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Educação Física Cultural e as Práticas de Governamento e Controle

RESUMO

A pesquisa em tela investigou as práticas escolares de governamento e controle dos corpos, considerando as potencialidades do que se convencionou chamar de currículo cultural da Educação Física. A metodologia inspirada nos conceitos de experimentação alinha-se à(s) filosofia(s) da diferença para produzir relatos de experiências com a proposta em escolas de Ensino Fundamental. A análise dos dados produzidos indica que as experiências com a perspectiva cultural da Educação Física não eliminam práticas de governamento, regulação e controle dos corpos, no entanto, promovem outras estratégias, potencialmente, menos autoritárias, burocráticas e coercitivas, bem como apostam nas abordagens éticas do que em estratégias de controle moralizantes.

Palavras-chave
Educação Física; Filosofia da Diferença; Currículo

ABSTRACT

This research investigated the school practices of governance and control of the bodies, considering the potentialities of what is called the cultural curriculum of Physical Education. The methodology, inspired by the concepts of experimentation, is aligned with the philosophy(s) of difference to produce reports of experiences with the proposal in elementary schools. The analysis of the data produced indicates that the experiences with the cultural perspective of Physical Education do not eliminate practices of governance, regulation and control of the bodies, however, they promote other strategies, potentially, less authoritarian, bureaucratic and coercive, as well as bet on ethical approaches than in moralizing control strategies.

Keywords
Physical Education; Philosophy of Difference; Curriculum

Introdução

Significada como um dos componentes responsáveis pelo trato pedagógico com o corpo e as práticas corporais, a Educação Física, historicamente, assumiu diferentes perspectivas e funções sociais, constituídas por diferentes concepções curriculares que reverberam variadas visões sobre conhecimento (objetos), objetivos educacionais, princípios pedagógicos, orientações didático-metodológicas, critérios de avaliação, bem como outros inúmeros microdispositivos como a organização das aulas em estafetas ou filas, sobrevalorização do desempenho individual nas atividades propostas, inclusão ou exclusão de estudantes com deficiência, reconhecimento de práticas corporais não hegemônicas, entre outras.

Para além dos benefícios biopsicobiológicos indicados por meio dos esportes, danças, lutas, ginásticas, brincadeiras e demais práticas corporais, uma perspectiva denominada cultural, destaca especialmente o valor educacional do trato pedagógico de uma parte da cultura geral chamada de cultura corporal.

As teorias curriculares denominadas por Silva (2011)SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. de pós-críticas apresentam, nessa denominação, vagueza e imprecisão, já que ela tenta dar conta de um conjunto de teorias que problematizam o cenário pós-moderno: cenário de fluidas, irregulares e subjetivas paisagens, sejam elas étnicas, midiáticas, tecnológicas, financeiras ou ideológicas (Appadurai, 20011 1 APPADURAI, Arjun. La modernidad desbordada: dimensiones culturales de la globalización. Buenos Aires: FCE, 2001. apud Lopes, 2013LOPES, Alice Casimiro. Teorias pós-críticas, política e currículo. Educação, sociedade & culturas, Porto, n. 39, p. 7-23, 2013. Disponível em: https://ojs.up.pt/index.php/esc-ciie/article/view/311/291. Acesso em: 13 jan. 2023.
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). Esse conjunto de teorias inclui os estudos pós-estruturais, pós-coloniais, pós-modernos, pós-fundacionais e pós-marxistas (Lopes, 2013LOPES, Alice Casimiro. Teorias pós-críticas, política e currículo. Educação, sociedade & culturas, Porto, n. 39, p. 7-23, 2013. Disponível em: https://ojs.up.pt/index.php/esc-ciie/article/view/311/291. Acesso em: 13 jan. 2023.
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).

A partir principalmente de campos teóricos como estudos culturais, multiculturalismo crítico, pós-modernismo, estudos feministas, pós-colonialismo, pós-estruturalismo, teoria queer, filosofia da diferença, alguns professores, influenciados pela classificação de Silva (2011)SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2011., passaram a produzir uma concepção de Educação Física alternativa aos currículos tradicionais acríticos, ligados ao rendimento físico-esportivo e à promoção da saúde, mas também aos currículos críticos fundamentados no materialismo dialético ou na teoria da ação comunicativa.

A concepção pós-crítica de Educação Física (Neira, 2011NEIRA, Marcos Garcia; NUNES, Mário Luiz Ferrari. Educação Física, Currículo e Cultura. São Paulo: Phorte, 2009.; 2019NEIRA, Marcos Garcia. Educação Física cultural: inspiração e prática pedagógica. Jundiaí: Paco, 2019.; Neira, Nunes, 2006NEIRA, Marcos Garcia; NUNES, Mário Luiz Ferrari. Pedagogia da cultura corporal.São Paulo: Phorte, 2006.; 2009NEIRA, Marcos Garcia; NUNES, Mário Luiz Ferrari. Educação Física, Currículo e Cultura. São Paulo: Phorte, 2009.; 2022NEIRA, Marcos Garcia; NUNES, Mário Luiz Ferrari (Org.) Epistemologia e didática do currículo cultural da Educação Física. São Paulo: FEUSP, 2022. Disponível em: https://www.livrosabertos.sibi.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/book/933. Acesso em: 13 jan. 2023.
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) toma como ponto central a produção das representações e identidades por meio de práticas discursivas referentes a brincadeiras, danças, lutas, esportes, ginásticas e pessoas que com elas se envolvem, considerando que não há uma essência nas coisas, nem uma identidade fixa, uma vez que a definição se transforma conforme o tempo e o lugar, a depender das relações de poder.

Reiteramos: no currículo cultural os estudantes não permanecem naquilo que sabem; não se relativizam os saberes; não se negam conhecimentos científicos, técnicos e escolares, tampouco rejeita-se a sua transmissão. O que se afirma é que o conhecimento não é fruto da relação entre o sujeito cognoscente e o objeto cognoscível. Com Nietzsche e Foucault aprendemos que o conhecimento, a verdade do objeto conhecido é inseparável da singularidade do acontecimento, da contingência, dos jogos de força, das relações de poder, que por meio de mecanismos diversos um determinado conhecimento se estabelece e apaga os embates que o produziram

(Neira; Nunes, 2022NEIRA, Marcos Garcia; NUNES, Mário Luiz Ferrari (Org.) Epistemologia e didática do currículo cultural da Educação Física. São Paulo: FEUSP, 2022. Disponível em: https://www.livrosabertos.sibi.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/book/933. Acesso em: 13 jan. 2023.
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, p. 172).

Destarte, a intenção do presente estudo é, a partir de experiências curriculares desenvolvidas em vista da Educação Física cultural, investigar e deslocar a questão das práticas escolares relacionadas com o governamento, regulação e controle dos corpos.

