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FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM UM COLETIVO: ALGUNS PRINCÍPIOS ORIENTADORES1 1 Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.

FORMACIÓN DE PROFESORES EN UN COLECTIVO: ALGUNOS PRINCIPIOS ORIENTADORES

RESUMO:

Este estudo se insere no campo de investigação que trata da formação de professores, a fim de compreender como esses profissionais se formam em um contexto coletivo, como o de um grupo de estudos e pesquisas. Neste artigo apresenta-se uma interpretação de ações realizadas em um grupo de estudos e pesquisas, que, a partir de alguns princípios, podem orientar a formação docente dos professores que participam dele. Tenciona-se essa formação na perspectiva da atividade, com base na premissa de que um coletivo de grupo de estudos e pesquisas que prima por ações que ultrapassam suas dimensões estruturantes oferece uma formação que, com qualidades novas, transforma os sujeitos que participam dele. Assim, desenvolveu-se uma pesquisa a partir dos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, com o objetivo de compreender princípios que orientam a formação de professores em um coletivo. Os dados foram produzidos a partir da análise de ações realizadas em um grupo de estudos e pesquisas, com 18 integrantes, vinculados ao grupo como acadêmicas da graduação, professoras cursando a pós-graduação e/ou professoras da Educação Básica ou do Ensino Superior que participam de seus projetos. O processo analítico, a partir da dialética entre a dimensão orientadora e executora, procurou identificar princípios orientadores da formação docente no grupo a partir das diferentes ações que ele desenvolve. Os resultados apontam que essas ações permitem que os princípios se efetivem para que ocorra a formação dos sujeitos na perspectiva de uma personalidade coletivista, a partir da unidade afetivo-cognitiva constituída no processo de participação no grupo/coletivo, o que pode contribuir com o desenvolvimento da personalidade dos sujeitos que participam dele

Palavras-chave:
Formação de professores; atividade pedagógica; coletivo; personalidade

RESUMEN:

Este estudio se inserta en el campo de investigación que trata de la formación de profesores, con el fin de comprender cómo se forman estos profesionales en un contexto colectivo, como en un grupo de estudios e investigaciones. En este artículo, se presenta una interpretación de acciones realizadas en un grupo de estudios e investigaciones, que, a partir de algunos principios, pueden orientar la formación docente de los profesores participantes. Esta formación se plantea en la perspectiva de la actividad, partiendo de la premisa de que un colectivo de grupo de estudios e investigaciones que busca por acciones que vayan más allá de sus dimensiones estructurantes ofrece una formación que, con nuevas cualidades, transforma a los sujetos participantes. Así, se desarrolló una investigación basada en los supuestos de la Teoría Histórico-Cultural, con el objetivo de comprender principios que orientan la formación de profesores en un colectivo. Los datos fueron producidos a partir del análisis de acciones realizadas en un grupo de estudios e investigaciones, con 18 integrantes, vinculados al grupo como académicas de grado, profesoras que son estudiantes de posgrado y/o profesoras de Educación Básica o Enseñanza Superior que participan de sus proyectos. El proceso analítico, a partir de la dialéctica entre la dimensión orientadora y ejecutora, buscó identificar los principios orientadores de la formación docente en el grupo a partir de las diferentes acciones que él desarrolla. Los resultados indican que esas acciones permiten que los principios sean implementados para que ocurra la formación de sujetos desde la perspectiva de una personalidad colectivista, a partir de la unidad afectivo-cognitiva constituida en el proceso de participación en el grupo/colectivo, que puede contribuir al desarrollo de la personalidad de los sujetos que participan en él.

Palabras clave:
Formación de profesores; actividad pedagógica; colectivo; personalidad

ABSTRACT:

This study falls within the field of research focused on teacher training, aiming to understand how these professionals are trained in a collective context, such as a study and research group. This article presents an interpretation of actions carried out in a study and research group, which, based on certain principles, can guide the teacher training of the participants. The intention is to view this training from the perspective of activity, based on the premise that a collective study and research group that emphasizes actions beyond its structural dimensions offers training that, with new qualities, transforms the individuals involved. Thus, a research was developed based on the premises of Historical-Cultural Theory, with the objective of understanding the principles that guide teacher training in a collective. Data were produced through the analysis of actions carried out in a study and research group with 18 members, comprising undergraduate students, teachers pursuing postgraduate studies, and/or teachers from Basic Education or Higher Education participating in its projects. The analytical process, grounded in the dialectic between the guiding and executing dimensions, sought to identify guiding principles of teacher training in the group through the various actions it develops. The results indicate that these actions allow the principles to be actualized, facilitating the formation of individuals from the perspective of a collectivist personality, based on the affective-cognitive unity constituted in the process of participating in the group/collective, which can contribute to the personality development of the individuals involved.

Keywords:
Teacher training; pedagogical activity; collective; personality

INTRODUÇÃO

Este artigo decorre de uma pesquisa em nível de doutorado, que teve como objetivo compreender princípios que orientam a formação de professores em um coletivo. É indiscutível que o coletivo desempenha um papel fundamental na formação dos sujeitos, cujas formas de ser refletem o que é assimilado socialmente. Mas, afinal, qual é a função do social na formação humana? De que maneira o aspecto social influencia a formação da personalidade dos sujeitos? Se tratando de professores, qual é o papel de um grupo/coletivo na sua formação?

Abordamos essas questões tomando como referência a concepção histórico-cultural fundamentada nos estudos de Lev Semionovitch Vigotski (1896-1934) e outros pesquisadores da escola vigotskiana, como Alexis Nikolaevich Leontiev (1903-1979), Arthur Vladimirovich Petrovski (1924-2006) e Antón Semionovich Makarenko (1888-1939). Em vez de apenas sintetizar seus estudos sobre o coletivo, as relações humanas, o papel da atividade no desenvolvimento individual e os vínculos afetivo-cognitivos dos sujeitos com o mundo, apresentamos por meio da nossa pesquisa a importância de um grupo de estudos e pesquisas com características coletivas na formação de professores e futuros professores que deles participam, tendo em visto princípios que orientam essa formação.

Tais princípios foram identificados a partir do acompanhamento de ações de um grupo de estudos e pesquisas, em que a autora deste trabalho, no papel de pesquisadora, acompanhou suas ações pelo período de dois anos. O material recolhido deste acompanhamento, apreendido por meio da gravação dos encontros do grupo, dos relatos escritos das participantes2 2 O uso do feminino se justifica pelo grupo investigado ser composto apenas por mulheres. Todavia, manteremos o uso da palavra “professores” no título, no objetivo e nas questões de pesquisa, por estarmos fazendo referência a um grupo de profissionais que inclui professores dos gêneros feminino e masculino. e do registro das memórias dos encontros, deu subsídios para a identificação de quatro princípios que orientam a formação docente no contexto de um grupo/coletivo3 3 Será utilizada a expressão grupo/coletivo para designar um grupo que possui características de um coletivo (PETROVSKI, 1986), mas que pode não se constituir como tal em sua totalidade, pois de acordo com o autor, o coletivo é um tipo superior de grupo no qual as relações envolvem objetivos reais e comuns de toda a sociedade a que este coletivo pertence. .

Assim, este estudo está focalizado no conjunto de pesquisas que defendem que a formação docente em grupo, com premissa de um coletivo, orientará a ação docente, por esta formação ser organizada de um modo singular que, por sua vez, dá um novo significado para a atividade pedagógica, logo desenvolve a personalidade docente. A revisão de produções acadêmicas possibilitou sintetizar pesquisas relacionadas ao nosso foco de estudo, realizadas nos últimos 10 anos. Investigações como as de Fernandes (2015FERNANDES, Luciete Valota. O processo grupal como resistência ao sofrimento e ao adoecimento docente: um estudo à luz da perspectiva histórico-dialética. 2015. 270 p. Tese (Doutorado em Psicologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.) e Cruz (2016CRUZ, Vanessa Alves de Almeida. O desenvolvimento profissional do professor da educação básica em grupos de pesquisa. 2016. 121 p. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de São Carlos, Sorocaba, 2016.) defenderam que o grupo pode tornar-se um espaço de resistência ao adoecimento docente, quando se estabelece uma identidade grupal a partir de uma formação que apoie a prática pedagógica. Esse apoio precisa responder às necessidades dos professores que estarão na formação, de modo que seu trabalho seja desenvolvido com uma maior qualidade, como nos apontam- as pesquisas de Hodge (2017HODGE, Ingrid Ximena Arias. Necessidades, motivos e sentidos que mobilizam professores para a atividade de ensino e participação em grupos constituídos na interface universidade e escola. 2017. 147 p. Dissertação (Mestrado em Educação nas Ciências) - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí, 2017.) e Brito (2017BRITO, Karina Daniela Mazzaro. A constituição do coletivo e o processo de significação docente. 2017. 176 p. Dissertação (Mestrado em Ciências) - Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2017.). Nessa perspectiva afirmamos que existem relações dentro do grupo que colaboram para a significação do trabalho docente, o que leva o grupo a tornar-se parte do plano de vida do professor, como defendeu Borowsky (2017BOROWSKY, Halana Garcez. Os movimentos de formação docente no projeto orientador da atividade. 2017. 242 p. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2017.). Assim, esse coletivo se forma a partir da história de cada um dos participantes, que se unem por objetivos comuns, conforme ressaltou Rodrigues (2020RODRIGUES, Carolina Innocente. Formação profissional continuada com professores que ensinam matemática: um estudo sobre os elementos que caracterizam uma coletividade. 2020. 133p. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2020.).

Ao analisarmos essas produções, ficou evidente que os pesquisadores têm enfatizado a necessidade de ampliar o foco da formação docente além da aprendizagem de conhecimentos teóricos e metodológicos da prática pedagógica, colocando em destaque o sujeito professor como personalidade. Assim, suas constatações permitiu-nos reconhecer três preposições importantes para organizar uma formação na perspectiva do coletivo: I) os motivos dos professores se inserirem em um grupo está relacionado a vínculos afetivo-cognitivos; II) a contribuição de um grupo/coletivo na formação de professores e futuros professores reside no fato de esse grupo motivá-los para o desenvolvimento de sua atividade pedagógica; III) em um grupo/coletivo, pelas ações compartilhadas entre os sujeitos e seu objeto de conhecimento, é possível formar uma personalidade coletivista, no sentido de libertar os professores e futuros professores de aceitar uma prática que muitas vezes é imposta. A partir destas preposições, tencionamos que uma formação na perspectiva do coletivo transforma a prática pedagógica. Todavia, essa transformação só será possível porque a formação tem como base princípios que podem orientar a prática pedagógica docente, apreendida no processo de formação do grupo.

Neste artigo, para apresentar princípios orientadores da formação docente na perspectiva do coletivo, inicialmente discutiremos a respeito do conceito de coletivo na formação de professores no contexto de um grupo de estudos e pesquisas compreendido como um coletivo de formação. Por acreditar que no coletivo o sujeito se forma e transforma, traremos a discussão a respeito da formação da personalidade de professores. Posteriormente descreveremos os caminhos metodológicos da pesquisa a partir das dimensões que as compõem: a dimensão orientadora e a dimensão executora. Então, apresentaremos os resultados de nossas análises, em que as diferentes ações vivenciadas no grupo/coletivo nos permitem afirmar que existem elementos importantes que levam esse grupo a tornar-se um coletivo referência na formação dos sujeitos que dele participam, cujos elementos são os princípios orientadores da formação docente e do desenvolvimento da personalidade de cada um. Ao final, teceremos considerações a respeito do estudo.

O CONCEITO DE COLETIVO NA FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE DE PROFESSORES

O conceito de coletivo, na perspectiva aqui apresentada, centra-se nas ideias de Petrovski (1984PETROVSKI, Arthur V. Personalidad, actividad y colectividad. Buenos Aires, AR: Cartago, 1984.), um dos autores da Teoria Histórico-Cultural. Suas ideias destacam que o coletivo é um fenômeno social transformado por atividades conjuntas de seus membros, atividades que são socialmente significativas e atendem tanto às demandas da sociedade quanto aos interesses individuais. Para Petrovski,

o fator que transforma o grupo em coletivo é a atividade conjunta de seus membros, uma atividade socialmente significativa que atende tanto às demandas da sociedade quanto aos interesses da personalidade. É precisamente a realização de uma atividade conjunta socialmente valiosa que permite o estabelecimento de inter-relações coletivistas e a superação das contradições entre o individual e o grupal (PETROVSKI, 1984PETROVSKI, Arthur V. Personalidad, actividad y colectividad. Buenos Aires, AR: Cartago, 1984., p. 8, tradução nossa).

