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VIDA PESSOAL, PROFISSIONAL E ACADÊMICA EM TEMPOS DE PANDEMIA: DESAFIOS ENFRENTADOS POR ESTUDANTES DO PPGENFIS/UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO 1 1 Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.

VIDA PERSONAL, PROFESIONAL Y ACADÉMICA EN TIEMPOS PANDÉMICOS: DESAFÍOS QUE ENFRENTAN LOS ESTUDIANTES DE PPGENFIS/ UNIVERSIDAD FEDERAL DE ESPIRITO SANTO

RESUMO:

Nosso objetivo é analisar os desafios enfrentados por estudantes nas dimensões pessoal, profissional e acadêmica durante a pandemia do novo coronavírus. Realizamos um estudo qualitativo e exploratório no primeiro semestre de 2020. Os dados foram produzidos e coletados no início da pandemia por meio de um questionário (aberto durante 11 dias) respondido por 22 estudantes do Mestrado Profissional em Ensino de Física da Universidade Federal do Espírito Santo. A interpretação pautou-se na Análise Textual Discursiva. A adaptação às novas formas de trabalho, o cuidado parental e familiar e o bem-estar mental, influenciados pela pandemia, se constituíram como desafios para 18 estudantes, sendo mais intenso para as mulheres. Para outros quatro participantes o momento mostrou-se favorável por dar-lhes mais tempo para dedicação às atividades do mestrado. Entendemos que nossos resultados forneceram subsídios para o estabelecimento de ações para o cuidado pessoal e acadêmico, além de contribuir para as decisões metodológicas para o ensino remoto emergencial.

Palavras-chave:
COVID-19 no Brasil; manutenção da vida; demandas acadêmicas na pandemia

RESUMEN:

Nuestro objetivo es analizar los desafíos que enfrentan los estudiantes en las dimensiones personal, profesional y académica durante la pandemia del nuevo coronavirus. Llevamos a cabo un estudio cualitativo y exploratorio en la primera mitad de 2020. Los datos fueron producidos y recopilados a través de un cuestionario (recibimos respuestas durante 11 días) respondido por 22 estudiantes de maestría profesional en enseñanza de física da Universidad Federal do Espírito Santo, al inicio de la pandemia. El proceso analítico se basó en el análisis textual discursivo. La adaptación a nuevas formas de trabajo, el cuidado parental y familiar y el bienestar mental, afectados por la pandemia, se presentaron como desafíos para 18 estudiantes, siendo más intensa para las mujeres. Para otras cuatro asignaturas, el momento resultó favorable porque les dio más tiempo para dedicarse a la producción académica. Entendemos que nuestros resultados pueden proporcionar subsidios para el establecimiento de acciones para ayudar a los estudiantes en las dimensiones personal y académica, además de contribuir a las decisiones metodológicas para la educación remota de emergencia.

Palabras clave:
COVID-19 en Brasil; mantenimiento de la vida; demandas académica en la pandemia

ABSTRACT:

Our objective is to analyze the challenges coped by students in the personal, professional, and academic dimensions during the novel coronavirus pandemic. We realized a qualitative and exploratory research, in the first semester of 2020. The questionnaire was used as the means of data production and collection (we accepted responses for 11 days). 22 postgraduate students answered it at the beginning of the pandemic. The Discursive Textual Analysis was used as a means of data analysis. The adaptation to new types of work, the familiar and parental cares, and mental well-being affected by the pandemic were challenging to 18 students. These have been more significant to women. To the four other students, this is a favorable moment, because they have more time to do the academic work. We consider that the results can provide subsidies for establishing actions for personal and academic care, in addition to methodological decisions for emergency remote teaching.

Keywords:
COVID-19 in Brazil; maintenance of life; academic demands during the pandemic

INTRODUÇÃO

A pandemia do novo coronavírus (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 - Sars-Cov-2 causador da Coronavirus Disease 2019 - COVID-19) é considerada a síndrome respiratória viral mais severa desde a pandemia de influenza H1N1, em 1918 (FERGUSON et al., 2020FERGUSON, Neil M et al. Report 9: Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID19 mortality and healthcare demand. Imperial College COVID-19 Response Team, Londres: Imperial College London, p. 1-20, mar. 2020. DOI: https://doi.org/10.25561/77482.
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). Medidas como distanciamento social, quarentena e até lockdown foram adotadas por diferentes países como forma de frear a disseminação do vírus. Essas medidas trouxeram implicações para a educação. No Brasil, instituições de ensino de nível básico e superior suspenderam as atividades presenciais no ano de 2020. A Universidade Federal do Espírito Santo, lócus deste estudo, aplicou tal medida no dia seis de abril de 2020 para os cursos de Graduação e Pós-Graduação, conforme consta na resolução número 07/2020 CEPE/UFES. O mesmo documento sugere o trabalho remoto e a substituição de orientações, pesquisa e defesas presenciais pelas virtuais.