Apesar de bastante frequente nas discussões e debates pedagógicos (Varela; Alvarez-Uria, 1992VARELA, Julia; ALVAREZ-URIA, Fernando. A maquinaria escolar. Teoria & Educação, São Paulo, n. 6, p. 68-96, 1992.; Chevitarese; Pedro, 1996CHEVITARESE, Leandro; PEDRO, Rosa Maria Leite Ribeiro. Da sociedade disciplinar à sociedade de controle: a questão da liberdade por uma alegoria de Franz Kafka, em o processo, e de Phillip Dick, em Minority Report. Estudos de Sociologia, v. 8, n. 1, 1996. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revsocio/article/download/235443/28432. Acesso em: 13 jan. 2023.
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; Aquino; Ribeiro, 2009AQUINO, Júlio; RIBEIRO, Cintya. Processo de governamentalização e a atualidade educativa: a liberdade como eixo problematizador. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 34, n. 2, p. 58-71, 2009. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/scielo.php?pid=S0100-31432009000200005&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 13 jan. 2023.
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; Veiga-Neto, 2000VEIGA-NETO, Alfredo. Educação e governamentalidade neoliberal: novos dispositivos, novas subjetividades. In: PORTOCARRERO, Vera; CASTELO BRANCO, Guilherme (Org.). Retratos de Foucault. Rio de Janeiro: Nau, 2000. P. 179-217.; Carvalho; Gallo, 2010CARVALHO, Alexandre Filordi de; GALLO, Sílvio. Do sedentarismo ao nomadismo: intervenções para se pensar e agir de outros modos na educação. ETD – Educação Temática Digital,v. 12, n. 1, p. 280-302, 2010. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/article/view/853. Acesso em: 13 jan. 2023.
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; Noguera-Ramírez, 2011NOGUERA-RAMÍREZ, Carlos. Pedagogia e governamentalidade: ou da Modernidade como uma sociedade educativa. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.; Marín-Diaz; Noguera-Ramirez, 2012; 2014), a questão do governamento e controle dos corpos dentro da escola é frequentemente confundida com as noções de governamentalidade ou com outras formas de governo. Com base em Michel Foucault, Marín-Diaz e Noguera-Ramirez (2014)FOUCAULT, Michel. O nascimento da biopolítica. Curso no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008. explicam que não devemos confundir o governo, lido sob a lente da noção governamentalidade, com assuntos relativos só ao Estado, aos partidos políticos, mas sim, como formas de condução da conduta própria e dos outros, o que nos autoriza a afirmar que as práticas pedagógicas são, fundamentalmente, práticas de governo.

Em outras palavras, diríamos que o que o professor Foucault chamou de governo pode ser compreendido de maneira muito mais aprofundada, se, tomando distância das doutrinas políticas e econômicas, nos aproximarmos dos discursos e das práticas pedagógicas modernas

(Marín-Diaz; Noguera-Ramírez, 2014MARÍN-DÍAZ, Dora Lilia; NOGUERA-RAMÍREZ, Carlos Ernesto. O efeito educacional em Foucault. O governamento, uma questão pedagógica? Pro-Posições, v. 25, p. 47-65, 2014. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/proposic/article/view/8642451. Acesso em: 13 jan. 2023.
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, p. 53).

Outra questão importante é que a temática do governamento e do controle em espaços escolares é repetidamente abordada de maneira generalista e totalizante, aplicando concepções filosóficas que se referem à escola de forma homogênea e igual e, quase sempre, relacionada a instituições como fábricas, igrejas, quartéis ou prisões.

No âmbito da Educação Física, o tema do governamento e do controle é pouco abordado, exceto quando relacionado ao fenômeno na indisciplina discente (Santos et al., 2008SANTOS, Ivan Luís et al. As percepções e os significados para os estagiários de educação física em relação à indisciplina na escola. Movimento, Porto Alegre, UFRGS, v. 14, n. 3, p. 117-137, 2008. Disponível em: https://www.seer.ufrgs.br/index.php/Movimento/article/view/2976. Acesso em: 13 de jan. 2023.
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; Moura; Prodócimo, 2017MOURA, Dirley Aparecido; PRODÓCIMO, Elaine. Indisciplina escolar na perspectiva de docentes e gestores de escolas estaduais de Indaiatuba/SP. Motrivivência, Florianópolis, v. 29, n. 51, p. 47-63, 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5007/2175-8042. Acesso em: 13 jan. 2023.
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; Krug; Krug, 2019KRUG, Hugo Norberto; KRUG, Rodrigo de Rosso. A indisciplina dos alunos da Educação Básica nas aulas de Educação Física de professores iniciantes na carreira docente. Gestão Universitária, Belo Horizonte, p. 1-14, nov. 2019. Disponível em: http://www.gestaouniversitaria.com.br/artigos/a-indisciplina-dos-alunos-da-educacao-basica-nas-aulas-de-educacao-fisica-de-professores-iniciantes-na-car. Acesso em: 13 jan. 2023.
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). A partir dessa visão, tais práticas são normalmente investigadas considerando apenas os aspectos relacionados com a transgressão das normas ou do contrato pedagógico, com destaque para a criação de mecanismos de contorno ou evitamento desses comportamentos naturalmente considerados inadequados. Por exemplo, de acordo com Moura e Prodócimo (2017)MOURA, Dirley Aparecido; PRODÓCIMO, Elaine. Indisciplina escolar na perspectiva de docentes e gestores de escolas estaduais de Indaiatuba/SP. Motrivivência, Florianópolis, v. 29, n. 51, p. 47-63, 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5007/2175-8042. Acesso em: 13 jan. 2023.
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, a indisciplina escolar apresenta, como principais atos, desrespeitar às normas, atrapalhar o desenvolvimento da aula, não realizar de atividades, conversar, usar aparelhos eletrônicos, discutir com o professor e fazer algo que foge do padrão da aula.

A indisciplina foi apontada pelos estagiários enquanto um problema presente em suas práticas e atrelada a diferentes dificuldades. Logo, como procedimentos metodológicos mais citados, apareceram a chantagem, os combinados e o diálogo, sendo a instituição escolar destacada enquanto elucidadora das regras, dos direitos e dos deveres dos alunos

(Santos et al., 2008SANTOS, Ivan Luís et al. As percepções e os significados para os estagiários de educação física em relação à indisciplina na escola. Movimento, Porto Alegre, UFRGS, v. 14, n. 3, p. 117-137, 2008. Disponível em: https://www.seer.ufrgs.br/index.php/Movimento/article/view/2976. Acesso em: 13 de jan. 2023.
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, p. 117).

Raramente, as pesquisas sobre indisciplina no componente colocam em análise as próprias formas de organização escolar; quando isso acontece, apenas mencionam como ponto positivo o fato da Educação Física possuir uma dinâmica diferenciada dos componentes de sala de aula, pois a possibilidade do movimento e do lúdico das práticas corporais propiciam um ambiente menos rígido e mais agradável. Logo, não muito suscetível à indisciplina. Também de forma esporádica e pouco propositiva, as pesquisas relacionam as estratégias e dispositivos pedagógicos com as questões da indisciplina/controle dos corpos.

Com relação à forma como os docentes lidam com a indisciplina escolar, obtivemos alguns exemplos sendo os principais: apresentação das regras (não uma construção conjunta), revelando uma falta da participação da comunidade escolar nas decisões das instituições educativas como a elaboração do Projeto Político Pedagógico e normas e regimentos escolares; exclusão, suspensão e advertências; a transferência do problema que ocorre na sala de aula para a direção escolar e dessa para a família e outras esferas profissionais que não estão diretamente envolvidos com a instituição escolar

(Moura; Prodócimo, 2017MOURA, Dirley Aparecido; PRODÓCIMO, Elaine. Indisciplina escolar na perspectiva de docentes e gestores de escolas estaduais de Indaiatuba/SP. Motrivivência, Florianópolis, v. 29, n. 51, p. 47-63, 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5007/2175-8042. Acesso em: 13 jan. 2023.
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, p. 61, grifos nossos).

A originalidade da investigação de Bonetto (2021)BONETTO, Pedro Xavier Russo. Esquizo-experimentações com o Currículo Cultural de Educação Física. 2021. 345 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-14122021-163620. Acesso em: 13 jan. 2023.
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2 2 Este artigo é um recorte da tese de doutorado Esquizo-experimentações com o currículo cultural da Educação Física, defendida em 2021 junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de São Paulo. aqui sistematizada residiu, justamente, na produção de experiências pedagógicas que procuraram deslocar as estratégias de controle e governamento mais tradicionais, em busca de novas configurações no âmbito das aulas de Educação Física culturalmente orientadas. Por isso, a importância da noção de experimentação no campo metodológico aqui exposto, que nos orientou na criação de práticas pedagógicas nas quais intentamos lançar mão de outras estratégias de governamento dos corpos.

