e na oferta de bens públicos nas zonas rurais (Pan, 2002PAN, W. Nongmin yu Shichang: Zhongguo Jiceng Zhengquan yu Xiangzhen Qiye (Peasants and the market: the coalition between grassroots authorities and rural enterprises). Beijing: Commercial Press, 2002.), um vazio que foi profundamente sentido durante toda a década de 1990.

Não havia muita alternativa para o camponês jovem dos anos 1990 senão migrar para cidades costeiras, onde a oferta de trabalho era crescente. Mesmo oferecendo salários baixos, nenhuma seguridade social e condições de trabalho exaustivas nas fábricas-dormitórios, as cidades representavam a única alternativa a um campo atrasado e desestruturado. No entanto, tanta desestruturação aumentou enormemente a revolta social na China, e o próprio governo central admitiu a necessidade de aliviar o “fardo camponês” (nongmin de fudan) a partir de meados dos anos 2000 (Bernstein; Lu, 2009BERNSTEIN, T.; LU, X. Taxation without representation: peasants, the central and the local states in reform China. The China Quarterly, v. 163, p. 742-763, 2009.).

É nesse contexto que começa o terceiro período de transformação da questão agrária chinesa, com discurso oficial de ênfase no “rejuvenescimento rural”. Entre 2004-2006, os impostos agrícolas foram totalmente abolidos, a oferta de subsídios para agricultura foi elevada, e foram lançados três programas de bem-estar social para o campo: o seguro-saúde rural, a previdência rural e um programa de renda mínima (Zhang et al., 2015ZHANG, Q.; OYA, C.; YE, J. Bringing agriculture back in: the central place of agrarian change in Rural China studies. Journal of Agrarian Change, v. 15, n. 3, p. 299-313, 2015.). Em conjunto com o aumento da renda rural e melhora na estabilidade social, a agenda de reformas rurais enfatizou outro ponto: a modernização da agricultura por meio da penetração do grande capital, que buscava novas frentes de acumulação.

Modernização agrícola se traduziu na intensificação no uso de tecnologias, insumos e equipamentos, na especialização e intensificação agrícola, no aumento do tamanho das áreas de produção, e na entrada massiva de empresas de agronegócio no campo com apoio do Estado (Escher, 2022ESCHER, F. A economia política do desenvolvimento rural na China: da questão agrária à questão agroalimentar. Revista de Economia Contemporânea, v. 26, p. 1-29, 2022.; Zhang; Zheng, 2021ZHANG, Q.; ZENG, H. Politically directed accumulation in rural China: the making of the agrarian capitalist class and the new agrarian question of capital. Journal of Agrarian Change, v. 21, n. 4, p. 1-25, 2021.; Xu, 2017XU, Z. The development of capitalist agriculture in China. Review of Radical Political Economics, v. 49, n. 4, p. 1-8, 2017; Ye, 2015YE, J. Land transfers and the pursuit of agricultural modernization in China. Journal of Agrarian Change, v. 15, n. 3, p. 314-337, 2015.). Isso aconteceu sem expropriação, dado que os camponeses passaram a ter direito a arrendar suas terras para terceiros, levando à intensificação das relações capitalistas de produção no campo e, ao mesmo tempo, reduzindo o interesse do camponês para trocar seu hukou rural por um urbano. Essas novas condições de vida no campo alteraram o mínimo necessário para atrair trabalhadores migrantes para as cidades e estão na raiz da suposta falta de trabalhadores nas zonas costeiras (Majerowicz, 2022MAJEROWICZ, E. Do campesinato ao exército industrial de reserva: proletarização e determinação salarial na China. In: MAJEROWICZ, E.; PARANÁ, E. (Ed.). A China no capitalismo contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular, 2022.).

Enquanto isso, a outra face desse processo de restruturação da formação da classe operária e do exército de reserva na China ocorreu nas zonas urbanas. O investimento estrangeiro direto (IED) ganhou fôlego na China a partir dos anos 1990, e as joint ventures e, em seguida, empresas 100% de investimento estrangeiro passaram a empregar milhões de trabalhadores migrantes. Embora as empresas estatais tenham continuado a ser as principais contratantes, a onda de privatizações que marcou a China em 1997 fez com que dezenas de milhões de trabalhadores das empresas estatais e coletivas perdessem os seus empregos. Segundo Chan (2020)CHAN, K. W. The world’s factory in transition: diversifying industrial relations and intensifying workers’ struggles in China. The China Review, v. 20, n. 1, p. 1-17, 2020., de 1990 a 2003, o número de trabalhadores industriais das empresas públicas diminuiu de 43,64 milhões (68,4%, de todos os trabalhadores industriais empregados) para 13,34 milhões (36,3%).

Em 1995 foi introduzida a lei trabalhista nacional, responsável por desmantelar o sistema anterior conhecido como “tigela de arroz de ferro” nascido na era maoísta (Kuruvilla; Lee; Gallagher, 2011KURUVILLA, S.; LEE, C.K.; GALLAGHER, M. From iron rice bowl to informalization. ILR Press, 2011.). Dessa forma, o regime de emprego permanente com pleno acesso aos serviços de bem-estar nas cidades chegou ao fim, formalizando a introdução de novas relações de trabalho que passaram a vigorar nas novas indústrias instaladas nas zonas especiais chinesas. O principal ponto da nova lei trabalhista foi a legalização dos contratos de trabalho de curto prazo. Apesar do argumento oficial de aumento da eficiência nas empresas estatais e do número de contratos que garantiriam direitos nas empresas privadas, na prática, essa nova lei teve um resultado bastante adverso para a classe trabalhadora (Gallagher, 2005GALLAGHER, M. E. Contagious capitalism: globalization and the politics of labor in China. Princeton: Princeton University Press, 2005.).

O primeiro grande impacto da lei de 1995 foi a facilitação e a legitimação de uma onda massiva de demissões nos anos seguintes, principalmente em 1997, nas empresas estatais (Gallagher; Jiang, 2002GALLAGHER, M. E.; JIANG, J. China’s labor legislation: the 1995 labor law and the 2001 trade union law, introduction and analysis. Chinese Law and Government, v. 35, n. 6, 2002.). Em larga medida, as reformas do final da década de 1990 foram responsáveis por legalizar as novas formas de contratação, com enorme rotatividade laboral e baixas remunerações (Gallagher, 2005GALLAGHER, M. E. Contagious capitalism: globalization and the politics of labor in China. Princeton: Princeton University Press, 2005.; Lee, 2007; Friedman; Lee, 2010; Pun, 2016PUN, N. Migrant labor in post-socialist China. New York; London: Polity Press, 2016.). Esse novo quadro legal intensificou o processo de “mercantilização e precarização do trabalho” (Friedman; Lee, 2010, p. 510), no qual a política de enorme rotatividade laboral se tornou legítima em um contexto de falta de regulamentação eficaz e “queda acentuada dos padrões laborais” (Kuruvilla; Lee; Gallagher, 2011, p. 10KURUVILLA, S.; LEE, C.K.; GALLAGHER, M. From iron rice bowl to informalization. ILR Press, 2011.).

Se, por um lado, as reformas no campo se juntaram com as reformas urbanas para a formação dessa classe operária chinesa ao longo das décadas de 1990 e 2000, o sistema de registo chinês (hukou) se tornou peça central para a forma específica de exploração e de constituição do exército de reserva. O hukou como uma forma de controle de residência do Estado chinês garantia os direitos sociais apenas para os cidadãos registrados na sua área de origem. Dessa forma, a enorme massa de migrantes chineses pós-reforma não possuía os benefícios de bem-estar social (auxílios para saúde, educação, maternidade, acidentes de trabalho, desemprego e pensões) nas zonas urbanas, implicando em um “mecanismo social único de separação da produção e da reprodução do trabalho” (Chan, 2020, p. 9CHAN, J. A Precarious worker-student alliance in Xi’s China. The China Review, v. 20, n. 1, p. 165-190, 2020.).

Durante as décadas de 1990 e 2000, a classe trabalhadora migrante passou a se constituir como “famílias semiproletarizadas” (Pun, 2005PUN, N. Made in China: factory women workers in a global workplace. Durham, NC: Duke University Press, 2005.), nas quais predominava um processo inacabado de proletarização, com a geração mais velha a trabalhar como agricultores no campo e a geração mais jovem a trabalhar como trabalhadores migrantes nas cidades (Qi; Li, 2019QI, H.; Li, Z. Giovanni Arrighi in Beijing: rethinking the transformation. Science & Society, v. 83, n. 3, p. 327-354, 2019.). Os trabalhadores migrantes se viam impossibilitados de levar suas famílias para as zonas urbanas, uma vez que as remunerações geralmente não eram suficientes e os contratos de trabalhos tendiam a ser muito curtos, institucionalizando uma espécie de “meio operário, meio agricultor” (bangong bannong) (Huang, 2006HUANG, P. C. C. Zhiduhua le de “Bangong Bannong” Gguomixing nongye (Institutionalized “half worker, half cultivator” involuted agriculture). Dushu, 2, p. 30-37, 2006.). A produção industrial se constituiu nas zonas urbanas, mas a reprodução dessa mão de obra passou a acontecer por meio de uma divisão intergeracional do trabalho em atividades agrícolas e não-agrícolas (Wen; Yang, 2016WEN, T.; YANG, S. Sannongyu Sanzhi [Three rural issues and rural governance]. Beijing: Renmin University Press, 2016.).

A constituição da classe operária chinesa durante as décadas de 1990 e 2000 impôs às famílias uma dependência simultânea tanto da agricultura familiar como do emprego assalariado industrial para cobrir os custos de vida (Wen; Yang, 2016WEN, T.; YANG, S. Sannongyu Sanzhi [Three rural issues and rural governance]. Beijing: Renmin University Press, 2016.). Ao mesmo tempo que as famílias camponesas dependiam da renda do trabalho assalariado industrial, os operários dependiam dos serviços sociais do campo e da renda da agricultura familiar nos períodos que estavam sem contrato válido. Devido à institucionalização e à legalização dos contratos urbanos de curto prazo, os trabalhadores migrantes deveriam regressar ao local de nascimento ou encontrar outro contrato de trabalho temporário, não criando vínculos sociais e de classe nos locais de trabalho (Lee, 1998LEE, C. K. Gender and the South China miracle: two worlds of factory women. Berkeley, CA: California University Press, 1998.; Solinger, 1999SOLINGER, D. J. Contesting citizenship in urban China: peasant migrants, the state, and the logic of the market. University of California Press, 1999.). Essa constituição híbrida do semiproletário chinês não ocorreu apenas do ponto de vista da sua renda, mas também por meio de uma fragmentação da própria constituição da sua sociabilidade e da sua consciência de classe.

