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O Dizer-se de um Povo: palavra, práxis e performatividade em Paulo Freire

RESUMO

Este ensaio buscou problematizar o conceito de palavra através da interpretação performativa do conceito de práxis nas obras Ação cultural para a liberdade, Educação como prática da liberdade e Pedagogia do oprimido, de Paulo Freire, haja vista a ligação entre reflexão e ação, para ele, inerente a ambos conceitos. Da análise das aporias advindas de uma compreensão ainda representacionista da palavra, bem como de uma aproximação da noção de performatividade, segundo Jacques Derrida e Judith Butler, foi possível dar lugar a uma compreensão do poder que teria a própria palavra de encetar novas situações e transformar a realidade social, e por meio do qual um povo poderia com palavras se fazer um povo.

Palavras-chave
Paulo Freire; Palavra; Práxis; Performatividade; Povo

ABSTRACT

This essay sought to problematize the concept of word through the performative interpretation of the concept of praxis in Paulo Freire's works Cultural Action for Freedom, Education, the Practice of Freedom, and Pedagogy of the Oppressed, given the inherent connection between reflection and action in both concepts, according to Freire. By analyzing the aporias arising from a still representationalist understanding of the word and approaching the notion of performativity, as discussed by Jacques Derrida and Judith Butler, it was possible to arrive at an understanding of the power inherent in words to initiate new situations and transform social reality, and through which a people could, with words, make themselves as a people.

Keywords
Paulo Freire; Word; Practice; Performance; People

Introdução

“Não há palavra verdadeira que não seja práxis” (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p. 107). Não é novidade que palavra e práxis são noções imprescindíveis para Paulo Freire pensar a educação como dialogicidade. Por um lado, comparando-a já à práxis, diria ele que a palavra seria constituída por dois elementos essenciais, a saber, ação e reflexão. Isto é, na “palavra verdadeira”, reflexão e ação, teoria e prática, seriam inseparáveis e indicotomizáveis. Mais ainda: não haveria palavra que já não se articulasse nessas duas dimensões, sendo, pois, sua aparente desarticulação um dos efeitos próprios à violência da opressão. Por outro lado, ao problematizar as condições que possibilitariam à palavra a transformação do mundo, ele chamará de “inautêntica” a palavra em que tais elementos já teriam se desarticulado e se dicotomizado. “Palavra oca”, “verbalismo”, “palavreria”, seriam, pois, nomes dados à palavra esvaziada de sua dimensão prática, do compromisso de transformação que a tornaria capaz de denúncia. E, esgotada de sua dimensão reflexiva, não seria a palavra mais do que “ativismo”, cega ao próprio quefazer. Em suma, seja como “palavra oca”, seja como “ativismo” cego, seria inautêntica a palavra quando por meio dela um povo já não pudesse se dizer ou pronunciar o próprio mundo.

Pensar a palavra como práxis, isto é, como a relação entre reflexão e ação, seria pensá-la para além do processo de significação que estruturalmente lhe conferiria sentido. Seria compreendê-la na estreita relação que se estabeleceria entre a forma como interpretamos a realidade e a prática dela decorrente (Rossato, 2010ROSSATO, Ricardo. Práxis. In: REDIN, Euclides; STRECK, Danilo; ZITKOSKI, Jaime José (Org.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010., p. 650). As palavras, pois, ganhariam seu sentido não apenas por sua relação com os conceitos que, subsumindo coisas no mundo, para elas serviriam de significado, mas, sobretudo, pelos próprios rituais sociais em que elas se inscreveriam e que fariam funcionar, conferindo sentido a esse mundo mesmo e nele fixando lugares de fala e de poder.

A palavra seria, então, a base para toda ação libertadora, que, para Freire, teria essencialmente seu lugar no diálogo. E, por essa natureza dialógica da ação libertadora, a palavra não poderia vir antes ou depois da ação (Govender, 2020GOVENDER, Nathisvaran. Alienation, reification and the banking model of education: Paulo Freire’s critical theory of education. Acta Academica, Bloemfontein, n. 52, v. 2, p. 204-222, 2020. Disponível em: http://www.scielo.org.za/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2415-04792020000200011. Acessado em: 10 abr. 2022.
http://www.scielo.org.za/scielo.php?scri...
, p. 220). Não seria, também, antes ou depois da palavra que, de uma sociedade “sem povo” (Freire, 1967FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra Ltda., 1967., p. 35), um povo poderia surgir ou se inventar. Por isso, assim como na práxis, na palavra, ação e reflexão deveriam se dar simultaneamente (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p. 173; Carvalho; Pio, 2017CARVALHO, Sandra Maria Gadelha de; PIO, Paulo Martins. A categoria da práxis em Pedagogia do Oprimido: sentidos e implicações para a educação libertadora. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 98, n. 249, p. 428-445, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbeped/a/zpsDMKRZvTM3BwNSZLb8Cqp/abstract/?lang=pt. Acessado em: 03 abr. 2022.
https://www.scielo.br/j/rbeped/a/zpsDMKR...
, p. 434).

Porém, não obstante a constitutiva concomitância entre a reflexão e a ação, entre a teoria e a prática, com que a palavra é pensada por Freire e intérpretes, a “estreita relação” entre esses elementos essenciais seria ainda marcada por uma aparente dicotomia, que produziria entre elas um hiato, uma cesura que as dividiria em duas instâncias distintas: de um lado, a da interpretação da situação histórica, na forma de diagnóstico ou denúncia, e, de outro, a da ação propriamente transformadora da realidade. A práxis apareceria como uma justaposição de duas esferas: de um lado, na esfera material, teríamos um fazer; e, de outro, na esfera espiritual, um saber reflexivo acerca desse mesmo fazer, isto é, um guia para a ação. Ela seria, assim, compreendida ora como atividade prática, imbuída de conhecimentos, reflexões e questionamentos, com vista a ações transformadoras da realidade (Carvalho; Pio, 2017CARVALHO, Sandra Maria Gadelha de; PIO, Paulo Martins. A categoria da práxis em Pedagogia do Oprimido: sentidos e implicações para a educação libertadora. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 98, n. 249, p. 428-445, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbeped/a/zpsDMKRZvTM3BwNSZLb8Cqp/abstract/?lang=pt. Acessado em: 03 abr. 2022.
https://www.scielo.br/j/rbeped/a/zpsDMKR...
, p. 435), o que manteria a separação justaposta entre as esferas; ora como a ligação entre a explanação teórica da realidade social opressora e o aspecto prático de como a sociedade deveria ser de modo a possibilitar nela a realização de um projeto emancipador (Govender, 2020GOVENDER, Nathisvaran. Alienation, reification and the banking model of education: Paulo Freire’s critical theory of education. Acta Academica, Bloemfontein, n. 52, v. 2, p. 204-222, 2020. Disponível em: http://www.scielo.org.za/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2415-04792020000200011. Acessado em: 10 abr. 2022.
http://www.scielo.org.za/scielo.php?scri...
, p. 217), o que findaria, na palavra, eliminando a esfera material da ação propriamente dita.

A palavra enquanto reflexão, enquanto compreensão da realidade opressora, “exigiria” a transformação desta, tornando-se indissociável da “necessidade” de atuação (Rossato, 2010ROSSATO, Ricardo. Práxis. In: REDIN, Euclides; STRECK, Danilo; ZITKOSKI, Jaime José (Org.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010., p. 650). No entanto, por essa aparente cesura na palavra, então tomada como práxis, seríamos levados a compreender que teoria – conjunto de ideias a partir das quais um dado fenômeno ou momento histórico é interpretado, diagnosticado ou denunciado – e prática – agir produtor e transformador dessa realidade então interpretada – já não poderiam pertencer a uma mesma esfera, sem com isso eliminar a outra, ou mesmo formar entre elas uma dualidade.