Na teoria curricular cultural da Educação Física, as práticas corporais são tematizadas, isto é, tratadas pedagogicamente por meio de variadas situações didáticas planejadas com vistas a contribuir para que os estudantes qualifiquem sua leitura e sua participação na produção de brincadeiras, danças, lutas, esportes e ginásticas. O registro das experiências com essa vertente costuma adquirir o formato de relatos escritos ou em vídeo, em que as tematizações são narradas (Borges, 2019BORGES, Clayton César de Oliveira. Governo, verdade, subjetividade: uma análise do currículo cultural da Educação Física. 2019. 181 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2019.tde-04112019-165709. Acesso em: 13 jan. 2023.
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).

Com o intuito de estabelecer algumas considerações sobre a relação das práticas de governamento e controle no currículo cultural da Educação Física, o presente artigo extrai e apresenta fragmentos de seis relatos de experiências pedagógicas realizadas entre 2019 e 2021, junto às turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental de uma escola municipal situada na região Oeste da capital paulista. Trata-se de uma escola localizada em um bairro nobre da cidade, mas frequentada por crianças filhas de trabalhadores do comércio ou residências da região. À época do estudo, a instituição atendia 439 estudantes e dois períodos (matutino e vespertino) e 46 profissionais da educação (Bonetto, 2021BONETTO, Pedro Xavier Russo. Esquizo-experimentações com o Currículo Cultural de Educação Física. 2021. 345 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-14122021-163620. Acesso em: 13 jan. 2023.
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).

Sobre as Práticas de Governamento e Controle dos Corpos

Enquanto equipamentos coletivos, dispositivos atrelados ao funcionamento das sociedades desde os séculos XV-XVI3 3 De acordo com Fusinato e Kramer (2013), as diretrizes curriculares brasileiras, os regimentos escolares e as rotinas cotidianas nas escolas impõem a institucionalização de mecanismos presentes nos colégios dos séculos XV/XVI. , as escolas produziram inúmeras e eficientes práticas de governamento e controle para seus frequentadores. Como se não bastasse, ao colocarem em funcionamento tais dispositivos, sob determinadas qualidades, tipos, estratégias e modos específicos, os espaços escolares ativam posturas e comportamentos consonantes, ou seja, as formas de governamento e controle operam nas subjetividades escolares tanto quanto os conhecimentos veiculados e as identidades almejadas. Logo, é consenso que em todas as concepções curriculares existe uma implicação direta das formas de governamento, regulação e controle dos corpos, nas subjetividades planejadas pelo projeto pedagógico.

Carvalho e Gallo (2010)CARVALHO, Alexandre Filordi de; GALLO, Sílvio. Do sedentarismo ao nomadismo: intervenções para se pensar e agir de outros modos na educação. ETD – Educação Temática Digital,v. 12, n. 1, p. 280-302, 2010. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/article/view/853. Acesso em: 13 jan. 2023.
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afirmam que um dos substratos que permaneceram na educação foi (e continua a ser) a relação de conduzir e ser conduzido, espécie de movimento componível do próprio ato de educar. Com base nas tipologias de poder descritas por Michel Foucault, os autores sustentam que a educação reproduz atos marcantes de uma tecnologia nomeada por poder pastoral: “O poder pastoral em sua tipologia, em sua organização, em seu modo de funcionamento, o poder pastoral que se exerceu enquanto poder é sem dúvida alguma coisa da qual nós ainda não nos libertamos” (Foucault, 20044 4 FOUCAULT, Michel. Sécurité, territoire, population. Paris: Gallimard; Seuil, 2004. , p. 152 apud Carvalho; Gallo, 2010CARVALHO, Alexandre Filordi de; GALLO, Sílvio. Do sedentarismo ao nomadismo: intervenções para se pensar e agir de outros modos na educação. ETD – Educação Temática Digital,v. 12, n. 1, p. 280-302, 2010. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/article/view/853. Acesso em: 13 jan. 2023.
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). Nessa arte de conduzir os indivíduos e a coletividade, nada se pode fazer sem o outro e, por isso, a condução acontece sob certos traços: responsabilidade, obediência, submissão, exame, confissão, déficit (por parte do conduzido, pois lhe falta algo que só o pastor é capaz de direcioná-lo e proporcioná-lo), além da renúncia do novo e da criação em troca da segurança.

A pastorização move-se pelo combustível da harmonia. Regular as ações, territorializá-las, produzir homogeneização circuncêntrica de sentidos – forjar as condições ideais para a resposta certa –, atuar no controle do fluxo das falas e dos discursos subjetivos, restringir os corpos desejantes, aparar o vir-a-ser distinto da significação que impera: eis uma educação pastoralizada; eis um aprisco; eis um sedentarismo

(Carvalho; Gallo, 2010CARVALHO, Alexandre Filordi de; GALLO, Sílvio. Do sedentarismo ao nomadismo: intervenções para se pensar e agir de outros modos na educação. ETD – Educação Temática Digital,v. 12, n. 1, p. 280-302, 2010. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/article/view/853. Acesso em: 13 jan. 2023.
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, p. 292).

Se não bastasse, além do poder pastoral, também com base em Michel Foucault, a escola contemporânea cumpre sua função de “maquinaria de governo da infância” (Varela; Alvarez-Uria, 1992VARELA, Julia; ALVAREZ-URIA, Fernando. A maquinaria escolar. Teoria & Educação, São Paulo, n. 6, p. 68-96, 1992.) de forma análoga ao que foi produzido nas sociedades ditas disciplinares (Chevitarese; Pedro, 1996CHEVITARESE, Leandro; PEDRO, Rosa Maria Leite Ribeiro. Da sociedade disciplinar à sociedade de controle: a questão da liberdade por uma alegoria de Franz Kafka, em o processo, e de Phillip Dick, em Minority Report. Estudos de Sociologia, v. 8, n. 1, 1996. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revsocio/article/download/235443/28432. Acesso em: 13 jan. 2023.
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revs...
; Oliveira; Fonseca, 2006OLIVEIRA; Andréia Machado; FONSECA, Tania Mara Galli. Os devires do território-escola: trajetos, agenciamentos e suas múltiplas paisagens. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 31, n. 2, p. 135-154, 2006. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/3172/317227044009.pdf. Acesso em: 13 jan. 2023.
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; Ayres, 2016AYRES, Thiago. Para além do poder soberano. Opinião Filosófica, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 2016. Disponível em: https://testeojs.opiniaofilosofica.org/index.php/opiniaofilosofica/article/view/704. Acesso em: 13 jan. 2023.
https://testeojs.opiniaofilosofica.org/i...
; Carvalho; Gallo, 2017CARVALHO, Alexandre Filordi de; GALLO, Sílvio. Defender a escola do dispositivo pedagógico: o lugar do experimentum scholaena busca de outro equipamento coletivo. ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v. 19, n. 4, p. 622-641, 2017. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/article/view/8648756. Acesso em: 13 jan. 2023.
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). Isso se deu a partir de estratégias de confinamento, rotinização das atividades, imposição de filas, formas de avaliação baseadas na memorização e recognição, procedimentos de normatização, valorização da obediência e do respeito, distribuição de hierarquias e funções, bem como o jogo retributivo comportamental e, em alguns casos, a exclusão. Não se pode negar que a escola seguiu pari passu a cartilha do poder disciplinar das primeiras sociedades modernas ocidentais.

Chevitarese e Pedro (1996)CHEVITARESE, Leandro; PEDRO, Rosa Maria Leite Ribeiro. Da sociedade disciplinar à sociedade de controle: a questão da liberdade por uma alegoria de Franz Kafka, em o processo, e de Phillip Dick, em Minority Report. Estudos de Sociologia, v. 8, n. 1, 1996. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revsocio/article/download/235443/28432. Acesso em: 13 jan. 2023.
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, ao exporem a liberdade com relação às sociedades disciplinares e do controle, descrevem que, como bem ressalta Foucault, nessas, o poder, em vez de se apropriar ou de retirar, tem como função maior adestrar. Para tanto, faz uso de instrumentos simples, tais como a vigilância hierárquica e a sanção normalizadora.