Essa forma específica de constituição da classe operária chinesa fez emergir os famosos “regimes de trabalho dormitório” (Smith; Pun, 2006SMITH, C.; PUN, N. The dormitory labour regime in China as a site for control and resistance. The International Journal of Human Resource Management, v. 17, n. 8, p. 1456-1470, 2006.) nas imensas fábricas transnacionais que passaram a se instalar nas zonas especiais a partir da década de 1990. Tendo como grande maioria operários migrantes vindos das zonas rurais, com contratos de curtíssimo prazo, sem direitos sociais e com baixas remunerações, as empresas terceirizadas de contração passaram a estabelecer regimes de trabalhos em larga escala em que os operários vivem em alojamentos próximos ou dentro da fábrica, organizados pela própria empresa ou pelas terceirizadas. Essa forma de contratação permitiu o acesso contínuo a novas reservas de mão de obra provenientes do campo, mesmo que não tivessem nenhum conhecimento da vida urbana, reduzindo as exigências salariais e inibindo a organização coletiva mesmo fora dos locais de trabalho (Smith, 2003).

A constituição da classe operária chinesa na sua forma semiproletarizada, juntamente com os regimes de trabalho dormitório, se tornaram a expressão mais nítida da “junção do capitalismo neoliberal combinado com os legados do socialismo de estado” (Pun; Smith, 2007, p. 32PUN, N.; SMITH, C. Putting transnational labour process in its place: dormitory labour regime in post-socialist China. Work, Employment and Society, v. 21, n. 1, p. 27-46, 2007.). Foi constituída uma enorme massa de trabalhadores migrantes livre disponível para vender sua força de trabalho ao capital global privado, mas sem direitos a benefícios sociais, o que lhes impôs um regime de trabalho extenuante, com alta rotatividade, intensidade e baixa remuneração (Kuruvilla; Lee; Gallagher, 2011KURUVILLA, S.; LEE, C.K.; GALLAGHER, M. From iron rice bowl to informalization. ILR Press, 2011.). Para os capitalistas, a semiproletarização lhes permitiu por um bom tempo pagar um salário abaixo do salário de subsistência (Qi, 2019QI, H. Semi-proletarianization in a dual economy: the case of China. Review of Radical Political Economy, v. 51, n. 4, p. 553-561, 2019.).

A lógica de equalização dos salários e o suposto esgotamento do exército de reserva deixam de fazer qualquer sentido no contexto específico da constituição da classe operária chinesa. O trabalhador semiproletariado, mesmo empregado, ainda vive as pressões e as incertezas do exército de reserva, sem serviços de seguridade social, com baixa remuneração e contratos de curtíssimo prazo. A própria possibilidade de alcançar o ponto de virada de Lewis é uma falácia de base. As pressões sociais na China que irão impor limites à lucratividade dos capitais globais privados não aconteceram primeiramente por um aumento das remunerações, mas pelas mudanças nas próprias formas de constituição dessa classe trabalhadora, tanto no campo quanto na cidade.

A formação da classe operária chinesa ocorreu de forma muito mais híbrida e fluida do que os padrões europeus normalmente considerados. Se para o ocidente, em geral, será apenas na sua fase tardia do neoliberalismo que as formas fluidas de trabalho capitalista começam a ser consideradas (Han, 2015HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petropolis: Editora Vozes, 2015.; Laval; Dardot, 2016LAVAL, C.; DARDOT, P. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.; Chiapello; Boltanski, 2020CHIAPELLO, E.; BOLTANSKI, L. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2020.), na China, ainda que com formas bastante particulares, a essência desse processo híbrido entre reserva e ativo já ocorre na sua própria formação. Como veremos nas próximas seções, a partir de 2010 irão ocorrer grandes mudanças no mundo do trabalho chinês que irão implicar em novas formas de constituição dessa classe operária e do exército industrial de reserva. Contudo, essas mudanças não rompem com o caráter híbrido de geração da classe operária e do exército de reserva. Pelo contrário, a essência dessa relação se mantém, mas sob novas formas.

2 Transformações no mercado de trabalho e a informalização dos serviços

O mundo do trabalho na China mudou de maneira expressiva nas duas últimas décadas. Essa seção irá, em um primeiro momento, discutir as causas dos aumentos salariais e dos direitos que começaram em meados dos anos 2000, e mostrará como isso impacta profundamente o semiproletariado. E irá, em seguida, analisar os dados que evidenciam uma transformação estrutural do mercado de trabalho desde 2015, com queda do emprego industrial e rápida predominância do setor de serviços e do trabalho informal.

Do ponto de vista salarial, é amplamente documentado pela literatura o aumento sustentado dos salários tanto em termos reais quanto em proporção ao PIB na China desde meados dos anos 2000, inclusive entre trabalhadores migrantes (Yang; Chen; Monarch, 2010YANG, D.; CHEN, V.; MONARCH, R. Rising wages: has China lost its global labor advantage? Pacific Economic Review, v. 15, n. 4, p. 482-504, 2010.; Qi, 2017QI, H. The historical peak of the rate of surplus value and the “new normal” of the Chinese economy: a political economy analysis. Revista de Economia Contemporânea, v. 22, n. 1, p. 1-22, 2017.; Cui; Meng; Lu, 2018CUI, Y.; MENG, J.; LU, C. Recent developments in China’s labor market: labor shortage, rising wages and their implications. Review of Development Economics, v. 22, n. 3, p. 1217-1238, 2018.; Rozelle et al., 2020ROZELLE, S.; XIA, T.; FRIESEN, D.; VANDERJACK, B.; COHEN, N. Moving beyond Lewis: employment and wage trends in China’s high- and low- skilled industries and the emergence of an era of polarization. Comparative Economic Studies, v. 62, p. 555-589, 2020.; Xia et al., 2022XIA, Y.; FRIESEN, D.; COHEN, N.; LU, C.; ROZELLE, S. Back to cheap labour? Increasing employment and wage disparities in contemporary China. The China Quarterly, v 253, p. 231-249, 2022.). Entre 2009-2021, os salários médios nas zonas urbanas cresceram 124% em termos reais, sendo o crescimento da manufatura o mais rápido no período, de 154%, seguido por construção (125%) e serviços (114%) (NBS, 2023NBS. National Data Annual. National Bureau of Statistics of China, 2023. Available at: https://data.stats.gov.cn/english/. Access: Jan. 4, 2024.
https://data.stats.gov.cn/english/...
).2 (2) Cálculos próprios usando o CPI como deflator. Mesmo no setor informal, a taxa de crescimento média dos salários foi de 157% em termos reais entre 2009-2021 (ibid.), o que significa que também o semiproletariado viveu uma expressiva alta nos seus rendimentos do trabalho.

Para além dos salários, a nova lei trabalhista de 2008 e o avanço na regulação dos contratos implicaram em melhora nos padrões de segurança, na fiscalização da jornada de trabalho e no pagamento de horas-extra. Ainda que sua implementação tenha sido marcadamente problemática e tenha carregado enorme variedade regional, é expressivo o número de trabalhadores que buscam seus direitos na forma de ações judiciais, greves, mobilizações de rua e protestos respaldados pela nova lei (Pun, 2020PUN, N. The new Chinese working class in struggle. Dialectical Anthropology, v. 44, p. 319-329, 2020.; Zhang, 2014).

Ao contrário do discurso neoclássico de que estaria havendo um aumento “natural” dos salários em função do fim da “oferta ilimitada de trabalho” (Zhang; Yang, Wang, 2010; Cui; Meng; Lu, 2018CUI, Y.; MENG, J.; LU, C. Recent developments in China’s labor market: labor shortage, rising wages and their implications. Review of Development Economics, v. 22, n. 3, p. 1217-1238, 2018.), nosso argumento é de que essas transformações foram impulsionadas por intensa luta de classes, por tentativas de mudança no regime de acumulação para um padrão intensivo em investimentos em inovação, e por novos desdobramentos da questão agrária.

As grandes greves de 2010, com gigantescas paralizações em multinacionais como Honda, Foxcomm e Toyota (Lee, 2016LEE, C. K. Precarization or empowerment? Reflections on recent labor unrest in China. The Journal of Asian Studies, v. 75, n. 2, p. 317-333, 2016.; 2018LEE, C. K. China’s precariat. Globalizations, v. 16, n. 2, p. 137-154, 2018.; Friedman, 2014FRIEDMAN, E. Insurgency trap: labor politics in postsocialist China. Ithaca; Londres: Cornell University Press, 2014.) e muitos casos de suicídios entre trabalhadores migrantes (Chan; Pun, 2010CHAN, J.; PUN, N. Suicide as protest for the new generation of migrant workers: foxcomm, global capital, and the state. Asia-Pacific Journal, v. 37, n. 8, p. 1-33, 2010.), foram a culminância de um processo de intensificação de lutas trabalhistas que começaram em meados da década de 1990 (Pun; Lu, 2010PUN, N.; LU, H. Unfinished proletarianization: self, anger, and class action among the second generation of peasant-workers in present-day China. Modern China, v. 36, n. 5, p. 493-519, 2010.; Silver, 2009SILVER, B. China as an emerging epicenter of world labor unrest. In: HUNG (Ed.). China and the transformation of global capitalism. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2009.). Essas lutas foram um sinal claro e trágico de esgarçamento de um padrão de crescimento até então calcado em baixíssimos salários e em rápida degradação ambiental (Nogueira; Qi, 2020NOGUEIRA, I.; BACIL, F.; GUIMARÃES, J. V. A caminho de um estado de bem-estar social na China? Uma análise a partir dos sistemas de saúde e educação. Economia e Sociedade, v. 29, n. 2, p. 669-692, 2020.; Qi, 2017QI, H. The historical peak of the rate of surplus value and the “new normal” of the Chinese economy: a political economy analysis. Revista de Economia Contemporânea, v. 22, n. 1, p. 1-22, 2017.). O “Made in China” e as fábricas-dormitório com seu regime de trabalho brutal teriam que transitar para o “Made by China”, com crescimento mais puxado por inovações e com participação crescente de serviços de alta qualificação na oferta de trabalho.