Esta mudança causou diferentes impactos na vida pessoal, profissional e acadêmica de professores(as), pesquisadores(as) e estudantes. Em uma matéria escrita para a Revista FAPESP, Pierro (2020aPIERRO, Bruno de. O desafio de fazer ciência em casa. Pesquisa FAPESP, São Paulo, 2020a. Seção Pesquisa na Quarentena. Disponível em:<Disponível em:https://revistapesquisa.fapesp.br/2020/05/12/o-desafio-de-fazer-ciencia-em-casa/#&gid=1&pid=2 >. Acesso em 09/11/2021.
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) apresentou dados de uma pesquisa elaborada e realizada pelo portal ResearchGate, envolvendo três mil cientistas do mundo todo, durante a pandemia. Os resultados desse estudo revelaram que 45% dos respondentes tiveram mais tempo para ler livros e artigos; 43% com mais tempo para escrever artigos científicos; e 43% afirmaram ter dedicado mais tempo para firmar novas colaborações e parcerias neste período pandêmico. A reportagem traz, ainda, uma entrevista com Darren Alvares, chefe de produtos do supracitado portal, que afirmou que os pesquisadores passaram mais tempo on-line navegando na plataforma e fazendo conexões e reuniões, o que deu margem para novas colaborações, de modo que a atividade científica não estava declinando nesse período, mas se transformando. Por exemplo, cientistas que trabalhavam com pesquisa de campo buscaram alternativas metodológicas, como etnografia digital e entrevistas remotas, para a continuidade de suas investigações e atividades acadêmicas (PIERRO, 2020aPIERRO, Bruno de. O desafio de fazer ciência em casa. Pesquisa FAPESP, São Paulo, 2020a. Seção Pesquisa na Quarentena. Disponível em:<Disponível em:https://revistapesquisa.fapesp.br/2020/05/12/o-desafio-de-fazer-ciencia-em-casa/#&gid=1&pid=2 >. Acesso em 09/11/2021.
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).

Alguns professores do Ensino Superior apontaram que a suspensão das atividades presenciais permitiu o distanciamento de tarefas administrativas e questões institucionais, resultando em mais tempo para pesquisa. A economia com deslocamento (casa-Universidade) também foi citada como uma vantagem (PIERRO, 2020aPIERRO, Bruno de. O desafio de fazer ciência em casa. Pesquisa FAPESP, São Paulo, 2020a. Seção Pesquisa na Quarentena. Disponível em:<Disponível em:https://revistapesquisa.fapesp.br/2020/05/12/o-desafio-de-fazer-ciencia-em-casa/#&gid=1&pid=2 >. Acesso em 09/11/2021.
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; MARQUES, 2020aMARQUES, Fabrício. 2020a. “Em isolamento, estou produzindo mais”. Pesquisa FAPESP, São Paulo. Disponível em: <Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/2020/04/09/em-isolamento-estou-produzindo-mais/ >. Acesso em 09/11/2021.
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). Por outro lado, um estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul que investiga efeitos da pandemia em estudantes de Pós-Graduação em todo o Brasil revelou, em resultados preliminares com mais de 4800 respondentes, que 80% dos alunos de Mestrado e Doutorado estavam sendo, de alguma forma, prejudicados pelas restrições do distanciamento social. 34% disseram temer atrasos na conclusão das pesquisas e 44% almejavam solicitar o adiamento da data de conclusão dos trabalhos (PIERRO, 2020aPIERRO, Bruno de. O desafio de fazer ciência em casa. Pesquisa FAPESP, São Paulo, 2020a. Seção Pesquisa na Quarentena. Disponível em:<Disponível em:https://revistapesquisa.fapesp.br/2020/05/12/o-desafio-de-fazer-ciencia-em-casa/#&gid=1&pid=2 >. Acesso em 09/11/2021.
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). O desafio de manter as demandas acadêmicas e profissionais foi (tem sido) maior para as mulheres que são mães, porque o trabalho remoto tende a ser somado ao cuidado parental e aos serviços domésticos. Dados preliminares de um estudo do projeto Parent in Science, com mais de cinco mil respondentes, revelam que apenas 9,9% das mulheres com filhos conseguem trabalhar remotamente, em comparação com 17,4% dos homens com filhos (PIERRO, 2020bPIERRO, Bruno de. Mães na quarentena. Pesquisa FAPESP, São Paulo, 2020b. Disponível em: <Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/2020/05/19/maes-na-quarentena/ >. Acesso em 23 mai. 2020.
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).