Lá através da sanção normalizadora constitui-se um sistema de micropenalidades que especificam punições em caso de desvios nos comportamentos desejados. Sendo esse sistema progressivamente estendido a um número cada vez maior de setores da vida, de modo a uma vez mais, maximizar a eficiência do dispositivo disciplinar. O castigo disciplinar deve ser essencialmente corretivo, constituindo-se mais num exercício com vistas ao aperfeiçoamento do desempenho – ‘castigar é exercitar’. Para que possa haver critérios de aplicação das micropenalidades, todo um sistema classificatório e hierárquico precisa ser estruturado a partir do que significam os polos de um bom ou mau comportamento

(Chevitarese; Pedro, 1996CHEVITARESE, Leandro; PEDRO, Rosa Maria Leite Ribeiro. Da sociedade disciplinar à sociedade de controle: a questão da liberdade por uma alegoria de Franz Kafka, em o processo, e de Phillip Dick, em Minority Report. Estudos de Sociologia, v. 8, n. 1, 1996. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revsocio/article/download/235443/28432. Acesso em: 13 jan. 2023.
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, p. 136).

Destarte, a disciplina fabrica indivíduos: ela é a técnica específica de um poder que toma o corpo dos indivíduos ao mesmo tempo como objeto e instrumento de seu exercício. Mais recentemente, a escola passou a aplicar um tipo de poder baseado no cuidado da população, a chamada biopolítica. De acordo com Chevitarese e Pedro (1996)CHEVITARESE, Leandro; PEDRO, Rosa Maria Leite Ribeiro. Da sociedade disciplinar à sociedade de controle: a questão da liberdade por uma alegoria de Franz Kafka, em o processo, e de Phillip Dick, em Minority Report. Estudos de Sociologia, v. 8, n. 1, 1996. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revsocio/article/download/235443/28432. Acesso em: 13 jan. 2023.
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, a escola não superou do modelo disciplinar de governamento dos corpos, mas sim, promoveu uma adequação, uma forma de controle mais sutil, que agiu para camuflar seus efeitos de constrangimento sob o argumento da necessidade de segurança. De forma mais arguciosa, ele opera mediante a flexibilização e a elasticidade de suas estruturas, o que lhe permite espraiar as relações de poder por todo o corpo social. O poder é então concebido como a ação exercida sobre a ação de sujeitos livres e ativos, para guiá-los, dirigi-los; assim, a intransigência da liberdade é condição essencial para o exercício do poder.

No campo filosófico, Gentili (1995)GENTILI, Pablo. O que há de novo nas novas formas de exclusão na educação? Neoliberalismo, trabalho e educação. Educação&Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 1, p. 191-202, 1995. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/71754. Acesso em: 13 jan. 2023.
https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade...
, Pelbart (2007)PELBART, Peter Pál. Biopolítica. Sala Preta, v. 7, p. 57-66, 2007. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2238-3867.v7i0p57-66. Acesso em: 13 jan. 2023.
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e Marrach (1996)MARRACH, Sonia Alem. Neoliberalismo e educação. Infância, Educação e Neoliberalismo. São Paulo: Cortez, 1996. P. 42-56. descrevem os efeitos dessa modalidade de governamento voltada não mais para a clausura do corpo ou indivíduo, e sim para o controle da população. No âmbito educacional, essas pesquisas também são numerosas e proeminentes.

Resende (2018)RESENDE, Haroldo de. A educação por toda a vida como estratégia de biorregulação neoliberal. In: RESENDE, Haroldo de (Org.). Michel Foucault: a arte neoliberal de governar e a educação. São Paulo: Intermeios, 2018. P. 77-94., afirma que a tecnologia biopolítica implanta mecanismos que tratam de estimativas, projeções, estatísticas e, especialmente, de intervenções e de modificações de fenômenos dimensionados em escala global e que correspondem à biorregulação. Da preocupação com o corpo coletivo emergem os chamados dispositivos de segurança que vão atuar como novas técnicas de governamento, controlando os riscos e efetuando intervenções na gestão das pessoas e das coisas, dos bens e das riquezas, de modo que circulem da melhor forma possível. Coadunando-se com as estratégias da governamentalidade neoliberal, a maquinaria escolar focou seus esforços nos princípios da utilidade, lógica meritocrática, qualidade total, autocontrole, aprender a aprender, foco em competências e habilidades, atrelando a função da escola com demandas específicas do mercado de trabalho. Foucault (2008, p. 368)FOUCAULT, Michel. O nascimento da biopolítica. Curso no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008. utilizou a expressão homo economicus para nomear a subjetividade desejada por tal perspectiva:

O homo economicus é aquele que aceita a realidade. A conduta racional é toda conduta sensível a modificar nas variáveis do meio e que responde a elas de forma não aleatória, de forma, portanto, sistemática, e a economia poderá, portanto se definir como a ciência da sistematicidade das respostas às variáveis do ambiente.

Retomando as relações de governamento e controle dos corpos, surgem outras formas de exercício do poder, articuladas a outra configuração social que, segundo Deleuze (1992, p. 221)DELEUZE, Gilles. Post-scriptumsobre as sociedades de controle. In: DELEUZE, Gilles. Conversações: 1972-1990. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992., pode ser concebida como “sociedade de controle”. Nesta, não se abdica do castigo ou da disciplina, a vigilância e o controle são exercidos mediante “[…] formas ultrarrápidas de controle ao ar livre, que substituem as antigas disciplinas que operavam na duração de um sistema fechado”. Trata-se de configurações de controle mais sofisticadas, contínuas e ilimitadas. O controle nessas sociedades atua por modulação “[…] como uma peneira, cujas malhas mudassem de um ponto a outro”, que introduz desafios, prêmios, concursos, o tempo todo uma rivalidade, uma noção de investimento. Agora interessa extrair o máximo de energias, fazer participar, criar condições para cada um se sentir decidindo, produzindo e replicando as estratégias de controle mutuamente.

Carvalho (2015, p. 05)CARVALHO, Alexandre Filordi de. Félix Guattari e a produção de subjetividade na sociedade de consumo: questões atuais desde a filosofia da educação. In: CONGRESO LATINOAMERICANO DE FILOSOFIA DE LA EDUCACIÓN, 3., 2015, Mexico. Actas […]. Mexico: UNAM, 2015. Disponível em: http://filosofiaeducacion.org/actas/index.php/act/article/view/99. Acesso em: 13 jan. 2023.
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, com base nos escritos de Félix Guattari, assevera que sociedade do controle, capitalística e de consumo são faces da mesma moeda, o que equivale a pensar em um conjunto de procedimentos de controle convocados, em suas múltiplas formas, com o intuito de serializar, hierarquizar, compartimentalizar e distribuir um modelo de percepção de si mesmo, dos outros, das coisas e do mundo.

Tudo sempre animado para controlar e bloquear o que possa desestabilizar o fluxo do controle capitalístico. Em outros termos, não importa o tipo de sociedade que levemos em consideração, desordem sempre será vista como desordem em qualquer lugar. É como se houvesse uma racionalização de controle para exercer um poder de homogeneização e de padronização nas atitudes e nos comportamentos humanos, por fluxos e formas distintas.

Em termos aproximados, Pelbart (2000)PELBART, Peter Pál. A vertigem por um fio: políticas da subjetividade contemporânea. São Paulo: Iluminuras/FAPESP, 2000. descreve que os mecanismos de controle emergentes seriam imanentes ao redimensionamento do capitalismo contemporâneo globalizado que pretende tudo incluir, em uma rede fina, em um espaço liso e aberto, tendo como importantes dispositivos: a mídia, a informática e a biotecnologia. Dessa forma, o regular torna-se um processo ininterrupto e que não cessa de se transformar. Observamos que, mais recentemente, as escolas foram incorporando em seus dispositivos novas concepções e equipamentos de controle até chegar aos elementos do plano sinóptico descrito por Mathiesen (19975 5 MATHIESEN, Thomas. The Viewer Society: Michel Foucault’s “Panopticon” Revisited. Theoretical Criminology, v. 1, n. 2, p. 215-234, 1997. apud Bauman, 1999BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999., p. 60).