Do ponto de vista político, a própria característica essencial da China, de um regime de partido único exercido pelo Partido Comunista (PCCh), deu contornos históricos particulares a essa mediação feita pelo Estado da luta de classes. Desde o massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989, o PCCh busca de alguma forma acomodar parte das pressões sociais para se legitimar no poder ao mesmo tempo, em que reprime a formação de movimentos sociais organizados que possam configurar alguma oposição ou desafio político. Isso tem produzido uma dinâmica contraditória de acomodamento de classes e de interesses que se caracteriza, sobretudo, por avanços concretos na condição de vida da classe trabalhadora com, ao mesmo tempo, a reprodução das desigualdades.3 (3) Agradecemos a um(a) parecerista anônimo(a) por levantar esse ponto.

Do ponto de vista econômico, a necessidade de transição no padrão de acumulação deu força ao discurso de aumento inevitável do consumo das famílias, e foi politicamente respaldado pelo slogan de criação de uma “sociedade harmoniosa” durante a gestão Hu Jintao (2003-2013). Em termos de políticas públicas, esse slogan se traduziu na constituição de um sistema de proteção social conservador e minimalista, mas eficaz no arrefecimento de alguns dos conflitos distributivos imediatos (Nogueira; Bacil; Guimarães, 2020NOGUEIRA, I.; BACIL, F.; GUIMARÃES, J. V. A caminho de um estado de bem-estar social na China? Uma análise a partir dos sistemas de saúde e educação. Economia e Sociedade, v. 29, n. 2, p. 669-692, 2020.). Também implicou em aumentos do salário-mínimo como forma de elevar a massa salarial na economia (Braga; Nogueira, 2020BRAGA, J. P.; NOGUEIRA, I. Mercado de trabalho e salário mínimo na China. Revista Geosul, v. 35, n.77, p. 49-72, 2020.). Na gestão de Xi Jinping (2013-), quando o slogan passou a ser de “prosperidade comum”, as políticas sociais ganharam um caráter voltado mais para a redução da pobreza em detrimento da redução das desigualdades. Em termos de mercado de trabalho, o resultado dessa mudança vai aparecer, sobretudo, no aumento da polarização salarial, conforme mostraremos a seguir.

Por fim, com um pé na cidade e um pé no campo, o semiproletariado também foi profundamente afetado pelos novos desdobramentos da clássica questão agrária e da questão agroalimentar (Escher, 2022ESCHER, F. A economia política do desenvolvimento rural na China: da questão agrária à questão agroalimentar. Revista de Economia Contemporânea, v. 26, p. 1-29, 2022.; Fares, 2022FARES, T. M. Food security and power struggles in the Chinese ‘battle of the beans’. Journal of Peasant Studies, v. 50, n. 5, p. 2024-2049, 2022.), conforme detalhado na seção anterior. Com a abolição dos impostos agrícolas, fim da cobrança de taxas nas escolas rurais e outros serviços, e termos de troca mais favoráveis, houve melhora na condição de vida dos camponeses, o que fez com que a remuneração mínima paga nas cidades tivesse que subir para ser capaz de atrair novos migrantes (Majerowicz, 2022MAJEROWICZ, E. Do campesinato ao exército industrial de reserva: proletarização e determinação salarial na China. In: MAJEROWICZ, E.; PARANÁ, E. (Ed.). A China no capitalismo contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular, 2022.).

O hukou também foi reformado e flexibilizado de várias maneiras, dentre elas, facilitando que trabalhadores migrantes e moradores rurais solicitassem mudança para hukou urbano em municipalidades pequenas, médias e, crescentemente, grandes. Houve pressão do grande capital agrário na reforma do hukou, em larga medida para facilitar a expansão do agronegócio e a acumulação de capital no campo (Zhan, 2017ZHAN, S. Hukou reform and land politics in China: rise of a tripartite alliance. The China Journal, v. 78, n. 1, p. 25-49, 2017.; Zhang; Oya, Ye, 2015ZHANG, Q.; OYA, C.; YE, J. Bringing agriculture back in: the central place of agrarian change in Rural China studies. Journal of Agrarian Change, v. 15, n. 3, p. 299-313, 2015.). Mas o interesse dos trabalhadores rurais para uma mudança para hukou urbano diminuiu, a tal ponto que Tian et al. (2022, p. 1)TIAN, M.; XU, Q.; LI, Z.; YU, Y. Hukou reform and the “luohu” of rural migrants in urban China. Sustainability, v. 14, p. 1-10, 2022. se perguntam, na abertura do seu artigo, se o hukou ainda importa.

Isso porque a partir da reforma do sistema, iniciada em 2006 e acelerada em 2014, muito da seguridade social passou a estar vinculada ao posto de trabalho, e não mais ao registro de moradia. A partir de 2014, trabalhadores migrantes passaram a ter direito a participar do sistema de previdência e do seguro-saúde urbanos, sendo responsabilidade do empregado e do empregador arcar com as contribuições da mesma maneira que um trabalhador com hukou urbano. A diferença toda passaria a estar no tipo de trabalho. Alguém com relações de trabalho formais contribuiria para um sistema muito mais generoso, ao passo que um trabalhador do setor informal contribuiria para um sistema mínimo, sem contrapartida do empregador. “O status de emprego formal, ao invés do hukou, passou a ser a chave” para trabalhadores migrantes determinarem suas condições de vida (Tian et al., 2022, p. 9TIAN, M.; XU, Q.; LI, Z.; YU, Y. Hukou reform and the “luohu” of rural migrants in urban China. Sustainability, v. 14, p. 1-10, 2022.).

Ao mesmo tempo que a condição de trabalho do semiproletariado se alterou dramaticamente, enfraquecendo o próprio sentido dessa categoria ao longo do tempo, a estrutura do emprego mudou de maneira acelerada nas cidades chinesas a partir de meados da década de 2010 (ver também Xia et al., 2022XIA, Y.; FRIESEN, D.; COHEN, N.; LU, C.; ROZELLE, S. Back to cheap labour? Increasing employment and wage disparities in contemporary China. The China Quarterly, v 253, p. 231-249, 2022. e Rozelle et al., 2020ROZELLE, S.; XIA, T.; FRIESEN, D.; VANDERJACK, B.; COHEN, N. Moving beyond Lewis: employment and wage trends in China’s high- and low- skilled industries and the emergence of an era of polarization. Comparative Economic Studies, v. 62, p. 555-589, 2020.). Três tendências chamam especial atenção.

Primeiro é o enxugamento no número de postos de trabalho na manufatura, contraposto por um crescimento brutal do setor de serviços, sobretudo de baixa qualificação4 (4) São considerados serviços de baixa qualificação os seguintes setores, conforme metodologia de Xia et al. (2022) e seguindo a subdivisão do National Bureau of Statistics of China (2023): 1. Transporte, armazenamento e correios; 2. Comércio varejista e atacado; 3. Hotelaria e serviços de alimentação; 4. Locação e serviços empresariais; 5. Serviços domésticos, reparos e outros serviços. São considerados serviços de alta qualificação: 1. Transmissão de informação, software e tecnologia de informação; 2. Intermediação financeira; 3. Mercado imobiliário; 4. Pesquisa científica e serviços técnicos; 4. Educação; 5. Saúde e serviços sociais; 6. Cultura, esportes e entretenimento; 7. Administração pública, seguridade social e organizações sociais. . Segundo, houve intenso aumento da informalidade no trabalho urbano total, o que inclui motoristas de aplicativos, entregadores, vendedores em barracas de comida e serviços domésticos (Xia et al., 2022XIA, Y.; FRIESEN, D.; COHEN, N.; LU, C.; ROZELLE, S. Back to cheap labour? Increasing employment and wage disparities in contemporary China. The China Quarterly, v 253, p. 231-249, 2022.). Terceiro, a polarização salarial, com melhores salários para trabalhadores formais de serviços de alta qualificação e crescimento mais lento dos salários para prestadores de serviços informais, disparou a partir de 2015 (Rozelle et al. 2020ROZELLE, S.; XIA, T.; FRIESEN, D.; VANDERJACK, B.; COHEN, N. Moving beyond Lewis: employment and wage trends in China’s high- and low- skilled industries and the emergence of an era of polarization. Comparative Economic Studies, v. 62, p. 555-589, 2020.). Em poucos anos, o mercado de trabalho urbano na China tornou-se mais parecido com outras economias de renda média e centrais: muita informalidade, queda na oferta de trabalho na manufatura e crescimento dos serviços, e crescente polarização salarial.

Nas cidades, o número de pessoas empregada na manufatura caiu de 79,6 milhões em 2014 para 68,2 milhões em 2019, uma redução de 14%. No caso dos serviços de baixa qualificação, na mão contrária, o número de pessoas empregadas saiu de 126,2 milhões em 2014 para 187,7 milhões em 2019, um salto de 49%. O emprego no setor de serviços de alta qualificação também cresceu em um ritmo expressivo no mesmo período, de 38%, mas parte de uma base mais baixa, de 82,6 milhões de postos em 2014, chegando a 114,3 milhões em 2019 (Gráfico 1).

Gráfico 1
Emprego urbano na China por setor (milhões de pessoas, entre 2004-2019)

Com isso, a estrutura do emprego mudou radicalmente, e a China deixou de ser uma economia de baixos salários centrada na manufatura para se tornar uma economia com oferta amplamente majoritária de emprego de serviços. Em 2019, das 434 milhões de pessoas trabalhando nas cidades (setor formal e informal), 302 milhões estavam no setor de serviços, contra 68 milhões na manufatura. Isso significa dizer que 70% do trabalho urbano na China era garantido pelo setor de serviços em 2019. A manufatura empregava 16% dos trabalhadores, contra 8% da construção civil no mesmo ano (NBS, 2023NBS. National Data Annual. National Bureau of Statistics of China, 2023. Available at: https://data.stats.gov.cn/english/. Access: Jan. 4, 2024.
https://data.stats.gov.cn/english/...
).

Essa mudança na composição do emprego aconteceu sobretudo a partir de 2014 na China. Entre 2004-2013, a fatia da manufatura no emprego urbano total ficou praticamente estável, tendo saído de 25% do total para 24%. Da mesma forma, a fatia dos serviços no emprego urbano total também ficou estável, saindo de 57% para 58% no mesmo período. Entre 2014-2019, entretanto, há uma mudança abrupta e a fatia da manufatura caiu de 23% para 16%, enquanto a fatia dos serviços disparou de 58% para 70% (NBS, 2023NBS. National Data Annual. National Bureau of Statistics of China, 2023. Available at: https://data.stats.gov.cn/english/. Access: Jan. 4, 2024.
https://data.stats.gov.cn/english/...
).