Trata-se do entendimento de que um grupo, quando organiza atividades conjuntas, permite que as relações entre os sujeitos - neste caso, os professores - sejam mediadas pelo seu conteúdo e pela finalidade da atividade, respondendo a necessidades tanto sociais quanto individuais dos sujeitos. Ao nos referirmos ao termo atividade, estamos usando como compreensão as ideias de Leontiev (1978LEONTIEV, Alexei Nikolaevich. Actividad, conciencia y personalidad. Buenos Aires: Argentina, Ediciones Ciencias Del Hombre, 1978.). Segundo o autor, a atividade é um sistema complexo e dinâmico que responde as necessidades humanas. Assim, a atividade é um elo prático que conecta o sujeito ao mundo ao seu redor, funcionando como um processo de trânsito entre os polos opostos: sujeito e objeto. É por meio da atividade que o ser humano estabelece um contato ativo com o mundo exterior, orientado por um motivo. Esse motivo é derivado das necessidades humanas e dá sentido à atividade.

Dessa forma, participar de um grupo de estudos e pesquisas responderá a diferentes necessidades pessoais, fazendo com que o grupo adquira uma nova qualidade, passando a ser entendido como um coletivo que transcende a simples reunião de pessoas, uma vez que seus interesses, motivos e necessidades são comuns ao grupo e à sociedade a que ele pertence. O coletivo, portanto, representa uma forma superior de grupo, em que seus membros participam de forma consciente, com motivos que se alinham com o significado do grupo, e sua participação assume um sentido pessoal. Na formação de professores, isso implica que suas ações conjuntas integram uma atividade formativa que contribui para a docência e desenvolvimento pessoal.

Segundo Petrovski (1986PETROVSKI, Arthur V. Psicologia general: manual didáctico para los institutos de pedagogia. 3. ed. Moscú: Editorial Progreso, 1986.), transformar um grupo numa coletividade na qual as ações conjuntas de seus participantes se tornem uma atividade socialmente significativa e valiosa, que responda às necessidades sociais e pessoais e que permita realizar ações comuns que superem a contradição entre pessoal e social, contribui para a formação da personalidade dos sujeitos. A coletividade educa a personalidade, promovendo um alto grau de consciência e responsabilidade social. Na formação de professores, isso orienta a atividade pedagógica, superando práticas neoliberais, isto é, nas quais os professores lutem por uma educação como patrimônio social, direito de todos os seres humanos, na perspectiva de transformação social e favorecendo uma educação humanizadora que combate a alienação e formas capitalistas de conduta.

Petrovski (1986PETROVSKI, Arthur V. Psicologia general: manual didáctico para los institutos de pedagogia. 3. ed. Moscú: Editorial Progreso, 1986.) apresenta diferentes tipos e categorias para a formação de grupos e coletivos. Ele explica, segundo a psicologia, que existem dois tipos de grupos: o grupo convencional e o grupo de contato. O grupo convencional seria aquele em que os participantes se reúnem por características determinadas, por exemplo, idade, sexo, nacionalidade. Neste tipo de grupo não há relações objetivas diretas ou indiretas, e os pertencentes a ele podem nunca se encontrar. Já o grupo de contato é formado por pessoas que existem no tempo e no espaço e se reúnem por relações reais, por exemplo, um grupo de alunos, professores, uma unidade militar. No grupo de contato há sempre um líder, um dirigente. Os laços e as relações que se formam neste grupo são reais e se encontram no subjetivo de cada participante.

Embora existam essas relações nos diferentes grupos em que o sujeito vai se inserindo desde que nasce, há um tipo de grupo que Petrovski (1986PETROVSKI, Arthur V. Psicologia general: manual didáctico para los institutos de pedagogia. 3. ed. Moscú: Editorial Progreso, 1986.) descreve como um grupo mais elevado, que ele chama de coletivo. No entanto, nem todo grupo organizado interna e externamente é um coletivo. Apenas um grupo organizado com uma perspectiva coletiva, cujas atividades comuns respondem a motivos amplos e sociais, pode ser considerado um verdadeiro coletivo. Segundo Petrovski (1986PETROVSKI, Arthur V. Psicologia general: manual didáctico para los institutos de pedagogia. 3. ed. Moscú: Editorial Progreso, 1986.), um coletivo é caracterizado por relações de compartilhamento, sucesso e fracasso, calor emocional e abertura para novos membros dispostos para contribuir com os objetivos comuns. Essas características são fundamentais para analisar e identificar quando um grupo efetivamente se torna um coletivo, com relações interpessoais mediadas por conteúdos significativos que refletem as necessidades sociais.

Com base nessas ideias, é possível sistematizar as relações essenciais em um coletivo, como apresentamos na figura a seguir.

Figura 1
Estrutura das relações em um coletivo

No contexto de um grupo que se organiza na perspectiva do coletivo, as relações entre os sujeitos começam com as necessidades individuais dos membros. Essas necessidades podem ser de natureza material ou intelectual, e o grupo é visto como um meio para satisfazê-las. Quando as necessidades individuais coincidem com um motivo e objetivo comum compartilhado pelo grupo, isso orienta os princípios, os ideais e a organização do grupo e sua construção ideológica como parte de uma sociedade maior. Cada membro do grupo atribui um sentido pessoal a esses princípios e, por meio da criação de vínculos afetivos entre si e com a atividade do grupo, a atividade se torna significativa para todos. Ao compartilhar ações que permitem o desenvolvimento de novas qualidades pessoais, o grupo se constitui como referência para a conduta de cada membro como personalidade.

As particularidades específicas dessas relações são importantes para entender quando um grupo se compõe como um coletivo. Além delas, existem características específicas que permitem identificar quando um grupo é ou está se encaminhando para uma organização e relação de coletividade: a autodeterminação coletivista, a coesão e a familiarização emocional. A primeira característica - autodeterminação coletivista - pode ser compreendida como aquela que expressa a conduta a ser seguida pelos membros do coletivo frente a qualquer influência ou pressão, o que irá determinar a reação da personalidade de cada sujeito aos inesperados sofridos pelo grupo. Petrovski (1986PETROVSKI, Arthur V. Psicologia general: manual didáctico para los institutos de pedagogia. 3. ed. Moscú: Editorial Progreso, 1986., p. 133) explica que

a autodeterminação coletivista é uma característica das relações interpessoais no coletivo, sendo caracterizada pela atitude seletiva dos membros do coletivo em relação a qualquer influência, inclusive às influências de seu próprio coletivo, que são avaliadas, adotadas ou rejeitadas dependendo se estão ou não em conformidade com as tarefas, objetivos e valores que compõem o conteúdo socialmente valioso de sua atividade (tradução nossa).

A autodeterminação coletivista é oposta ao conformismo, pois as motivações pessoais coincidem com os objetivos do coletivo. Mesmo quando os membros não concordam com as tarefas da atividade, a conduta solidária prevalece sobre a individualidade, em prol da ideologia do grupo. Isso significa que as pressões do coletivo não ameaçam a harmonia, pois, no coletivo, a personalidade tem liberdade para atuar em concordância com a orientação do grupo e o tem como ideal de conduta. Dessa forma, a perspectiva comum é mantida nas diferentes ações individuais. Além disso, as situações inesperadas pelas quais o coletivo passa são facilmente enfrentadas pelos seus membros, e isso determina sua coesão, uma das propriedades mais importantes do coletivo, porque cria e mantém o trabalho em harmonia e permite que cada personalidade se desenvolva, mesmo em condições não tão favoráveis. Porém, isso não significa dizer que os valores, as opiniões e os conhecimentos, por exemplo, sejam iguais em todos os sujeitos deste coletivo

A coesão de um coletivo é determinada pela proximidade dos valores morais e éticos de seus membros, pela afetividade compartilhada e pela forma como as atividades são realizadas em conjunto. Isso significa que um coletivo coeso tem o grupo como guia e orientador de sua conduta, o que está diretamente relacionado com a familiarização emocional de cada membro em relação ao coletivo. Uma marca importante dessa relação é a percepção do coletivo como verdadeiro e bom, sendo a sua unidade afetivo-cognitiva determinante para que sua personalidade se desenvolva.

O que foi apresentado até aqui é fundamental para considerarmos um grupo de estudos e pesquisas como um contexto de formação coletiva, no qual a unidade afetivo-cognitiva terá um papel essencial no desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo. Isso implica que a organização das atividades propostas pelo grupo deve ter como objetivo criar um espaço comum, coeso e de compartilhamento, que representa uma célula do todo da sociedade. Nossa argumentação sustenta que, quando um grupo de estudos e pesquisas é organizado com a perspectiva teórica aqui apresentada, sua atividade conjunta pode servir como orientadora da ação docente e contribuir para o desenvolvimento da personalidade do professor e do futuro professor que participam dele.

Com base nos estudos de autores como Leontiev (1978LEONTIEV, Alexei Nikolaevich. Actividad, conciencia y personalidad. Buenos Aires: Argentina, Ediciones Ciencias Del Hombre, 1978.), Rubinstein (1977RUBINSTEIN, Serguei Leonidovich. Princípios de psicologia geral. 2. ed. Lisboa: Estampa. 1977. v. VII.), Petrovski (1986PETROVSKI, Arthur V. Psicologia general: manual didáctico para los institutos de pedagogia. 3. ed. Moscú: Editorial Progreso, 1986.) e Martins (2013MARTINS, Lígia Márcia. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica. Campinas, SP: Autores Associados, 2013.), compreendemos que o desenvolvimento humano ocorre por meio da história que os indivíduos constroem, levando em consideração suas condições biológicas e sociais. A formação da personalidade é resultado das atividades dos sujeitos ao longo do tempo, expressando necessidades, motivações, habilidades, objetivos, emoções e sentimentos.

Martins (2004MARTINS, Lígia Márcia. A natureza histórico-social da personalidade. Caderno Cedes, Campinas, v. 24, n. 62, p. 82-99, 2004.) ressalta que a personalidade é desenvolvida em circunstâncias objetivas, resultado da atividade subjetiva condicionada por condições objetivas. Este processo é social e não depende apenas da vontade individual, mas da trama de relações estabelecidas entre os indivíduos. Assim, a formação do ser humano é sintetizada na história coletivamente produzida e, ao ser assimilada pelos membros de uma sociedade, insere-se numa formação mais ampla: a humanidade. A personalidade é uma complexificação da individualidade, formada pela relação entre condições objetivas e subjetivas, diferenciando cada sujeito socialmente.

Leontiev (2021LEONTIEV, Alexei Nikolaevich. Atividade. Consciência. Personalidade. Tradução de Priscila Marques. Bauru, SP: Mireveja, 2021.) esclarece que a personalidade é alcançada por meio da socialização e da formação cultural. Desta forma, a análise da atividade humana e dos processos psíquicos revela que a personalidade do sujeito manifesta suas ações como um ser histórico, que pensa, age e sente. Assim, a atividade subjetiva está relacionada à atividade prática, com o pensamento sendo uma imagem subjetiva do mundo objetivo. Na formação de professores, a participação num coletivo permite a construção de uma imagem subjetiva do real, refletindo teoricamente sobre a atividade pedagógica. Isso contribui para o desenvolvimento de uma personalidade nova e humanizadora, alinhada com práticas educacionais contra hegemônicas e em oposição ao sistema educacional capitalista e autoritário.

