Open-access Trazendo a Prática da Educação em Ciências e em Biologia de Volta à Vida

RESUMO

O artigo objetiva discutir práticas de ensino de ciências partindo de noções de vida e de natureza como contextos generativos, não idênticos às suas definições conceituais na biologia. A proposta é aproximar essas práticas do horizonte das epistemologias ecológicas (Steil; Carvalho, 2014), em que múltiplos e diferentes esforços compreensivos contemporâneos se aproximam, valorizando a materialidade da vida e criticando uma ciência humano-centrada, que tende a reduzir as múltiplas emergências do vivo. Toma em análise duas experiências, uma na educação básica e outra na educação universitária. Conclui pela produtividade para o ensino de ciências de voltar-se à condição do ‘estar vivo’, através de uma ‘educação da atenção’ (Ingold, 2015), multiplicando as formas de vida, à medida em que promove a percepção de mundos plurais, onde a existência se dá pela permanente coprodução da vida.

Palavras-chave Educação em Ciências e Biologia; Aprendizagem; Epistemologias Ecológicas

ABSTRACT

The article discusses science teaching practices based on notions of life and nature as generative contexts, in contrast with the usual conceptual definitions in biology. The proposal is to approximate these practices to the horizon of ecological epistemologies (Steil; Carvalho, 2014), where multiple and diverse contemporary comprehensive efforts come together, appraising the materiality of life as well as criticizing human-centered science, which tends to reduce the multiple emergences of the living. The present article analyzes two experiences, being the first one in basic education and a second one within university settings. It concludes, for the sake of the quality of productivity in the realm of science teaching, that returning to the condition of ‘being alive’, through an ‘education of attention’ (Ingold, 2015) is necessary: multiplying forms of life, while promoting an expansion of one’s perception regarding the plurality of existing worlds where existence takes place, through the permanent co-production of life, is the path to walk upon.

Keywords Science and Biology Education; Learning; Ecological Epistemologies

Introdução

Se as ciências biológicas buscam compreender a vida, o tempo presente no qual essas ciências se produzem, em sua ruptura com o passado e com a negação das diferenças e emergências híbridas1 (Latour, 1994), nos leva a questionar quais vidas estão sendo (des)consideradas nos ambientes de aprendizagem que habitamos. Muitas vidas transbordam das dicotomias cultura e natureza e não são manifestadas ou, pelo menos, reconhecidamente manifestas nos campos políticos/ecológicos das ciências biológicas dado à “grande divisão” (Latour, 1994), que constitui a matriz epistemológica e ontológica dessas ciências. Diante dessas questões, as reflexões do educador e antropólogo Tim Ingold, como em Trazendo as Coisas de Volta à Vida: emaranhados criativos num mundo de materiais, nos situam no debate crítico às dicotomias modernas e evocam uma perspectiva processual e ontológica “[…] que dê primazia aos processos de formação ao invés do produto final, e aos fluxos e transformações dos materiais ao invés dos estados da matéria” (Ingold, 2012, p. 26). Trazer a prática da educação em ciências e biologia2 de volta à vida passa por reconhecer que tais perspectivas não são preferíveis por serem verdadeiras ou eficazes, mas por serem capazes de multiplicar os seres na construção de mundos, como a antropologia simétrica de Latour (1994) também nos sugere3. Ao estarmos emaranhados nas práticas educativas como praticantes engajados desde posições específicas – a de docentes da educação básica, graduação e pós-graduação como também formadores de outros docentes –, temos nos questionado sobre a vida presente em nosso fazer pedagógico.

Tomamos em análise neste trabalho duas experiências: uma situada na educação básica e outra na educação universitária. A primeira delas abrange o processo pedagógico e de pesquisa participante sistematizado por uma professora de biologia na modalidade Educação de Jovens e Adultos. Tal experiência deu-se junto a uma turma de estudantes que cursou a disciplina de biologia no período de pandemia (2020), no regime de ensino remoto emergencial. Ao narrar a experiência coproduzida, evidencia-se a noção de aprendizagem a partir do processo atencional para com as coisas do mundo.

Já a segunda experiência relatada compreende a prática docente em uma disciplina de metodologia científica na pós-graduação stricto sensu. Ao narrar as reflexões da disciplina sobre a vida de uma serpente, discute-se, em diálogo e continuidade à primeira experiência relatada no trabalho, a noção de vida a partir do argumento de que estar vivo relaciona-se com movimentar-se no mundo, fazendo parte dele – junto das pessoas, coisas, forças que o habitam e o produzem.

Em comum, ao tratarmos de tais experiências de pesquisa na docência, tentamos promover uma interlocução entre as chamadas ciências naturais e as chamadas ciências humanas e sociais. Entendemos que iniciativas reflexivas como essa são importantes pois apontam para a obsolescência dos modelos analíticos dicotômicos e, no caso específico das ciências naturais, mostram a insuficiência do reducionismo biológico, dos discursos biologizantes. Tal reducionismo no ensino de ciências e biologia pode ser compreendido como um dos responsáveis pela produção de subjetividades que não contemplam a ideia de mútua dependência entre todas as formas de vida. Como apontam Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2018, p. 25) na célebre publicação Ensino de Ciências: fundamentos e métodos, há um senso comum pedagógico impregnado no ensino de tal campo bem como na formação dos profissionais que nele atuarão. Esse senso comum é marcado por elementos como

[…] regrinhas e receituários; classificações taxonômicas; valorização excessiva pela repetição sistemática de definições, funções, e atribuições de sistemas vivos ou não vivos; questões pobres para prontas respostas igualmente empobrecidas; uso indiscriminado e acrítico de fórmulas e contas em exercícios reiterados; tabelas e gráficos desarticulados ou pouco contextualizados relativamente aos fenômenos contemplados; experiências cujo único objetivo é a ‘verificação’ da teoria… Enfim, atividades de ensino que só reforçam o distanciamento do uso dos modelos e teorias para a compreensão dos fenômenos naturais e daqueles oriundos das transformações humanas, além de caracterizar a ciência como um produto acabado e inquestionável: um trabalho didático-pedagógico que favorece a indesejável ciência morta

(Delizoicov; Angotti; Pernambuco, 2018, p. 25, grifo nosso).