Tal expansão no setor de serviços veio acompanhada de um aumento expressivo da informalidade no mercado de trabalho urbano chinês, conforme detalha o gráfico 2. O trabalho informal chegou a 60% do emprego urbano em 2019, maior percentual da série histórica, o que representa 262,6 milhões de trabalhadores. Como mostram Rozelle et al., (2020, p. 566)ROZELLE, S.; XIA, T.; FRIESEN, D.; VANDERJACK, B.; COHEN, N. Moving beyond Lewis: employment and wage trends in China’s high- and low- skilled industries and the emergence of an era of polarization. Comparative Economic Studies, v. 62, p. 555-589, 2020., trabalhador informal é, em essência, sinônimo de trabalhador rural migrante na China. O emprego formal, por sua vez, esteve em tendência de queda desde 2015, tendo saído de 180,1 milhões de postos naquele ano para 171,6 milhões em 2019 (Gráfico 2). Ou seja, ao mesmo tempo que os direitos e a seguridade de um trabalhador formal cresceram na China, conforme vimos no início dessa seção, o número de postos de trabalho foi sendo paulatinamente reduzido em termos percentuais e absolutos.

Gráfico 2
Emprego urbano formal e informal na China (milhões de pessoas, entre 2004-2019)

Uma vez que se observa a composição da informalidade por setores, fica evidente a predominância do setor de serviços de baixa qualificação. Entre os informais, 178,6 milhões, ou 69% do total, trabalhavam em serviços de baixa qualificação em 2019 (Gráfico 3). Uma parte expressiva deste trabalhador informal de baixa qualificação está vinculado à economia de plataforma, atendendo empresas gigantescas na China de hoje como Alibaba, Didi, Ele.me, Jingdong, Meituan, Taobao e Tencent.

Gráfico 3
Emprego informal na China por setor (milhões de pessoas, entre 2004-2019)

Terceira tendência recente do mercado de trabalho chinês é o aumento da polarização salarial na última década (Rozelle et al., 2020ROZELLE, S.; XIA, T.; FRIESEN, D.; VANDERJACK, B.; COHEN, N. Moving beyond Lewis: employment and wage trends in China’s high- and low- skilled industries and the emergence of an era of polarization. Comparative Economic Studies, v. 62, p. 555-589, 2020.). Apesar do crescimento contínuo dos salários em todos os setores, os salários da economia informal estão reduzindo seu ritmo de crescimento de maneira quase contínua desde 2012 - com exceção feita ao período de recuperação pós-Covid. Do ponto de vista formal vs. informal, os salários que mais têm crescido são do setor formal da economia desde 2014, historicamente muito mais altos. O resultado é que o gap salarial entre emprego urbano formal e trabalho informal, que havia melhorado entre 2009-2014 (Xia et. al, 2022XIA, Y.; FRIESEN, D.; COHEN, N.; LU, C.; ROZELLE, S. Back to cheap labour? Increasing employment and wage disparities in contemporary China. The China Quarterly, v 253, p. 231-249, 2022.), voltou a piorar entre 2014-2021 (Gráfico 4).

Gráfico 4
Taxas de crescimento anual do salário médio real e do PIB (em %, entre 2010-2021)

Entre 2009-2014, a taxa de crescimento do salário real médio no setor informal cresceu 70%, contra 49% no setor formal. As posições se inverteram no período seguinte. Entre 2014-2021, o salário médio real do setor informal cresceu 41%, contra 53% no setor formal. Como resultado, o salário médio de um trabalhador informal nos serviços de alta qualificação era de RMB 52 mil ao ano em 2021, contra RMB 93 mil para um trabalhador formal. No caso dos serviços de baixa qualificação, o trabalhador informal ganhava, em média, RMB 42 mil ao ano, contra RMB 74 mil de um trabalhador formal no mesmo setor em 2021. Na manufatura, a diferença era de RMB 47 mil para um trabalhador informal, contra RMB 69 mil para um trabalhador formal (NBS, 2023NBS. National Data Annual. National Bureau of Statistics of China, 2023. Available at: https://data.stats.gov.cn/english/. Access: Jan. 4, 2024.
https://data.stats.gov.cn/english/...
).

Em resumo, pouco tempo depois que os salários passaram a crescer de maneira sustentada e a regulamentação do trabalho melhorou as condições gerais do semiproletariado na China, novas formas de subsunção do trabalho ganharam forma. A queda no trabalho industrial e o rápido crescimento dos serviços informais geraram novas formas de exploração, subjetivação e constituição da classe trabalhadora. Ao invés de a precarização depender da fratura urbano-rural, agora a divisão aparece de maneira mais evidente entre trabalhadores formais e informais. Mas mais uma vez, tanto antes quanto agora, o limite entre o que é um trabalhador ativo e o exército de reserva é absolutamente tênue.

3 Em busca da nova classe trabalhadora chinesa

Após décadas sendo o chão de fábrica do mundo, país-símbolo das indústrias calcadas em baixos salários e elevada degradação ambiental, a China entrou década de 2010 implementando um conjunto de políticas para garantir a mudança do seu padrão de acumulação. Os planos de desenvolvimento e as políticas industriais e tecnológicas deixaram patente o esforço do país para avançar nas cadeias globais de valor e desenvolver tecnologias próprias, portanto efetivando sua “estratégia de desenvolvimento liderada pela inovação” (Naughton, 2021NAUGHTON, B. The rise of China’s industrial policy: from 1978-2020. Boulder: Lynne Rienner Publishers, 2021.). Com a transição no padrão de acumulação, a estrutura do emprego migrou rapidamente do setor primário e secundário para o terciário, alterando igualmente a forma de constituição da classe trabalhadora.

Em busca de custos de trabalho mais baixos, uma parte da indústria intensiva em trabalho migrou para fora da China a caminho de Vietnã, Bangladesh, índia, Tailândia, etc., outra parte intensificou a automatização, enquanto uma terceira parcela se mudou para o interior do país (Zhu; Pickles, 2013ZHU, S.; PICKLES, J. Bring in, go up, go west, go out: upgrading, regionalisation and delocalisation in China’s apparel production networks. Journal of Contemporary Asia, v. 44, n. 1, p. 36-63, 2013.). Esse processo diminuiu a intensidade de criação de novas fábricas-dormitório, seja pela redução no número de trabalhadores industriais, ou porque no interior há maior proximidade entre lar e fábrica.

A queda no emprego na manufatura e o crescimento do setor terciário também implicaram em uma nova polarização, bem conhecida dos países centrais. Enquanto novos empregos em serviços de alta qualificação foram sendo gerados em conjunto com a modernização industrial, um número ainda maior de empregos em serviços de baixa qualificação foi servindo de alternativa para o semiproletariado (Wang et al., 2020WANG, X.; CHAN, C. K. C.; YANG, L. Economic upgrading, social upgrading, and rural migrant workers in the Pearl River Delta. The China Review, v. 20, n. 1, p. 51-81, 2020.).

O crescimento da informalidade de serviços mudou a forma predominante do que é conhecido como trabalho precário na China, e aproximou o país de economias centrais e periféricas nos debates dominantes hoje sobre os grandes temas globais sobre trabalho: economias de plataformas, informalidade, terceirização e precarização. Uma parte da informalidade atual é composta por participantes de mais longa data do mercado de trabalho urbano chinês: vendedores de rua, trabalhadores domésticos, trabalhadores autônomos com seus pequenos negócios de comida ou vendas, e mão de obra estudantil das escolas técnicas.5 (5) Mão de obra estudantil é proporcionalmente mais numerosa na China em comparações internacionais dada a obrigatoriedade de um número mínimo de anos de trabalho na fábrica (e sem contrato formal) antes de concluída a formação técnica (Chan; Pun; Selden, 2015).

A novidade na China e em todo mundo quando o tema é informalidade de serviços é a multiplicidade de trabalhadores de plataformas digitais, incluindo motoristas de aplicativos, entregadores de comida, transportadores para varejistas, e, também, prestadores de serviços de alta qualificação (designers, tradutores, engenheiros) que vendem seus serviços em plataformas e por projeto. A China detém atualmente a maior economia de plataforma do mundo - o que não é uma novidade em termos absolutos, mas é, sim, surpreendente em termos percentuais. Segundo o China Labour Bulletin, o número de trabalhadores na economia de plataformas cresceu de 50 milhões em 2015 para 84 milhões em 2020, o que representava 10% da população economicamente ativa (CLB, 2023CLB. The platform economy. China Labour Bulletin, Apr. 21, 2023. Available at: https://clb.org.hk/content/platform-economy.
https://clb.org.hk/content/platform-econ...
), contra menos de 1% nos Estados Unidos e entre 3% e 5% na Europa (ILO, 2018ILO. Job quality in platform economy. Geneva: International Labour Organization, 2018.). Isso significa dizer que do total de trabalhadores informais na zona urbana na China, cerca de 30% estavam vinculados à economia de plataformas em 2020.

Apesar dessas transformações, a literatura sobre trabalho na China tem apresentado uma grande dificuldade em analisar essas mudanças recentes dos regimes de trabalho e das condições sociais nas zonas urbanas industriais, tanto pela diminuição da importância do hukou quanto pela reestruturação da própria indústria chinesa a partir de 2010. Uma parte da literatura tem se dedicado a estudos de casos específicos que analisam as novas relações de trabalho no contexto de terciarização da China pós-2010 (Wang; Chan; Yang, 2020WANG, X.; CHAN, C. K. C.; YANG, L. Economic upgrading, social upgrading, and rural migrant workers in the Pearl River Delta. The China Review, v. 20, n. 1, p. 51-81, 2020.; Zhang; Fan, 2020ZHANG, S.; FAN, L. Development paths, proletarianization, and the association of workers in China’s garment industry: a comparative study of Humen and Pinghu. The China Review, v. 20, n. 1, p. 19-49, 2020.; Qi; Li, 2020QI, H.; LI, Z. Putting precarity back to production: a case study of Didi Kuaiche drivers in the city of Nanjing, China. Review of Radical Political Economics, v. 52, n. 3, p. 506-522, 2020.; Chan, 2020CHAN, J. A Precarious worker-student alliance in Xi’s China. The China Review, v. 20, n. 1, p. 165-190, 2020.; 2023CHAN, J. Buy with 1-click: independent contracting and migrant workers in China’s last-mile parcel delivery. The Asia-Pacific Journal, v. 21, n. 2, p. 1-18, 2023.), mas não chegam a oferecer uma análise ampla das transformações do mundo do trabalho em curso. Outra parte da literatura, talvez a mais influente, tem dado grande ênfase nos processos de precarização e informalização, mas com uma certa negação das novas formas de constituição da classe trabalhadora, defendendo a existência de uma dinâmica de concorrência entre o chamado “precariado” e uma elite trabalhadora formalizada (Swider, 2015SWIDER, S. Building China: informal work and the new precariat. Ithaca: Cornell University Press, 2015.; 2017SWIDER, S. Informal and precarious work: the precariat and China. Rural China, v. 14, p. 19-41, 2017.; Lee, 2016LEE, C. K. Precarization or empowerment? Reflections on recent labor unrest in China. The Journal of Asian Studies, v. 75, n. 2, p. 317-333, 2016.; 2019; Standing, 2017STANDING, G. The precariat in China: a comment on conceptual confusion. Rural China , v. 14, n. 1, p. 165-170, 2017.; Lee; Swider; Tilly; 2020LEE, B. H.; SWIDER, S.; TILLY, C. Informality in action: a relational look at informal work. International Journal of Comparative Sociology, v. 61, n. 2-3, p. 91-100, 2020.). Por fim, um terceiro grupo, do qual nos aproximamos teoricamente, faz críticas contundentes aos limites teóricos do precariado e mantém a narrativa do semiproletariado, mas parece ter pouca sensibilidade para as transformações mais recentes (Smith; Pun, 2018SMITH, C.; PUN, N. Class and precarity: an unhappy coupling in China’s working class formation. Work, Employment and Society, v. 32, n. 3, p. 599-615, 2018.; Chan, 2020CHAN, J. A Precarious worker-student alliance in Xi’s China. The China Review, v. 20, n. 1, p. 165-190, 2020.; Pun, 2020PUN, N. The new Chinese working class in struggle. Dialectical Anthropology, v. 44, p. 319-329, 2020.).