A formação do professor é vista, nesse sentido, como um processo de desenvolvimento da personalidade, ligado ao trabalho (compreendido neste caso como a atividade pedagógica) e à capacidade de promover mudanças intencionais. A educação deve combater a alienação e promover a humanização dos sujeitos através da atividade pedagógica. Nesse contexto, um grupo de estudos e pesquisas como um coletivo pode libertar os sujeitos de práticas conformistas, desenvolvendo uma personalidade coletivista e consciente. Nossa pesquisa está alinhada com a formação e o desenvolvimento de uma personalidade humanizadora, pois acreditamos e defendemos que o coletivo, na perspectiva de Petrovski, tem o potencial de transformar as personalidades docentes. Ou seja, acreditamos que os professores devem lutar por uma educação como patrimônio social, um direito de todos os seres humanos, com o objetivo de promover a transformação social e se posicionar contra um sistema educacional capitalista e autoritário, o que será sistematizado pela formação dada no e em coletivo.

A análise dos processos formativos num grupo de estudos e pesquisas deve considerar ações coletivas que promovam a formação dos participantes, com um compromisso ético e ideológico em relação à interação entre trabalho e teoria. A formação do professor, neste caso, ocorre na relação com seus colegas, nas atividades comuns do grupo e nas ações que possibilitam a participação, desenvolvendo assim uma personalidade docente numa perspectiva coletivista. De acordo com Kopnin (1978KOPNIN, P. A dialética como lógica e teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.), concordamos que, para validar qualquer construção teórica, é importante apresentar o processo pelo qual o pensamento levou a construi-la. Assim, na seção seguinte apresentaremos o caminho metodológico da pesquisa, que nos permitiu identificar princípios para a formação docente no coletivo de um grupo de estudos e pesquisas.

O MÉTODO HISTÓRICO E DIALÉTICO COMO CAMINHO METODOLÓGICO

Considerar que a formação de professores no coletivo acontece a partir de alguns princípios, tal como fizemos, traz alguns desafios para a pesquisa. De acordo com Kopnin (1978KOPNIN, P. A dialética como lógica e teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.), a veracidade de qualquer construção teórica deve ser comprovada por meio da demonstração do caminho percorrido até a formulação da teoria, analisando o material empírico e as leis que guiaram sua elaboração. Ele destaca que a demonstração de uma teoria implica apresentar não apenas seu resultado, mas também seu desenvolvimento, comprovando como a tese foi construída passo a passo. Com isso, mais do que apresentar os princípios orientadores que identificamos, é preciso demonstrar o processo vivido pelos professores e futuros professores participantes deste coletivo, isto é, considerar as ações do grupo que permitem tal façanha. Talvez por este motivo, a pesquisa tomou forma quando compreendemos a existência de princípios que permitem ao coletivo promover o desenvolvimento dos professores para uma nova qualidade, por considerar uma relação afetivo-cognitiva e, principalmente, por entender que as ações vividas com o grupo precisam tornar-se uma atividade de formação para os participantes dele.

A pesquisa que desenvolvemos foi realizada no contexto de um grupo de estudos e pesquisas, vinculado a uma Universidade pública no Sul do país. No período em que nossa pesquisa foi desenvolvida, o Grupo de Estudos e Pesquisas Investigado4 4 O nome específico do grupo foi ocultado para não ferir os princípios éticos da pesquisa. (GEPI), esteve constituído por professoras do Ensino Superior, alunos da graduação dos cursos de Matemática Licenciatura, Pedagogia e Educação Especial, alunos de mestrado e doutorado da pós-graduação em Educação e da pós-graduação em Educação Matemática, e professoras da Educação Básica. As integrantes do grupo, com vínculo acadêmico e sem vínculo acadêmico com a universidade, aceitaram colaborar com o estudo e autorizaram que apresentássemos suas contribuições como dados de pesquisa. Assim, os dados da nossa pesquisa foram apreendidos com a contribuição total de 18 participantes, das quais, 13 estavam vinculadas ao grupo através de um viés acadêmico como alunas da graduação ou pós-graduação; e, as outras cinco participantes, não estavam mais vinculadas ao grupo por questões acadêmicas, mas continuavam participando de algumas de suas ações como colaboradoras.

O tempo de participação no grupo varia da participação desde sua criação em 2009, compreendendo um período máximo de 14 e mínimo de 3 anos, entre as participantes desta pesquisa. Elas foram convidadas a colaborar com o estudo porque consideramos que sua participação desde a graduação revela que o grupo/coletivo promove uma relação que ultrapassa o fato de apenas estudarem algo que a elas interessa, representando uma relação que é, além de cognitiva, afetiva e permite que o grupo se consolide como um coletivo que orienta a atividade pedagógica docente. Assim, a pesquisa se desvelou a partir do acompanhamento das ações do grupo pelo período de dois anos (2020 e 2021).

Em razão da situação pandêmica, o grupo teve de reorganizar suas ações e se adequar a um novo tipo de encontro, através do Google Meet. Por esta razão, os encontros de projetos e gerais do grupo que reunia todos os seus participantes (com ou sem viés acadêmico) foram suspensos e mantiveram-se apenas os encontros semanais com os participantes do grupo envolvidos com pesquisas, que chamamos de encontros formativos. Estes encontros aconteceram semanalmente e tiveram a duração de cerca de três horas. Os dados foram apreendidos pelos encontros formativos com as participantes, pelos relatos escritos elaborados durante o período investigado e pelo registro das memórias dos seus encontros, no qual cada participante pelo registro da memória, destacou aquilo que a marcou como sentimento e como aprendizado. Além disso, com aquelas participantes que já passaram pelo GEPI durante sua graduação ou pós-graduação e não participam mais dos encontros formativos por não estarem mais envolvidas com pesquisas acadêmicas, conduzimos relatos escritos para compreender o impacto dessa participação em seu desenvolvimento acadêmico, profissional e pessoal, visto que os encontros gerais do grupo tiveram de ser suspensos em razão da pandemia.

Deste modo, acompanhamos os encontros formativos semanais das participantes, que são tanto acadêmicas de graduação quanto de pós-graduação, bem como, recolhemos relatos das demais integrantes do grupo que não possuem vínculo acadêmico com a universidade. Notavelmente, algumas das estudantes de graduação, ao longo do estudo, concluíram sua formação inicial e ingressaram na pós-graduação, mantendo seu envolvimento no grupo com viés ainda acadêmico. Nos concentramos especialmente nesses encontros, onde ocorreram estudos, debates, compartilhamento de experiências, reflexões sobre a educação brasileira durante a pandemia, apresentações de pesquisas em andamento e relatos pessoais. Esses encontros foram planejados pela orientadora desta pesquisa em conjunto com as participantes, ocasionalmente incluindo propostas de reflexão sobre textos específicos, que revelam percepções e subjetividades das participantes em relação as temáticas estudadas pelo grupo.

Embora tenhamos acompanhado as ações do grupo pelo período de dois anos, não conseguimos apresentar a totalidade da realidade apreendida, e buscamos solucionar este problema a partir das ideias de Bento Jesus de Caraça. Para ele, “na impossibilidade de abraçar, num único golpe, a totalidade do Universo, o observador recorta, destaca, dessa totalidade, um conjunto de sêres e factos [...]” (CARAÇA, 1951CARAÇA, Bento de Jesus. Conceitos fundamentais da Matemática. Lisboa: Sá da Costa, 1951., p. 112) que mantém a essência de sua totalidade. Esse recorte o autor chama de isolado. Desse modo, “um isolado é, portanto, uma secção da realidade, nela recortada arbitrariamente. [...] isolado de estudo, de modo a compreender nele todos os factores dominantes, isto é, todos aqueles cujas acção de interdependência influi sensivelmente no fenómeno a estudar” (p. 112).

Desta forma, os isolados que escolhemos serviram de referência para que pudéssemos identificar princípios que orientam a formação de professores em um coletivo em que as ações, as relações, a história do grupo e o afeto entre os membros e com seu objeto de estudo, podem orientar a personalidade dos sujeitos envolvidos com essa formação. Isto é, os princípios orientadores da formação só se efetivam porque o sujeito apresenta uma relação afetivo-cognitiva com seu grupo/coletivo.

Na pesquisa que desenvolvemos, estudamos quatro isolados de estudo: I) o movimento histórico: ações de formação do grupo; II) a constituição de um espaço para a formação: processo de organização do grupo; III) o estabelecimento da familiarização emocional: sentido e significado de participar do grupo; e IV) os vínculos afetivo-cognitivos: relações estabelecidas com o grupo. A partir dos isolados, fomos guiadas a identificar ações formativas realizadas pelo grupo, as quais, através do significado atribuído à participação de cada professora nele, podem evidenciar a formação delas por meio da unidade afetivo-cognitiva construída no processo de participação. Entre os isolados de estudo não há uma relação hierárquica, seja em termos temporais ou qualitativos, mas sim uma relação dialética de interdependência. A denominação de cada um deles foi escolhida por refletir seu conteúdo, partindo da premissa de que o conteúdo de um isolado contém ou está contido em outro isolado.

No isolado I tivemos a intenção de apresentar o processo histórico da constituição do grupo, isto é, o modo como ele se foi compondo ao longo de sua história. Para isso, apresentamos as pesquisas, os projetos e os programas desenvolvidos desde a sua criação. Com a intenção de mostrar a dinâmica de organização do grupo, no isolado II tivemos como conteúdo explanar a forma como o grupo organiza as diferentes ações que desenvolve e quais delas são destacadas pelas participantes, evidenciando as que são ou foram importantes para a sua formação no grupo, no período de desenvolvimento de nossa pesquisa. Para além das ações, no isolado III demonstramos o movimento de constituição de vínculos que produzem sentido e significado de cada pessoa, ao participar do grupo, o que estabelece sua familiarização emocional. É a constituição dela que propicia estabelecer a afetividade coletiva do grupo, ou seja, o sentimento de pertencimento a ele, o que evidenciamos no isolado IV. A partir desses isolados, organizados pelos documentos do grupo, pelos relatos escritos de suas participantes, pelo registro das memórias e pelas manifestações durante os encontros formativos gravados durante os dois anos de seu acompanhamento, recolhemos o que chamamos de interdependência dos isolados, que manifesta princípios que orientam a formação docente em coletivo.

Cabe ainda destacar que reunimos os isolados que em nosso entendimento apresentaram elementos essenciais, para que pudéssemos identificar princípios que orientam a formação docente. A apresentação dos isolados foi feita a partir de episódios que envolvem falas, gestos, expressões, escritas e ações5 5 Declaramos que os participantes do estudo autorizaram o uso de suas contribuições para fins de pesquisa conforme Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado por todos. A identidade dos participantes está preservada e sua menção na pesquisa foi feita pela escolha de nomes fictícios. (MOURA, 2000MOURA, Manoel Oriosvaldo de. O educador matemático na coletividade de formação: uma experiência com a escola pública. Tese (Livre-Docência em Metodologia do Ensino de Matemática) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.) que revelam elementos essenciais da formação no coletivo. Uma estrutura composta por episódios que se relacionam entre si, reúne e organiza alguns desses episódios em cenas contendo frases escritas e/ou faladas, com o objetivo de destacar o papel do grupo na formação das professoras e futuras professoras participantes, abordando as diversas ações proporcionadas por ele. Por outro lado, outros episódios foram organizados como retratos. O retrato se configura como o resultado de um movimento que, no momento da pesquisa, já estava cristalizado. Ele captura um aspecto estético da realidade, cuja análise permite ir além da aparência, entendendo-o como uma síntese que revela as ações que constituíram o fenômeno. Surgiu a partir de um movimento que, no momento da pesquisa, já se encontrava estabelecido. Mesmo sem apresentar expressões capturadas diretamente, os retratos não perdem a essência inicial proposta por Moura (2000MOURA, Manoel Oriosvaldo de. O educador matemático na coletividade de formação: uma experiência com a escola pública. Tese (Livre-Docência em Metodologia do Ensino de Matemática) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.), uma vez que a organização nessa forma não exclui seu movimento. Ademais, cada episódio contempla diferentes momentos de formação humana, e com isso buscamos “garantir as características de fluência, ao perceber o movimento das ações num episódio, e de interdependência, ao demonstrar a interação entre eles” (ARAUJO, 2003ARAUJO, Elaine Sampaio. Da formação e do formar-se: a atividade de aprendizagem docente em uma escola pública. 2003. 186 p. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003., p. 70).