Não importa mais se os alvos do sinóptico, que agora deixaram de ser os vigiados e passaram a ser os vigilantes, se movam ou fiquem parados. Onde quer que estejam e onde quer que vão, eles podem ligar-se – e se ligam – na rede extraterritorial que faz muitos vigiarem poucos. O panóptico forçava as pessoas à posição em que podiam ser vigiadas. O sinóptico não precisa de coerção – ele seduz as pessoas à vigilância.

Todavia, Deleuze (1992, p. 220)DELEUZE, Gilles. Post-scriptumsobre as sociedades de controle. In: DELEUZE, Gilles. Conversações: 1972-1990. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. profere que não devemos nos perguntar qual regime é mais duro ou mais tolerável, pois é em cada um deles que se enfrentam as liberações e as sujeições. “Não cabe temer ou esperar, mas buscar novas armas”. As análises aqui empreendidas acerca dos dispositivos de controle, as táticas e as estratégias de vigilância, normatização, punição, demonstram uma combinação bastante complexa de práticas de governamento. Precisamos reconhecer que há uma sobreposição e a coexistência de estratégias bastante antigas com outras que ainda nem se aplicam tanto à escola. “O que conta é que estamos no início de alguma coisa” (Deleuze, 1992DELEUZE, Gilles. Post-scriptumsobre as sociedades de controle. In: DELEUZE, Gilles. Conversações: 1972-1990. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992., p. 225).

Esquizo-experimentações com a Educação Física cultural

De perfil absolutamente qualitativo, inspirado nos conceitos de acontecimento e experimentação, indicamos que o método foi produzido a partir da prática pedagógica de um professor de Educação Física, lotado em uma escola municipal de Ensino Fundamental situada na cidade de São Paulo. Fundamentalmente alinhado à filosofia da diferença de Gilles Deleuze e Félix Guattari, denominamos essa forma de produção de dados de esquizo-experimentações.

A ideia de experimentação é mencionada em Deleuze e Guattari pelo deslocamento de conceitos de outros filósofos, seguida de um uso bastante particular, imanente, que faz produzir diferenciações desse conceito agora em outras condições. A experimentação traz relação com a empiria e com o pragmatismo da filosofia da diferença, de modo que os movimentos de escape, bem como as próprias linhas de fuga, podem, ao mesmo tempo, significar inúmeras coisas (o desejo, o pensamento, os afetos, os perceptos, o corpo, dentre outros), que só são estimuladas por meio da experimentação.

Possuiu como característica principal a forte oposição a uma ideia de totalidade e universalidade, ou seja, a filosofia da diferença se interessa pela singularidade, multiplicidade, imanência e pelo devir, não pelas semelhanças, representações e identidades entre as coisas. Nessa concepção, a diferença é aquilo que escapa do pensável, que, por sua vez, constitui e impede modos de vida distintos. Afirmar a diferença, potencializando essas formas diversas de pensar, criar, atribuir sentido e existir, constitui seu principal objetivo.

Considerando essas noções, criamos nossas esquizo-experimentações com o currículo cultural de Educação Física. Schizo, do grego, significa cisão, corte, fenda, ruptura, com esse prefixo, Deleuze e Guattari mobilizam tanto o conceito quanto o personagem do esquizofrênico6 6 Deleuze e Guattari não reduzem a esquizofrenia à doença, autismo, um desabamento catatônico. Ao contrário, extraem dela o processo, livre produção de desejo, um fluxo revolucionário sobre as máquinas. , a fim de romper com as máquinas subjetivas capitalísticas e seus códigos sociais. Conceitualmente, esquizo trata de fluxos, significações, pensamentos, planos e, sobretudo, de desejo. Um desejo produtivo, incontrolável, singular, que faz tudo escapar das linhas duras das máquinas sobrecodificadoras.

Ainda no campo das ferramentas metodológicas, a fim de nutrir nosso trabalho de experimentação, é preciso mencionar que os acontecimentos fruto das práticas pedagógicas e as falas dos estudantes, foram registrados em diários de bordo (DB) anuais.

Outro elemento que caracterizou a produção dessas experiências foi o compartilhamento das atividades que estavam em curso com um grupo de professores-pesquisadores que questionavam, indicavam atividades, sugeriam e lançavam proposições para a pesquisa. Posteriormente, foram produzidos seis textos, no gênero de relatos de experiência, que descrevem o currículo desenvolvido a partir da tematização das seguintes práticas corporais: funk, samba, futebol, brincadeiras, k-pop7 7 Korean Pop, tradução livre de música popular coreana. , atletismo.

Por fim, como efeitos das nossas esquizo-experimentações com a Educação Física cultural, relacionamos algumas considerações provisórias com trechos desses relatos de experiência e com anotações dos DB que demonstram as perspectivas produzidas sobre as práticas de governamento e controle dos corpos durante as aulas.

As Práticas de Governamento e Controle sob a Ótica da Educação Física Cultural

Foucault compreende que em todas as sociedades se originaram artes de governar, umas baseadas no poder de um soberano, outras de um pastor (líder religioso), outras em concepções mais horizontalizadas, sofisticadas e pautadas pelo cuidado com a vida de uma população a partir de saberes econômicos. Não obstante, todas as acepções descritas geram relações de poder; consequentemente, instituem políticas de verdade, ou seja, discursos que produzem o certo e o errado, o bom e o mau, o bonito e o feio. Cada perspectiva a seu tempo e contexto de imanência criam discursos de governamento. Daí decorre uma noção complexa que não obedece a uma forma hegeliana de dialética, mas, sim, relações de poder múltiplas, micro e produtivas fazem-se presentes por uma rede de aparelhos e tecnologias dispersas.

Corroborando com tal perspectiva, Pelbart (2007)PELBART, Peter Pál. Biopolítica. Sala Preta, v. 7, p. 57-66, 2007. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2238-3867.v7i0p57-66. Acesso em: 13 jan. 2023.
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descreve que o poder já não se exerce desde fora, desde cima, mas como que por dentro, ele pilota nossa vitalidade social de cabo a rabo. Já não estamos às voltas com um poder transcendente, ou mesmo com um poder apenas repressivo, trata-se de um poder imanente, de um poder produtivo.

Assim, analisando as experiências desenvolvidas com o currículo cultural na escola, percebemos que as aulas de Educação Física continuam demandando intensas e múltiplas práticas de governamento, controle e regulação dos estudantes. Não existe a possibilidade de abdicá-las ou eliminá-las. Nessa compreensão, Borges (2019)BORGES, Clayton César de Oliveira. Governo, verdade, subjetividade: uma análise do currículo cultural da Educação Física. 2019. 181 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2019.tde-04112019-165709. Acesso em: 13 jan. 2023.
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aponta que a pedagogia cultural irá se deter na projeção de um sujeito que parece exercer livremente suas escolhas. Não obstante, para que o sujeito pratique tal liberdade, o autor alude a uma “liberdade administrada”. Nessa concepção, a liberdade é absolutamente relativa, assim, no máximo, admite-se, com muitas ressalvas, tratar-se de uma liberdade regulada (Donald, 20008 8 DONALD, James. Liberdade bem-regulada. In: COHEN, Jeffrey. Pedagogia dos monstros: os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. P. 61-88. apud Borges, 2019BORGES, Clayton César de Oliveira. Governo, verdade, subjetividade: uma análise do currículo cultural da Educação Física. 2019. 181 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2019.tde-04112019-165709. Acesso em: 13 jan. 2023.
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), em que se oferece uma pluralidade de possibilidades, é necessário fazer funcionar formas e regras, ainda que sutis, de regulação das condutas. O autor ainda descreve duas tecnologias de governo do eu empreendidas pela perspectiva cultural, a saber, um eu-democrático e um eu-multicultural, que em específico, configuram-se numa espécie de democracia participativa, na qual os cidadãos-eleitores (estudantes) debatem e votam sobre questões de seu interesse, trazendo ainda, no cerne de suas ideias os valores coletivos, a promoção de um ambiente supostamente mais justo e democrático, a participação ativa e o diálogo.