De saída, é importante ampliarmos os conceitos de biologia, ciência e educação que consideramos em nossas práticas. Se a ciência pode ser considerada a estética da inteligência (Bachelard, 1996, p. 13), ensinar e aprender no campo das ciências biológicas exige nossa atenção e crítica a certos domínios epistemológicos e ontológicos que inibem a expansão e, portanto, a transformação do conhecimento, mantendo-o refém das dicotomias natureza/cultura, sujeito/objeto, vida/morte. Nosso desejo aqui não é buscar equivalências, mas agitar as práticas de ensino e aprendizagem em ciências para aprendermos com a vida e realizar algumas reflexões e proposições baseadas em nossas práticas como seres no/do mundo, contribuindo para o campo da educação em ciências e biologia desde uma perspectiva de uma epistemologia ecológica ou ainda, poderíamos com Ingold, chamar de uma ecologia do vivo ou da vida.

Mas que vida é essa que vale a pena ser vivida, aprendida e ensinada? Em primeiro lugar, trata-se de vidas, no plural, ou ainda formas de vida. Vidas que não se resumem ao imaginário do carbono (Povinelli, 2016, p. 37), em que a oposição entre a vida e não vida se estabelece quando garantimos a certas entidades a capacidade de nascer, crescer, reproduzir-se e morrer e a outras não. No imaginário do carbono, vida e morte se mantém como posições fixas e determinísticas, fazendo das ontologias verdadeiras biontologias (Povinelli, 2016, p. 5).

Fazemos referência às vidas com as quais podemos aprender, por exemplo, como a das plantas. Através de sua exposição integral e continuidade total com o ambiente; vidas que apenas se tornam compreensíveis nos mundos que habitam e produzem pois, nessa perspectiva, ser significa fazer mundos (Coccia, 2018, p. 13 e 42). Nesse sentido, o corpo das plantas é um corpo que experimenta, corpo que não está separado do mundo (Ingold, 2012). “As plantas transformam tudo o que tocam em vida, fazem da matéria, do ar, da luz solar, o que será para os outros seres vivos um espaço de habitação, um mundo” (Coccia, 2018, p. 15). A vida das plantas é essa força radical que tudo atravessa e abarca, que se comunica com elementos profundos – o solo, a terra através de suas raízes – mas também com o céu e a atmosfera, criando e recriando o interstício entre esferas e planos muito distintos que ligam através da forma de vida das plantas. Interstício que possui certas regularidades, mas não certezas. Assim, seguindo o exemplo que elegemos, considerar a vida das plantas desde uma ecologia da vida, é reconhecer a vida não como entidade fixa, associada à forma e substância – como na filosofia materialista Aristotélica; ou ainda, reduzir a vida a entidades autônomas de existência que se somam mas não se misturam umas às outras, como na lógica frequentista de Carl Popper – que assume a quantidade de incertezas refutadas pelo método hipotético-dedutivo, como caminho de validação do conhecimento.

Considerar a vida das plantas4 – e de outros entes – nos abre às constantes transformações de uma matéria viva em movimento, que se mistura e se produz em mestiçagem. É não se prender a argumentos indiscutíveis encontrados nas disciplinas consagradas como forma de dominação do conhecimento. Preferimos nos aproximar dos interstícios evidenciados pela interdisciplina, ou mesmo por certa indisciplina, por aceitarmos o seu valor pedagógico:

A questão não é superar as disciplinas: mas de realidades que se compreendem e se transformam de maneiras parciais e que se movem dentro de certos limites impostos segundo as posições de ação das organizações e segundo as posições dos conhecimentos que estas têm dentro do todo em que conhecem e atuam

(Casanova, 2006, p. 48).

Tal posição de abertura é tarefa desafiadora pois exige das professoras e professores estarem abertas e abertos a ocupar sucessivas posições de mobilização na busca, também pelas ciências dos saberes abertos. E aqui, cabe ressaltar, que não estamos negando as especificidades da ciência moderna e a relevância do progresso científico por ela desencadeado. Em diálogo com Stengers (2002) reiteramos, no entanto, a necessidade de compreendermos as práticas científicas como produtoras de saberes que não resultam de relações neutras, apartadas das relações de forças sociais. As práticas científicas e seus resultantes podem ser compreendidos como acordos estabelecidos entre os praticantes.

Trazer as Práticas de Volta à Vida

Trazer as práticas de volta à vida no ensino de ciências e biologia exige repensar os métodos pedagógicos diante das contingências de nossas práticas. Mas, como fazemos isso? A educação da atenção pode ser uma boa estratégia.