A análise dos isolados de estudo como elementos que contribuem para a formação docente na perspectiva coletiva, que exporemos a seguir, possibilitou-nos identificar alguns princípios que permitem que o coletivo transforme a personalidade dos envolvidos com uma nova qualidade. Devido à restrição de dimensão do texto, optamos por relatar o conteúdo de cada um dos isolados de estudo sem apresentá-los em sua integralidade, trazendo recortes do conteúdo de cada isolado que representam o movimento de nossa investigação. Destacamos que os excertos de falas foram descritos a partir das gravações dos encontros e passaram pela leitura e aprovação das participantes, cuja identidade está preservada e a indicação dos nomes é fictícia e escolhida por cada uma delas. Também recorremos à teoria que estudamos para ajudar a contar e entender como um grupo de estudos e pesquisas, que se organiza na premissa do coletivo, contribui para a formação docente, em uma sequência temporal que conta as histórias de vida de professoras e futuras professoras, entrelaçadas com a história de um grupo que tem como premissa uma formação docente humanizadora. A seguir, dialogaremos a partir dos isolados que estudamos.

A FORMAÇÃO NA PERSPECTIVA DA COLETIVIDADE: O QUE DIZEM OS ISOLADOS

O ser humano é produto de suas relações sociais, através das quais absorvemos e contribuímos para a nossa cultura. Como seres que se constroem por meio dessas interações com os outros, com o conhecimento e a cultura, somos intrinsecamente seres afetivos. Pensamos, sentimos, agimos e nos aproximamos de pessoas, espaços e lugares porque somos impactados por eles, tocados, inquietados, sensibilizados, motivados e formados por essas experiências. Em suma, somos aquilo que nossas atividades nos tornam. Neste texto, exploramos o termo atividade com referência às concepções de Leontiev, que destaca que a necessidade é a primordial condição para o desenvolvimento da atividade, pois é ela que impulsiona a pessoa a procurar atendê-la, sendo seu verdadeiro motivo.

Os professores ou futuros professores, ao buscarem uma formação em um grupo/coletivo, o fazem “por uma necessidade de dar respostas objetivas a problemas que os afligem” (MOURA, 2004MOURA, Manoel Oriosvaldo de. Pesquisa colaborativa: um foco na ação formadora. In: BARBOSA, Raquel Lazzari Leite(org.). Trajetórias e perspectivas da formação de educadores. São Paulo: Editora UNESP, 2004. p. 257-284., p. 258). Ao integrarem-se a um grupo/coletivo e envolverem-se nas atividades proporcionadas por ele, surgem novas demandas, laços são formados e, nesse decorrer, desenvolve-se uma conexão afetiva e cognitiva. Assim, apresentaremos nesse tópico, alguns dados dos isolados que estudamos e que nos possibilitaram identificar princípios para formação docente no coletivo.

Isolado I - O movimento histórico: ações do grupo

Narraremos a trajetória de um grupo de estudos e pesquisas associado a uma Instituição de Ensino Superior (IES), cuja responsabilidade inclui o desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e extensão. Criado em 2009, o Grupo de Estudos e Pesquisas Investigado (GEPI) dedica-se para estudar e investigar o processo de ensino e aprendizagem de matemática na Educação Básica aliado a formação inicial e continuada de professores. A perspectiva teórica e metodológica do grupo envolve os pressupostos da Atividade Orientadora de Ensino (AOE), proposta por Moura (1996MOURA, Manoel Oriosvaldo de. A Atividade de ensino como unidade formadora. Bolema, Rio Claro, v. 12, p. 29-43, 1996.). O conceito de AOE no grupo, vem se mostrando como um modo de objetivar o ensino na perspectiva da humanização dos sujeitos, além disso, tem orientado seus projetos e pesquisas desenvolvidas na graduação e pós-graduação. Assim, suas ações de ensino, pesquisa e extensão para que a objetivação do ensino aconteça, estão orientadas por duas linhas: a) ensino e aprendizagem; e b) formação de professores. Essas duas linhas, embora com intenções diferentes, olham para um objeto comum: a atividade pedagógica docente. As ações do grupo desdobram-se em ensino, pesquisa e extensão. Assim, a organização dos encontros compreende: a) encontros com participantes vinculadas a projetos de ensino e/ou pesquisa; b) encontros com as participantes que desenvolvem pesquisas de conclusão de curso, mestrado e/ou doutorado; e c) encontros gerais com participantes que possuem vínculo acadêmico e com participantes que não possuem mais vínculo acadêmico com a Universidade.

Relacionadas às atividades de pesquisa do GEPI, identificamos a realização de 29 trabalhos em nível de pós-graduação, abrangendo 22 dissertações de mestrado, 6 teses de doutorado e 1 pesquisa de pós-doutorado (dados até janeiro de 2022). Em todos esses estudos, o foco foi direcionado para a formação de professores, desde a formação inicial até a continuada, e para os métodos de ensino e aprendizagem na escola. Essa consistente temática sugere que são as duas linhas de pesquisa do grupo que definem o objeto central das investigações conduzidas pelo GEPI, cujos desdobramentos perpassem pesquisas que olharam para a Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação Superior. Apesar das nuances individuais presentes em cada pesquisa, estas se entrelaçam devido ao seu objetivo que vai além da investigação em si, abrangendo preocupações compartilhadas por todos os participantes do grupo: ensino e aprendizagem; e, formação de professores. O que essas pesquisas revelam é o fruto do refinamento de novas sínteses geradas a partir do acúmulo da produção científica existente.

Ao buscar no portal de projetos da Instituição de Ensino Superior, projetos desenvolvidos pelo grupo em âmbito da universidade, identificamos 38 projetos que abrangem a trajetória do GEPI desde sua fundação em 2009 até 2020 (conforme o período de nossa investigação), refletindo o desenvolvimento histórico das atividades do grupo. Notamos que a necessidade compartilhada pelo grupo em relação ao ensino e aprendizagem da matemática e à formação de professores, como evidenciado nas pesquisas de mestrado, doutorado e pós-doutorado conduzidas pelo grupo, também se reflete em seus projetos. Assim, todos projetos de ensino, pesquisa ou extensão também tiveram como fio condutor a formação docente e o ensino e aprendizagem na escola. Ao investigarmos, a partir dos relatos dos participantes da pesquisa, a importância de certos programas em sua formação, buscamos verificar nos arquivos do GEPI e no diretório de pesquisas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior o envolvimento do grupo em iniciativas dessa natureza. Desta busca, identificamos três programas relacionados ao grupo: dois de característica interinstitucionais, pelo envolvimento de sujeitos de outras instituições de nível superior; e outro institucional por seguir orientações do Governo Federal para projetos desta natureza.

Apesar de um episódio mais teórico e descritivo, por tratar de pesquisas, projetos e programas desenvolvidos pelo grupo, compreendemos que o potencial formativo presente nessas diversas iniciativas reside na oportunidade de aprendizado tanto individual quanto coletivo, uma vez que a coletividade e o compartilhamento são valores fundamentais do grupo. Nesse contexto, podemos perceber que as atividades de pesquisa, projetos e programas desenvolvidas pelo grupo não apenas registram sua própria trajetória, mas também a de seus membros, pois são construídas em conjunto com eles. A evolução histórica do grupo está ancorada na compreensão de que os indivíduos transformam a realidade na qual estão inseridos, e, portanto, a história do grupo só existe porque foi construída pelos sujeitos que o integram desdobrados em suas pesquisas, projetos e/ou programas.

Isolado II - A constituição de um espaço para a formação: processo de organização do grupo

Entendemos que a maneira como um grupo se estrutura, considerando sua base teórica e metodológica, determinará sua capacidade de se tornar um ponto de referência para os professores ao pensarem na organização de sua atividade pedagógica. Além disso, o processo de organização de um grupo que determina possibilidades formativas para os sujeitos. Apresentamos no quadro a seguir elementos de organização do grupo:

Quadro 01
Elementos de organização do grupo

Em 2020, devido à pandemia do novo coronavírus, os formatos de reuniões precisaram se adaptar a um modelo emergencial: encontros remotos e virtuais. A partir de março daquele ano, quando as atividades presenciais foram suspensas como medida preventiva contra a disseminação da COVID-19, os encontros mensais gerais foram cancelados, resultando na ausência de dados relacionados a eles. No entanto, os encontros semanais dos participantes envolvidos em projetos e pesquisas continuaram a ocorrer por meio da plataforma virtual de aprendizagem Google Meet. Sobre a participação nos diferentes encontros, destacamos as seguintes falas das participantes da pesquisa:

Maria Alice: Clube de matemática! Esse projeto deu início ao conhecimento escolar, me aproximando das práticas, das crianças, do processo de estudar, planejar, desenvolver e refletir!

Krupskaia: Considero a participação no GEPI essencial na minha atividade docente. Foi no grupo que tive a oportunidade de aprender sobre a docência na Educação Básica com o Clube de Matemática, sobre formação de professores em projetos como o Observatório da Educação, pude orientar pesquisas de iniciação científica e orientar acadêmicas de iniciação à docência. Todas essas experiências estão presentes no meu fazer pedagógico na minha instituição.

Prof18: Os encontros do núcleo, tanto os mensais, quanto os presenciais representam para mim a força do pensamento coletivo quando se trata de pensar uma educação humanizadora, em especial, a formação de professores, o ensino e aprendizagem de matemática e as temáticas emergentes quanto aos diversos problemas que assombram a educação pública nos últimos anos. A cada encontro, os estudos, as discussões, as apresentações, os diálogos e o compartilhamento me possibilitam entender e compreender diversas questões e problemáticas do contexto escolar, as quais sozinha seriam difíceis e provocaram uma cisão quanto à profissão. Me sinto fortalecida durante os encontros para enfrentar os desafios diários da atividade pedagógica.

Louise: Mesmo que muitas adaptações precisaram ser feitas, a continuidade do grupo fortaleceu as nossas ações. Poder compartilhar momentos, inquietações, inseguranças sobre o momento perpassado, permitiu a nós vermos que o nosso coletivo, apesar da distância, ainda estava presente, mostrando que não estávamos sozinhas. Nesse movimento, passamos a escrever a Memorie, que nesse momento tão peculiar, está nos apresentando tanto do outro que acaba nos aproximando de cada um e do grupo (Recorte de cenas dos dados da pesquisa).

As falas mostram que a participação em projetos, como no caso do Clube de Matemática, se configura como uma unidade formativa para futuros professores e professores em exercício. Isso ocorre porque permite a aquisição de novos conhecimentos, formando indivíduos com habilidades aprimoradas, e as atividades coletivas promovidas nesse espaço servem de referência para a execução de seu trabalho. Também destacamos que o encontro com o Núcleo, é percebido como um ambiente de aprendizagem compartilhada, oferecendo atividades de formação contínua para professores em formação inicial, pesquisadores em desenvolvimento e professores da Educação Básica e/ou do Ensino Superior. Além disso, funciona como um ambiente afetivo-cognitivo, onde laços de amizade são estabelecidos entre indivíduos unidos por interesses comuns, indo além do compartilhamento de leituras e estudos. Os encontros no GEPI também se mostraram importantes para esse desenvolvimento de qualidade nova e, para além disso, como um espaço de resistência diante dos desafios, especialmente durante o período de distanciamento social decorrente da pandemia de COVID-19.

Também nesse isolado, apresentamos um conjunto de regras/combinados que orientam as ações do grupo. Regras essas, que foram sendo estabelecidas pelos próprios membros no decorrer das ações como pontualidade, organização do espaço utilizado para reuniões, divisão de tarefas; e regras indicadas pela líder referente ao papel na pós-graduação, como periodicidade de orientações, elaboração de cronograma de etapas da pesquisa, compromisso com o programa de pós-graduação, participação em eventos, leituras e estudos. Petrovski (1986PETROVSKI, Arthur V. Psicologia general: manual didáctico para los institutos de pedagogia. 3. ed. Moscú: Editorial Progreso, 1986.) e Makarenko (1977MAKARENKO, Anton Semionovich. La coletividade y la educación de la personalidade. Moscou: Progresso, 1977.) indicaram que a coesão de um grupo depende de regras entendidas pelos membros como essenciais para a execução das tarefas coletivas. Observamos que há imprevistos que dificultam o progresso harmonioso das tarefas; no entanto, os interesses individuais não devem prevalecer sobre o bem do grupo.