O governo do Estado do Espírito Santo lançou, no dia 14 de abril de 2020, um programa que fornece aos estudantes da educação básica atividades pedagógicas não presenciais. Trata-se da transmissão de conteúdos escolares pela televisão aberta e da utilização da plataforma Google Sala de Aula, por meio de um aplicativo. Paralelamente, foi atribuída aos professores a tarefa de elaborar, postar e corrigir atividades para os alunos por meio da plataforma anteriormente mencionada. Para os pesquisadores que têm filhos em tenra idade o ensino remoto não tem sido uma opção, e o cuidado parental tende a ser mais exigente. Mais uma vez a sobrecarga propende a recair sobre as mulheres, que acabam sacrificando parte do tempo de dedicação às demandas acadêmicas para dar conta das tarefas domésticas e dos afazeres ligados ao exercício da maternidade. Consequentemente, existe a possibilidade de que a pandemia cause um aumento da desigualdade de gênero na Ciência (STANISCUASKI et al., 2020STANISCUASKI, Fernanda et al. Impact of COVID-19 on academic mothers. Science, v.15, n. 6492, p. 724, mai. 2020. DOI: 10.1126/science.abc2740.
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).

Esse cenário sinaliza para mudanças e reorganizações das rotinas pessoais, profissionais e acadêmicas com vistas ao cumprimento das respectivas demandas. Os discentes do programa de Mestrado Profissional em Ensino de Física da Universidade Federal do Espírito Santo estão inseridos nessas três esferas. Isso porque os mestrados profissionais se constituem como uma modalidade de Pós-Graduação stricto sensu destinada à formação continuada no exercício da atividade laboral. Para tanto, as grades curriculares são elaboradas com o propósito de articular conhecimentos atuais, domínio metodológico e aplicação orientada para o determinado campo de atuação (BRASIL, 2017BRASIL. Portaria MEC nº 389, de 23 de março de 2017. Dispõe sobre o mestrado e doutorado profissional no âmbito da pós-graduação stricto sensu. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24/03/2017. Diposnível em: < Diposnível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/20482828/do1-2017-03-24-portaria-no-389-de-23-de-marco-de-2017-20482789 >. Acesso em 09/11/2021.
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). Ou seja, os pós-graduandos são professores, em sua maioria, da educação básica. Enquanto estudantes de Pós-Graduação precisam lidar com os impactos da pandemia no universo acadêmico. Simultaneamente, enquanto docentes da educação básica precisam lidar com os impactos na profissão, sem deixar de considerar as implicações na vida pessoal de todos e todas.