Fruto de uma investigação teórica, o presente ensaio1 1 Este artigo é um recorte da tese que o antecede (Silva, 2023). buscou problematizar o conceito de palavra a partir da interpretação performativa do conceito de práxis nas obras Ação cultural para a liberdade (1981), Educação como prática da liberdade (1967) e Pedagogia do oprimido (2011) – textos produzidos na segunda metade da década de 602 2 Os textos então estudados, incluindo-se entre eles Extensão ou comunicação? (1983), foram produzidos a partir das experiências de alfabetização de adultos, vividas em contextos de grandes transformações sociais e políticas, seja em Angicos, no Rio Grande do Norte, ainda em 1963, pela Universidade de Recife, seja, anos depois, no Chile, pelo Instituto de Capacitación e Investigación para la Reforma Agraria (Icira), inicialmente baseadas em sua própria tese de doutorado, mas posteriormente aprofundada, repensada e reescrita, resultando na obra seminal Pedagogia do oprimido (Kohan, 2021, p. 28). – de modo a trazer à luz aporias e, a partir delas, com uma aproximação da noção de performatividade, tal como pensada por Jacques Derrida (2017)DERRIDA, Jacques. Declarações de Independência. Revista da AGU, Brasília, v. 16, n. 02, p. 77-86, 2017. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/Rev-AGU_v.16_n.02.pdf. Acessado em: 13 fev. 2022.
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal...
e Judith Butler (1997BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997.; 2015BUTLER, Judith. Notes toward a performative theory of assembly. Cambridge: Havard University Press, 2015.; 2021)BUTLER, Judith. Laclau, Marx, and the performative power of negation. In: IVEKOVIC, Rada; SARDINHA, Diogo; VERMEREN, Patrice (Org.). Hégémonie, populisme, émancipation: Perspectives sur la philosophie d'Ernesto Laclau (1935-2014). Paris: L´Harmattan, 2021., dar lugar à transformação mesma desses conceitos. Por interpretação performativa, ou ainda por “escritura performativa”, entendemos “uma interpretação que transforma isto mesmo que interpreta” (Derrida, 1994DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx: o Estado da dívida, o trabalho do luto e a nova Internacional. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994., p. 75), possibilitando a dobradura mesma dos quadros conceituais, dando lugar ao deslocamento do próprio pensamento.

Assim, interpretando performativamente o conceito de palavra como práxis, buscamos “estudar”, isto é, “reinventar”, “recriar” ou “reescrever” (Freire, 1981FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981., p. 9) o pensamento freireano, problematizando a relação entre a palavra e os efeitos por ela produzidos, base para a compreensão da ligação entre reflexão e ação, teoria e prática, no processo de reprodução ou transformação de nós mesmos e do mundo inerente, nesse caso, tanto à noção de práxis quanto à de palavra. Nesse sentido, acreditamos que tal ligação – por meio da qual a “palavra verdadeira”, enquanto ato, deveria ser mais do que “ato de conhecimento”, produzindo já efeitos sobre a realidade – não poderia ser assim pensada a partir de uma compreensão representacionista da linguagem: compreensão presente não somente na produção freireana, como em intérpretes (Agostini, 2018AGOSTINI, Nilo. Conscientização e Educação: ação e reflexão que transformam o mundo. Pro-posições, n. 3, v. 29, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pp/a/FnhYy5MG7QRL4z4YCc3FnNq/?lang=pt. Acessado em: 20 abr. 2022.
https://www.scielo.br/j/pp/a/FnhYy5MG7QR...
, p. 189; Carvalho; Pio, 2017CARVALHO, Sandra Maria Gadelha de; PIO, Paulo Martins. A categoria da práxis em Pedagogia do Oprimido: sentidos e implicações para a educação libertadora. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 98, n. 249, p. 428-445, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbeped/a/zpsDMKRZvTM3BwNSZLb8Cqp/abstract/?lang=pt. Acessado em: 03 abr. 2022.
https://www.scielo.br/j/rbeped/a/zpsDMKR...
, p. 435; Rossato, 2010ROSSATO, Ricardo. Práxis. In: REDIN, Euclides; STRECK, Danilo; ZITKOSKI, Jaime José (Org.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010., p. 650; Freire, 1981FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981., p. 20; 1967FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra Ltda., 1967., p. 115; 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p. 121).

Por não se tratar de uma pesquisa exegética, a pretensão desse ensaio não foi a de desvelar ou fixar o sentido único ou “verdadeiro” dos conceitos de práxis e de palavra no pensamento freireano. Também não se tratou de indicar para os textos então estudados a chave ideal de interpretação ou mesmo a condução de leitura mais fiel. O presente ensaio buscou, em articulações do quadro teórico desses textos, a problematização dos conceitos em questão. Ou seja, buscou-se analisar o modo como, da relação com outras noções, eles fixam seus sentidos, ensaiando, a partir de aporias, sua transformação mesma. Assumimos que, ao pôr o pensamento de Freire em contato com filosofias ou tradições para ele ainda estranhas, introduzimos certa tensão em seu quadro teórico. Para nós, porém, somente por tal tensão é que poderíamos levar o pensamento a se deslocar, dando lugar à potência e ao movimento para o que preferimos chamar de uma leitura outra.

“Não há palavra verdadeira que não seja práxis”

De forma sintética, na Pedagogia do Oprimido, assim Paulo Freire estabelece uma concepção de palavra, cujo critério de verdade estaria então ligado à noção de práxis, que lhe serviria de matriz conceitual:

Quando tentamos um adentramento no diálogo, como fenômeno humano, se nos revela algo que já poderemos dizer ser ele mesmo: a palavra. Mas, ao encontrarmos a palavra, na análise do diálogo, como algo mais que um meio para que ele se faça, se nos impõe buscar, também, seus elementos constitutivos. Esta busca nos leva a surpreender, nela, duas dimensões; ação e reflexão, de tal forma solidárias, em uma interação tão radical que, sacrificada, ainda que em parte, uma delas, se ressente, imediatamente, a outra. Não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí, que dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo

(Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p. 107, grifo nosso).

Grosso modo, pensar a palavra como práxis, seguindo Karel Kosik, filósofo lido e citado por Freire, seria pensá-la como reveladora do “[…] segredo do homem como ser ontocriativo” (Kosik, 1995KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995., p. 222). Seria preciso entender a práxis do homem e, pois, também, a palavra, não como atividade prática justaposta ou contraposta à teoria, mas como parte do processo mesmo que definiria a existência humana: constante elaboração da realidade.

É importante notar que seria próprio desse entendimento da práxis certa marca persistente, isto é, reiterada, tanto da Revolução quanto da ruptura radical com a tradição especulativa da filosofia. O conceito de práxis, porém, remonta à filosofia antiga. Advinda do grego comum, “práxis” significava “ação” ou “atividade”, isto é, “tudo o que se faz”. Foi com Aristóteles que ela entrou no quadro conceitual da Filosofia. Para ele, distinta do “produzir”, cuja finalidade não coincidiria com a própria produção, o “agir” – a práxis – teria seu fim em si mesmo. Portanto, ao agir não poderia corresponder ao saber da técnica ou da teoria: posto o primeiro servir à produtos o próprio fim; e o segundo se referir ao invariável, isto é, aos princípios necessários da natureza e do ser enquanto ser. Ao agir, por seu caráter deliberativo e, por isso, variável, não poderia corresponder, senão, a própria sabedoria prática (Aristóteles, 1991ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1991., p. 128). É possí- vel que tenha vindo dessa distinção, que atravessou a obra de Aristó- teles como um todo, a clássica separação entre teoria e prática (Rossato, 2010ROSSATO, Ricardo. Práxis. In: REDIN, Euclides; STRECK, Danilo; ZITKOSKI, Jaime José (Org.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010., p. 652) – já não extensível, no pensamento do estagirita, à relação entre o pensar e o agir3 3 É importante destacar, aqui, que, não obstante houvesse a separação entre a teoria e a práxis, ao pensar esta à luz do movimento que a caracteriza, Aristóteles defenderia, na Metafísica (Metafísica, 9, 6, 1048 b, 20-25), que o pensar, bem como o ver, o ouvir, o viver, por conterem eles mesmos seu próprio fim, como ações perfeitas: “Por exemplo, ao mesmo tempo alguém vê e viu, conhece e conheceu, pensa e pensou, enquanto não pode estar aprendendo e ter aprendido, nem estar se curando e ter-se curado. Alguém vive bem quando já tenha vivido bem, é feliz quando já tenha sido feliz. Se não fosse assim, seria preciso existir um termo final, como ocorre quando alguém emagrece” (Aristóteles, 2005, p. 411). .

Seria apenas com a filosofia crítica, isto é, com Hegel e, posteriormente, com Marx, que o conceito de práxis passaria a denotar a relação inseparável entre o pensar e o agir, a filosofia e a realidade, a teoria – guia da ação, que iluminaria a atividade humana, sobretudo, a atividade revolucionária – e a prática – produção e transformação da realidade humana (Sánchez Vázquez, 2007SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Filosofia da práxis. São Paulo: Expressão Popular, 2007., p. 109). Para Paulo Freire, enquanto seres históricos que pensam e fazem a própria realidade, nos homens – seres do “quefazer” – teoria e prática deveriam ser pensadas numa ligação originária, essencial. Em outras palavras, para o fazer humano, que, diferente dos outros animais, pressuporia um quefazer (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p. 127), seria imprescindível uma teoria para iluminá-lo, servindo-lhe, pois, de fundamento, orientação e guia (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p. 167).