Aprender sobre essas recomendações e entender sua importância para o grupo permite que futuros professores e professores reflitam sobre a forma como conduzem suas aulas, uma vez que, em seu trabalho, eles atuam como líderes e precisam mediar situações complexas para manter a harmonia entre os alunos. Além disso, essa abordagem facilita a compreensão de como integrar-se a um grupo e continuar com as ações já em andamento, pois o grupo muitas vezes existe antes da entrada de um novo membro e continuará existindo depois, garantindo a continuidade do coletivo ao longo do tempo.

Isolado III - O estabelecimento da familiarização emocional: sentido e significado em participar do grupo

Do ponto de vista da atividade psicológica, os motivos representam as necessidades humanas. Já sabemos que uma atividade, na perspectiva de Leontiev, precisa coincidir motivo com objeto. Assim, para compreendemos o sentido e significado em participar do grupo, necessitávamos compreender os motivos das participantes em estarem neste e não em outro grupo. Através de uma dinâmica conduzida pela pesquisadora, as participantes foram conduzidas a refletir os motivos de participarem do GEPI. Destacamos as seguintes expressões:

Tiffany: A primeira palavra que eu coloquei, necessidades, é pela necessidade de estar nesse movimento de aprendizagem. Depois, coletivo, também pela necessidade de estar em um coletivo, de aprender coletivamente, compartilhar experiências, compartilhar conhecimentos e a necessidade de estudar matemática.

Bia: Eu coloquei continuar aprendendo, pesquisando e compartilhando conhecimentos em busca de melhoras e diferenças na qualidade do ensino de matemática.

Ella: Eu coloquei interação, coletivo e aprendizagem [...]. É um coletivo que a gente aprende, até quando eu fui escrever minha dissertação, eu fui falar de mim, e aí eu lembrei do coletivo e da aprendizagem, porque quando eu entrei no curso era mais pela matemática, não pensava em educação, e quando eu entrei no grupo que aí eu comecei a ver a importância da educação. Eu entrei aqui nesse grupo e consigo aprender bastante, muito e principalmente para pensar sobre a Educação Matemática e as relações, coisa que eu não tinha nenhuma noção quando entrei para o curso de matemática. Imagina que pessoa que eu ia ser, como eu ia ser indo para a escola pensando só na matemática e não me importando tanto com a educação. Então, o grupo fez muita diferença na Ella que sou hoje.

Lara: Bom, eu escrevi várias palavras aqui, mas a do centro também é o coletivo. Eu entrei aqui no GEPI com a Bia, então a gente entrou juntas, no coletivo, como amigas. [...] O modo de organização desse grupo faz com que a gente aprenda, a gente troca experiências e com essas trocas de experiências e aprendizagens eu me fortaleço enquanto pessoa.

Lili: Eu escolhi o termo coletivo, porque é uma das coisas que me faz estar aqui, esse coletivo que a gente vem se constituindo e vai aprendendo e se modificando, assim, diariamente, com todas as aprendizagens que vamos tendo um com o outro por meio das interações e dos estudos. [...] quando eu comecei a participar [do GEPI] eu passei a entender que num trabalho em grupo, quando se tem um coletivo, as coisas vão funcionando, principalmente quando as pessoas têm interesses comuns (Recorte de cenas dos dados da pesquisa).

Destacamos motivos que se referem as necessidades de aprender e interagir. Embora pessoais, podemos perceber que os motivos também se transformam e se tornam coletivos, uma vez que as participantes demonstram reconhecer que as ações do grupo se pautam sempre na coletividade. São esses motivos que impulsionam as iniciativas do grupo e de cada um de seus membros, constituindo a base e o direcionamento de sua formação. À medida que essas necessidades são atendidas, novas surgem, influenciando a permanência dos integrantes no grupo, conforme destacado por Talizina (2009TALIZINA, Nina. Psicologia educativa. In: TALIZINA, Nina. La teoría de la actividad aplicada a la enseñanza. México, 2009. p. 351-371. (Colección Neuropsicología, Educación e Desarrollo).), onde os motivos servem como estímulo e propósito da atividade, gerando o surgimento de novas motivações e necessidades à medida que as atividades são realizadas.

Vale ressaltar que a identificação desses motivos é apenas uma abordagem didática, reconhecendo que a atividade humana é multifacetada em sua motivação. Da mesma forma, não implica que cada participante tenha apenas uma ou outra necessidade - estas foram as identificadas quando foram discutidas em grupo. Além disso, outras necessidades podem existir e as percebidas podem ser modificadas conforme são atendidas. É essa relação entre motivo e necessidade que cria o sentido pessoal em participar do grupo. Destacamos algumas expressões das participantes que evidenciam o sentido pessoal em participar do grupo.

Melissa: Em um primeiro momento a aproximação com a teoria histórico-cultural, que fundamenta as atividades realizadas no grupo. Mas o que me fez continuar participando do grupo foram as aprendizagens coletivas que além de contribuírem para a minha pesquisa, também contribuíram para a minha formação pessoal e profissional.

Liz: Comecei a participar a pedido da Prof.ª orientadora, mas continuei participando pois gostei muito das outras integrantes, de compartilhar vivências, de estudarmos os textos juntas e de assistir as apresentações das dissertações e teses. Me senti acolhida pelo grupo, em um momento muito difícil de iniciar o mestrado de forma remota, e aprendo muito participando. Estou extremamente feliz por estar vivendo esta nova fase de mestranda, apesar das dificuldades e sentimentos confusos no início, devido as aulas serem de forma online e não conhecer os colegas do mestrado. Não demorou para me sentir acolhida, pois fiz novos amigos (minha “panelinha”) e comecei a participar do GEPI, um grupo muito bacana que me acolheu e me inspira. (06/09/2021).

Louise: Querida, memorie, como é bom estar contigo novamente para relatar um pouco sobre o espaço do GEPI - esse que tem uma importância muito grande na minha formação quanto professora, pesquisadora (iniciante) e como humana. Talvez para os que olham de fora, é apenas um grupo de pesquisa, para outros um coletivo, para mim o lugar que desencadeia constantes inquietações e movimentos em relação ao ensino e aprendizagem da matemática [...]. Com a inserção no GEPI, o meu entendimento do professor que ensina matemática se ampliou, não se restringindo apenas ao licenciado em Matemática, mas também ao pedagogo - grande motivação por eu realizar a troca de curso - e mais tardar o entendimento em relação ao educador especial -, pesquisa realizada no Mestrado em Educação. A partir desse momento, o GEPI teve participação direta na minha formação permitindo vivenciar o curso de formação inicial com um outro olhar -sorte a minha em poder ter me inserido nesse espaço antes mesmo de iniciar o curso de Pedagogia -, sem dúvida isso fez toda diferença. Mas isso já faz um ‘tempinho’, pois hoje me encontro iniciando o Doutorado e, ainda permaneço nesse espaço, me ressignificando e buscando novas respostas para os questionamentos que vão surgindo a cada encontro. [...] Nesse movimento, pessoas permanecem, se vão ou se inserem, mas as aprendizagens compartilhadas permeiam todos os caminhos trilhados pelo GEPI. Que bom que eu tive a oportunidade de me inserir nesse espaço e aprender tanto - com amigas, colegas, professoras e pesquisadoras. Para falar bem a verdade memorie, não me imagino longe desse grupo que me constitui, afinal, uma vez GEPI, sempre GEPI (ops, acho que troquei o trocadilho - uma vez orientanda, sempre orientanda -, mas o sentido e o significado é o mesmo) (17/12/2020). (Recorte de cenas dos dados da pesquisa: a primeira, uma fala de um encontro coletivo; as duas últimas, analisada a partir da escrita da memória dos encontros indicados pelas datas ao final de cada excerto).

Esse recorte de expressões das participantes demonstra que no grupo existem diferentes tipos de vínculos que envolvem questões acadêmicas, com o trabalho docente, com o conhecimento teórico e com os outros sujeitos que participam do grupo. Compreendemos que são os diferentes tipos de vínculos que permitem o desenvolvimento da familiarização emocional do grupo, a partir de uma relação afetivo-cognitiva. Percebemos que o estabelecimento e a existência de vínculos se tornam um motivo principal para ingressar ou permanecer em um grupo. Ao mesmo tempo, é provável que os vínculos estabelecidos, ou a ausência deles, tenham levado outros participantes que já estiveram envolvidos a se distanciarem do grupo. Esses vínculos guiarão as ações e decisões de cada participante em relação a permanecer ou se afastar do grupo.

Ainda podemos destacar dessas expressões que as lembranças, carregadas de significado pessoal e emoções, se transformam em um sentimento de familiaridade emocional, que não enfatiza o conteúdo específico dessas lembranças sobre as experiências com o grupo, mas sim expressa o que se sente em relação a elas. Isso está alinhado com o estudo de Leontiev (1978LEONTIEV, Alexei Nikolaevich. Actividad, conciencia y personalidad. Buenos Aires: Argentina, Ediciones Ciencias Del Hombre, 1978.) sobre o papel das emoções na atividade humana, onde ele argumenta que todas as atividades são guiadas por uma finalidade e que as emoções emanam dessa finalidade, não o contrário. Enquanto essa interconexão entre a realidade e o mundo subjetivo persiste, o sentido pessoal associa o significado à vida individual do sujeito e aos seus motivos. Louise reforça esse aspecto ao afirmar: “Para falar bem a verdade memorie, não me imagino longe desse grupo que me constitui, afinal, uma vez GEPI, sempre GEPI”, evidenciando como esse sentido atribuído deixa uma marca em sua participação e, assim, integra sua personalidade ao correlacionar vínculos - familiaridade emocional - e sentido pessoal.

Sinalizamos que ter objetivos comuns não implica que as relações entre os membros sejam idênticas; ao contrário, o que une esses diversos laços é o interesse coletivo. É a combinação desses vínculos e relações variadas que fortalece a conexão emocional do grupo, à medida que diferentes personalidades se encontram e se identificam. Esses encontros geram um significado pessoal que resulta em experiências marcantes, tornando a passagem ou a permanência no grupo algo significativo para os indivíduos, produzindo uma gama de emoções e sentimentos.

Isolado IV - Os vínculos afetivo-cognitivos: relações estabelecidas com o grupo

Nos estudos de Leontiev (1978LEONTIEV, Alexei Nikolaevich. Actividad, conciencia y personalidad. Buenos Aires: Argentina, Ediciones Ciencias Del Hombre, 1978., 2021), observamos que as emoções não estão subordinadas a uma atividade; no entanto, elas desempenham um papel no seu desenvolvimento, pois marcam a experiência do sujeito. A singularidade das emoções reside na sua capacidade de refletir a relação entre necessidade e motivo, bem como o sucesso ou possível sucesso na realização da atividade do sujeito (LEONTIEV, 2021LEONTIEV, Alexei Nikolaevich. Atividade. Consciência. Personalidade. Tradução de Priscila Marques. Bauru, SP: Mireveja, 2021.). É por isso que as emoções são relevantes para a atividade, pois aquelas desencadeadas pelo motivo atribuem significado ao que foi vivenciado e experimentado pela pessoa. Simultaneamente, diferentes motivos também podem gerar emoções distintas, acompanhadas de novas necessidades.