Grande parte das discordâncias dessas leituras sobre as relações contemporâneas de trabalho não são uma particularidade da China. De certa maneira, são casos concretos da discussão global sobre precarização do trabalho que tem ocorrido desde a década de 1980 com a emergência do padrão capitalista neoliberal. A tese de Rodgers e Rodgers (1989)RODGERS, G.; RODGERS, J. (Ed.). Precarious jobs in labour market regulation. The growth of atypical employment in Western Europe. Geneva: ILO, 1989. se tornou uma das principais referências ao estabelecer o que seria esse trabalho padrão em oposição ao que denominou de “trabalho precarizado”. A forma precarizada seria um conceito relacional, sendo tudo aquilo diferente do “‘standard employment relationship’, which developed under the aegis of legislation, incorporated a degree of regularity in employment relationships, protected workers from socially unacceptable practices and provided a core of social stability to underpin economic growth” (Rodgers; Rodgers, 1989, p. 1RODGERS, G.; RODGERS, J. (Ed.). Precarious jobs in labour market regulation. The growth of atypical employment in Western Europe. Geneva: ILO, 1989.). Dessa maneira, o trabalho precário é considerado como um produto específico do desenvolvimento capitalista “tardio”, “maduro”, “avançado” e “neoliberal” (Beck, 2000BECK, Ulrick. The brave new world of work. Cambridge: Polity Press, 2000.; Lambert; Herod, 2016LAMBERT, R.; HEROD, A. Neoliberal capitalism and precarious work ethnographies of accommodation and resistance. Cheltenham: Edward Elgar, 2016.; Schram, 2015SCHRAM, S.S. The return of ordinary capitalism: neoliberalism, precarity, occupy. Oxford University Press, 2015.).

A precarização se tornou uma expressão recorrente a partir dos anos de 1990 para a definição desse novo fenômeno do trabalho como consequência da desregulamentação dos direitos e com a imposição de acordos trabalhistas flexíveis (Crompton; Gallie; Purcelll, 1996CROMPTON, R.; GALLIE, D.; PURCELL, K. (Ed.). Changing forms of employment: organisations, skills and gender. London: Routledge, 1996.; Letourneux, 1998LETOURNEUX, V. Precarious employment and working conditions in Europe. Luxembourg: European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions, 1998.; Heery; Salmon, 1996HEERY, Edmund; SALMON, John (Ed.). The insecurity workforce. London: Routledge, 1996.). Mesmo estudos ligados a instituições governamentais (Supiot, 1999SUPIOT, Alain (Ed.). Transformation of labour and future of labour law in Europe. International Labour Review, v. 138, n. 1, p. 31-46, 1999.; European Commission, 2004EUROPEAN COMMISSION, DG Research. Precarious employment in Europe: a comparative study of labour market related risks in flexible economies. Esope Final Report, 2004.) defendiam a existência de uma norma ou padrão de trabalho em relação a outras formas excepcionais.

Nos anos mais recentes, principalmente após a crise financeira de 2008, os estudos da precarização do trabalho ganharam nova força. Muitos desses trabalhos foram realizados no âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), trazendo para o centro do debate o processo de globalização e formação das cadeias globais de valor. É nesse contexto que se destacou o conceito de “precariado”, que traz a noção da formação de uma nova classe social internacional oriunda do trabalho precarizado, ou, como diz Guy Standing, de uma “class in the making” (Standing, 2011STANDING, G. The precariat: the new dangerous class. London; New York: Bloomsbury Academic, 2011.). A formação do precariado ocorreria em oposição à classe operária, uma vez que se constituiria sem os benefícios sociais, as legalidades, regulações e direitos padrões, tendo um perfil muito maior de informalidade e autoempregabilidade, formando, portanto, duas lógicas sociais distintas e muitas vezes conflitivas.

A constituição desse precariado será amplamente analisada no caso do mercado de trabalho chinês principalmente a partir de 2015 (Swider, 2015SWIDER, S. Building China: informal work and the new precariat. Ithaca: Cornell University Press, 2015.; 2017SWIDER, S. Informal and precarious work: the precariat and China. Rural China, v. 14, p. 19-41, 2017.; Lee, 2016LEE, C. K. Precarization or empowerment? Reflections on recent labor unrest in China. The Journal of Asian Studies, v. 75, n. 2, p. 317-333, 2016.; 2019; Standing, 2017STANDING, G. The precariat in China: a comment on conceptual confusion. Rural China , v. 14, n. 1, p. 165-170, 2017.; Lee; Swider; Tilly; 2020LEE, B. H.; SWIDER, S.; TILLY, C. Informality in action: a relational look at informal work. International Journal of Comparative Sociology, v. 61, n. 2-3, p. 91-100, 2020.), prevalecendo a noção da informalização e precarização da economia como processos separados da constituição da classe trabalhadora (Smith; Pun, 2018SMITH, C.; PUN, N. Class and precarity: an unhappy coupling in China’s working class formation. Work, Employment and Society, v. 32, n. 3, p. 599-615, 2018.). Ao lado dos trabalhadores formalizados de maior qualificação nas indústrias intensivas em tecnologias tanto manufatureiras quanto de serviços, teria se constituído uma enorme massa informal, com grande rotatividade, sem contratos e sem direitos sociais garantidos. De acordo com essa literatura, a formação desse precariado (trabalhadores da construção civil, trabalhadores por plataforma, trabalhadores por conta própria, temporários, estagiários e trabalhadores informais de empresas terceirizadas) teria sua lógica própria dentro do mercado de trabalho chinês.

Na sua crítica à noção de precariado, Smith e Pun (2018)SMITH, C.; PUN, N. Class and precarity: an unhappy coupling in China’s working class formation. Work, Employment and Society, v. 32, n. 3, p. 599-615, 2018. defendem a necessidade de compreensão da informalização da economia dentro da dinâmica de luta para constituição da classe trabalhadora na China. A precarização e a informalização se constituem como um momento do processo de realização das novas formas de expropriação, exploração e intensificação do trabalho. A heterogeneidade das formas de emprego, a falta de direitos, a fragmentação dos trabalhadores no mercado de trabalho e na esfera da produção são mecanismos das novas formas de reprodução da proletarização. Ao desconstruir a relação entre classe e precariedade, a literatura sobre precariado acaba por apagar os próprios processos contraditórios de luta na constituição dessa classe operária (Smith; Pun, 2018SMITH, C.; PUN, N. Class and precarity: an unhappy coupling in China’s working class formation. Work, Employment and Society, v. 32, n. 3, p. 599-615, 2018.; Chan, 2020CHAN, J. A Precarious worker-student alliance in Xi’s China. The China Review, v. 20, n. 1, p. 165-190, 2020.).

Os processos de informalização e precarização não devem ser entendidos como exceções no capitalismo, como se estivessem em oposição a um padrão histórico. Em realidade, a exceção é esse suposto padrão regulado de relações de trabalho e bem-estar, que de forma social ampla pode ser compreendido como restrito ao pós-Segunda Guerra Mundial no dito “norte global” (Breman; Van der Linden, 2014BREMAN, Jan; VAN DER LINDEN, Marcel. Informalizing the economy: the return of the social question at a global level. Development and Change, v. 45, n. 5, p. 920-940, 2014.; Colombini, 2020COLOMBINI, I. Form and essence of precarization by work: from alienation to the industrial reserve army at the turn of the Twenty-Fist Century. Review of Radical Political Economics, v. 52, n. 3, p. 409-426, 2020.). A noção de formação de um precariado como relação de exceção ao padrão regulado coloca demasiada ênfase na divisão da classe trabalhadora (Smith; Pun 2018SMITH, C.; PUN, N. Class and precarity: an unhappy coupling in China’s working class formation. Work, Employment and Society, v. 32, n. 3, p. 599-615, 2018.), ao invés de compreender essa precarização do trabalho como momento da constituição da relação de classe. Em direção oposta a essas concepções de precariado, é essencial uma retomada do trabalho de Marx dentro da perspectiva da “lei geral da acumulação capitalista” e da inexorabilidade da formação de um exército industrial de reserva (Pradella, 2015PRADELLA, L. Beyond impoverishment: Western Europe in the world economy. In: PRADELLA, L.; MAROIS, T. (Ed.). Polarising development: alternatives to neoliberalism and the crisis. London: Pluto Press, 2015. p. 15-27.; Jonna; Foster, 2015JONNA, J.; FOSTER, J. B. Marx’s theory of working-class precariousness - and its relevance today. Alternatives Routes, v. 7, p. 21-45, 2015.). Por meio da materialização das diferentes formas históricas concretas desse exército de reserva, diferentes padrões de trabalho se impõem (Munch, 2013MUNCK, R. The precariat: a view from the South. Third World Quarterly, v. 34, n. 5, p. 747-762, 2013.; Colombini, 2020COLOMBINI, I. Form and essence of precarization by work: from alienation to the industrial reserve army at the turn of the Twenty-Fist Century. Review of Radical Political Economics, v. 52, n. 3, p. 409-426, 2020.).