Nesse sentido, a práxis, para ele, deveria ser pensada segundo um duplo registro. De um lado, pela práxis “verdadeira”, “autêntica”, os homens se compreenderiam e se assumiriam como seres ontocriativos em permanente relação com a realidade mesma que criariam, o que despertaria o compromisso com sua própria transformação; e, de outro lado, pela práxis opressora da “elite dominadora”, “práxis invertida”, os homens se pensariam e, sem o saber, produzir-se-iam adaptados a uma realidade que serviria ao dominador, isto é, em que seria negada às massas populares a “práxis verdadeira”, o direito de “admirar” o mundo, questionando-o e o transformando para a sua humanização (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p. 170). Pensando já a palavra como práxis, pois, teríamos respectivamente, no registro da práxis verdadeira, ou seja, na “palavra verdadeira”, a inseparabilidade de pensar-dizer e agir, não havendo assim palavra que já não agisse sobre o mundo; e, no registro da “práxis inautêntica”, ou seja, na “palavra inautêntica”, a desarticulação e dicotomização dessas duas dimensões essenciais à palavra. E, tendo em vista que um povo não poderia se dizer e, pelo próprio dizer-se, produzir-se sem a “verdadeira” palavra, nesse caso, pois, nada mais poderíamos ter senão o paradoxo de uma sociedade “sem povo” (Freire, 1967FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra Ltda., 1967., p. 35).

Esse duplo registro da práxis, portanto, marcaria os dois momentos de uma pedagogia do oprimido: o primeiro, em que, pela práxis “libertadora” ou “revolucionária”, os oprimidos desvelariam a realidade opressora – deles velada pela práxis inautêntica – e se comprometeriam com sua transformação mesma; e o segundo, em que a pedagogia – já não “pedagogia do oprimido”, posto que a realidade opressora já se veria transformada – se faria “pedagogia dos homens em processo de permanente libertação” (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p. 57).

O povo e a palavra

Tendo em vista que, para Freire, o povo seria, ele mesmo, um sujeito (Freire, 1967FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra Ltda., 1967., p. 35), poderíamos iniciar a problematização pela pergunta: haveria sujeito antes da palavra? Respondendo “sim”, talvez revivêssemos a presunção da res cogitans cartesiana, isto é, de uma substância ou de uma essência que precederia a produção subjetiva da própria existência, assumindo que a realidade já estaria dada fora do sujeito e que este não seria mais do que uma coisa entre as coisas. No caso de um povo, seríamos levados a questionar o papel constitutivo do contrato linguístico que ligaria os seus membros e lhes permitiria se reconhecerem mutuamente: seria possível, pois, um povo antes que, por um significante qualquer, seus membros pudessem se declarar a ele pertencentes? E o que mais possibilitaria uma “sociedade sem povo”?

Fora em resposta aos desafios próprios da sociedade brasileira de seu tempo, uma sociedade em trânsito, dividida entre um tempo que em seu passar se esvaziava, muito embora “pretendesse” persistir e se perpetuar, e um tempo ainda por vir, que Paulo Freire lançara mão de um esforço filosófico e pedagógico, então materializado nas obras aqui estudadas, pondo o leitor diante de um dilema, de uma escolha:

Desde logo, qualquer busca de resposta a estes desafios implicaria, necessariamente, numa opção. Opção por esse ontem, que significava uma sociedade sem povo, comandada por uma ‘elite’ superposta a seu mundo, alienada, em que o homem simples, minimizado e sem consciência desta minimização, era mais ‘coisa’ que homem mesmo, ou opção pelo Amanhã. Por uma nova sociedade, que, sendo sujeito de si mesma, tivesse no homem e no povo sujeitos de sua História. Opção por uma sociedade parcialmente independente ou opção por uma sociedade que se ‘descolonizasse’ cada vez mais. Que cada vez mais cortasse as correntes que a faziam e fazem permanecer como objeto de outras, que lhe são sujeitos

(Freire, 1967FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra Ltda., 1967., p. 35, grifo nosso).

Ora, o que, para Freire, faria de uma formação social uma “sociedade sem povo”? Mais ainda: o que seria um povo? O que faria de um conjunto de indivíduos um povo? Grosso modo, para ele, seria a própria atividade inerente a esse conjunto de indivíduos, fazendo dele, pois, um sujeito político e criador da própria realidade social. Em outras palavras, “povo” designaria, enquanto uma subjetividade coletiva, a condição de liberdade e solidariedade em que os homens, por meio do diálogo, encontrar-se-iam para pronunciar a si mesmos e ao próprio mundo (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p. 109).

É claro que, se tivéssemos em vista um discurso ainda marcado por uma pretensão positivista nas ciências sociais ou na antropologia, a relação entre as noções de povo e de sociedade decorreria do modo como, pela objetiva dessas ciências, tais noções enquadrariam o povo como objeto. Nesse sentido, a sociedade enquadraria um grupo humano marcado quase sempre por uma territorialidade, pelo acolhimento ou “recrutamento” de novos indivíduos principalmente pela reprodução sexual de seus membros, por uma relativa autossuficiência de sua organização econômica e institucional, que o faria persistir ao longo das gerações que lhe confeririam uma distintividade cultural, e – por que não? – uma identidade. Nesse sentido, compreenderíamos povo, na medida em que tivéssemos em vista a própria composição populacional de uma sociedade, com a organização que lhe daria forma e regularidade próprias, bem como um sistema simbólico por meio do qual seriam produzidos os conteúdos cognitivos e afetivos de sua vida grupal (Viveiros de Castro, 2002VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac Naify, 2002., p. 298).

Mais do que um aspecto num enquadramento sociológico, povo, ou, pelo menos, a palavra “povo”, nas línguas europeias modernas4 4 Povo: em italiano popolo, em francês peuple, em inglês people, todos advindos do termo latino tardio populus. , seria marcada por uma curiosa ambiguidade que, historicamente, comportaria a contradição mesma inerente às diversas desigualdades sociais da modernidade ocidental. Ora, a mesma palavra designaria, tanto na língua comum quanto no léxico político, por um lado, o conjunto dos cidadãos como corpo político unitário – haja vista o sentido de expressões como “povo brasileiro”, “povo italiano”, “jure popular”, “the good people” –; e, por outro, aqueles que, nesse mesmo corpo político, pertenceriam às classes inferiores ou seriam dele parcial ou totalmente excluídos – sentido presente em expressões como “homem do povo”, “rione popolare”, “front populaire”. “Ou seja, um mesmo termo nomeia tanto o sujeito político constitutivo como a classe que, de fato, se não de direito, está excluída da política” (Agamben, 2015AGAMBEN, Giorgio. Meios sem fim: notas sobre a política. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015., p. 24).

Em outras palavras, é como se, por força de uma realidade opressora, o que chamamos “povo” sofresse uma cisão, uma fratura, um esquizo, que o dividiria entre dois polos opostos: por um lado teríamos o povo como corpo político integral, como uma totalidade – isto é, como uma inclusão que se pretenderia plena, sem resíduos –; e, por outro, o subconjunto fragmentário de necessitados e excluídos, dos miseráveis, “condenados da terra”, que não seria senão sua própria parte excluída, o excedente interno que deveria ficar fora do conjunto, pondo, assim, em jogo a presumida universalidade da noção de povo como totalidade. Ou seja, “[…] [a]o fazer-se opressora, a realidade implica na existência dos que oprimem e dos que são oprimidos” (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p. 51), inscrevendo sob o significante “povo”, ao mesmo tempo, a rachadura que o impediria de coincidir consigo mesmo e o destino revolucionário próprio de sua parte excluída.