O exercício da atenção nas práticas pedagógicas significa reconhecer a observação e a participação como práticas que se realizam concomitantemente dentro da vida. Para Ingold (2016), observar é participar, é atender as pessoas e coisas, aprendendo com elas e acompanhando-as, pois, para conhecer, é preciso ser com elas, é preciso estar no mundo. É nesse sentido que Ingold (2016) aposta na antropologia como busca pela educação em seu sentido original – educar, do latim educer -ex (fora) + ducere (conduzir, levar) – significando literalmente “conduzir para fora”. Pensar a educação como um conduzir para o/s mundo/s ao entorno, nos distanciaria de uma posição fixa, nos deslocando a outras posições ou perspectivas. O exercício da atenção faz dos encontros momentos de aprendizagem. Trazer a biologia de volta à vida é levar os estudantes para fora, para o mundo, caminho oposto ao buscar o acúmulo de informação dentro de suas mentes. “É perceber o pulsar do mundo onde vivemos e com o qual interagimos constantemente, ainda que essa multiplicidade da vida seja constantemente apagada e silenciada em nossa cultura humano centrada” (Carvalho, 2014, p. 73).

Pensar a educação nesses campos desde uma perspectiva ecológica ultrapassa o saber/fazer uso dos conceitos ecológicos desde a noção comumente pensada a partir das Ciências da Natureza. Estamos acionando aqui uma ideia de ecologia ampliada, que nos interpela a partir do horizonte interpretativo das epistemologias ecológicas (Steil; Carvalho, 2014). O termo epistemologias ecológicas, tal como proposto, delimita uma região do debate teórico-filosófico e também educativo contemporâneo que compreende autores de diversas origens disciplinares e diferentes opções teóricas, cuja convergência é o esforço para a superação de “[…] dualidades modernas, tais como natureza e cultura, sujeito e sociedade, corpo e mente, artifício e natureza, sujeito e objeto” (Steil; Carvalho, 2014, p. 164). Ao proporem essa desconstrução, tais autores insistem na pluralidade e amplitude desse horizonte interpretativo que não “[…] pretende designar uma unidade teórica, mas uma área de convergência de novos horizontes de compreensão, diferentes daqueles que sustentam as dualidades mencionadas e a externalidade de um sujeito cognoscente humano fora do mundo, da natureza e independente de seus objetos de conhecimento” (Steil; Carvalho, 2014, p. 164).

A partir desse horizonte interpretativo, a representação, tão cara no campo da educação em Ciências e Biologia, pode vir a ser reconfigurada pois entende-se que os significados, conceitos e abstrações não são resultados de um processo apartado da experiência material e separada do engajamento com as coisas, mas totalmente imerso e dependente delas. Nesse sentido, conhecer, desde uma perspectiva ecológica conforme apontam Steil e Carvalho (2014), é habilidade adquirida em relação com o mundo, com os seres que habitam esse mesmo mundo, e não uma prerrogativa humana, que se dá desde uma mente descolada do corpo do sujeito que conhece e do corpo do mundo que torna possível a existência do sujeito que conhece.

Com base nos argumentos até então expostos, partiremos para as situações de aprendizagem específicas que anunciamos anteriormente. Tais experiências situadas dizem respeito à pesquisa participante de docentes que, à medida em que exercem seus ofícios em sala de aula, também registram suas práticas em seus diários de trabalho de modo a refletirem de forma sistemática sobre o que desenvolvem no cotidiano. O que desejamos afirmar é que, nesse sentido, metodologicamente intentamos estudar com e não sobre – as pessoas, os entes e os fenômenos. Podemos nomear de muitos modos esse tipo de abordagem, mas aqui, inspirados em Ingold (2019), chamamos esse modo de trabalho de observação participante.

Educação da Atenção e Conhecimentos que crescem na Educação de Jovens e Adultos

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem suas especificidades. No âmbito da educação escolar, os sujeitos da EJA são aqueles que – por inúmeras e complexas razões – não concluíram o ciclo de escolarização no tempo considerado “certo”. Pausamos aqui para dizer que esse “tempo considerado certo” precisa invariavelmente de algumas ponderações: certo para quê? Certo para quem? Eis questões que nos colocam a refletir de imediato quando estamos nos referindo aos sujeitos de aprendizagem dessa específica modalidade educativa.

As situações de aprendizagem que tomaremos nessa seção envolvem tais sujeitos. Humanos que “sobraram” de um processo escolar – muitas vezes sofrido e excludente – e que, muito embora tenham aprendido consideravelmente fora dele, precisam retornar a esse espaço em virtude de uma preocupação importante: o acesso a um melhor posto de trabalho. Na experiência que aqui refletimos, a necessidade de qualificação para o trabalho é o principal motivo de retorno ao espaço escolar. Espaço escolar esse de uma escola privada5.

Desde uma perspectiva ecológica de aprendizagem, os lugares de aprender (e também de ensinar) podem ser múltiplos. Salas de aulas são apenas um desses lugares, um lugar dentro de uma enorme coleção de possibilidades, já que desde a perspectiva ecológica é necessário estar imerso na materialidade do mundo, através do engajamento contínuo no ambiente:

O que nós aprendemos ao escancarar as janelas do escritório, sair de casa e dar um passeio lá fora? Encontramos um ambiente entulhado de objetos como no meu escritório cheio de móveis, livros e utensílios? Longe disso; parece não haver objeto algum. Decerto há inchaços, crescimentos, afloramentos, filamentos, rupturas e cavidades, mas não objetos. Embora nós possamos ocupar um mundo repleto de objetos, para o ocupante os conteúdos do mundo parecem já se encontrar trancados em suas formas finais, fechados em si mesmos. É como se eles tivessem nos dado as costas. Habitar o mundo, ao contrário, é se juntar ao processo de formação

(Ingold, 2012, p. 31).