Assim, nosso propósito neste isolado é apresentar ao leitor a construção da afetividade no grupo, destacando o surgimento de sentimentos como pertencimento e a percepção do grupo como um ponto de referência para as ações de seus membros, destacando assim a importância das relações afetivas na formação de uma coletividade, de um grupo. Destacamos algumas falas das participantes que representam sentimento em relação ao grupo, bem como, a expressão de se sentirem pertencentes a ele:

Prof18: [...] eu acho que cada vez mais, a nossa teoria, o que estudamos, faz parte da nossa vida, e esse poder que tivemos de nos adaptarmos só mostra o quanto a gente exerce o que a gente estuda. Tanto como professoras, como pessoas. Então, no meu caso foi bem difícil me adaptar a ficar em casa, então no começo senti muita falta daquela rotina corrida de estar na escola, procurar carona, ir para a cidade do GEPI, pensar como voltar e depois pensar em como ir de novo [...]. Fiz algumas adaptações, se tornou meu cantinho, e que bom tê-las na minha casa. Saudade de toda aquela movimentação que a gente faz para os eventos, mas, ter as pessoas dentro da minha casa é uma coisa que também se tornou muito boa. Então eu acho que a coisa boa do nosso grupo é esse poder de adaptação.

Scarlett: É, eu também só tenho a agradecer, ano passado (2019) quando eu cheguei no grupo fui muito bem acolhida e o mesmo aconteceu agora no finalzinho do ano também. Eu acho que uma das principais coisas, eu também coloquei no relato escrito da pesquisadora, que ela pedia um momento e eu não sabia dizer um momento, eu sabia um sentimento que era acolhimento. Eu me senti muito acolhida, parecia que eu sempre fiz parte, há muito tempo.

Louise: Eu acho que foi muito bom, mesmo sendo um ano atípico, eu acho que defender [defesa de dissertação] nesse ano foi muito diferente, acho que a valorização do estar presente com o grupo, que antes para nós era uma coisa muito simples, hoje né Ella, a gente sentiu na pele o quanto é importante o nosso coletivo, o quanto é importante a nossa equipe de apoio, o quanto é importante todos estarem lá [...]. Mesmo distante, a gente continua juntas, eu acho que a memorie esse ano foi uma coisa que mostrava muito do outro, do que estava sentindo. Eu acho que a gente acabou se aproximando mais, de certa forma de muitas pessoas, desse coletivo [...].

Elisa: A participação no GEPI contribuiu e continua contribuindo na minha atividade da docência, pois foi nesse espaço que aprendi a organizar o ensino na perspectiva do desenvolvimento do aluno, e que a escola é o espaço onde podemos fazer a diferença por meio das ações intencionalmente organizadas. E a minha formação para a pesquisa também iniciou no grupo, onde aprendi a pesquisar sobre a docência e sobre o processo de ensino-aprendizagem, o que me oportunizou querer estar sempre aprendendo e pesquisando.

Dimi: Muitas aprendizagens foram incluídas em minhas práticas, mas destaco o estudo da síntese histórica do conceito que pretendo desenvolver em sala de aula, facilitando a organização do ensino e ampliando as possibilidades de abordagens do tema. (Dados oriundos de encontros formativos e de expressões indicadas por relatos escritos).

Toda necessidade surge em relação a algo específico, e cada motivo orienta a ação para satisfazer essa necessidade. Na interação entre necessidade e motivo, as emoções são percebidas como sinais internos e experiências vividas, representando o conteúdo dos sentimentos, pois, como já mencionado, o ser humano não apenas experimenta emoções, mas, através delas, percebe seu significado na forma de conceito (MARTINS, 2013MARTINS, Lígia Márcia. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica. Campinas, SP: Autores Associados, 2013.). Assim, se as emoções e os sentimentos representam a satisfação de necessidades e podem funcionar como motivadores das atividades de cada participante, bem como influenciar seus modos de agir ao conferir-lhes sentido e significado, compreendemos que, quando o sentido atribuído por cada participante está relacionado a uma emoção compartilhada, ela pode ser vista como um padrão do grupo, ou seja, sua essência em sua totalidade.

Quando isso ocorre, isso desperta nos participantes o sentimento de pertencimento, pois os laços afetivos, os vínculos e a familiarização emocional entre seus membros solidificaram a unidade afetivo-cognitiva do grupo. Essa união é nutrida a cada encontro, por meio das atividades do grupo e das interações dentro dele, nas quais são compartilhadas vivências e experiências significativas para cada um de seus membros, tanto as positivas quanto as desafiadoras. A expressão das participantes também nos revela que a participação no grupo, enquanto coletivo de formação, suscita diversas necessidades que se convertem em motivos para estimular a participação de cada indivíduo nesse ambiente. Dessa forma, as atividades compartilhadas com o grupo fortalecem a atividade pedagógica, conferindo-lhe um papel importante na formação da personalidade de seus membros, aprimorando seu trabalho e orientando sua conduta.

Quando há uma conexão entre motivo e significado, a emoção gerada marca a experiência do sujeito e pode criar um sentimento de pertencimento. Esse sentimento inspira a pessoa a reconhecer que o grupo/coletivo possui algo em que acredita e defende como educação, transformando esse coletivo em uma referência para a realização de seu trabalho. Essa nova qualidade que o grupo adquire na vida de cada membro revela uma identidade coesa que, através do significado pessoal, contribui para o desenvolvimento da personalidade de cada um, podendo o grupo/coletivo tornar-se um orientador de sua conduta e trabalho.

A INTERDEPENDÊNCIA DOS ISOLADOS COMO AÇÕES DE FORMAÇÃO

A percepção de que os seres humanos, ao realizar transformações, também se transformam revela a importância que o seu coletivo tem para as atividades humanas. Elas exigem instrumentos e modos de ação, saberes apreendidos que serão colocados em ação para objetivar o que foi idealizado pelo grupo, como destaca Moura (2013MOURA, Manoel Oriosvaldo de. Teoria da Atividade: contribuições para a pesquisa em Educação Matemática. In: ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA -ENEM, 11., 18 a 21 de julho de 2013, Curitiba. Curitiba, 2013.). Isso significa que o coletivo ao qual o sujeito pertence tem um papel decisivo para permitir que suas atividades alcancem um nível de qualidade superior, beneficiando não apenas o próprio sujeito, mas também o coletivo ao qual ele pertence.

Refletir sobre o grupo de pesquisa que investigamos nos permitiu compreendê-lo como um coletivo que contribui para a formação de professores por meio de diversas ações propiciadas aos seus membros: estudos teóricos; ações de ensino, pesquisa e extensão; planejamento, desenvolvimento e avaliação de situações desencadeadoras de aprendizagem; encontros coletivos; produções acadêmicas; participação em eventos; organização de eventos, organização e participação de oficinas; participações em comissões colegiadas. Nosso objetivo é direcionar essa formação na perspectiva da atividade, seguindo os princípios de um coletivo que vai além das estruturas básicas de um grupo de estudos e pesquisas, a partir do que nos apresentou Petrovski (1986PETROVSKI, Arthur V. Psicologia general: manual didáctico para los institutos de pedagogia. 3. ed. Moscú: Editorial Progreso, 1986.) a respeito do conceito de coletivo. Buscamos, nesse contexto, promover uma formação humana que transforma os indivíduos, conferindo-lhes novas qualidades. Em outras palavras, nosso foco não foi apenas pensar no grupo e seus membros isoladamente, mas sim conceber esse coletivo - o grupo e os sujeitos - como um espaço de formação. Essa coletividade é alcançada quando adotamos essa premissa teórica e metodológica como princípio organizador do grupo, orientando suas ações rumo a uma formação coletiva.

A partir da análise da interdependência dos quatro isolados que estudamos, conseguimos demonstrar que a história, a organização, o sentido e o significado, bem como as relações estabelecidas no grupo, baseadas na união entre afeto e cognição desenvolvida ao participar dele, permitem que ele se torne um coletivo de formação e referência para a prática pedagógica dos professores. Destacamos que simplesmente realizar ações conjuntas no grupo não é suficiente: é necessário que elas potencializem princípios orientadores da prática docente. Isso implica compreender que, em um coletivo, os objetivos do grupo são valiosos por serem compartilhados e, por meio do esforço individual de cada membro, transcendem o próprio grupo, orientando a atividade de formação coletiva. Desse modo, cada sujeito é capaz de atribuir sentidos e significados que, embora sejam pessoais, são construídos em conjunto com o coletivo, a partir dos vínculos criados e da unidade afetivo-cognitiva estabelecida durante sua participação no grupo.

A interdependência presente na relação com a história do grupo, na forma como ele organiza suas diversas ações, no sentido e significado atribuídos por seus participantes, assim como nas relações estabelecidas entre eles e o objetivo do grupo, é o cerne de sua identidade como coletivo. Essa interdependência permeia os diferentes programas e projetos desenvolvidos, as pesquisas realizadas pelos participantes, os diversos tipos de encontros, os laços que são criados e as emoções e sentimentos que surgem nesse processo, estabelecendo modos de pensar a formação de professores baseada em princípios fundamentais. Tais princípios possibilitam ao grupo tornar-se uma referência para aqueles que participam dele, potencializando sua formação na perspectiva de uma personalidade coletivista. Apresentamos aqui os quatro princípios orientadores da formação em um coletivo que identificamos no desenvolvimento de nossa investigação.

Primeiro princípio: O professor e o futuro professor como sujeito de sua atividade

Em muitos contextos de formação docente, como em um coletivo de grupo de estudos e pesquisas, os sujeitos que dele participam acabam se envolvendo com as ações do grupo para atender o pedido de seu/sua orientador/a. Para nós, tal motivo é compreensível. Porém, neste caso, o futuro professor ou o professor estão desempenhando um papel secundário no seu processo de formação. Não estamos subestimando a orientação do coordenador do grupo, mas queremos destacar o fato de que o participante não atua nele como protagonista de sua própria trajetória, pois não se envolve em ações que sejam do seu interesse e necessidade. O que queremos ressaltar é que, para que o grupo se torne uma atividade formativa efetiva, é necessário levar em consideração as necessidades formativas dos participantes. Ou seja, os motivos individuais de cada um, que inicialmente são compreensíveis, devem se transformar em motivações que deem sentido à sua participação.

Concordamos com as ideias apresentadas por Martins (2010MARTINS, Lígia Márcia. O legado do século XX para a formação de professores. In: MARTINS, Lígia Márcia; DUARTE, Nilton. (org.) Formação de professores: limites contemporâneos e alternativas necessárias. São Paulo: Editora USP; Cultura Acadêmica, 2010. p. 13-32.), que defende a formação de profissionais, especialmente de professores em formação, como uma jornada intencionalmente planejada para promover uma prática social. Nessa perspectiva, nenhum grupo de estudo e pesquisa sobre formação de professores, como uma parte viva da sociedade, pode se distanciar das necessidades inerentes ao trabalho do professor. Portanto, se o trabalho do professor envolve o desenvolvimento da atividade pedagógica, é esperado que um coletivo de formação nessa abordagem ofereça ações que permitam aos participantes satisfazerem suas necessidades de adquirir conhecimentos instigadores do aprimoramento da atividade pedagógica. Nessa premissa podemos considerar que o grupo de pesquisa se constitui como um coletivo de formação.

No entanto, qual é a razão e a necessidade que levam os professores e futuros professores a participarem de um grupo? Já mencionamos que essas razões e necessidades são pessoais, individuais. No entanto, elas precisam estar alinhadas com as do coletivo, para que uma relação coletiva com objetivos comuns seja estabelecida. Em outras palavras, se um professor em formação inicial ou continuada participa de um grupo apenas porque receberá uma bolsa ou porque é uma exigência do programa de pós-graduação, seu motivo será apenas compreensível. Ele pode participar das atividades e cumprir as tarefas necessárias apenas para atender a essas demandas. No entanto, se sua participação no grupo surge a partir de suas necessidades de envolver-se nesse espaço com a perspectiva de aprender e desenvolver-se com ele, ou se seus motivos iniciais evoluem para um nível semelhante a esse, há a possibilidade de que seus motivos atribuam um sentido pessoal à sua participação, permitindo que essa se transforme em uma atividade de formação docente, na qual o sentido e o significado coincidam. Nas palavras de Leontiev (2021LEONTIEV, Alexei Nikolaevich. Atividade. Consciência. Personalidade. Tradução de Priscila Marques. Bauru, SP: Mireveja, 2021., p. 209, grifo no original),

[...] a necessidade como força interior pode se realizar apenas na atividade. Em outras palavras, a necessidade inicialmente aparece apenas como condição, como premissa da atividade, mas, tão logo o sujeito começa a agir, ocorre imediatamente uma transformação, de tal modo que a necessidade deixa de ser o que ela foi virtualmente, “em si mesma”. Quanto mais o desenvolvimento da atividade avança, mais essa premissa se converte em seu resultado.