Ao falar em “sociedade sem povo”, para problematizar o dilema ou escolha diante da qual se colocaria qualquer esforço de pensamento pedagógico em tempos de transição numa sociedade “intensamente cambiante e dramaticamente contraditória”, que viveria um estado de “pororoca histórico-cultural”, como seria o caso da sociedade brasileira, Freire resgatara a noção de “sociedades fechadas”. Caberia, de qualquer modo, observar de passagem que, muito embora fosse recorrente na produção de pensadores como Álvaro Vieira Pinto e Franz Fanon, tal noção, por estar ainda ligada à defesa da democracia liberal, poderia, no quadro do pensamento freireano, gerar também aporias e contradições5 5 Assim como Freire, inspirado em Immanuel Kant, Karl Popper tinha em mente o estado de transição das sociedades ocidentais em direção à plena emancipação, bem como o constante risco de retrocesso e a necessidade de vigilância e crítica para evitá-lo. Talvez, de modo mais significativo, o que tenha levado Freire a adotar a distinção entre sociedades fechadas e abertas seja a oposição nela aparente entre, de um lado, sociedades escravistas – forte traço do Brasil colônia – e, de outro, sociedades democráticas. No entanto, ao pensar nas “sociedades fechadas”, Popper resgatava a metáfora comteana da “infância da humanidade”, daí também chamá-las de “sociedades tribais” ou mesmo “sociedades primitivas”. Para o filósofo austro-britânico, porém, “[…] [u]ma sociedade fechada se assemelhava a uma horda ou tribo por ser uma unidade semi-orgânica cujos membros são mantidos juntos por laços semi-orgânicos – parentesco, coabitação, participação nos esforços comuns, nas alegrias e aflições comuns” (Popper, 1987, p. 189). As sociedades abertas, por outro lado, por seu caráter mesmo “abstrato e despersonalizado”, teria num “novo individualismo” e na liberdade de concorrência seus elementos fundamentais (Popper, 1987, p. 190). Entretanto, seria no risco de retrocesso mesmo que a problemática contradição entre Popper e Freire se tornaria mais aparente. Para aquele, uma das grandes ameaças que, em nossos dias levaria ao retorno e fechamento das sociedades, dando lugar ao totalitarismo, seria o que chamara de “doutrina do povo escolhido” – pensamento disseminado pela “atitude historicista” (Popper, 1987, p. 23), a que, claro, identificara o marxismo e a ideia de que pesaria sobre o proletariado o destino de toda a humanidade. Não seria esse, para Freire, também, o papel do oprimido em relação à realidade opressora, isto é, de libertar opressores e oprimidos (Freire, 2011, p. 73)? .

No que concerne ao ensaio Educação como prática da liberdade (1967), por “sociedade fechada” seria preciso ter em mente a sociedade brasileira no período colonial; e por “sociedade aberta”, uma sociedade livre e democrática ainda por vir, no Brasil de então (marcado pela ditadura militar), ainda não plenamente realizada. E ao situar o contexto desse esforço – de que resultaria o referido ensaio – como um tempo de trânsito e de escolha de uma sociedade em “partejamento”, Freire repetiria o gesto kantiano de 1783, de “saída da menoridade” e de anúncio de uma sociedade iluminada pela razão e fundada na autonomia, de uma sociedade plenamente emancipada.

Nesse sentido, tratar-se-ia, claro, do partejamento de um futuro, de um “Amanhã”. Mas se trataria também e, sobretudo, do partejamento de um povo, cuja possibilidade dependeria desse processo mesmo de transformação da sociedade. Da “consciência intransitiva” à plena “conscientização”, pouco a pouco os homens deveriam superar as condições de seu quase “incompromisso” com a própria existência, as condições de uma “sociedade sem povo”: segundo Freire (1967, p. 58)FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra Ltda., 1967., animalizados, adstritos a um plano de vida mais vegetativa, em que eles seriam mais coisas que pessoas, próprias da “sociedade fechada” em que se encontrava o Brasil colonial. Para ele, fechados dentro de si mesmos e objetificados, pois, os homens já não dialogariam e, assim, pela própria palavra então usurpada, já não poderiam formar comunidade ou fazer de si um povo.

Note-se que, para que a palavra não se esvaziasse, seria preciso compreendê-la já nas relações homens-mundo, isto é, compreendê-la a partir do pensar dos homens já e sempre referido à realidade circundante e de seu atuar sobre ela, de sua práxis (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p. 136). Daí, pois, numa “educação para a liberdade”, a palavra – pelo menos na forma potente da “palavra geradora” ou do “tema gerador” – não separar ou isolar o “homem-sujeito” de sua realidade, ou seja, de uma realidade cuja existência e sentido dependeriam do gesto “ontocriativo” que faria dele “ser-mais”. A palavra, nesse sentido, seria apropriada, criada e recriada de modo a permitir a leitura crítica da realidade objetiva, isto é, sua representação ampliada e desmistificada, tornando possível aos homens se desvelarem em seu processo mesmo de permanente libertação (Agostini, 2018AGOSTINI, Nilo. Conscientização e Educação: ação e reflexão que transformam o mundo. Pro-posições, n. 3, v. 29, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pp/a/FnhYy5MG7QRL4z4YCc3FnNq/?lang=pt. Acessado em: 20 abr. 2022.
https://www.scielo.br/j/pp/a/FnhYy5MG7QR...
, p. 192).

Se, por um lado, já não deveria ser possível, nesse sentido, separar na práxis a “inserção crítica na realidade opressora” da atuação sobre essa mesma realidade (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p. 52); por outro lado, seria possível para a conscientização somente, isto é, para o “reconhecimento verdadeiro” da realidade, produzir a transformação objetiva, material, da realidade por ela desvelada? Ora, o próprio Freire parecia atento às condições materiais de “ruptura nas forças que mantinham a ‘sociedade fechada’ em equilíbrio” (Freire, 1967FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra Ltda., 1967., p. 48) e que dariam lugar à sua gradual abertura e à transitividade da consciência dos homens. Que papel, então, restaria à conscientização em relação à transformação de uma realidade social em trânsito? Pela conscientização, na medida mesma em que os homens desvelassem criticamente a realidade, tomando distância para admirá-la, poderiam se descobrir capazes de agir conscientemente sobre ela e orientar tal ação (Agostini, 2018AGOSTINI, Nilo. Conscientização e Educação: ação e reflexão que transformam o mundo. Pro-posições, n. 3, v. 29, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pp/a/FnhYy5MG7QRL4z4YCc3FnNq/?lang=pt. Acessado em: 20 abr. 2022.
https://www.scielo.br/j/pp/a/FnhYy5MG7QR...
, p. 188). Reflexão e ação, nesse caso, pertenceriam a momentos distintos do processo de transformação da realidade. No entanto, uma vez que se assumisse como essencial ao conceito de práxis, a indissolubilidade mesma da unidade formada por reflexão e ação, já não deveria a própria conscientização se ligar a efeitos de transformação da realidade, eles mesmos produzidos pela palavra? E, no caso de uma sociedade “sem povo”, dada essa unidade mesma de ação e reflexão, de palavra e mundo, não deveria, por meio do uso da própria palavra um povo realmente se fazer? No entanto, seria tal possibilidade pensável, partindo-se de uma concepção da linguagem e da palavra que as encerrasse na esfera espiritual da representação? E, no caso da própria compreensão da realidade opressora, ao se partir de tal compreensão da linguagem, não se estaria reduzindo a opressão – até então, entendida como usurpação da palavra que negaria ao homem sua condição de “ser mais” –, a um problema de representação?

A cesura entre o dizer e o fazer

Na obra de Freire, a noção de práxis, isto é, de “estreita relação” ou de “indissolúvel unidade” entre reflexão e ação, teoria e prática, pensamento e realidade, não se traduziria numa única forma ou tipo de relação. Mais ainda, a própria noção de relação, como tratada por ele ao pensar a “esfera humana”, refletiria também certa complexidade. Diferente dos “puros contatos, típicos da outra esfera animal”, a relação seria um dos principais traços que faria do humano um ser humano, iluminando o vínculo entre homem e mundo, com a historicidade que lhe seria própria. Marcada por conotações de pluralidade, transcendência, criticidade, consequência e temporalidade, tal noção manteria, pois, uma forte ligação com o conceito de práxis. Nesse sentido, o homem, enquanto ser da práxis, seria ele mesmo um ser de relações. Ele não estaria apenas no mundo, mas com o mundo, com os outros (Freire, 1967FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra Ltda., 1967., p. 39). Relação, em outras palavras, seria a abertura mesma do homem para sua própria realidade:

Herdando a experiência adquirida, criando e recriando, integrando-se às condições de seu contexto, respondendo a seus desafios, objetivando-se a si próprio, discernindo, transcendendo, lança-se o homem num domínio que lhe é exclusivo – o da História e o da Cultura

(Freire, 1967FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra Ltda., 1967., p. 41).

Entretanto, para além da complexidade da noção de relação, ao elucidar a práxis em seus termos – e por já não tratar esta nos termos de um único tipo ou forma de relação –, Freire nos faria pender ora para a esfera material da ação, ora para a esfera espiritual da representação. Ao tratar da relação entre os homens e o mundo, por exemplo, aqueles apareceriam como os produtores deste; o que, na relação dialética entre subjetividade e objetividade, estaria expresso na ideia de que, pelo trabalho, o sujeito se objetivaria no mundo (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p. 52) – ideia que tornaria compreensível a possibilidade mesma da alienação material (Sánchez Vázquez, 2007SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Filosofia da práxis. São Paulo: Expressão Popular, 2007., p. 125). Note-se que em ambos os casos, a práxis enquanto relação, ao se traduzir por produção ou trabalho, deixaria encerrado na esfera material da economia o lugar próprio da ação transformadora. Por outro lado, ao tematizar a relação entre reflexão e ação, àquela caberia o papel de iluminação desta, de dar clareza no quefazer da ação transformadora da realidade (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p. 167). Papel análogo ao da teoria em relação à prática, ou seja, de ser guia ou orientadora da prática (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p. 172) – sobretudo da prática revolucionária. Ou ainda, ao problematizar a relação entre pensamento e realidade, o que veríamos ser tratado seria o problema da representação da realidade opressora e do homem como ser da práxis (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p. 52). Formas de relação em que a práxis ora manteria separadas as esferas material e espiritual ora ficaria encerrada nesta última.