Nossos dados corroboram e fortalecem os achados de Borges (2019)BORGES, Clayton César de Oliveira. Governo, verdade, subjetividade: uma análise do currículo cultural da Educação Física. 2019. 181 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2019.tde-04112019-165709. Acesso em: 13 jan. 2023.
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, indicando que as decisões sobre o currículo não somente levam em conta uma votação ou o que é interesse da maioria, como o próprio professor pondera tais questões dentro de uma análise da relevância das decisões, no que tange à democratização das tematizações diante dos diferentes desejos anunciados.

Sentamos e conversamos, escutei o que eles e elas tinham a dizer sobre a escola e a Educação Física. Busquei mapear o que esperavam das aulas, o que gostavam de fazer, as práticas corporais que tiveram contato desde a educação infantil até o ano anterior e o que faziam quando estão fora da escola. Registrei tudo em um caderno de anotações

(Relato de experiência 1, 2017, p. 1 apud Bonetto, 2021BONETTO, Pedro Xavier Russo. Esquizo-experimentações com o Currículo Cultural de Educação Física. 2021. 345 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-14122021-163620. Acesso em: 13 jan. 2023.
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, p. 142).

Deste modo, ainda no início da experiência curricular, registrando os principais significados que os alunos tinham sobre este esporte, começamos com jogos bastante livres, eles iam jogando, reclamavam, discutiam regras, táticas e a organização na elaboração dos times

(Relato de experiência 2, 2018, p. 3 apud Bonetto, 2021BONETTO, Pedro Xavier Russo. Esquizo-experimentações com o Currículo Cultural de Educação Física. 2021. 345 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-14122021-163620. Acesso em: 13 jan. 2023.
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, p. 142).

Pois bem, com caixa de som e celular conectado à internet, as crianças foram solicitando para o professor que colocasse algumas músicas. Alguns meninos pediram músicas de terror e músicas de games. Algumas meninas pediram músicas da novela infantil Carrossel, de desenhos animados e uma parte deles e delas pediram para ouvir funk

(Relato de experiência 3, 2019, p. 1 apud Bonetto, 2021BONETTO, Pedro Xavier Russo. Esquizo-experimentações com o Currículo Cultural de Educação Física. 2021. 345 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-14122021-163620. Acesso em: 13 jan. 2023.
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, p. 142).

Outro problema foi que em determinado momento dois grupos de meninas brigaram, pois queriam músicas e grupos diferentes na elaboração da dança. Um dos grupos ameaçou não participar mesmo depois da intervenção do professor que garantiu que todos e todas poderiam sugerir passos, danças e músicas

(Relato de experiência 4, 2019, p. 3 apud Bonetto, 2021BONETTO, Pedro Xavier Russo. Esquizo-experimentações com o Currículo Cultural de Educação Física. 2021. 345 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-14122021-163620. Acesso em: 13 jan. 2023.
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, p. 143).

Na mesma ótica, ao promover atividades pedagógicas de reconhecimento da cultura corporal da comunidade, democratiza-se também os domínios de regulação e governamento no interior das práticas pedagógicas. Por exemplo, quando os estudantes possuíam experiências anteriores com uma prática corporal que estava sendo tematizada, logo eram convidados a compartilhar e mediar as atividades desenvolvidas, eles e elas organizavam as atividades, sugeriam, corrigiam e centralizavam as ações.

Conforme alguns alunos e alunas iam descrevendo, nos reuníamos em grupo e experimentávamos os gestos. Quem sabia mais se responsabilizava por ensinar e ajudar os que sabiam menos. Durante algumas aulas, aqueles alunos que já tinham participado de aulas de futebol em escolinhas nos ensinaram alguns exercícios de fundamento do futebol

(Relato de experiência 2, 2019, p. 8 apud Bonetto, 2021BONETTO, Pedro Xavier Russo. Esquizo-experimentações com o Currículo Cultural de Educação Física. 2021. 345 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-14122021-163620. Acesso em: 13 jan. 2023.
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, p. 144).

Diante de tantos conhecimentos sobre a dança que ainda poderiam compor a experiência curricular, o professor convidou alunas do 9.º ano que também gostavam muito de K-pop para participarem da aula dos 4.º anos falando um pouco sobre o tema e depois dançando com a turma

(Relato de experiência 4, 2019, p. 4 apud Bonetto, 2021BONETTO, Pedro Xavier Russo. Esquizo-experimentações com o Currículo Cultural de Educação Física. 2021. 345 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-14122021-163620. Acesso em: 13 jan. 2023.
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, p. 144).

A visita dos dois professores sambistas foi fundamental para a qualidade da experiência curricular. Com eles, o samba ficou mais agradável, encantador e bastante relacionado com a história dos povos africanos e afro-brasileiros

(Relato de experiência 3, 2019, p. 15-16 apud Bonetto, 2021BONETTO, Pedro Xavier Russo. Esquizo-experimentações com o Currículo Cultural de Educação Física. 2021. 345 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-14122021-163620. Acesso em: 13 jan. 2023.
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, p. 144).

Para diversificar ainda mais os conhecimentos acerca do atletismo, pensei que seria de grande importância convidar o professor Natalício (Senhor Natal), colega de trabalho em outra instituição que era atleta de maratona e já tinha participado de provas em vários países. Já na semana seguinte, ele esteve na escola e conversou com as duas turmas sobre atletismo, especialmente a maratona, contando em detalhes a sua história no esporte

(Relato de experiência 5, 2019, p. 14 apud Bonetto, 2021BONETTO, Pedro Xavier Russo. Esquizo-experimentações com o Currículo Cultural de Educação Física. 2021. 345 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-14122021-163620. Acesso em: 13 jan. 2023.
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, p. 144).

Como contraponto dessa relação democratizada no interior das práticas pedagógicas, Gallo e Figueiredo (2015)GALLO, Sílvio Donizetti de Oliveira; FIGUEIREDO, Glaucia Maria. Entre maioridade e menoridade: as regiões de fronteira no cotidiano escolar. APRENDER – Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação, ano IX, n. 14, p. 25-51, 2015. Disponível em: https://periodicos2.uesb.br/index.php/aprender/article/view/3035. Acesso em: 13 jan. 2023.
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asseveram que o lugar da escola moderna é aquele do poder assimétrico, da normalização dos corpos pela disciplina e da planificação social pela biopolítica. Trata-se de um modelo moderno de escola, esgotado, mas insistentemente reformado, renovado por novas planificações, em que as relações há muito deixaram de ser políticas para se tornarem policiais. Para os autores, ousar justapor e transversalizar um espaço em que a relação pedagógica seja inventada na simetria é compreender uma educação menor, região de fronteira, espaço de proliferação das diferenças, invenção de possibilidades que se multiplicam.

Igualmente, considerando a escola, compreendida como equipamento coletivo altamente estriado que, portanto, apresenta tempos e espaços definidos rigidamente, era de se esperar um uso conservador dos espaços – leia-se quadra – e do tempo, os quarenta e cinco minutos de uma aula da rede municipal de São Paulo. Todavia, as experiências com o currículo cultural de Educação Física fizeram uso ampliado do tempo e dos espaços escolares. Os relatos demonstraram a utilização frequente das salas de aula, sala de vídeo, sala de informática, refeitório, quadra de cima, praça, viela e ambientes externos à escola.