Em que pese o fato de estarmos tratando do contexto de uma escola privada, ela caracteriza-se por ser uma escola de médio porte que é mantida por uma cooperativa de professores que entende a Educação de Jovens e Adultos como um segmento diferenciado. Tal escola encontra-se em uma região privilegiada de Porto Alegre, na esquina de uma das avenidas mais movimentadas da zona norte. Recebe, nessa modalidade, estudantes de bairros periféricos da cidade bem como de cidades da região metropolitana como os municípios de Alvorada, Viamão, Cachoeirinha e Gravataí. Esses estudantes dividem sua rotina de estudo com uma extensa rotina de trabalho. Exercem ofícios como os de costureiras, garçons, donas de casa, caixas de supermercado, empacotadores, eletricistas, mestres de obras na construção civil, atendentes de telemarketing, mecânicos, entre outros.

Ao longo do ano de 2020 e 2021, com a pandemia do novo coronavírus e a consequente interrupção das atividades escolares de modo presencial, as estratégias de trabalho nesse contexto no âmbito da Educação de Jovens e Adultos também precisaram ser revistas. No ano de 2020, na disciplina de Biologia do Ensino Médio, uma série de adaptações foram realizadas: busca ativa de estudantes via aplicativo de mensagens, ampliação do uso de ambientes virtuais, encontros síncronos via plataforma Google Meet, extensão no prazo de entrega de trabalhos, produção de áudios, vídeos e outros materiais didáticos em forma de roteiros autoinstrucionais, utilização de recursos de microscopia digital, utilização de simuladores de aulas práticas, visitas a museus de ciências naturais online, entre outras. Um conjunto de estratégias foi colocado em funcionamento ao longo do ano de 2020 e 2021, na tentativa de suprir a experiência escolar para aqueles estudantes.

Dentre as experiências vividas, destacamos uma que nos parece exemplar em termos do que entendemos como uma prática imersa na vida desde a perspectiva das epistemologias ecológicas. No terceiro ano, um dos tópicos de trabalho é o tema da saúde. Os estudantes trabalharam o tema analisando diferentes concepções sobre o que vem a ser saúde em diferentes épocas e, também, através da narrativa de diferentes povos. Uma das formulações discutidas envolveu os preceitos relacionados aos Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS, 2008), que correlacionam as condições de saúde das populações às condições socioeconômicas, culturais e ambientais gerais. Tais discussões tomaram como caso analisado a situação da pandemia, e abrangeram o entendimento sobre a estrutura e funcionamento do Sistema Único de Saúde.

Ao longo das aulas houve a necessidade – colocada pela turma de cerca de 15 estudantes6 – de tratarmos sobre o tema da saúde mental. O grupo trazia a necessidade de falarmos a respeito disso no contexto de pandemia e então o planejamento foi interpelado por essa questão. Planejamos então uma roda de conversas (online) aberta a todas as turmas da Educação de Jovens e Adultos sobre o tema da saúde mental em tempos de pandemia. O objetivo da proposição foi tratar do tema a partir da lógica de produção do cuidado, discutindo estratégias para essa produção no cotidiano de nossas casas e espaços de trabalho. A roda de conversas foi mediada pela professora da disciplina de biologia bem como por um convidado – um psicólogo trabalhador do Hospital Nossa Senhora da Conceição – hospital 100% Sistema Único de Saúde (SUS). O profissional, ao longo da mediação, em virtude das perguntas dos e das estudantes, também tratou sobre as portas de acesso ao sistema de saúde na cidade – dando vida e significado a siglas como UBS (Unidades Básicas de Saúde), CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), CAPS AD (Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas), CAPSi (Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil) entre outros dispositivos públicos de atendimento à saúde mental.

Uma das propostas de trabalho concomitantes à roda de conversas envolveu a reflexão do grupo sobre a seguinte pergunta: “o que você tem feito para cuidar da sua saúde mental nos tempos de pandemia?”. Os estudantes responderam à pergunta colocada pelo trabalho, e suas respostas foram documentadas em um material de divulgação que foi compartilhado com as turmas da escola.

Figura 1
Estratégias de Produção de Cuidado Compartilhadas pelos Estudantes

Ao compartilharmos essa experiência, não temos o objetivo de apontar modelos a serem seguidos, pois a partir do entendimento da aprendizagem como prática situada (Lave, 1991) sabemos que cada experiência de aprendizagem é dependente de um contexto. Damos a ver aqui, no entanto, a potência de entendermos a prática da educação em biologia (e ciências) como um espaço de produção de vida, de sustentação da vida. Entendemos que práticas como a que acabamos de descrever, em que pesem todas as fragilidades impostas pela situação do distanciamento, podem operar no sentido de convocarem os sujeitos a perceberem a si mesmos em relação com “as coisas e para o mundo” (Ingold, 2020, p. 17). Estamos entendendo que os educadores do campo das ciências da natureza podem trabalhar como intercessores nesse processo, promovendo um campo de possibilidade para o entendimento de que a responsabilidade sobre “[…] a continuidade do processo da vida não é individual, mas social” (Ingold, 2020, p. 17).