Quanto à palavra, isto é, à “palavra verdadeira” enquanto práxis e, portanto, como relação, por “palavramundo” entenderíamos a própria leitura do mundo pela palavra que, embora pudesse preceder a leitura da palavra, não poderia se fazer sem a representação pela fala (Freire, 1989FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortês, 1989., p. 11). Ou ainda, por “palavração”, a relação entre “linguagem-pensamento” e mundo, cujo “ato de conhecimento” levaria ao compromisso de transformação da realidade (Freire, 1981FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981., p. 40). A palavra enquanto ato, pois, até aqui, não traduziria mais que o cogito, a doação de sentido da consciência, um gesto de significação ou um ato de conhecimento, mesmo quando exteriorizado na forma do diálogo.

Essa aparente separação entre as esferas material e espiritual talvez remontasse ao representacionismo, isto é, ao dualismo cartesiano e, com ele, fizesse reviver os fantasmas de um idealismo pré-hegeliano. E, no caso da relação entre povo e práxis autêntica, tal separação levaria a uma série de problemas. Nesse sentido, pressupor um povo que preexistisse ao compartilhamento de uma língua e de um nome, por meio dos quais seus membros pudessem mutuamente se entender e que os nomeasse em comum, por um significante comum, ao pensá-lo como uma demarcação ou recorte populacional, como objeto, já não seria destituir esse povo de sua condição de “sujeito de si mesmo”? Pressupor, por outro lado, que esse significante comum preexistisse ao povo por ele significado, não seria atribuir à força das próprias representações, o poder de fazer de indivíduos apartados uma subjetividade comum, independente de seus próprios atos e gestos, quase como se um povo deviesse puramente da conversão de seus membros?

É claro, isso nos faria retornar à pergunta de partida: o que faria, de um povo, um povo? E, tendo em vista a unidade da práxis então problematizada, a compreensão do fazer-se de um povo poderia nos levar à questão: mesmo que marcado pela repetição, o fazer-se um povo, enquanto sujeito de si mesmo, não deveria ser compreendido a partir de um ato fundador incessantemente reiterado que fosse ao mesmo tempo significativo e material, isto é, de uma fundação pela palavra, de uma autodeclaração, de uma performatividade?

Práxis, performatividade e agenciamento

Para uma compreensão da palavra que não a reduzisse a “ato de conhecimento”, em que seu sentido não adviesse da esfera espiritual do pensamento apenas, seria preciso partir de uma concepção da linguagem em que as palavras não se encerrassem em seus significados, na denominação de coisas ou objetos. Compreensão para que mesmo um gesto como nomear ou “representar” coisas com palavras não seria senão como um lance de jogo, reiterado no contexto mesmo das formas de vida por nós adotadas ou ensaiadas. Por essa abordagem, poderíamos recolocar o problema da concepção da palavra como práxis, pois, ao liberá-la da esfera exclusiva da representação, de sua função referencial, possibilitaríamos pensá-la a partir dos efeitos que produz na realidade social, pensá-la como gesto, ato.

Tal abordagem requereria que se entendesse como as palavras, enquanto atos – para além de “atos de conhecimento” –, poderiam produzir efeitos objetivos, materiais, na realidade humana, isto é, sob a perspectiva da práxis autêntica; que se as pensasse já como meios de objetivação da subjetividade (Sánchez Vázquez, 2007SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Filosofia da práxis. São Paulo: Expressão Popular, 2007., p. 125). Afinal, não seria através delas que, para Freire, os homens se fariam presentes como seres sociais num mundo constituído socialmente, isto é, que, na condição mesma de uma necessidade da qual eles não poderiam se esquivar, produziriam a si mesmos enquanto sujeitos e se fariam humanos? Portanto, se houvesse relação entre as palavras e a opressão, seria precisamente porque elas, por força de seus usos no contexto de uma “práxis inautêntica”, fariam mais do que dar sentido ao mundo social: a linguagem age e pode agir contra nós; por ela nos humanizamos e por ela também nos assujeitamos.

Talvez, assim, também pudéssemos dar um sentido outro ao que Freire (1983)FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983., em Extensão ou comunicação?, ao problematizar os efeitos reais que acompanhariam as conotações do termo “extensão”, chamara de “força operacional dos conceitos”:

É esta força operacional dos conceitos que pode explicar que alguns extensionistas, ainda quando definam a extensão como um quefazer educativo, não se encontrem em contradição ao afirmar: ‘persuadir as populações rurais a aceitar nossa propaganda’

(Freire, 1983FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983., p. 13).

Não se trataria, pois, somente daquilo que ele seria levado a fazer ou a legitimar por certo modo de pensar, mas do efeito mesmo produzido no próprio campo de relações que, pela repetição do gesto de “invasão cultural”, performativamente reiteraria as posições entre “extensionista” e “camponeses” e impossibilitaria a “comunicação”.

Ora, por performatividade entendemos aquela propriedade inerente aos proferimentos verbais, por meio da qual, no momento mesmo e em decorrência de sua realização, algo poderia ser levado a acontecer ou algum fenômeno a existir. Em outras palavras, segundo a teoria de John L. Austin, o proferimento, enquanto ato, compreenderia três aspectos distintos: como ato locucionário, ele produziria um significado, um “ato de conhecimento”; como ato ilocucionário, poderia fazer ser ou existir aquilo mesmo então por ele proferido – como uma promessa por meio do ato de prometer, o status de inocente por meio do pronunciamento de um/a juiz/a, ou ainda uma guerra por meio da declaração do/a presidente/a de uma nação –; e, como ato perlocucionário, levar um conjunto de efeitos a acontecer como consequência da realização do proferimento (Austin, 1990, p. 103). Este último, é importante notar, ligaria por relação de causação ao fato do proferimento uma série de acontecimentos heterogêneos. Seria preciso também notar que, para sua realização – isto é, nos termos de Austin, para que as ilocuções fossem felizes –, seriam necessárias certas condições especiais relacionadas à ocasião de emissão do proferimento: quem profere, onde, quando, segundo que procedimento, com quem ou para quem etc. Dessas circunstâncias, então ligadas a rituais sociais e a convenções que permeariam o tecido social, adviria a própria força desses atos (Austin, 1990, p. 99).

A teoria da performatividade, ou ainda, dos atos de fala, que teria nascido sob o horizonte teórico da concepção de Ludwig Wittgenstein dos jogos de linguagem, ao longo dos anos, sofrera diversas revisões e alterações, passando por pensadores como John Searle, Pierre Bourdieu, Jürgen Habermas, Jacques Derrida, Judith Butler, entre outros. A nós, interessa o entendimento dela advindo dessa qualidade da linguagem de ser, na singularidade mesma de seu uso, ao mesmo tempo significativa e prática, isto é, a compreensão do poder que teria a própria palavra de encetar novas situações, de pôr em movimento um conjunto de efeitos ou ainda de transformar aquilo mesmo que se deixaria cair em sua rede significativa.

O registro civil ou o batismo, assim como o “chamar” de nomes, ferir com as palavras, o gesto de humilhar, de submeter, de diminuir, de racializar por proferimentos, ou ainda, de “vandalizar”, “judiar” ou “denegrir”, enquanto atos significativos que produziriam efeitos reais, por exemplo, poderiam ser compreendidos a partir da noção de performatividade. Sob essa perspectiva, os sujeitos se formariam performativamente, através de uma série de práticas socialmente sedimentadas. Compreenderíamos não somente os efeitos do processo de interpelação dos corpos pelo nome próprio, pela nacionalidade, pelo gênero etc. – que os inscreveria na ordem social, sob normatividades que lhes ditariam comportamentos e governariam seus gestos –, mas a própria vulnerabilidade ante a força de proferimentos da ordem da injúria, da ofensa ou da desqualificação social. Isto é, poderíamos desvelar “como é que sujeitos seriam gradualmente, progressivamente, realmente e materialmente constituídos através de uma multiplicidade de organismos, forças, energias, desejos, pensamentos etc.” (Butler, 1997BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997., p. 79).