A precarização do trabalho não surge como exceção oriunda de relações individualizadas, como se se pudesse ser reduzida às escolhas de atores. A precarização do trabalho, compreendida como desdobramento da inexorabilidade da constituição do exército de reserva na era neoliberal (Pradella, 2015PRADELLA, L. Beyond impoverishment: Western Europe in the world economy. In: PRADELLA, L.; MAROIS, T. (Ed.). Polarising development: alternatives to neoliberalism and the crisis. London: Pluto Press, 2015. p. 15-27.; Jonna; Foster, 2015JONNA, J.; FOSTER, J. B. Marx’s theory of working-class precariousness - and its relevance today. Alternatives Routes, v. 7, p. 21-45, 2015.), não deve ser entendida como uma exceção, mas como necessária para a própria constituição das classes trabalhadoras no atual momento da acumulação de capital. A constituição desse exército industrial de reserva como necessidade para a acumulação, contudo, não é algo automático ou uma lei objetiva pré-determinada (Heinrich, 2012HEINRICH, M. An introduction to the three volumes of Karl Marx’s Capital. New York: Monthly Review Press, 2012.). O exército industrial de reserva, entendido como um momento da luta de constituição das classes sociais, está na própria garantia da formação da relação capitalista como separação do ser humano dos seus meios de vida. A existência de uma superpopulação relativa na reprodução do capital é a relação que impõe aos trabalhadores a necessidade de venderem sua força de trabalho ao nível de remuneração vigente, caso contrário possuem como opção apenas as situações mais degradantes do não emprego.

Contudo, dentro dessa relação de mercantilização da força de trabalho imposta pelo exército de reserva, há formas históricas concretas de sua existência, o que se materializa nos diferentes modos e ocorrências da precarização do trabalho. A forma histórica concreta de constituição do exército industrial de reserva não é fixa, mas um processo aberto ligado internamente à luta de constituição de classe em um determinado momento histórico. Portanto, a precarização do trabalho, como forma dessa superpopulação relativa, possui diferentes formas de realização conforme sua relação histórica, mas não é uma exceção a ou uma singularidade relacional das ações dos atores.

Com a crise do padrão fordista-keynesiano na década de 1970, como amplamente reiterado na literatura, passaram a se consolidar formas ditas flexíveis de produção e relação de trabalho (Harvey, 1992HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Edições Loyola, 1992.). Ao invés dos controles e disciplinamentos diretamente impostos aos trabalhadores pela empresa e pelo Estado, passa a vigorar uma normatização do trabalho capitalista autoimposta na figura do indivíduo (Han, 2015HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petropolis: Editora Vozes, 2015.; Laval; Dardot, 2016LAVAL, C.; DARDOT, P. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.; Chiapello; Boltanski, 2020CHIAPELLO, E.; BOLTANSKI, L. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2020.). Com as novas formas de contratação e retirada das regulamentações legais do trabalho, se fortaleceram as noções de “empresário de si” ou de “autoempreendedor”. É nesse quadro que cresce a tendência dos trabalhos ditos precarizados, modalidades de contratos “zerados”, “uberizados”, “pejotizados”, “intermitentes” e “flexíveis”, em que o trabalhador, acreditando ser empresário de si, fique disponível permanentemente (Antunes, 2018ANTUNES, R. Privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.), sendo remunerado apenas durante as horas trabalhadas e passível de acumular uma abundância de trabalhos distintos. O trabalhador ativo, dentro dessas novas relações de trabalho, passa a conviver rotineiramente com a pressão social exercida pelo exército de reserva.

Com a consolidação dessas novas formas de trabalho, a classe operária em seu sentido mais amplo, tanto com o operariado ativo quanto o exército industrial de reserva, se constitui de uma maneira muita mais fluida, dado que as próprias diferenciações entre operariado ativo e exército industrial de reserva se misturam. De certo modo, na forma concreta do capitalismo contemporâneo, as categorias clássicas de Marx sobre exército industrial latente e flutuante passam a se institucionalizar e se mimetizar como padrões de trabalho ativo. Os trabalhos realizados através das plataformas digitais, das novas legislações trabalhistas permissivas e das empresas terceirizadas (com contratos muitas vezes informais ou de curtíssimo prazo), ao mesmo tempo que constituem o trabalhador ativo, também podem ser compreendidas dentro da noção do exército de reserva como relação social de pressão para proletarização (Colombini, 2020COLOMBINI, I. Form and essence of precarization by work: from alienation to the industrial reserve army at the turn of the Twenty-Fist Century. Review of Radical Political Economics, v. 52, n. 3, p. 409-426, 2020.). A precarização e informalização do trabalho, nas suas formas ditas neoliberais, se constituem como momento da geração desse novo exército de reserva, impactando nas dinâmicas de constituição das classes trabalhadoras.

Essa relação mais híbrida entre trabalhador ativo e exército de reserva possui, obviamente, particularidades entre as diferentes regiões, como é notório entre os centro e periferia do capitalismo. Contudo, é fundamental salientar que, apesar dos processos de informalização e precarização serem parte constituintes da formação dos mercados de trabalho das periferias, isso não significa uma simples manutenção fixa das mesmas relações. Se, por um lado, o padrão fordista-keynesiano com bem-estar social só pode ser identificado para uma parcela da população mundial e por um período muito pequeno, as formas de existência da informalidade e da precarização na periferia não são imutáveis. O que se advoga aqui é como também no sul global há uma reconstituição das novas formas de informalização e precarização. Se anteriormente a realização dessa precarização ocorria principalmente por processos de segregação e exclusão direta, como no semiproletariado chinês, agora passa a ocorrer uma maior inclusão relativa nos mercados de trabalho, contudo nos moldes dessas relações ditas precárias, que incluem excluindo.

Como analisado na primeira seção, a formação da classe trabalhadora chinesa durante as primeiras décadas pós-reforma ocorreu por meio de um predomínio da constituição de um semiproletariado, com a junção dos regimes de trabalho dormitório de curto prazo com a dependência dos trabalhos e rendas do campo para sua reprodução social. A lógica dessa sociabilidade híbrida de controle e de precarização do trabalho na constituição da classe operária e do exército de reserva não é eliminada com os processos de informalização dos serviços da economia chinesa. A forma de constituição de classe do semiproletariado chinês passa a ser substituída gradualmente pelas formas precárias e informais do regime neoliberal, tendo como continuidade essa relação híbrida e difusa entre o trabalhador ativo e o exército industrial de reserva.

A característica histórica central de constituição da classe trabalhadora chinesa como uma espécie de semiproletariado, compreendida na literatura como principal elemento para controle da massa trabalhadora e manutenção das baixas remunerações, se transmuta no sentido das relações de trabalho informais e precarizadas. A suposta virada do modelo de Lewis, de esgotamento do exército de reserva, continua não tendo sentido dentro da lógica de constituição da classe trabalhadora. Além dos processos de modernização industrial e terciarização já impactarem no aumento do exército de reserva, a própria forma de constituição da classe trabalhadora atual impede esse suposto esgotamento da pressão social exercida pelo exército de reserva. A nova dinâmica do mercado de trabalho chinês, consolidada principalmente a partir de 2014, encontra na informalização e nos trabalhos precarizados a centralidade do processo de controle social e de constituição do exército de reserva. Diferente das economias centrais do capitalismo global, em que houve uma ruptura do padrão fordista com bem-estar social para as ditas formas neoliberais (ou flexíveis) de trabalho, na China essa passagem ocorre a partir do semiproletariado, mantendo, portanto, seu elemento central de grande fluidez entre o trabalhador ativo e o exército de reserva.

Conclusões

A formação da classe operária chinesa após o início das reformas se deu de maneira muito mais híbrida e fluida do que os padrões historicamente considerados nos países centrais, sendo o limite entre trabalhador urbano ativo e exército industrial de reserva algo muito tênue desde sua origem. Nas famílias semiproletarizadas, predominou um processo inacabado de proletarização, com os migrantes rurais se vendo impossibilitados de levar suas famílias para as zonas urbanas, institucionalizando uma espécie de “meio operário, meio agricultor”. O trabalhador semiproletariado, mesmo empregado, sempre viveu as pressões e incertezas do exército de reserva, sem serviços de seguridade social, com baixa remuneração e contratos de curtíssimo prazo (além dos muitos empecilhos para se instalar definitivamente nas cidades). Para o capitalista, isso lhe permitiu, durante duas décadas, pagar um salário abaixo ao necessário para a reprodução da força de trabalho. Para a classe operária chinesa, isso significa que o processo híbrido entre reserva e ativo já ocorre na sua própria constituição.

No momento em que o semiproletariado enquanto categoria social parecia se integrar mais plenamente à cidade, prometendo sua completa proletarização com aumento dos salários, regulação do trabalho, flexibilização do hukou e garantia de direitos sociais mínimos, o mercado de trabalho chinês mudou expressivamente. A queda no emprego na manufatura, o crescimento rápido dos serviços e da informalidade, e a expansão do trabalho por plataforma levaram o aflorado debate global sobre precarização do trabalho para dentro da China. Em 2019, 70% do trabalho urbano na China era garantido pelo setor de serviços, contra 16% pela manufatura. Já a informalidade havia disparado para 60% do mercado de trabalho urbano total. Ao invés de a precarização pelo trabalho depender da fratura urbano-rural, agora a precarização aparece de maneira mais evidente entre trabalhadores formais e informais, gerando novas formas de exploração, subjetivação e constituição da classe trabalhadora urbana.

A precarização do trabalho, compreendida como desdobramento da inexorabilidade da constituição do exército de reserva na era neoliberal, não deve ser entendida como uma exceção presente na informalidade e ou no trabalho por plataforma, mas como necessário para qualquer momento da acumulação de capital. Ela também estava na essência do trabalho do semiproletariado. Mas com a modernização industrial chinesa e sua presença inquestionável na disputa tecnológica intercapitalista, as formas de disciplinamento e subsunção do trabalho ao capital mudaram. A nova classe trabalhadora chinesa nas cidades está agora, majoritariamente, nos serviços informalizados, o que significa dizer que não possui contrato de trabalho, nenhum direito trabalhista, vive sob jornadas de trabalho extenuantes, e recebe salários e benefícios sociais bastante inferiores aos seus pares do setor formal.