Ao elaborarem e compartilharem suas estratégias de cuidado, os estudantes nos dão a ver que para “poder responder, é preciso estar presente” (Ingold, 2020, p. 48), em um movimento de atencionalidade. Os estudantes nos ajudam a compreender que o conhecimento também advém da habilidade. Ou seja, o conhecimento sobre saúde mental na pandemia não vem necessariamente a partir da exposição diretiva com receitas genéricas sobre o que “deve ser feito”, mas pela reflexão a respeito dos apontamentos advindos da ciência moderna, pela atenção aos processos vividos e, também, a partir do exercício de viver a experiência pandêmica tentando dar conta dela com os recursos disponíveis. Aprender a cuidar-se na pandemia não é um conhecimento que possa ser apenas transmitido como um domínio fechado de saberes, mas talvez um “conhecimento que cresça” em nós (Ingold, 2020, p. 30). Um conhecimento que cresce a partir da atenção ao vivido. Incluindo aí a observação dos efeitos em relação à preservação da vida a partir da administração dela por meio dos conhecimentos promovidos pela ciência. A atenção para experiência pandêmica também se relaciona à produção de aprendizagens sobre as potências produzidas por esta ciência.

Os saberes abertos aos quais nos referimos não negam a materialidade dos avanços científicos promovidos pela ciência moderna – como por exemplo a necessidade das vacinas e sua eficácia. Em um movimento de atencionalidade ao mundo em transformação – e por isso – sabedores da abertura e imprevisibilidade das relações interespécies, compreendemos a necessidade da preservação e da compreensão da vida, facilitada pelo movimento atencional. A situação imposta pela pandemia também nos colocou de frente com a inevitabilidade de que, em que pese toda a evolução dos aparatos científicos, ao longo do tempo, imersos em múltiplas contingências, tivemos que reaprender a viver. E aprendemos a viver, não negando a experiência com o vírus, mas atentos a ela, de modo a atender e responder à sua existência.

Sabemos que uma grande parte dos problemas enfrentados ao longo desse período foi a disseminação de saberes que colocaram muitas vidas em risco pela via, por exemplo, da circulação de notícias falsas, notícias sobretudo que negavam a existência do vírus e seus efeitos. Entendemos que os saberes abertos aos quais nos referimos, não se relacionam a esse fenômeno, pois estar em um movimento atencional no e com o mundo diz respeito a entender os limites das distintas formas de racionalidades, sejam elas a dos saberes institucionalizados, sejam elas de ordem religiosa entre outras. O movimento atencional passa por tal mediação e reflexividade.

A atenção requerida por um mundo pandêmico, mostra-nos um mundo-ambiente atravessado por inúmeros processos formativos e transformativos, como é o caso das várias mutações do vírus (variantes), dos seus efeitos sobre os corpos e os tempos-espaços da vida cotidiana, e da emergência de muitas estratégias/processos de proteção e defesa contra o vírus. Deste modo, compreender como os seres habitam o mundo significa “[…] estar atento aos processos dinâmicos de formação do mundo (world-formation) no qual tanto aqueles que percebem quanto os fenômenos percebidos estão necessariamente imersos” (Ingold 2011, p. 117-118, tradução nossa)7.

Atenção, Natureza e Vida na Disciplina de Metodologia Científica na Pós-Graduação Stricto Sensu

No primeiro dia de aula, quando iniciamos as atividades nas disciplinas de Metodologia Científica e Residência Científica, ambas ofertadas para estudantes de pós-graduação stricto sensu em Ciências Florestais e Ambientais do Amazonas, o domínio da natureza é logo destacado pelo grupo para legitimar o campo da vida. Vida que cresce e por isso permite a abundância e emergência de espécies capazes de garantir o fornecimento daquilo que chamamos “serviços ambientais” (por exemplo, controle do clima; absorção de carbono) essenciais para a manutenção da floresta em pé. A natureza aparece logo na primeira aula pois é ela que revela a vida, marcando seu valor inquestionável capaz de enfraquecer qualquer outro domínio que não se aproprie de um princípio vital.

A natureza, e no nosso caso, as florestas, considerando que as disciplinas são ofertadas dentro de um programa de pós-graduação stricto sensu em Ciência Florestais e Ambientais, se torna modelo de referência para os futuros projetos desenvolvidos pelos estudantes. Referência que será balizadora da qualidade da vida encontrada em seus projetos. Mas não são todas as florestas que servirão de referência para a natureza viva. Para cumprirem esse papel, tais florestas devem possuir alguns atributos chaves: devem ser biodiversas, longevas, isso é, possuir representantes arbóreos com idades e diâmetros a altura do peito (DAP) avançados; e devem ser resilientes e sustentáveis, ou seja, devem garantir a manutenção e sua permanência ao longo do tempo.

Se algumas florestas podem representar o modelo de vida natural, outras, classificadas através dos mesmos preditores, mas com qualidades e quantidades opostas, serão definidas como degradadas, ou seja, sem vida. Florestas degradadas estão assim relacionadas a eventos de redução: redução da biodiversidade, redução da biomassa armazenada nas árvores e redução dos serviços ambientais, ou seja, redução da vida.

Diante dessas discussões com a turma nos questionamos sobre as florestas nas quais cresce a vida e as florestas onde a vida é reduzida. Por que algumas são úteis como modelo de natureza desejada e outras não? O que as florestas precisam para garantir a expansão e o crescimento da natureza, já que a redução florestal representaria um retrocesso aos estágios inferiores da vida, ou até mesmo a ausência de vida?