Da mesma forma, porém, que tal noção nos ofereça um modo de compreender o processo de produção do sujeito por si mesmo – base da compreensão do ser humano como ser da práxis –, também poderia nos levar a reanimar certa fantasia de soberania ligada à própria noção de ato de fala, relacionado talvez ao modo como teríamos aprendido a conceber a relação entre o agenciamento e o sujeito do poder6 6 Segundo Butler, a idealização do ato de fala como ação soberana apareceria ligada à idealização do poder soberano do Estado ou, em lugar disso, à imaginada e vigorosa voz do poder. Tal ocorreria como se, nos atos de fala, o poder próprio do Estado pudesse ser expropriado e delegado aos/às cidadãos/ãs, fazendo-o reemergir como o instrumento neutro de que buscaríamos proteção contra outros/as cidadãos/ãs (Butler, 1997, p. 82). . Isso, claro, suscitaria uma série de problemas: poderiam as palavras nos afetar, nos atingir, nos ferir ou nos sujeitar ou ainda por elas – senão mesmo por sua aparente perda – poderíamos ser oprimidos ou desumanizados, se nós mesmos não fôssemos, de certo modo, seres linguísticos, isto é, seres que requereriam a linguagem de modo a ser? Não seria, pois, nossa vulnerabilidade à linguagem uma condição de sermos constituídos em seus termos? E, no entanto, não seria também precisamente isso que significaria sermos um ser da práxis, um ser por essência “ontocriativo”? Se, porém, fôssemos formados na linguagem, esse poder formativo não precederia e condicionaria qualquer decisão que nós poderíamos tomar em relação a ela mesma, isto é, não seria nossa hesitação, nossa suspeita, nossa crítica ou nossa resistência ante nosso próprio enredamento em sua trama já atravessadas por seu predicamento? Já não seríamos em nossos atos e decisões, enquanto sujeitos, desde sempre, capturados pela rede mesma da linguagem que nos produziria enquanto tal? Por outro lado, não faríamos mais uma vez reviver o fantasma do idealismo, ao assumir como absoluto o poder de assujeitamento ou de subjetivação próprio da palavra? Mesmo que o poder das palavras de assujeitar precedesse aqueles que o reproduziriam, ainda assim não seria próprio da noção de sujeito que eles aparecessem como os detentores por excelência desse mesmo poder? Se o gênero, a “raça” ou mesmo a opressão fossem ritualisticamente repetidos – reiteração de que adviria sua própria força ilocucionária e a sedimentação de seus efeitos performativos –, não adviria dessa repetição mesma o risco do erro, do desvio, do impredicável ou do imprevisto (Butler, 1997BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997., p. 49)? E não seria por essa reiteração mesma da produção dos sujeitos pelas palavras que a práxis, pela própria contingência de seus descaminhos, isto é, dos erros, dos desvios, dos impredicáveis ou dos imprevistos, dando lugar ao negativo, exigiria a invenção7 7 “Uma invenção sempre pressupõe alguma ilegalidade, o quebrar de um contrato implícito; ela insere uma desordem na ordem pacífica das coisas, ela negligencia as propriedades. [...] ela vai e frustra expectativas” (Derrida, 2007, p. 1). Do latim, in venire, isto é, aquilo que vem ao encontro, o porvir cuja vinda permanece para nós sempre imprevista, inantecipável, a invenção de um povo e de nós mesmos seria, a ela mesma, o encontro inantecipável do outro, que só seria possível, com o outro. de nós mesmos por nós mesmos como sujeitos e como povo para, no próprio desencontro da trama das palavras, dar lugar à possibilidade mesma do encontro e do diálogo? Mais ainda: não marcaria esse risco mesmo a qualidade da negatividade própria ao ininterrupto movimento da matéria para o pensamento dialético, de que adviria a possibilidade do novo?

Só uma concepção da matéria que na própria matéria descubra a negatividade, e, por conseguinte, a capacidade de produzir novas qualidades e graus de evolução superiores, proporciona a possibilidade de explicar materialisticamente o nôvo como uma qualidade do mundo material

(Kosik, 1995KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995., p. 35).

Povo e performatividade

“Patrão. Sim, patrão. Que posso fazer se sou um camponês. Fale, que nós seguimos. Se o patrão disse, é verdade. Sabe com quem está falando?” (Freire, 1981FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981., p. 20). Com a menção de tais expressões, Freire visava à problematização da palavra geradora “asentamiento”, trabalhada nos Círculos de Cultura, por ele organizados na década de 60, no Chile, em ocasião de seu trabalho com as comunidades camponesas, no tempo em que passou na coordenação do projeto extensionista do Instituto de Capacitación e Investigación para la Reforma Agraria (Incira). Era um período de fortes tensões políticas em decorrência da reforma agrária recém-promulgada, no governo de Eduardo Frei Montalva. A compreensão das expressões exemplificadas, por revelar de forma truncada situações de resignação, de silenciamento, de prostração moral, requeriam já, claro, que se as pensasse nos termos da noção de práxis, a partir da compreensão dos rituais sociais em que as maneiras do falar e do fazer se expressariam – mais ainda, das maneiras em que o falar já seria performativamente o próprio fazer. As palavras do exemplo, Freire prossegue, seriam “[…] incompatíveis com a estrutura do ‘asentamiento’, enquanto esta é uma estrutura que se democratiza” (Freire, 1981FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981., p. 20).

Para Freire, pois, o “asentamiento” refletia uma realidade outra daquela do “latifúndio”, ainda fortemente arraigada no espírito dos camponeses. Seria, pois, necessário um esforço sério no sentido do desenvolvimento da expressividade dos camponeses que se iriam inserindo criticamente nessa nova realidade. Um esforço de “[…] [i]nserção crítica por meio da qual iriam ganhando mais rapidamente a clara compreensão de que à nova estrutura do ‘asentamiento’ corresponde um novo pensamento-linguagem” (Freire, 1981FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981., p. 25). Daí, sua ênfase na incompatibilidade das expressões.

Era uma reforma e, assim também, parte do movimento de abertura de uma sociedade em trânsito. Como uma “rachadura”, seria o rompimento com a “estrutura do latifúndio”, eco do sistema colonial escravocrata, eco das formas de vida nascidas de uma “sociedade sem povo”. Pensar que a “ação transformadora” poderia advir apenas da lei, para Freire, seria reduzi-la a um ato mecânico por meio do qual os ecos da colônia, sem resistência – resistência, algumas vezes, expressa pelos próprios camponeses8 8 “Esta mesma resistência a aceitar o real – uma forma de defesa – tenho encontrado também entre trabalhadores camponeses e trabalhadores urbanos na América Latina. Não têm sido raros no Chile os que, ao lado dos muitos que vão decifrando sua realidade em termos críticos, expressam, no debate em torno de sua nova experiência no ‘asentamiento’, uma certa nostalgia do antigo patrão” (Freire, 1981, p. 19). –, cessariam e cederiam seu lugar às formas de vida do “asentamiento”, “como quando alguém, mecanicamente, substitui uma cadeira por outra, ou a desloca de um lugar a outro” (Freire, 1981FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981., p. 26). Seria, em outras palavras, como criar um povo livre, “sujeito de si mesmo”, apenas com a força de um decreto.

Entretanto, ainda assim, poderia um povo livre nascer por força de uma lei?

Tendo já em mente as “sociedades abertas”, poderíamos antever a reversibilidade inerente à pergunta: poderia uma lei ter força sem a assinatura de um povo? No caso das cartas de independência e das leis constitucionais9 9 No caso, por exemplo, da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada ainda em 1789 pela Assembleia Nacional Constituinte, no correr da Revolução Francesa, no lugar de sua assinatura, a Declaração é dedicada a seus próprios signatários, aos “representantes do povo francês”, de quem adviria a “vontade geral” de que a própria lei seria uma expressão e o povo um efeito. Ou ainda, no caso da carta constitucional dos Estados Unidos da América, aprovada pela Convenção Constitucional de Filadélfia, em 1787, cujo texto se iniciava com as palavras “Nós o povo dos Estados Unidos […] ordenamos e estabelecemos esta constituição”. , isto é, das leis que constituiriam uma nação e, através dela, um povo – mesmo se essa unidade resultasse do violento apagamento ou da dizimação de uma multiplicidade de povos –, essa possibilidade de reversão, por si só, colocar-nos-ia diante da situação indecidível em que o mesmo povo constituinte seria, ele mesmo, por seu gesto, constituído. Do ponto de vista performativo, tratar-se-ia da indecidibilidade entre um ato locucionário – “ato de conhecimento” de um povo “sujeito de si mesmo” como condição necessária – e um ato ilocucionário – performatividade cuja força possibilitaria a existência mesma desse povo (Derrida, 2007DERRIDA, Jacques. Psyché: inventions of the other. California: Stanford University Press, 2007., p. 81). Atos performativos de um povo, cuja existência só seria possível através do ato desse mesmo povo: problema da precedência entre o povo constituinte e o povo constituído, entre a assinatura e o signatário. Nesse sentido, Jacques Derrida observava:

Mas este povo não existe. Ele não existe como um ‘ente’, ele não existe antes dessa declaração, não como tal. Ele ela dá a luz a si mesmo, como livre e independente, com signatários possíveis, isso pode ser assegurado apenas no ato de assinatura. A assinatura inventa o signatário. Este signatário apenas pode autorizar sua assinatura, ele ou ela, uma vez que tenha chegado ao final, se alguém pode dizer isso de sua própria assinatura, em um tipo de retroatividade fabulosa. Aquela primeira assinatura autoriza ele ou ela a assinar. Isto acontece todos os dias. Mas isso é extraordinário (fabuloso)

(Derrida, 2007DERRIDA, Jacques. Psyché: inventions of the other. California: Stanford University Press, 2007., p. 81).