Mas qual a relação disso com as práticas de governamento? Bem, se pensarmos que nas sociedades disciplinares a distribuição dos corpos no espaço, a racionalização dos espaços e o fechamento, a criação de fronteiras, o enclausuramento, a separação em salas e celas garantiam a obediência e facilitavam o controle e a vigilância, o uso de espaços não esquadrinhados, fortemente delimitados e tradicionais provocou, ao longo do tempo, estranhamentos por parte de estudantes e colegas de trabalho.

‘Como assim, vai usar a minha sala?’, disse uma professora regente; ‘Professor, antes de usar a quadra lá de cima, melhor esperar a reforma para fecharmos ela’; ‘Professor, podemos ensaiar lá atrás?’, perguntou um grupo de estudantes que estava com vergonha e queria fazer a vivência num local distante; ‘Professor, nós vamos de ônibus de linha? Minha mãe não vai deixar’; ‘Professor, aula de Educação Física no salão de artes? Sim, o salão é amplo, tem mesas grandes e a sala de vídeo está ocupada’; ‘Eu gosto das aulas de Educação Física porque pode subir no morro’; ‘Onde vamos fazer nossa apresentação? Na diretoria vai dar problema’; ‘Vamos fazer atletismo na praça, porque dá pra correr bastante sem fazer ida e volta, mas não temos autorização, só vamos porque é perto’

(Bonetto, 2021BONETTO, Pedro Xavier Russo. Esquizo-experimentações com o Currículo Cultural de Educação Física. 2021. 345 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-14122021-163620. Acesso em: 13 jan. 2023.
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, p. 148).

Outros exemplos ilustram bem as questões de uso dos espaços escolares de maneira menos fechada, mais lisa e, consequentemente, fazem desse território um local mais agradável, divertido e vibrante.

Nas próximas aulas, sabendo que coincidiam com o intervalo do Ensino Fundamental II e que o espaço da aula é muito próximo do recreio, o professor convidou alguns alunos e alunas maiores para que participassem da aula dos pequenos ensinando-os a sambar

(Relato de experiência 3, 2019, p. 4 apud Bonetto, 2021BONETTO, Pedro Xavier Russo. Esquizo-experimentações com o Currículo Cultural de Educação Física. 2021. 345 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-14122021-163620. Acesso em: 13 jan. 2023.
https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-1...
, p. 151).

Enquanto a aula acontecia, as coisas foram se instituindo, de modo que as crianças do intervalo brincavam e desfrutavam (seu breve período sem clausura) ao lado da quadra, se misturando com os estudantes em aula. Do ponto de vista da ordem e da regulação, sem dúvida, eram aulas-recreio que pareciam bagunçadas, sem propósito, mas que funcionavam muito bem dentro das experimentações, sobretudo naquelas em que se tematizaram as danças. O som alto invadia o recreio e as crianças invadiam a quadra. Para quem olhava superficialmente não havia distinção entre os espaços e atividades. Os portões, fronteiras, passagens, horários e normas que outrora eram rígidos, habituais, tornaram-se mais acessíveis, flexíveis e menos limitantes. O tempo para as atividades historicamente menos valorizadas ou menos úteis dentro do ambiente escolar foi dilatado e mais valorizado.

Observamos que as práticas pedagógicas com o currículo cultural apostam mais nas abordagens éticas do que em preceitos moralizantes. A primeira pista dessa aposta também foi dada por Borges (2019)BORGES, Clayton César de Oliveira. Governo, verdade, subjetividade: uma análise do currículo cultural da Educação Física. 2019. 181 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2019.tde-04112019-165709. Acesso em: 13 jan. 2023.
https://doi.org/10.11606/T.48.2019.tde-0...
, quando descreve que, por mais que seja possível notar determinado código normativo multicultural em funcionamento, é importante destacar que tal sistema de regras e valores poderia ser concebido menos como uma questão de obrigação e proibição estritamente do que de incitação e ativação de sentimentos e valores multiculturais. Analisando relatos de experiências com o currículo cultural, Borges identificou que as práticas não operam por imposição ou interdição de forma explícita e que não há propriamente algum tipo restritivo de código moral, nem mesmo quando se trata de desconstruir discursos preconceituosos e/ou estereotipados proferidos pelos estudantes.

Na medida em que procedem de forma reflexiva, os sujeitos do currículo cultural trabalham sobre si, autotransformam-se, agem sobre seus próprios sentimentos e ações relacionadas, conforme especificado, aos marcadores sociais das diferenças anexados às práticas corporais tematizadas. A incitação a refletir sobre determinados marcadores sociais opera, antes de qualquer coisa, como uma tecnologia do eu que viabiliza a regulação e a modificação da própria conduta em direção à constituição de uma subjetividade plural, multicultural

(Borges, 2019BORGES, Clayton César de Oliveira. Governo, verdade, subjetividade: uma análise do currículo cultural da Educação Física. 2019. 181 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2019.tde-04112019-165709. Acesso em: 13 jan. 2023.
https://doi.org/10.11606/T.48.2019.tde-0...
, p. 142).

Dessa maneira, as experiências empreendidas não utilizam vulgarmente as normas do regimento escolar, muito menos as notas como elemento de regulação e ameaça.

Voltando do recesso do meio do ano, muitos alunos e alunas não quiseram mais apresentar a coreografia que estavam fazendo na festa junina. Eles e elas disseram também que antes seria uma festa com danças e que depois virou um dia de diversas oficinas (artesanato, plantação etc.) e que, por isso, muitos não viriam à escola e, assim, resolveram não se apresentar

(Relato de experiência 4, 2019, p. 7 apud Bonetto, 2021BONETTO, Pedro Xavier Russo. Esquizo-experimentações com o Currículo Cultural de Educação Física. 2021. 345 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-14122021-163620. Acesso em: 13 jan. 2023.
https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-1...
, p. 177).

No mesmo dia que pensei a atividade de corrida simulando adaptação para pessoas com deficiência visual, fiquei em dúvida se tal atividade não romantizava, folclorizava a deficiência e a prática adaptada. Comentamos com os alunos e alunas sobre essa dúvida e o problema de atividades que apenas simulam uma condição de deficiência. Deixamos claro que era uma tentativa de sensibilização, mas que poderia ser uma atividade pedagógica arriscada, ao sugerir que vendar os olhos é o mesmo que ser cego. Os/as alunos/as compreenderam a dúvida, conversamos sobre essa questão, mas resolvemos fazer mesmo assim

(Relato de experiência 5, 2019, p. 5 apud Bonetto, 2021BONETTO, Pedro Xavier Russo. Esquizo-experimentações com o Currículo Cultural de Educação Física. 2021. 345 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-14122021-163620. Acesso em: 13 jan. 2023.
https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-1...
, p. 178).

Muitos alunos e alunas participaram da corrida, outros ficaram empolgados torcendo. Em certo momento, alguns estudantes começaram a guiar os colegas propositalmente para a parede. Um deles acabou trombando e quase se machucou. Não pudemos dar um tratamento adequado ao que foi observado, apenas disse que essa relação de confiança entre quem não enxerga e seu guia parece ser algo muito importante e que alguns ali ainda não estavam entendendo a necessidade desta afinidade

(Relato de experiência 5, 2019, p. 6 apud Bonetto, 2021BONETTO, Pedro Xavier Russo. Esquizo-experimentações com o Currículo Cultural de Educação Física. 2021. 345 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-14122021-163620. Acesso em: 13 jan. 2023.
https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-1...
, p. 178).

Não demorou, alguns estudantes questionaram se realmente podíamos tematizar funk na escola, pois alertaram que muitas músicas tinham palavrão. Disseram também que a direção da escola odiava funk, pois nas festas escolares nunca tocava e que, em certa ocasião, presenciaram um professor dizendo que o ritmo era um lixo. [...] Na aula seguinte, os/as estudantes desceram até a quadra como nunca tinham descido. Uma energia incrível! Logo, disponibilizamos uma caixa de som grande e um cabo auxiliar. Assim, os estudantes usavam os próprios celulares, conectavam à caixa e a turma toda ouvia. Já nesse momento, alguns ficavam junto ao celular, dizendo quais músicas tinham palavrão e tão logo eram reproduzidas, parte da turma gritava “tira essa, tem palavrão! [sem que ninguém falasse nada]”

(Relato de experiência 6, 2018, p. 2 apud Bonetto, 2021BONETTO, Pedro Xavier Russo. Esquizo-experimentações com o Currículo Cultural de Educação Física. 2021. 345 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-14122021-163620. Acesso em: 13 jan. 2023.
https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-1...
, p. 179).