É provável que essa compreensão da natureza viva como progressão também seja compartilhada pelas ciências sociais como a Antropologia Evolucionista de James Frazer (1854-1941), Edward Tyler (1832-1917) e Lewis Henry Morgan (1818-1881), que acreditavam em um processo evolutivo universal ao qual todas as sociedades humanas estariam submetidas.

Tal pensamento evolucionista também refletiu nos trabalhos do botânico e ecólogo Frederic Edward Clements (1874-1945), que definiu as comunidades vegetais como entidades organizadas e desenvolvidas previsivelmente através da substituição unidirecional e progressiva das espécies. Convergindo nesse processo de sucessão florestal a um estágio final e clímax ou monoclímax8. Pensamento que podemos aproximar dos antropólogos evolucionistas que reconheceriam na sociedade europeia ocidental o monoclímax de Clements.

Pensar nessa origem única e linear da vida social humana e vegetal reforça as dificuldades epistemológicas de lidar com o domínio da natureza. Embora tais questões sejam caras para as ciências sociais e naturais, no campo das ciências naturais tais discussões podem ser consideradas mais recentes. Portanto, quando ocupamos posições de professores de disciplinas da pós-graduação que pretendem colaborar com a formação científica dos estudantes e o ofício de se fazer ciência, o que consideramos como natureza e vida será fundamental para legitimar quais evidências empíricas serão buscadas e destacadas pelos estudantes em seus projetos de mestrado e doutorado como respostas às perguntas de pesquisa, presentes em seus trabalhos acadêmicos.

Assim, refletindo sobre essas questões, durante a primeira aula das disciplinas de metodologia científica e de residência científica, espantar os estudantes com questões elementares sobre a natureza e sobre a vida pode ser uma boa estratégia pedagógica. Com esse espanto, esperamos que os estudantes hesitem, reflitam, e questionem as evidências empíricas que refutarão ou corroborarão seus testes de falseamento de hipóteses, amplamente utilizados como fonte de validação nas ciências naturais contemporâneas.

O exercício é simples: mostrando aos estudantes uma caixa de papelão fechada e um pouco maior que uma caixa de sapatos, afirmamos que em seu interior existe uma serpente: “Existe uma serpente nessa caixa, vocês não estão vendo, pois a caixa está fechada. Então como podemos reconhecer se a serpente está viva?”. Essa é a questão que direciona as discussões.

Figura 2
Serpente Utilizada na Disciplina para Animar as Discussões sobre Vida

Quais caminhos e percursos os estudantes podem conduzir para reconhecer a vida da serpente? Balançar a caixa? Cheirar a caixa? Escutar algum movimento no interior da caixa? São respostas que normalmente escuto dos estudantes e que provavelmente evidenciariam a vitalidade da serpente. Porém, já sabemos desde Platão e seu mito da caverna que nossos sentidos podem muito bem nos enganar.

A questão, portanto, não seria reconhecer os meios, as evidências para comprovarmos a vida da serpente, mas compreendermos o que significa para nós a serpente estar viva. Existe uma serpente na caixa, mas a serpente é de madeira! Ser de madeira faz da serpente menos viva? É uma serpente de madeira articulada que transborda movimento e interação. Estar vivo nesse sentido é movimentar-se no mundo, é fazer parte dele, e isso a serpente de madeira é capaz de fazer, agitando a vida dos estudantes e provocando diversas reações como tensão e atenção. Estar vivo, portanto, é estar imerso nos movimentos do mundo, das pessoas e das coisas que o habitam e o produzem, é reconhecer que a vida tem cobras de madeiras e não necessariamente que a cobra tenha vida.

Porém, para reconhecer a vitalidade da serpente de madeira é preciso atenção. Para reconhecer a vida é preciso estar atento à vida. Atenção que segundo Paul Ricoeur está mais relacionada ao espanto do que a apreensão (Veríssimo, 2021). Espanto capaz de afetar os estudantes quando questionados sobre a vitalidade da serpente dentro da caixa e ao refletirem sobre sua vida de madeira. Atenção é ação, é destaque e suspensão, consequentemente toda atenção exige uma desatenção. Diante desse movimento, Ricouer nos fala da importância da pausa para o transbordamento dos objetos nos revelando o dinamismo da vida. Não é uma pausa que paralisa, é uma pausa que nos dá intensidade. Na condição da atenção para Ricouer (Veríssimo, 2021), o existente sempre transborda o percebido. E é nesta compreensão que a serpente de madeira pode nos ajudar. Ela transborda os conceitos biológicos de vida fixados pelo imaginário do carbono. Nesse movimento, o tempo é muito importante pois coloca em relação as faculdades voluntária e involuntária da atenção. A atenção é voluntária, pois, precisamos suspender ativamente elementos, manejando as relações figura e fundo, para destacar o percebido do existente. Ao mesmo tempo, a atenção é involuntária, pois não somos capazes de apreender as múltiplas existências em todas as suas performatividades, sincronicamente.

É provável que a faculdade voluntária, ativa, da atenção, seja mais fácil de reconhecermos. Coloque seu dedo bem próximo do nariz e olhe para ele, veja como o resto fica embaçado. Para tentar refletir sobre o caráter involuntário da atenção podemos nos apropriar da pareidolia, fenômeno psicológico no qual encontramos padrões familiares em imagens aleatórias. Isso acontece, por exemplo, quando enxergamos um coração nas nuvens, ou quando vemos um sorriso na borra de café, é sobre isso que se trata a pareidolia. As coisas9 não se esgotam e é provável que esteja aí a potência involuntária da atenção. Potência involuntária que também podemos encontrar no verso “Quando o vento fez do seu vestido um dom que Deus te deu – Claro que eu rirei ao vendo o que outro alguém não viu” da música Foi no Mês que vem, de Vitor Ramil (2013). O vestido transborda para a pessoa atenta! Essas questões podem nos guiar para a agência e vida dos objetos como relacionadas a sua potência de transbordamento. As coisas são inesgotáveis em suas existências e é isso que gostaríamos de destacar como a vida presente na serpente de madeira dentro da caixa na atividade que realizamos com os estudantes.