Ora, se, à luz da práxis, um povo livre, “sujeito de si mesmo”, seria precisamente aquele cujo próprio ser dependeria da mediação pela própria palavra transformadora, não deveria ele ser capaz de se antecipar à própria existência de modo a poder garanti-la? Retroatividade inventora que, junto com o povo, inventaria também seu passado, sua memória e suas utopias; e, em cada um de nós, a partilha, a pertença e a identidade. E não conjurariam as constituições democráticas ocidentais, desde então, os ecos, isto é, os fantasmas desses gestos de autodeclaração, a reiteração do mesmo gesto de um povo que se constituiria pela declaração da própria lei para dar a si materialidade e existência jurídica? Gesto, ele mesmo, violento e “extraordinário (fabuloso)”. E, para Freire, no caso de uma sociedade em trânsito, de uma sociedade nascida da violência colonial, não carregaria seu processo mesmo de abertura a marca desse gesto no progressivo reconhecimento de um povo como uma subjetividade política?

Nesse descompasso entre a lei e o povo, chamaria a atenção, aqui, o paradoxo por ele evocado de uma “sociedade sem povo”. Para ele, só a descolonização, pela conscientização, seria capaz de fundar uma “sociedade sujeito de si mesma” (Freire, 1967FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra Ltda., 1967., p. 35). De um lado, a adição quase pleonástica e, por isso, excessiva do “de si mesma” para caracterizar a “sociedade sujeito” – pleonasmo na medida em que ele pensaria o sujeito a partir do quadro teórico da fenomenologia, segundo o qual a consciência de si seria a própria essência da subjetividade – talvez indicasse que Freire não estaria alheio à ambiguidade da palavra “sujeito”. Assim, virtualmente, uma “sociedade sujeito” poderia remeter tanto à ideia de comunidade, de um mundo comum partilhado e constituído intersubjetivamente como lugar do diálogo e do encontro entre sujeitos; bem como poderia remeter à ideia de uma sociedade sujeitada, “fechada”, cuja fundação se daria por uma violência inaugural, pelo assujeitamento e domesticação de seus componentes. De outro lado, ao apresentar, como condição de nascimento da sociedade brasileira, o paradoxo de uma sociedade sem povo, ele, assim, deixaria entrever que o Brasil – e, talvez, também o Chile –, não obstante a Independência ou a Proclamação da República, na condição de países subdesenvolvidos, nunca teria deixado realmente de ser uma colônia – o que daria à realidade social brasileira a própria marca da opressão.

Isso, claro, remeter-nos-ia à já vista ambiguidade inerente à palavra povo. Se a parte excluída, a marginalidade, não adviesse de uma escolha por parte do humano, não seria senão por força de expulsão: porque, pelo reiterado movimento de autodeclaração de um povo ou de seus representantes, isto é, pelo processo mesmo de reunião de diferenças em torno de um ou mais significantes comuns, dada a desconformidade em relação às normatividades hegemônicas ou dominantes, diferenças excedentes de toda ordem – de “raça”, de gênero, de sexualidade, de origem, de situação econômica etc. –, os chamados marginais teriam sido e continuariam sendo expulsos dessa totalidade mesma, na reiteração mesma do ato de formação desse povo. E, por essa violência, eles não se achariam “fora de”, mas dentro de sua realidade social, como parte excedente, como grupos ou classes dominadas, em relação de dependência com uma classe dominante (Freire, 1981FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981., p. 39).

Ora, nesse sentido é que o povo poderia ser pensado, não como um objeto, não como uma dada população ou seu recorte “de fora”, mas como uma demarcação estabelecida implícita ou explicitamente desde “dentro”. Quando uma coletividade orquestrada, portanto, chamasse a si mesma de um “povo”, só poderia o fazer por meio de um discurso que partisse de presunções acerca de quem a ele pertenceria ou poderia nele ser incluído e de quem deveria ser excluído. Tratar-se-ia, pois, de um ato que permaneceria sempre hesitante entre a constatação – constativo ou “ato de conhecimento” que “desvelaria” a realidade mesma dessa coletividade como precedente ao ato, cujo reconhecimento mútuo requereria a assunção de critérios de inclusão de que, não obstante, adviriam os próprios efeitos de exclusão – e a performatividade – ilocução, atestação ou declaração que inventaria o próprio povo que se almejaria reconhecer. Por se tratar de um ato de demarcação advindo de uma coletividade com vistas a se reconhecer como uma subjetividade comum, como um “nós”, apareceria igualmente como problema a questão: a quem caberia atestar retroativamente, em nome do povo a que pertenceria, a sua existência mesma enquanto povo ou ainda assinar a declaração que o instituiria ou a lei que o emanciparia? Problema de incerteza e de hesitação entre cada “eu” implicado e o “nós” por eles formado. Incerteza também da força ilocucionária do ato que determinaria essa demarcação: a atestação que inventaria um povo não seria senão uma aposta (Butler, 2015BUTLER, Judith. Notes toward a performative theory of assembly. Cambridge: Havard University Press, 2015., p. 23), daí o caráter de compromisso, isto é, de promessa, a que Freire frequentemente o associava. Tais hesitações, isto é, a indecidibilidade entre a estrutura constativa e a performativa, entre o “eu” e o “nós”, é importante notar, não seria realmente apenas uma obscuridade ou dificuldade de interpretação, ou ainda qualquer problema na esteira de uma “(re)solução”, mas uma necessidade própria ao ato, uma exigência para possibilitar a produção mesma de seus efeitos (Derrida, 2007DERRIDA, Jacques. Psyché: inventions of the other. California: Stanford University Press, 2007., p. 81).

Por isso, o termo “oprimido” não poderia corresponder a uma essência, a uma realidade sociológica pré-constituída ou a um conjunto de características objetivas constatáveis nos corpos ou no comportamento daqueles que poderiam se reunir em torno desse significante. Ele mesmo se fixaria como uma demarcação que, retroativamente, teria o poder de reunir, por força do reconhecimento da opressão, na sociedade sua parte excluída. E, por se tratar de um termo que constativamente expressaria o processo mesmo de desumanização que atravessaria a ordem social, tal como ocorreria com o termo “proletariado” na filosofia de Marx, o “oprimido” carregaria a marca da dissolução dessa ordem mesma e a promessa fantasmática de inclusão absoluta, de unidade plena inerente à ideia de povo como “sujeito de si mesmo”. Daí seu papel libertador: “[…] somente os oprimidos, libertando-se, podem libertar os opressores” (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p. 60). Daí também, a necessidade de a educação libertadora ser pensada como revolução permanente, como tarefa infinita. Assim, marcado pela hesitação entre o constativo e o performativo, entre o “eu” e o “nós”, o ato que atestaria e demarcaria o “oprimido” não poderia ser uma performatividade qualquer, mas um ato que só produziria seus efeitos por meio da conscientização dos “oprimidos”; ou ainda, seria ele a própria realização linguística dessa consciência (Butler, 2015BUTLER, Judith. Notes toward a performative theory of assembly. Cambridge: Havard University Press, 2015., p. 23), trazendo ao mundo um “homem novo” nascido do “parto” da libertação: “[…] não mais opressor; não mais oprimido, mas homem libertando-se” (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p. 48).

Considerações finais

Ao pensar a palavra como práxis, Paulo Freire não só teria aberto todo um campo de possibilidades para se pensar a relação entre diálogo e mundo, educação e realidade, bem como entre o homem, ser da práxis, e a potencialidade de transformação pela palavra; como teria, igualmente, tornado aparente toda uma série de problemas e aporias, decorrentes dessa ligação entre os conceitos em questão. Para tratar a palavra como a unidade de reflexão e ação, ele teria partido de uma concepção de linguagem que parecia ainda carregar a marca do representacionismo moderno, pré-hegeliano, dando com isso lugar a uma cesura que encerraria a palavra enquanto “ato de conhecimento” na esfera espiritual da representação.