Por isso, defendemos a tese de que a perspectiva cultural aposta nas estratégias de governamento e controle de forma mais democrática e reflexiva, relacionada a uma abordagem mais ética e menos moral. Deleuze (2002)DELEUZE, Gilles. Espinosa: filosofia prática. São Paulo: Escuta, 2002., em Espinosa: filosofia prática, diz que a ética é aquilo que faz os modos de existência se arranjarem na relação entre os indivíduos e a forma como cada um é afetado nesse encontro. Nessa compreensão, a moral é tudo aquilo que se relaciona à existência de valores transcendentes. Com efeito, há uma desarticulação do sistema de julgamento que opõe os valores como bem e mal, substituindo-os por modos qualitativos de existência.

No campo ético, ou melhor, do ponto de vista da ética, tais características fisiológicas são consequências de uma capacidade de afetar e ser afetado de um corpo. Assim, afetos e encontros são conceitos centrais dessa perspectiva, uma vez que nada tem um valor transcendente, uma verdade absoluta ou uma causa única. Absolutamente influenciado pela filosofia de Baruch Spinoza, a concepção ética de Deleuze (2002, p. 130) relaciona-se com a potencialização ou a despotencialização das formas de existência.

Nunca, pois, um animal, uma coisa é separável de suas relações com o mundo: o interior é somente um exterior selecionado; o exterior, um interior projetado; a velocidade ou a lentidão dos metabolismos, das percepções, ações e reações entrelaçam-se para constituir tal indivíduo no mundo.

Por seu turno, a moral se restringe a um sistema de julgamento relacionado a valores, normas e regras, cujas causas pouco são compreendidas e quase nunca carecem de debate ou discussão, uma vez que ilustram a verdade naturalizada e transcendente. Assim, as broncas, repreensões, advertências acontecem como em toda relação assimétrica e institucionalizada, mas preferimos provocar, como bem disse Borges (2019)BORGES, Clayton César de Oliveira. Governo, verdade, subjetividade: uma análise do currículo cultural da Educação Física. 2019. 181 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2019.tde-04112019-165709. Acesso em: 13 jan. 2023.
https://doi.org/10.11606/T.48.2019.tde-0...
, pela via da reflexão e da análise das ações.

Nessa compreensão, valoriza-se o contexto das regras e das normas, assinalando que estas são convenções provisórias e que mais vale uma reflexão sobre elas do que propriamente segui-las incondicionalmente. Ou seja, os alunos e alunas expostos às experiências com a Educação Física cultural foram convidados a reflexionar sobre as formas de governamento. Os encontros, as decisões coletivizadas e as experimentações foram, sem dúvida, elementos mais importantes na elaboração das aulas do que a capacidade de obedecer e aceitar o que já estava posto.

Considerações Provisórias

A instituição que acolheu o estudo representa muito bem os estereótipos da escola tradicional das sociedades modernas. Portanto, a tarefa docente mais relevante foi intervir nas linhas de força que se desenham no cotidiano da escolar, buscando, assim, impingir novas/diferentes estratégias que transformam e/ou desmontam as naturalizações produzidas pelas lógicas totalitárias presentes no território.

Diante desse cenário, com base nos excertos extraídos dos relatos das tematizações, notamos que as práticas de governamento e regulação preferidas nas experiências com a Educação Física cultural não dialogam com o exercício da autoridade, da burocracia e da coerção. Apesar disso, não eliminam práticas de governamento, regulação e controle; no máximo, tentam criar outras estratégias potencialmente menos autoritárias, burocráticas e coercitivas. Temos também que as experiências com o currículo cultural promovem mudanças em tempos e espaços das atividades escolares, ampliando-os, fazendo do território escolar um local menos estriado e possivelmente mais agradável para aqueles que lá habitam: a utilização do salão de artes pelo professor de Educação Física, a participação dos estudantes mais velhos durante a tematização do samba, a integração entre as aulas que aconteciam no pátio e o recreio das outras turmas.

Os fragmentos dos relatos demonstram o uso frequente das salas de aula, sala de vídeo, sala de informática, refeitório, “quadra de cima”, praça, viela e ambientes externos à escola. As atividades promoveram momentos de interação quase “desordenada”, especialmente entre quem estava no intervalo e quem participava da aula. Outras atividades envolveram a escola inteira, fizeram uso de vários espaços de maneira menos fechada, mais lisa e, consequentemente, promoveram um território mais agradável, divertido e vibrante. O tempo para as atividades historicamente “menos valorizadas” ou “menos úteis” dentro do ambiente escolar, no currículo cultural, é dilatado e mais estimado.

Por fim, defendemos que as experiências com o currículo cultural fazem uso de práticas de governamento dos corpos apostando mais na abordagem ética do que nas práticas moralizantes e normatizantes. A constatação corrobora o estudo de Borges (2019)BORGES, Clayton César de Oliveira. Governo, verdade, subjetividade: uma análise do currículo cultural da Educação Física. 2019. 181 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2019.tde-04112019-165709. Acesso em: 13 jan. 2023.
https://doi.org/10.11606/T.48.2019.tde-0...
. Por mais visível que seja determinado código normativo multicultural em funcionamento, é importante destacar que tal sistema de regras e valores pode ser concebido menos como uma questão de obrigação e proibição do que incitação e ativação de sentimentos e valores multiculturais. Fazem isso, investindo em decisões coletivizadas, em momentos de reflexão, contextualização e, porque não, de críticas às normas e tradições escolares.

  • 1
    APPADURAI, Arjun. La modernidad desbordada: dimensiones culturales de la globalización. Buenos Aires: FCE, 2001.
  • 2
    Este artigo é um recorte da tese de doutorado Esquizo-experimentações com o currículo cultural da Educação Física, defendida em 2021 junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de São Paulo.
  • 3
    De acordo com Fusinato e Kramer (2013)FUSINATO, Claudia Vanielle; KRAEMER, Celso. A invenção histórica da escola e escolarização no Brasil. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 11., 2013, Curitiba. Anais […]. Curitiba: PUC-PR, 2013. Disponível em: https://educere.bruc.com.br/CD2013/pdf/7876_5302.pdf. Acesso em: 13 jan. 2023.
    https://educere.bruc.com.br/CD2013/pdf/7...
    , as diretrizes curriculares brasileiras, os regimentos escolares e as rotinas cotidianas nas escolas impõem a institucionalização de mecanismos presentes nos colégios dos séculos XV/XVI.
  • 4
    FOUCAULT, Michel. Sécurité, territoire, population. Paris: Gallimard; Seuil, 2004.
  • 5
    MATHIESEN, Thomas. The Viewer Society: Michel Foucault’s “Panopticon” Revisited. Theoretical Criminology, v. 1, n. 2, p. 215-234, 1997.
  • 6
    Deleuze e Guattari não reduzem a esquizofrenia à doença, autismo, um desabamento catatônico. Ao contrário, extraem dela o processo, livre produção de desejo, um fluxo revolucionário sobre as máquinas.
  • 7
    Korean Pop, tradução livre de música popular coreana.
  • 8
    DONALD, James. Liberdade bem-regulada. In: COHEN, Jeffrey. Pedagogia dos monstros: os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. P. 61-88.

Disponibilidade dos dados da pesquisa:

O conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo está publicado no próprio artigo.

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Editado por

Editor responsável: Luís Armando Gandin

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2023
  • Aceito
    04 Out 2023
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