Depois dessas reflexões, com a turma retomamos a vida das florestas que serão pesquisadas. Muitas dessas florestas estarão fragmentadas, isoladas, destruídas pela ação humana e, consequentemente, classificadas pela ecologia biológica como mortas. Nessa condição, não possuem uma rica biodiversidade, não oferecem os desejados serviços ambientais e perdem a resiliência, tornando-se incapazes de retornar a estágios clímax de desenvolvimento. Contudo, essas florestas “mortas” ainda transbordam em dinâmicas múltiplas, o que garante sua vitalidade. Porém, para reconhecer esse movimento, esse transbordamento e insistência da vida mesmo em condições não plenas, é preciso estarmos atentos, e podemos aprender com Ricouer, com as serpentes de madeira e com os vestidos nas poesias como nos espantarmos diante da vida.

Conclusões

Nas perspectivas que expusemos aqui, a educação não é entendida como preparação, conformidade, nem entendida como sinônimo de ensino. O processo educativo é sinônimo de vida, movimento, transformação, espanto, atenção. Ao nos preocuparmos em trazer as práticas da educação em ciências e biologia de volta à vida nas escolas e universidades, queremos com isso ampliar o campo das pessoas, coisas e objetos e de suas reiterações, fugas, aberturas e possibilidades para as discussões políticas da ecologia na modernidade. Tais discussões nos levam a destacar a vida, a aprendizagem na e da vida como algo em processo, em movimento e não de natureza fixa. E aí reside a complexidade do papel dos professores do campo das Ciências da Natureza. Afastar-se das reduções biologizantes, fruto das dicotomias modernas e das versões acabadas sobre Ciência e sobre seus modos de construí-la, nos parece o principal desafio.

Os professores e professoras, desde a posição de intercessores do processo de trazer à vida os componentes curriculares dos quais se ocupam, podem garantir lugar a um rigoroso improviso. A improvisação, no sentido que empregamos, não tem a ver com ausência de rigor teórico metodológico na prática educativa. Improvisar, aqui, assume um sentido de “[…] seguir os modos do mundo à medida que eles se desenrolam, e não conectar, em retrospecto, uma série de pontos já percorridos” (Ingold, 2012, p. 38). Há uma necessária abertura por parte desse sujeito professor, pois a improvisação dá lugar às coisas “vivas e ativas” (Ingold, 2015, p. 63) e que assim são entendidas porque “[…] estão ligadas a feixes ou tramas firmemente tecidos de extraordinária complexidade” (Ingold, 2015, p. 63).

Trazer as coisas de volta à vida, ou como aqui propusemos, trazer as práticas educativas no campo das Ciências da Natureza de volta à vida, não é uma questão de acrescentar a elas uma agência antes ausente. Mas é uma questão de restaurar estas práticas educativas nos fluxos geradores de mundos: diversos, díspares, incontíveis. Vivemos um momento na história da Terra e na história social em que criar/dar a ver mundos, assim como aprender a coabitar, mostra-se como um caminho interessante para compreender a vida que somos, lidar com as complexas dinâmicas dos fenômenos socioambientais, e enfrentar as urgências do tempo presente, que põem em risco o futuro de muitas existências no planeta.