Uma compreensão da palavra, portanto, que não a reduzisse a ato de conhecimento, restrita à esfera espiritual do pensamento apenas, requeria uma concepção de linguagem segundo a qual às palavras não coubesse apenas a denominação de coisas ou objetos, ou a expressão de conceitos e quefazeres. Seria preciso entender a palavra sem separá-la dos efeitos inerentes a seu proferimento. Por isso, para possibilitar sua compreensão já liberada dessa esfera exclusiva da representação, para além de sua função referencial, permitindo pensá-la a partir dos efeitos que produz na realidade social, aproximamos sua compreensão daquela da noção de performatividade. Tratou-se, pois, de compreender a palavra, enquanto práxis, a partir dessa qualidade própria à linguagem de ser, na singularidade mesma do gesto por meio do qual ela se materializa, ao mesmo tempo significativa e prática. Tratou-se, pois, de lançar luz sobre o poder que teria a própria palavra de encetar novas situações, isto é, de transformar aquilo mesmo que se deixaria cair em sua rede significativa.

Não obstante a tensão e o deslocamento possibilitados pela introdução da noção de performatividade no quadro teórico do pensamento freireano, dada a significativa distância entre as tradições filosóficas que lhes deram origem, por ela esperamos ter possibilitado a recolocação de questões caras a este e ter lançado luz sobre algumas aporias em que se radica a própria relação entre a palavra e a transformação mesma da realidade, sobretudo no que concerne à relação entre um povo e a palavra por meio da qual ele se diz e se faz, no contexto de uma sociedade em trânsito.

  • 1
    Este artigo é um recorte da tese que o antecede (Silva, 2023SILVA, Pedro Augusto de Castro Buarque. Outramente Paulo: palavra e representação na teoria de Freire. 2023. 126 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2023.).
  • 2
    Os textos então estudados, incluindo-se entre eles Extensão ou comunicação? (1983), foram produzidos a partir das experiências de alfabetização de adultos, vividas em contextos de grandes transformações sociais e políticas, seja em Angicos, no Rio Grande do Norte, ainda em 1963, pela Universidade de Recife, seja, anos depois, no Chile, pelo Instituto de Capacitación e Investigación para la Reforma Agraria (Icira), inicialmente baseadas em sua própria tese de doutorado, mas posteriormente aprofundada, repensada e reescrita, resultando na obra seminal Pedagogia do oprimido (Kohan, 2021KOHAN, Walter Omar. ¿A favor o contra Paulo Freire? Pensar filosóficamente un legado, entre la descalificación ideológica y la crítica académica. Pedagogía y Saberes, Bogotá, n. 55, p. 25-40, 2021. Disponível em: http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0121-24942021000200025⟨=pt. Acessado em: 10 jun. 2022.
    http://www.scielo.org.co/scielo.php?scri...
    , p. 28).
  • 3
    É importante destacar, aqui, que, não obstante houvesse a separação entre a teoria e a práxis, ao pensar esta à luz do movimento que a caracteriza, Aristóteles defenderia, na Metafísica (Metafísica, 9, 6, 1048 b, 20-25), que o pensar, bem como o ver, o ouvir, o viver, por conterem eles mesmos seu próprio fim, como ações perfeitas: “Por exemplo, ao mesmo tempo alguém vê e viu, conhece e conheceu, pensa e pensou, enquanto não pode estar aprendendo e ter aprendido, nem estar se curando e ter-se curado. Alguém vive bem quando já tenha vivido bem, é feliz quando já tenha sido feliz. Se não fosse assim, seria preciso existir um termo final, como ocorre quando alguém emagrece” (Aristóteles, 2005ARISTÓTELES. Metafísica. Volume 2. São Paulo: Edições Loyola, 2005., p. 411).
  • 4
    Povo: em italiano popolo, em francês peuple, em inglês people, todos advindos do termo latino tardio populus.
  • 5
    Assim como Freire, inspirado em Immanuel Kant, Karl Popper tinha em mente o estado de transição das sociedades ocidentais em direção à plena emancipação, bem como o constante risco de retrocesso e a necessidade de vigilância e crítica para evitá-lo. Talvez, de modo mais significativo, o que tenha levado Freire a adotar a distinção entre sociedades fechadas e abertas seja a oposição nela aparente entre, de um lado, sociedades escravistas – forte traço do Brasil colônia – e, de outro, sociedades democráticas. No entanto, ao pensar nas “sociedades fechadas”, Popper resgatava a metáfora comteana da “infância da humanidade”, daí também chamá-las de “sociedades tribais” ou mesmo “sociedades primitivas”. Para o filósofo austro-britânico, porém, “[…] [u]ma sociedade fechada se assemelhava a uma horda ou tribo por ser uma unidade semi-orgânica cujos membros são mantidos juntos por laços semi-orgânicos – parentesco, coabitação, participação nos esforços comuns, nas alegrias e aflições comuns” (Popper, 1987POPPER, Karl R. A sociedade aberta e seus inimigos. Volume 1. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1987., p. 189). As sociedades abertas, por outro lado, por seu caráter mesmo “abstrato e despersonalizado”, teria num “novo individualismo” e na liberdade de concorrência seus elementos fundamentais (Popper, 1987POPPER, Karl R. A sociedade aberta e seus inimigos. Volume 1. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1987., p. 190). Entretanto, seria no risco de retrocesso mesmo que a problemática contradição entre Popper e Freire se tornaria mais aparente. Para aquele, uma das grandes ameaças que, em nossos dias levaria ao retorno e fechamento das sociedades, dando lugar ao totalitarismo, seria o que chamara de “doutrina do povo escolhido” – pensamento disseminado pela “atitude historicista” (Popper, 1987POPPER, Karl R. A sociedade aberta e seus inimigos. Volume 1. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1987., p. 23), a que, claro, identificara o marxismo e a ideia de que pesaria sobre o proletariado o destino de toda a humanidade. Não seria esse, para Freire, também, o papel do oprimido em relação à realidade opressora, isto é, de libertar opressores e oprimidos (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p. 73)?
  • 6
    Segundo Butler, a idealização do ato de fala como ação soberana apareceria ligada à idealização do poder soberano do Estado ou, em lugar disso, à imaginada e vigorosa voz do poder. Tal ocorreria como se, nos atos de fala, o poder próprio do Estado pudesse ser expropriado e delegado aos/às cidadãos/ãs, fazendo-o reemergir como o instrumento neutro de que buscaríamos proteção contra outros/as cidadãos/ãs (Butler, 1997BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997., p. 82).
  • 7
    “Uma invenção sempre pressupõe alguma ilegalidade, o quebrar de um contrato implícito; ela insere uma desordem na ordem pacífica das coisas, ela negligencia as propriedades. [...] ela vai e frustra expectativas” (Derrida, 2007DERRIDA, Jacques. Psyché: inventions of the other. California: Stanford University Press, 2007., p. 1). Do latim, in venire, isto é, aquilo que vem ao encontro, o porvir cuja vinda permanece para nós sempre imprevista, inantecipável, a invenção de um povo e de nós mesmos seria, a ela mesma, o encontro inantecipável do outro, que só seria possível, com o outro.
  • 8
    “Esta mesma resistência a aceitar o real – uma forma de defesa – tenho encontrado também entre trabalhadores camponeses e trabalhadores urbanos na América Latina. Não têm sido raros no Chile os que, ao lado dos muitos que vão decifrando sua realidade em termos críticos, expressam, no debate em torno de sua nova experiência no ‘asentamiento’, uma certa nostalgia do antigo patrão” (Freire, 1981FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981., p. 19).
  • 9
    No caso, por exemplo, da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada ainda em 1789 pela Assembleia Nacional Constituinte, no correr da Revolução Francesa, no lugar de sua assinatura, a Declaração é dedicada a seus próprios signatários, aos “representantes do povo francês”, de quem adviria a “vontade geral” de que a própria lei seria uma expressão e o povo um efeito. Ou ainda, no caso da carta constitucional dos Estados Unidos da América, aprovada pela Convenção Constitucional de Filadélfia, em 1787, cujo texto se iniciava com as palavras “Nós o povo dos Estados Unidos […] ordenamos e estabelecemos esta constituição”.

Disponibilidade dos dados da pesquisa:

O conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo está publicado no próprio artigo.

Referências

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Editado por

Editora responsável: Lodenir Karnopp

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2023
  • Aceito
    09 Dez 2023
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