À medida que o professor ou futuro professor participa das atividades do grupo como sujeito desse processo, a natureza das necessidades vai se transformando através das experiências emocionais despertadas por essas necessidades. Essas experiências podem explicar por que cada pessoa estabelece certos objetivos para si mesma e desenvolve novas necessidades à medida que as satisfaz. Dessa forma, quando o sujeito atribui significado à sua atividade de formação e não apenas à sua mera participação no grupo, ele está conferindo um sentido pessoal ao grupo, o que pode resultar em uma atividade de formação que corresponda ao significado social de estar presente, em que ele se coloca como um agente ativo nessa atividade formativa. Assim, a maneira como o grupo se organiza permite que os professores e futuros professores sejam ativos em seu processo de formação. Por exemplo, em nossa pesquisa, é possibilitada a construção compartilhada do cronograma das ações e dos estudos correspondentes, com base nos temas que o grupo escolhe como importantes para serem explorados e aprofundados. Além disso, quando as regras e os acordos organizacionais são estabelecidos coletivamente, cada participante tem a oportunidade de reconhecer sua importância para o grupo, no cumprimento dessas regras e no envolvimento com as tarefas que lhe são atribuídas. Esses elementos permitem que os participantes sejam sujeitos do seu processo formativo.

Segundo princípio: O grupo/coletivo como espaço de apropriação da organização do ensino

Ao realizar atividades de formação, como em um grupo de estudos e pesquisas dedicado à formação de professores, é crucial compreender a função social desse grupo no que diz respeito à aprendizagem dos métodos pelos quais os professores conduzem o ensino. Temos a compreensão de que o professor não possui todo o conhecimento necessário para realizar seu trabalho, ao optar pela profissão da docência. Ele precisa adquirir esse conhecimento para apropriar-se de sua nova condição, como responsável pela educação escolar.

Os cursos de formação inicial são caracterizados como o ponto de partida para a aprendizagem da docência, através da apresentação de fundamentos teóricos e metodológicos que orientam a organização do ensino nas escolas, expressos pelas disciplinas que compreendem os currículos de cada licenciatura. No entanto, um grupo de estudos e pesquisas, como um coletivo de formação que tem como objeto o ensino e a aprendizagem, pode proporcionar a aprendizagem da docência com uma qualidade diferente. Isso ocorre porque o professor, como sujeito de sua própria formação, encontra no grupo um espaço em que suas necessidades individuais se alinham com as necessidades coletivas do grupo. Dessa forma, ele vivencia a prática pedagógica por meio dos projetos de ensino, pesquisa e extensão que o grupo realiza em parceria entre a universidade e a escola e os demais professores que do grupo participam.

Dentro dessa abordagem, as ações e as oportunidades oferecidas pelo grupo permitem ao professor engajar-se e envolver-se em projetos de ensino, pesquisa e extensão, entre outros, possibilitando uma reinterpretação de seu trabalho por meio da aquisição de conhecimentos teóricos e metodológicos para a organização do ensino. Nessa compreensão, concluímos que o grupo, como um espaço apropriado para a aprendizagem dos modos gerais para desenvolver o ensino6 6 Compreendemos que os modos gerais para desenvolver o ensino referem-se a conhecimentos teóricos e práticos que permitem o professor desenvolver a atividade pedagógica. , potencializa o desenvolvimento das funções cognitivas dos participantes e fornece conhecimentos que se traduzem em práticas para aprimorar seu trabalho. Desta maneira,

um processo para compor-se como formativo precisa garantir ao professor a compreensão de que as ações por ele organizadas podem ser potencializadoras do desenvolvimento da formação dos seus alunos. Trata-se, portanto, de aprender a promover ações educativas que possibilitam o desenvolvimento das qualidades humanas em suas máximas possibilidades, quer selecionando conteúdos que precisam ser apropriados, quer organizando situações desencadeadoras de aprendizagem que coloquem os alunos na necessidade de buscar soluções para um problema que se materialize no motivo de apropriação dos conhecimentos necessários para isso. Ou seja, a sua organização do ensino deve levar à apropriação dos conhecimentos elaborados historicamente pela humanidade (LOPES, 2018LOPES, Anemari Roesler Luersen Vieira. Processos formativos e aprendizagem da docência: alguns princípios orientadores. In: TREVISOL, M. T. C.; FELDKERCHER, N.; PENSIN, D. P. (org.). Diálogos sobre formação docente e práticas de ensino. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2018. p. 107-134., p. 119).

Essas ações relacionadas à aprendizagem da organização do ensino englobam tanto o conhecimento sobre a forma de estruturar o ensino na escola quanto o entendimento dos processos de aprendizagem dos estudantes. Destacamos, como aspectos de aprendizagem, o conhecimento da organização do ensino, o conhecimento específico dos conteúdos a serem ensinados e sua relevância no processo de formação dos sujeitos. É por meio da aquisição desses conhecimentos pelos participantes que no grupo acontece a aprendizagem dos modos gerais de desenvolvimento da atividade pedagógica, cuja aprendizagem pode superar o desenvolvimento de práticas neoliberais, transformando o trabalho docente de qualidade nova. Em nossos dados, tornou-se evidente a importância do papel do grupo para a aprendizagem dos modos gerais de trabalho docente, pois a maioria das participantes está envolvida nele desde o momento da formação inicial, e foi esse processo de estar no grupo que lhes permitiu aprender a forma como hoje organizam o seu trabalho, que vai se transformando conforme as aprendizagens decorrentes de seu envolvimento com o grupo, agora como professoras atuantes.

Terceiro princípio: A orientação teórica e metodológica como objetivação do trabalho docente

Consideramos fundamental que os sujeitos envolvidos na atividade pedagógica, ou seja, os professores e os estudantes, adquiram conhecimentos teóricos para desenvolver suas potencialidades. A objetivação do trabalho do professor ocorre por meio da atividade de ensino, pois esta proporciona aos estudantes um novo nível de aprendizagem, por meio da aquisição do conhecimento gerado por ela. Portanto, é essencial que os professores se apropriem dos elementos relevantes para uma organização intencional do ensino, a ser desenvolvida na escola.

Reconhecemos que existem diversas abordagens para a organização do ensino, com o objetivo de promover a aprendizagem e o desenvolvimento dos estudantes. No entanto, a proposta teórica e metodológica adotada pelo grupo estudado tem se mostrado significativa para a concretização do ensino do professor: a Atividade Orientadora de Ensino (AOE). A AOE, como princípio teórico e metodológico, tem orientado as ações do grupo em relação às atividades de ensino, pesquisa e extensão que desenvolvem. Uma das atividades do grupo consiste no estudo dessa abordagem como mediadora das ações tanto dos participantes envolvidos em projetos de extensão e que desenvolvem atividades nas escolas, quanto daqueles que organizam suas pesquisas acadêmicas com enfoque na formação docente, adotando a AOE como princípio para a efetivação do ensino.

A atividade de ensino, dessa maneira, é uma atividade orientadora de ensino: tem um objetivo, instrumentos e modos de ação para sua realização; considera as possibilidades de aprendizagem dos sujeitos que participam da atividade e a complexidade que envolve a formação lógico-histórica dos conceitos que estão sendo constitutivos da atividade (MOURA; SFORNI; LOPES, 2017MOURA, Manoel Oriosvaldo de; SFORNI, Marta Sueli de Faria; LOPES, Anemari Roesler Luersen Vieira. A objetivação do ensino e o desenvolvimento do modo geral da aprendizagem da atividade pedagógica. In: MOURA, M. O. de. (org.). Educação escolar e pesquisa na teoria histórico-cultural. São Paulo: Loyola, 2017. p. 71-100., p. 87).

Essa aprendizagem é propiciada nos encontros formativos do grupo e nos diversos espaços em que desenvolve suas ações, pois a AOE direciona essas atividades. Dessa forma, quando os participantes do grupo compreendem a AOE, percebem que a concretização do ensino ocorre por meio dela, pois adquiriram conhecimentos teóricos e metodológicos para sua realização. Torna-se evidente, então, a importância do professor na organização do ensino, ao estudar a história do conceito a ser ensinado, ao planejar como esse conceito será apresentado, ou seja, a situação que desencadeará a aprendizagem, e os métodos pelos quais ele construirá, com os estudantes, uma síntese coletiva do problema apresentado. Isso significa que os professores adquirem uma perspectiva teórica que orienta suas ações como profissionais responsáveis pela educação escolar e, da mesma forma, aprendem os meios pelos quais podem desenvolver seu trabalho com uma nova qualidade, pois saberão como objetivar seu ensino através dessa orientação teórica e metodológica.

Esse processo de aprendizado teórico e prático, permeado pela AOE, ocorre quando o professor, durante a atividade de ensino, utiliza os conhecimentos adquiridos por meio do grupo dessa proposta. Ao selecionar o conteúdo e determinar os métodos de trabalho, bem como ao planejar as ações que serão desenvolvidas com os estudantes como sujeitos ativos no processo de aprendizagem, eles encontram na AOE um sentido e um significado para conduzir seu trabalho. Os elementos fundamentais para esse trabalho foram construídos em conjunto com o grupo, no qual a aprendizagem desse processo se concretizou. A importância do trabalho com a AOE foi ressaltada pelas participantes da pesquisa, o que demonstra que os conhecimentos teóricos e metodológicos são um princípio formativo que possibilita o desenvolvimento dos professores e futuros professores nesse processo e na objetivação de seu trabalho.

Quarto princípio: Os vínculos afetivo-cognitivos como apreensão da atividade pedagógica

Os estudos de Vigotski (1999VIGOTSKI, Lev Semionovich. Teoria e método em psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 1999., 2001VIGOTSKI, Lev Semionovich. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001., 2018VIGOTSKI, Lev Semionovich. Sete aulas de L. S. Vigotski sobre os fundamentos da pedologia. Organização [e tradução] de Zoia Prestes, Elizabeth Tunes; tradução de Cláudia da Costa Guimarães Santana. Rio de Janeiro: E - Papers, 2018.) têm-nos levado a perceber que o sujeito adquire conhecimento por meio da interação com outras pessoas, o que nos induz a defender que o compartilhamento promove a aprendizagem dos sujeitos. Isso significa que o professor e o futuro professor, ao trabalharem juntos em suas tarefas, vão construindo novas compreensões sobre ensino, aprendizagem e formação de professores - tema de pesquisa do grupo que investigamos -, permitindo que se apropriem de seu significado por meio de motivações e necessidades coletivas e individuais. Desse modo, “compartilhar ações, sentidos e significações pressupõe interação entre diferentes sujeitos, com distintos conhecimentos, o que pode ser determinante na mudança de qualidade do processo com o qual os sujeitos estão envolvidos” (LOPES, 2018LOPES, Anemari Roesler Luersen Vieira. Processos formativos e aprendizagem da docência: alguns princípios orientadores. In: TREVISOL, M. T. C.; FELDKERCHER, N.; PENSIN, D. P. (org.). Diálogos sobre formação docente e práticas de ensino. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2018. p. 107-134., p. 127).

Por isso, é fundamental que o grupo proporcione momentos de interação, compreendendo que ela vai além de simplesmente realizar ações em conjunto, pois inclui compartilhar momentos com sentido e significado. Ao compartilhar, os participantes têm a oportunidade de envolver-se em situações específicas de colaboração, o que lhes permitirá alcançar um novo patamar nas habilidades cognitivas, por meio das aprendizagens teóricas, e uma nova qualidade nas relações afetivas, atribuindo um sentido pessoal a esse processo. Dessa forma, cria-se um vínculo afetivo-cognitivo com o grupo e seus membros. Portanto, essas interações orientadas por objetivos comuns promovem a compreensão da atividade pedagógica, e a participação no grupo adquire uma qualidade de atividade na perspectiva de Leontiev. Assim se manifesta Lopes (2018LOPES, Anemari Roesler Luersen Vieira. Processos formativos e aprendizagem da docência: alguns princípios orientadores. In: TREVISOL, M. T. C.; FELDKERCHER, N.; PENSIN, D. P. (org.). Diálogos sobre formação docente e práticas de ensino. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2018. p. 107-134., p. 128) a esse respeito: “as ações coletivas que permitem o compartilhamento viabilizam a reflexão do sujeito sobre sua própria aprendizagem a partir da contribuição dos outros”.