Os trabalhos realizados através das plataformas digitais, das novas legislações trabalhistas permissivas e das empresas terceirizadas (com contratos muitas vezes informais ou de curtíssimo prazo), ao mesmo tempo que constituem o trabalhador ativo, também podem ser compreendidos dentro da noção do exército de reserva como relação social de pressão para proletarização. Mais uma vez, o trabalhador ativo, nessas novas relações de trabalho, continua convivendo rotineiramente com a pressão social exercida pelo exército de reserva. O trabalho precarizado claramente ganhou uma nova forma na China, mas mantém, na essência, a mesma linha muito tênue entre trabalhador ativo e exército de reserva.

  • (1)
    Antes das reformas, as relações de trabalho na China maoísta podiam ser divididas em dois grandes grupos: trabalho urbano organizado em torno das empresas estatais (SOEs) e trabalho nas zonas rurais organizado descentralizadamente pelas comunas (atividades agrícolas, manufatura e infraestrutura). Nas SOEs, a relação de trabalho era a chamada “tigela de arroz de ferro”, caracterizada pelo emprego permanente e com garantia dos serviços de bem-estar social do “berço ao túmulo”, contudo disponível apenas para um quinto da força de trabalho chinesa, quase todos habitantes urbanos (Walder, 1986WALDER, A. G. Communist neo-traditionalism: work and authority in Chinese industry. Berkeley: University of California Press, 1986.). Os trabalhadores rurais dependiam das receitas das suas próprias empresas coletivas e das atividades agrícolas nas comunas tanto para remunerações quanto para os benefícios, o que na prática implicava em uma grande diversidade entre unidades de trabalho e regiões (Lee, 2019). Dentro desse quadro, as reformas iniciadas no final dos anos de 1970 levaram, em um primeiro momento (década de 1980), à dissolução da estrutura coletiva rural por meio da retomada do sistema familiar de produção, da mercantilização da agricultura e da ascensão das empresas de vila e município (Qi; Li, 2019QI, H.; Li, Z. Giovanni Arrighi in Beijing: rethinking the transformation. Science & Society, v. 83, n. 3, p. 327-354, 2019.; Du, 2002DU, R. Dangdai zhongguo de nongye hezuozhi (Agricultural Cooperative System in Contemporary China). Beijing: Contemporary China Press, 2002.). Durante a década de 1990, foram impactadas principalmente as estruturas urbanas estatais de estabilidade laboral, com as privatizações em massa e novas leis de trabalho (Chan, 2020CHAN, J. A Precarious worker-student alliance in Xi’s China. The China Review, v. 20, n. 1, p. 165-190, 2020.).
  • (2)
    Cálculos próprios usando o CPI como deflator.
  • (3)
    Agradecemos a um(a) parecerista anônimo(a) por levantar esse ponto.
  • (4)
    São considerados serviços de baixa qualificação os seguintes setores, conforme metodologia de Xia et al. (2022)XIA, Y.; FRIESEN, D.; COHEN, N.; LU, C.; ROZELLE, S. Back to cheap labour? Increasing employment and wage disparities in contemporary China. The China Quarterly, v 253, p. 231-249, 2022. e seguindo a subdivisão do National Bureau of Statistics of China (2023): 1. Transporte, armazenamento e correios; 2. Comércio varejista e atacado; 3. Hotelaria e serviços de alimentação; 4. Locação e serviços empresariais; 5. Serviços domésticos, reparos e outros serviços. São considerados serviços de alta qualificação: 1. Transmissão de informação, software e tecnologia de informação; 2. Intermediação financeira; 3. Mercado imobiliário; 4. Pesquisa científica e serviços técnicos; 4. Educação; 5. Saúde e serviços sociais; 6. Cultura, esportes e entretenimento; 7. Administração pública, seguridade social e organizações sociais.
  • (5)
    Mão de obra estudantil é proporcionalmente mais numerosa na China em comparações internacionais dada a obrigatoriedade de um número mínimo de anos de trabalho na fábrica (e sem contrato formal) antes de concluída a formação técnica (Chan; Pun; Selden, 2015CHAN, J.; PUN, N.; SELDEN, M. Interns or workers? China’s student labor regime. The Asia-Pacific Journal, v. 13, n. 2, p. 1-24, 2015.).