Notas

  • 1
    Para Latour (1994), a constituição moderna fundamenta-se na suposta purificação de entes entre os domínios da natureza e da cultura. Porém, ao buscar tal purificação, são incapazes de impedir a emergência híbrida que não se deixa aprisionar nas estruturas purificadas do projeto moderno.
  • 2
    Sabemos que no campo escolar as disciplinas de Ciências são também ministradas por educadores da Física e Química, direcionamos assim as reflexões a todos os que se posicionam de algum modo a trabalhar com o campo da educação em Ciências e Biologia.
  • 3
    É importante destacar que, embora Bruno Latour e Tim Ingold compartilhem uma matriz deleuzo-guattariana e produzam fortes críticas ao antropocentrismo e às dicotomias sujeito/objeto, natureza/cultura, reconhecendo a necessidade de incorporação não humana nas relações com o ambiente, tais autores apresentam também importantes divergências. Uma delas pode ser observada nos conceitos de rede de Latour e malha de Ingold. As redes de Latour são associações ativas entre entidades heterogêneas, em que cada entidade produz efeitos sobre as outras, ocorrendo uma codeterminação que ultrapassam as relações imediatas ao se expandirem em várias direções, formando cadeias interdependentes e imanentes (Muñoz, 2011). No entanto, Ingold critica o conceito de rede pois questiona a condição estática em associações que se movimentam. Para Ingold, a rede associa, une e reúne pontos, no entanto, sua composição permanece como um objeto acabado pois as linhas que a constituem embora unam coisas, não crescem e não se desenvolvem (Muñoz, 2011). Nesse sentido, existem elementos que parecem se mover apenas quando associados a outros. Buscando fortalecer o corpo, o conceito de malha de Ingold acentua o deslocamento dos indivíduos e seus movimentos como experiência ativa com seu ambiente. De forma simplista, as divergências entre as redes de Latour e as malhas de Ingold se dão entre as articulações que mantêm as associações e entidades heterogêneas.
  • 4
    Em que pese o fato de estarmos salientando o caso das plantas, se faz necessário ressaltar que as plantas não são os únicos seres que transformam aquilo que tocam em vida. Pedras, vento, computadores, animais, bactérias, fungos, entre outras entidades, participam ativamente de transformações materiais que podem ser entendidas como promotoras da vida.
  • 5
    O artigo reúne autores que atualmente trabalham em diferentes estados do país. No caso em que nos referimos à Educação de Jovens e Adultos, o contexto é a cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Na cidade de Porto Alegre, conforme explica Santos (2018), muito embora haja demanda para a Educação de Jovens e Adultos, as escolas públicas continuam a ser fechadas, e suas ofertas de vagas, reduzidas, gerando possibilidades para os espaços privados, nos quais a oferta tem se ampliado.
  • 6
    Para nós, essas “aberturas curriculares” também definem o que vem a ser a prática educativa imersa no mundo da vida. Entendemos, com Deleuze (1988), que uma aula é matéria em movimento. Quando uma aula acontece o interesse desloca-se e, nessa experiência, cada estudante, cada grupo, seleciona o que lhe convém. No exercício docente cabe a necessidade de nos interrogarmos sobre esse movimento. Há lugar para aberturas curriculares nas aulas que estamos a propor?
  • 7
    Essa frase corresponde à edição em inglês: “To understand how beings can inhabit this world means attending to the dynamic processes of world-formation in which both perceivers and the phenomena they perceive are necessarily immersed” (Ingold, 2011, p. 117-118). Fizemos essa tradução direta da edição em inglês por considerá-la um pouco mais precisa para o uso em uma citação curta. Contudo, é importante dizer que a edição brasileira (Ingold, 2015) desse livro está disponível e também pode ser consultada como uma boa edição desse trabalho de Tim Ingold.
  • 8
    Clímax e Monoclímax são conceitos usuais no campo da Ecologia Vegetal usados para representar comunidades vegetais estáveis que estão adaptadas às condições ambientais (por exemplo: edáficas e climáticas) específicas da paisagem em que se estabelecem, garantindo que a composição de espécies permaneça constante ao longo do tempo.
  • 9
    Estamos tomando a noção de coisa empregada por Ingold (2012) que, diferenciando-se dos objetos, apresenta-se como porosa e fluida, perpassada por fluxos vitais, integrada aos ciclos e dinâmicas da vida e do meio ambiente.

Referencias

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  • DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. O abecedário de Gilles Deleuze Entrevista em vídeo. França, 1988.
  • DELIZOICOV, Demétrio; ANGOTTI, José André; PERNAMBUCO, Marta Maria Castanho Almeida. Ensino de Ciências: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2018.
  • INGOLD, Tim. Being Alive: essays on movement, knowledge and description. London; New York: Routledge, 2011.
  • INGOLD, Tim. Trazendo as Coisas de Volta à Vida: emaranhados criativos num mundo de materiais. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, UFRS, v. 18, n. 37, p. 25-44, 2012.
  • INGOLD, Tim. Estar Vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2015.
  • INGOLD, Tim. Chega de Etnografia! A educação da atenção como propósito da antropologia. Educação, Porto Alegre, PUCRS, v. 39, n. 3, p. 404-411, 2016.
  • INGOLD, Tim. Antropologia: para que serve? Editora Vozes, 2019.
  • INGOLD, Tim. Antropologia e/como Educação Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2020.
  • LATOUR, Bruno. Jamais fomos Modernos São Paulo: Editora 34, 1994.
  • LAVE, Jean; WENGER, Etienne. Situated learning: legitimate peripheral participation. New York: Cambridge University Press, 1991.
  • MUÑOZ, Sebastian. Un Diálogo entre la Red de Bruno Latour y la Malla de Tim Ingold Cruzado por la Experiencia. Cinta de Moebio, n. 70, p. 68-80, 2021.
  • POVINELLI, Elizabeth. Geontologies: a requiem to late liberalism. Durham: Duke University Press, 2016.
  • RAMIL, Vitor. Foi no Mês que vem Pelotas: Satolep Music, 2013. 1 música (3 min.).
  • SANTOS, Juliana Silva dos. Entre Idas e Vindas: uma diversidade de sentidos para a escola de EJA Educação de jovens e adultos. 2018. 219 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.
  • SCHMITT, Lilian Alves. Documentação Pedagógica – reflexões sobre saúde mental na Educação de Jovens e Adultos. 2021. 1 montagem.
  • STEIL, Carlos Alberto; CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Epistemologias Ecológicas: delimitando um conceito. Mana, Rio de Janeiro, Museu Nacional; UFRJ, v. 20, p. 163-183, 2014.
  • STENGERS, Isabelle. A Invenção das Ciências Modernas São Paulo: Editora 34, 2002.
  • VERÍSSIMO, Danilo Saretta. A Atenção Segundo Paul Ricœur. Memorandum: Memória e História em Psicologia, Minas Gerais, UFMG, v. 38, p. 1-23, 2021.

Editado por

  • Editor a cargo: Luís Henrique Sacchi dos Santos; Leandro Belinaso Guimarães; Daniela Ripoll

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    20 Jun 2022
  • Aceito
    03 Maio 2023
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