Portanto, em um grupo que se organiza com base nos princípios do coletivo e compõe um ambiente que visa formar sujeitos com novas qualidades, as atividades compartilhadas conferem novas características a esses motivos, que passam a ser compartilhados pelo grupo como um todo. Ao serem assimilados pelo sujeito - o professor ou futuro professor - em seu processo de formação, esses motivos se tornam parte de sua forma de agir e de como ele desenvolverá a atividade pedagógica posteriormente. Eles se tornam parte de sua identidade e incorporam o modo de ser dos sujeitos que levarão essas aprendizagens para outros contextos como algo autêntico e benéfico - por exemplo, na execução de seu trabalho na escola. Essa perspectiva volta-se ao entendimento de que “a base real da personalidade da pessoa é o conjunto de suas relações, sociais por natureza, com o mundo, mas que se realizam, e são realizadas pela atividade, ou melhor, pelo conjunto de suas diversas atividades” (LEONTIEV, 2021LEONTIEV, Alexei Nikolaevich. Atividade. Consciência. Personalidade. Tradução de Priscila Marques. Bauru, SP: Mireveja, 2021., p. 202).

A riqueza e a qualidade das relações estabelecidas entre o sujeito, os outros sujeitos e o grupo são fundamentais para criar vínculos afetivo-cognitivos. Ao participar do grupo, o sujeito se depara com condições que satisfazem suas necessidades e permitem requalificar os motivos que sustentam sua participação. Dessa forma, ele encontra, de maneira resumida, sua capacidade de compreender afetivo-cognitivamente a atividade pedagógica. Não é possível determinar com precisão quais circunstâncias ou ações podem modificar os motivos de cada sujeito e o sentido pessoal que atribuem ao grupo e às compreensões de sua atividade, uma vez que esse processo ocorre de forma psicológica e é pessoal para cada um. No entanto, são essas circunstâncias que têm o potencial de transformar os principais motivos de cada sujeito, resultando em novas qualidades que caracterizam sua personalidade.

As interações entre os participantes também foram destacadas como um aspecto importante da participação no grupo, pois foram criados laços afetivos que transcenderam a relação puramente acadêmica e de divisão de tarefas. Além disso, foi ressaltada a oportunidade de aprender uma nova maneira de pensar sobre a educação e a educação matemática, objetos de estudo do grupo. Isso evidencia que os vínculos afetivo-cognitivos estabelecidos durante o processo de participação no grupo são um princípio fundamental para a compreensão da atividade pedagógica. As ideias apresentadas até o momento refletem os princípios que guiam as ações do grupo, os quais vão além dessas ações e promovem o desenvolvimento dos sujeitos implicados nesse processo formativo. Reconhecemos que tais princípios se concretizam por meio da integração afetivo-cognitiva que permeia os diferentes momentos e relações do grupo, o que pode contribuir para a formação e o desenvolvimento dos professores e futuros professores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, apresentamos uma interpretação das ações realizadas num grupo, que podem orientar a formação docente dos professores que participam dele com base em princípios orientadores. As pesquisas que estudamos sobre a formação docente em coletivo (Fernandes 2015FERNANDES, Luciete Valota. O processo grupal como resistência ao sofrimento e ao adoecimento docente: um estudo à luz da perspectiva histórico-dialética. 2015. 270 p. Tese (Doutorado em Psicologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015., Cruz 2016CRUZ, Vanessa Alves de Almeida. O desenvolvimento profissional do professor da educação básica em grupos de pesquisa. 2016. 121 p. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de São Carlos, Sorocaba, 2016., Hodge 2017HODGE, Ingrid Ximena Arias. Necessidades, motivos e sentidos que mobilizam professores para a atividade de ensino e participação em grupos constituídos na interface universidade e escola. 2017. 147 p. Dissertação (Mestrado em Educação nas Ciências) - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí, 2017., Brito 2017BRITO, Karina Daniela Mazzaro. A constituição do coletivo e o processo de significação docente. 2017. 176 p. Dissertação (Mestrado em Ciências) - Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2017.e Borowsky 2017BOROWSKY, Halana Garcez. Os movimentos de formação docente no projeto orientador da atividade. 2017. 242 p. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2017.), apontaram elementos importantes sobre a importância do grupo na formação dos sujeitos. Seus estudos mostraram a necessidade de olhar para questões teóricas e metodológicas da formação docente, demonstrando o quanto o coletivo tem impactado na melhoria da educação. Avançamos nas discussões por trazer que, para além dessa contribuição, o grupo/coletivo pode tornar-se parte da vida do sujeito, porque ele, pelas relações afetivas-cognitivas com o grupo, atribui ao grupo sentido pessoal e de pertencimento, e com isso, sua personalidade se desenvolve na perspectiva de uma personalidade coletivista. Para além disso, constatamos, de forma didática, que a organização de um grupo/coletivo, com base no referencial teórico que adotamos, pode se dar a partir de alguns que princípios orientadores permitem que este grupo se efetive como de referência a atividade pedagógica docente.

O processo analítico, embasado na dialética entre a dimensão orientadora e executora, teve como objetivo identificar os princípios que orientam a formação docente no grupo por meio das diversas ações desenvolvidas por ele. Compreendemos que essas ações em conjunto, influenciadas pela unidade afetivo-cognitiva estabelecida entre os participantes do grupo/coletivo, desempenham um papel fundamental na orientação, na condução da formação e no desenvolvimento dos professores, na perspectiva de uma personalidade coletivista. Essas ações permeiam todos os espaços nos quais os professores e futuros professores se envolvem ao participar do grupo - desde os projetos de que fazem parte até o desenvolvimento de suas pesquisas e seu trabalho como docentes.

A partir da análise dos dados ficou evidente que a participação no grupo de estudos e pesquisas oferece um ambiente propício para a formação de professores, permitindo a troca de experiências, a construção coletiva de conhecimentos e o desenvolvimento de aprendizagens necessárias para a atuação docente. Dessa forma, a formação da personalidade dos professores que integram um grupo/coletivo ocorre por meio das circunstâncias criadas nas ações realizadas de forma compartilhada, as quais se configuram como atividades dos sujeitos. A totalidade das ações potencializa as relações dos sujeitos com o mundo. Com base nos estudos de Leontiev (2021LEONTIEV, Alexei Nikolaevich. Atividade. Consciência. Personalidade. Tradução de Priscila Marques. Bauru, SP: Mireveja, 2021.), compreendemos que são essas ações que formam o tipo de personalidade de cada pessoa, ao atribuir sentido e significado aos participantes do grupo, por meio dos vínculos cognitivos e afetivos estabelecidos, levando em consideração seus motivos e necessidades para participar desse contexto.

Nos estudos de Petrosvki (1986) encontramos que a tendência de cada personalidade humana é encontrar no seu grupo/coletivo fonte de orientações. Em nossa pesquisa, reconhecemos que a personalidade que identificamos em um grupo com diversas ações é uma personalidade fundamentada em um coletivo que busca combater a alienação e as imposições capitalistas na educação, compreendendo-a como um processo pertencente aos sujeitos, com o objetivo de alcançar a universalidade e a liberdade. Dessa forma, no processo de formação em um coletivo, como no grupo investigado, os professores são capazes de promover mudanças em si mesmos, adquirindo conhecimentos suficientes para transformar o ambiente onde exercem sua prática pedagógica.

As teorias desenvolvidas por autores como Leontiev (1978LEONTIEV, Alexei Nikolaevich. Actividad, conciencia y personalidad. Buenos Aires: Argentina, Ediciones Ciencias Del Hombre, 1978.), Rubinstein (1977RUBINSTEIN, Serguei Leonidovich. Princípios de psicologia geral. 2. ed. Lisboa: Estampa. 1977. v. VII.), Petrovski (1986PETROVSKI, Arthur V. Psicologia general: manual didáctico para los institutos de pedagogia. 3. ed. Moscú: Editorial Progreso, 1986.) e Martins (2013MARTINS, Lígia Márcia. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica. Campinas, SP: Autores Associados, 2013.), já destacavam que os sujeitos se desenvolvem a partir da história e das relações construídas com outros sujeitos, o que vai contribuindo para o desenvolvimento de sua personalidade. Isso implica que se reconheçam a relação entre suas ações, seus motivos e necessidades, colocando-se em situações concretas tanto para si mesmos quanto para os outros. Esse movimento requer a transformação da consciência em relação a si próprios e ao mundo, o que se torna possível quando os professores se desenvolvem com novas qualidades por meio da participação e do envolvimento com seu coletivo. Como resultado dessa participação, ocorre a humanização do outro e a própria humanidade dos professores.

Ao chegarmos ao término desta discussão, esperamos ter conseguido apresentar ao leitor a complexidade envolvida na formação de um coletivo e sua relação com a formação do professor e com o desenvolvimento de sua personalidade. De maneira didática, apresentamos princípios pelos quais se constitui um grupo fundamentado no coletivo e como esse grupo, ao se tornar parte integrante da atividade dos professores que dele participam, pode orientar a formação e o desenvolvimento da personalidade de cada um. Destacamos a importância da relação afetivo-cognitiva que, por meio da realização das diversas atividades propostas pelo grupo, se estabelece no movimento de participação nesse coletivo.

Esperamos que este trabalho tenha despertado reflexões acerca da relevância do coletivo na formação docente e do papel desse coletivo no desenvolvimento de uma personalidade comprometida com a educação e a transformação social. A compreensão desses aspectos é fundamental para uma prática pedagógica mais consciente e transformadora. Desta forma, são as ações coletivas, mediadas pelos princípios que apresentamos, que nos permitem reconhecer a importância de um grupo/coletivo na formação de professores e futuros professores como um espaço com potencial para emancipar os sujeitos que acreditam e defendem a educação como um processo de humanização.

Finalizando nossas discussões neste texto, não poderíamos deixar de assinalar o quanto a realização desta pesquisa reforçou as razões que a suscitaram, pois, atualmente, mais do que nunca se faz necessário pensar a formação inicial e continuada de professores na perspectiva do coletivo. Defendemos essa formação no coletivo porque entendemos que é em coletivo que teremos a promoção e o enriquecimento dos conhecimentos docentes na perspectiva da humanização. Uma formação que esteja fundamentada em experiências reais e concretas, que tenha o professor como sujeito desse processo, emancipando-o de práticas neoliberais, que pode ser objetivada pela Atividade Orientadora de Ensino como proposta teórica e metodológica da organização da atividade pedagógica, proporcionando-lhe condições para seu desenvolvimento como sujeito universal e livre.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.
  • 2
    O uso do feminino se justifica pelo grupo investigado ser composto apenas por mulheres. Todavia, manteremos o uso da palavra “professores” no título, no objetivo e nas questões de pesquisa, por estarmos fazendo referência a um grupo de profissionais que inclui professores dos gêneros feminino e masculino.
  • 3
    Será utilizada a expressão grupo/coletivo para designar um grupo que possui características de um coletivo (PETROVSKI, 1986), mas que pode não se constituir como tal em sua totalidade, pois de acordo com o autor, o coletivo é um tipo superior de grupo no qual as relações envolvem objetivos reais e comuns de toda a sociedade a que este coletivo pertence.
  • 4
    O nome específico do grupo foi ocultado para não ferir os princípios éticos da pesquisa.
  • 5
    Declaramos que os participantes do estudo autorizaram o uso de suas contribuições para fins de pesquisa conforme Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado por todos. A identidade dos participantes está preservada e sua menção na pesquisa foi feita pela escolha de nomes fictícios.
  • 6
    Compreendemos que os modos gerais para desenvolver o ensino referem-se a conhecimentos teóricos e práticos que permitem o professor desenvolver a atividade pedagógica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

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