Referências bibliográficas

  • ANTUNES, R. Privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.
  • ARRIGHI. G. Adam Smith in Beijing: lineages of the 21st Century. London: Verso Books, 2007.
  • BECK, Ulrick. The brave new world of work. Cambridge: Polity Press, 2000.
  • BERNSTEIN, T.; LU, X. Taxation without representation: peasants, the central and the local states in reform China. The China Quarterly, v. 163, p. 742-763, 2009.
  • BRAGA, J. P.; NOGUEIRA, I. Mercado de trabalho e salário mínimo na China. Revista Geosul, v. 35, n.77, p. 49-72, 2020.
  • BREMAN, Jan; VAN DER LINDEN, Marcel. Informalizing the economy: the return of the social question at a global level. Development and Change, v. 45, n. 5, p. 920-940, 2014.
  • CAI, F.; DU, Y. Wage increases, wage convergence, and the Lewis turning point in China. China Economic Review, v. 22, n. 4, p. 601-610, 2011.
  • CAI, F.; WANG, M. Growth and structural changes in employment in transition China. Journal of Comparative Economics, v. 38, n. 1, p. 71-81, 2010.
  • CHAN, J. Buy with 1-click: independent contracting and migrant workers in China’s last-mile parcel delivery. The Asia-Pacific Journal, v. 21, n. 2, p. 1-18, 2023.
  • CHAN, J. A Precarious worker-student alliance in Xi’s China. The China Review, v. 20, n. 1, p. 165-190, 2020.
  • CHAN, J.; PUN, N. Suicide as protest for the new generation of migrant workers: foxcomm, global capital, and the state. Asia-Pacific Journal, v. 37, n. 8, p. 1-33, 2010.
  • CHAN, J.; PUN, N.; SELDEN, M. Interns or workers? China’s student labor regime. The Asia-Pacific Journal, v. 13, n. 2, p. 1-24, 2015.
  • CHAN, K. W. A China Paradox: migrant labor shortage amidst rural labor supply abundance. Eurasian Geography and Economics, v. 51, n. 4, p. 513-530, 2010.
  • CHAN, K. W. The world’s factory in transition: diversifying industrial relations and intensifying workers’ struggles in China. The China Review, v. 20, n. 1, p. 1-17, 2020.
  • CHIAPELLO, E.; BOLTANSKI, L. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2020.
  • CLB. The platform economy. China Labour Bulletin, Apr. 21, 2023. Available at: https://clb.org.hk/content/platform-economy
    » https://clb.org.hk/content/platform-economy
  • COLOMBINI, I. Form and essence of precarization by work: from alienation to the industrial reserve army at the turn of the Twenty-Fist Century. Review of Radical Political Economics, v. 52, n. 3, p. 409-426, 2020.
  • CROLL, E.J.; PING, H. Migration for and against agriculture in eight Chinese villages. The China Quarterly, n. 149, p. 128-146, 1997.
  • CROMPTON, R.; GALLIE, D.; PURCELL, K. (Ed.). Changing forms of employment: organisations, skills and gender. London: Routledge, 1996.
  • CUI, Y.; MENG, J.; LU, C. Recent developments in China’s labor market: labor shortage, rising wages and their implications. Review of Development Economics, v. 22, n. 3, p. 1217-1238, 2018.
  • DU, R. Dangdai zhongguo de nongye hezuozhi (Agricultural Cooperative System in Contemporary China). Beijing: Contemporary China Press, 2002.
  • DU, Y.; WANG, M. A discussion on potential bias and implications of Lewisian turning point. China Economic Journal, v. 3, n. 2, p. 121-136, 2010.
  • ESCHER, F. A economia política do desenvolvimento rural na China: da questão agrária à questão agroalimentar. Revista de Economia Contemporânea, v. 26, p. 1-29, 2022.
  • EUROPEAN COMMISSION, DG Research. Precarious employment in Europe: a comparative study of labour market related risks in flexible economies. Esope Final Report, 2004.
  • FARES, T. M. Food security and power struggles in the Chinese ‘battle of the beans’. Journal of Peasant Studies, v. 50, n. 5, p. 2024-2049, 2022.
  • FRIEDMAN, E. Insurgency trap: labor politics in postsocialist China. Ithaca; Londres: Cornell University Press, 2014.
  • GALLAGHER, M. E. Contagious capitalism: globalization and the politics of labor in China. Princeton: Princeton University Press, 2005.
  • GALLAGHER, M. E.; JIANG, J. China’s labor legislation: the 1995 labor law and the 2001 trade union law, introduction and analysis. Chinese Law and Government, v. 35, n. 6, 2002.
  • GARNAUT, R.; HUANG, Y. Continued rapid growth and the turning point in China’s economic development. In: GARNAUT, R.; SONG, L. (Ed.). The turning point in China’s economic development. ANU E-press and Asia-Pacific Press, 2006.
  • GOLLEY, J.; MENG, X. Has China run out of surplus labour? China Economic Review, v. 22, n. 4, p. 555-572, 2011.
  • HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Edições Loyola, 1992.
  • HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petropolis: Editora Vozes, 2015.
  • HEERY, Edmund; SALMON, John (Ed.). The insecurity workforce. London: Routledge, 1996.
  • HEINRICH, M. An introduction to the three volumes of Karl Marx’s Capital. New York: Monthly Review Press, 2012.
  • HUANG, P. C. C. Zhiduhua le de “Bangong Bannong” Gguomixing nongye (Institutionalized “half worker, half cultivator” involuted agriculture). Dushu, 2, p. 30-37, 2006.
  • HUANG, P.C.C. The peasantfamily and rural development in the Yangzi Delta, 1350- 1988. Stanford University Press, 1990.
  • HUANG, Y. Capitalism with Chinese characteristics: entrepreneurship and the state. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.
  • HUNG, H. The China boom why China will not rule the world. New York: Columbia University Press, 2017.
  • ILO. Job quality in platform economy. Geneva: International Labour Organization, 2018.
  • JONNA, J.; FOSTER, J. B. Marx’s theory of working-class precariousness - and its relevance today. Alternatives Routes, v. 7, p. 21-45, 2015.
  • KNIGHT, J.; DENG, Q.; LI, S. The puzzle of migrant labour shortage and rural labour surplus in China. China Economic Review, v. 22, n. 4, p. 585-600, 2011.
  • KURUVILLA, S.; LEE, C.K.; GALLAGHER, M. From iron rice bowl to informalization. ILR Press, 2011.
  • LAMBERT, R.; HEROD, A. Neoliberal capitalism and precarious work ethnographies of accommodation and resistance. Cheltenham: Edward Elgar, 2016.
  • LAVAL, C.; DARDOT, P. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
  • LEE, B. H.; SWIDER, S.; TILLY, C. Informality in action: a relational look at informal work. International Journal of Comparative Sociology, v. 61, n. 2-3, p. 91-100, 2020.
  • LEE, C. K. Gender and the South China miracle: two worlds of factory women. Berkeley, CA: California University Press, 1998.
  • LEE, C. K. Precarization or empowerment? Reflections on recent labor unrest in China. The Journal of Asian Studies, v. 75, n. 2, p. 317-333, 2016.
  • LEE, C. K. China’s precariat. Globalizations, v. 16, n. 2, p. 137-154, 2018.
  • LETOURNEUX, V. Precarious employment and working conditions in Europe. Luxembourg: European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions, 1998.
  • LEWIS, W. A. Economic development with unlimited supplies of labour. Manchester School of Economic and Social Studies, v. 22, n. 2, p.139-191, 1954.
  • LU, X. The politics of peasant burden in reform China. Journal of Peasant Studies, v. 24, n. 4 p. 113-138, 1997.
  • MAJEROWICZ, E. Do campesinato ao exército industrial de reserva: proletarização e determinação salarial na China. In: MAJEROWICZ, E.; PARANÁ, E. (Ed.). A China no capitalismo contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular, 2022.
  • MEDEIROS, C. A.; NOGUEIRA, I. Uma análise estruturalista da distribuição de renda na China Contemporânea. Revista Tempo do Mundo, v. 3, n. 3, p. 99-122, 2011.
  • MUNCK, R. The precariat: a view from the South. Third World Quarterly, v. 34, n. 5, p. 747-762, 2013.
  • NAUGHTON, B. The rise of China’s industrial policy: from 1978-2020. Boulder: Lynne Rienner Publishers, 2021.
  • NAUGHTON, B. Chinese economy: adaptation and growth. 2nd ed. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 2018.
  • NBS. National Data Annual. National Bureau of Statistics of China, 2023. Available at: https://data.stats.gov.cn/english/ Access: Jan. 4, 2024.
    » https://data.stats.gov.cn/english/
  • NICKUM, J. Labour accumulation in rural China and its role since the Cultural Revolution. Cambridge Journal of Economics, v. 2, n. 3, p. 273-286, 1978.
  • NOGUEIRA, I. Acumulação, distribuição e estratégia sob Mao: legados do Maoísmo para o desenvolvimento da China. Carta Internacional, v. 14, n. 2. p. 27-51, 2019.
  • NOGUEIRA, I.; BACIL, F.; GUIMARÃES, J. V. A caminho de um estado de bem-estar social na China? Uma análise a partir dos sistemas de saúde e educação. Economia e Sociedade, v. 29, n. 2, p. 669-692, 2020.
  • NOGUEIRA, I.; QI, H. The state and domestic capitalists in China’s economic transition: from great compromise to strained alliance. Critical Asian Studies, v. 51, n. 4, p. 1-21, 2019.
  • OI, J. Rural China takes off: institutional foundations of economic reform. Berkeley: University of California Press, 1999.
  • OI, J. Fiscal reform and the economic foundations of local state corporatism in China. World Politics, v. 45, p. 99-126, 1992.
  • PAN, W. Nongmin yu Shichang: Zhongguo Jiceng Zhengquan yu Xiangzhen Qiye (Peasants and the market: the coalition between grassroots authorities and rural enterprises). Beijing: Commercial Press, 2002.
  • PENG, Y. Chinese villages and townships as industrial corporations: ownership, governance, and market discipline. American Journal of Sociology, v. 106, n. 5, p. 1338-1370, 2001.
  • PRADELLA, L. Beyond impoverishment: Western Europe in the world economy. In: PRADELLA, L.; MAROIS, T. (Ed.). Polarising development: alternatives to neoliberalism and the crisis. London: Pluto Press, 2015. p. 15-27.
  • PUN, N. The new Chinese working class in struggle. Dialectical Anthropology, v. 44, p. 319-329, 2020.
  • PUN, N. Migrant labor in post-socialist China. New York; London: Polity Press, 2016.
  • PUN, N. Made in China: factory women workers in a global workplace. Durham, NC: Duke University Press, 2005.
  • PUN, N.; CHAN, J. The spatial politics of labor in China: life, labor, and a new generation of migrant workers. South Atlantic Quarterly, v. 112, n. 1, p. 179-190, 2013.
  • PUN, N.; LU, H. Unfinished proletarianization: self, anger, and class action among the second generation of peasant-workers in present-day China. Modern China, v. 36, n. 5, p. 493-519, 2010.
  • PUN, N.; SMITH, C. Putting transnational labour process in its place: dormitory labour regime in post-socialist China. Work, Employment and Society, v. 21, n. 1, p. 27-46, 2007.
  • QI, H. Semi-proletarianization in a dual economy: the case of China. Review of Radical Political Economy, v. 51, n. 4, p. 553-561, 2019.
  • QI, H. The historical peak of the rate of surplus value and the “new normal” of the Chinese economy: a political economy analysis. Revista de Economia Contemporânea, v. 22, n. 1, p. 1-22, 2017.
  • QI, H.; LI, Z. Putting precarity back to production: a case study of Didi Kuaiche drivers in the city of Nanjing, China. Review of Radical Political Economics, v. 52, n. 3, p. 506-522, 2020.
  • QI, H.; Li, Z. Giovanni Arrighi in Beijing: rethinking the transformation. Science & Society, v. 83, n. 3, p. 327-354, 2019.
  • RAWSKI, T. G. Economic growth and employment in China. Oxford University Press, 1979.
  • RISKIN, C. Property rights and the social costs of transition and development in China. Economic and Political Weekly, v. 43, n. 52, p. 37-42, 2008.
  • RODGERS, G.; RODGERS, J. (Ed.). Precarious jobs in labour market regulation. The growth of atypical employment in Western Europe. Geneva: ILO, 1989.
  • ROZELLE, S.; XIA, T.; FRIESEN, D.; VANDERJACK, B.; COHEN, N. Moving beyond Lewis: employment and wage trends in China’s high- and low- skilled industries and the emergence of an era of polarization. Comparative Economic Studies, v. 62, p. 555-589, 2020.
  • SAITH, A. From collectives to markets: restructured agriculture-industry linkages in rural China: some micro-level evidence. The Journal of Peasant Studies, v. 22, n. 2, p. 201-260, 1995.
  • SCHRAM, S.S. The return of ordinary capitalism: neoliberalism, precarity, occupy. Oxford University Press, 2015.
  • SILVER, B. China as an emerging epicenter of world labor unrest. In: HUNG (Ed.). China and the transformation of global capitalism. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2009.
  • SMITH, C.; PUN, N. The dormitory labour regime in China as a site for control and resistance. The International Journal of Human Resource Management, v. 17, n. 8, p. 1456-1470, 2006.
  • SMITH, C.; PUN, N. Class and precarity: an unhappy coupling in China’s working class formation. Work, Employment and Society, v. 32, n. 3, p. 599-615, 2018.
  • SOLINGER, D. J. Contesting citizenship in urban China: peasant migrants, the state, and the logic of the market. University of California Press, 1999.
  • STANDING, G. The precariat in China: a comment on conceptual confusion. Rural China , v. 14, n. 1, p. 165-170, 2017.
  • STANDING, G. The precariat: the new dangerous class. London; New York: Bloomsbury Academic, 2011.
  • SUPIOT, Alain (Ed.). Transformation of labour and future of labour law in Europe. International Labour Review, v. 138, n. 1, p. 31-46, 1999.
  • SWIDER, S. Building China: informal work and the new precariat. Ithaca: Cornell University Press, 2015.
  • SWIDER, S. Informal and precarious work: the precariat and China. Rural China, v. 14, p. 19-41, 2017.
  • TIAN, M.; XU, Q.; LI, Z.; YU, Y. Hukou reform and the “luohu” of rural migrants in urban China. Sustainability, v. 14, p. 1-10, 2022.
  • WALDER, A. G. Communist neo-traditionalism: work and authority in Chinese industry. Berkeley: University of California Press, 1986.
  • WANG, X.; CHAN, C. K. C.; YANG, L. Economic upgrading, social upgrading, and rural migrant workers in the Pearl River Delta. The China Review, v. 20, n. 1, p. 51-81, 2020.
  • WEN, T.; YANG, S. Sannongyu Sanzhi [Three rural issues and rural governance]. Beijing: Renmin University Press, 2016.
  • XIA, Y.; FRIESEN, D.; COHEN, N.; LU, C.; ROZELLE, S. Back to cheap labour? Increasing employment and wage disparities in contemporary China. The China Quarterly, v 253, p. 231-249, 2022.
  • XU, Z. The development of capitalist agriculture in China. Review of Radical Political Economics, v. 49, n. 4, p. 1-8, 2017
  • YANG, D.; CHEN, V.; MONARCH, R. Rising wages: has China lost its global labor advantage? Pacific Economic Review, v. 15, n. 4, p. 482-504, 2010.
  • YE, J. Land transfers and the pursuit of agricultural modernization in China. Journal of Agrarian Change, v. 15, n. 3, p. 314-337, 2015.
  • ZHAN, S. Hukou reform and land politics in China: rise of a tripartite alliance. The China Journal, v. 78, n. 1, p. 25-49, 2017.
  • ZHANG, Q.; OYA, C.; YE, J. Bringing agriculture back in: the central place of agrarian change in Rural China studies. Journal of Agrarian Change, v. 15, n. 3, p. 299-313, 2015.
  • ZHANG, Q.; ZENG, H. Politically directed accumulation in rural China: the making of the agrarian capitalist class and the new agrarian question of capital. Journal of Agrarian Change, v. 21, n. 4, p. 1-25, 2021.
  • ZHANG, S.; FAN, L. Development paths, proletarianization, and the association of workers in China’s garment industry: a comparative study of Humen and Pinghu. The China Review, v. 20, n. 1, p. 19-49, 2020.
  • ZHANG, X., YANG, J.; WANG, S. China has reached the Lewis turning point. China Economic Review, v. 22, n. 4, p. 542-554, 2011.
  • ZHU, S.; PICKLES, J. Bring in, go up, go west, go out: upgrading, regionalisation and delocalisation in China’s apparel production networks. Journal of Contemporary Asia, v. 44, n. 1, p. 36-63, 2013.
Editor Responsável pela Avaliação Carolina Troncoso Baltar

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2024
  • Aceito
    14 Mar 2024
Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Publicações Rua Pitágoras, 353 - CEP 13083-857, Tel.: +55 19 3521-5708 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: publicie@unicamp.br