Apesar da suspensão das aulas presenciais, em abril de 2020, a orientação da pesquisa permaneceu, bem como as demandas da profissão em trabalho remoto. Isso nos levou a questionar como a pandemia afetou a vida pessoal, acadêmica e profissional desses professores-mestrandos, dentro das respectivas particularidades que possuem, no início da pandemia. Especialmente por viverem tensões relativas: ao adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) (CARVALHO, 2020CARVALHO, Poliana Moreira de Medeiros; MOREIRA, Marcial Moreno; OLIVEIRA, Matheus Nogueira Arcanjo de; LANDIM, José Marcondes Macedo; ROLIM NETO, Modesto Leite. The psychiatric impact of the novel coronavirus outbreak. Psychiatry Research, Washington: National Center for Biotechnology Information, v. 286, n. 112902, p. 1-2, fev. 2020. DOI: 10.1016/j.psychres.2020.112902.
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) e a suspensão do calendário acadêmico das Universidades3 3 Todas estas questões estavam em aberto quando realizamos a coleta de dados da pesquisa (primeiro semestre de 2020). ; aos desafios do ensino remoto na educação básica, como o acesso as aulas e tarefas, por parte dos estudantes (PINHO, 2020PINHO, Angela. Menos de metade dos alunos da rede estadual de SP acessa ensino online na quarentena. Folha de São Paulo, São Paulo, 2020. Disponível em:<Disponível em:https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/05/menos-de-metade-dos-alunos-da-rede-estadual-de-sp-acessa-ensino-online-na-quarentena.shtml >. Acesso em 09/11/2021.
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); e a manutenção do bem-estar mental que pode ser afetado, por exemplo, pelo medo de ser infectado por um vírus potencialmente fatal (CARVALHO et al., 2020CARVALHO, Letícia. Enem 2020 será adiado e enquete deve escolher datas entre 30 a 60 dias depois do previsto, diz Inep. Portal G1, Brasília, 2020. Disponível em:<Disponível em:https://g1.globo.com/educacao/enem/2020/noticia/2020/05/20/inep-decide-adiar-o-enem.ghtml >. Acesso em 20/05 2020.
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). Sendo assim, nos propomos a analisar os desafios enfrentados por estudantes de mestrado profissional em ensino de Física na vida pessoal, acadêmica e profissional durante o período de distanciamento social, em virtude da pandemia do novo coronavírus.

METODOLOGIA

Realizamos uma pesquisa qualitativa e do tipo exploratória. Este método é apropriado quando se busca desenvolver e esclarecer conceitos e ideias, com vistas à ampliação da familiaridade do pesquisador com o fenômeno. Deste modo, é potencializada a capacidade de diagnosticar situações, explorar alternativas ou descobrir novas ideias, mesmo que já exista um conhecimento prévio sobre o assunto (GIL, 2008GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.). Nesta metodologia se busca observar o máximo de manifestações possíveis do fenômeno em estudo. Logo, a flexibilidade torna-se um elemento essencial, e isto se reflete na variedade de ferramentas de produção de dados e na época para a realização dela (SAMPIERI et al., 1991SAMPIERI, Roberto Hernández; COLLADO, Carlos Fernández; LUCIO, Pilar Baptista. Metodología de la investigación. México: McGraw-Hill, 1991.).

Os dados foram produzidos e coletados por meio de um questionário on-line na plataforma Google Forms, elaborado para nos fornecer um perfil dos participantes e permitir que eles contassem as histórias deles sobre o tema em questão. Tal ferramenta foi inspirada nos questionários de Danyelle Nilin Gonçalves e Irapuan Peixoto Lima Filho, docentes da Universidade Federal do Ceará, e Kelmara Mendes Vieira, pesquisadora da Universidade Federal de Santa Maria. O questionário utilizado é composto por 24 questões objetivas, distribuídas nas seguintes seções: caracterização dos participantes, com perguntas sobre gênero, idade, recursos de internet que possui etc.; aspectos profissionais, com perguntas sobre o tipo de vínculo empregatício, etapa de atuação, carga-horária etc.; e elementos relacionados ao distanciamento social, com perguntas relativas à influência dele sobre a produtividade acadêmica. Para estas questões oferecemos espaço para que os participantes explicassem de que maneira isto ocorreu.

Por fim, incluímos uma pergunta geradora de narrativa. Este recurso apresenta, tanto na sua forma oral quanto escrita, potencialidades para processos de reflexão (GALVÃO, 2005GALVÃO, Cecília. Narrativas em educação. Ciência & Educação (Bauru), v. 11, n. 2, p. 327-345, ago. 2005. DOI:10.1590/S1516-73132005000200013.
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). A narrativa é um modo de compreendermos representações de experiências dos entrevistados. O ato de contar histórias tem um papel importante na conformação de fenômenos sociais, uma vez que toda experiência humana pode ser narrada. Nessa perspectiva, optamos pela narrativa para que os participantes pudessem enunciar as experiências, utilizando a própria linguagem, almejando que, assim, o fenômeno se revelasse melhor (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2002JOVCHELOVITCH, Sandra; BAUER, Martin W. Entrevista narrativa. In: BAUER, Martin W; GASKELL, George(Orgs.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: Um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 90-113.). A seguir apresentamos a pergunta geradora de narrativa.

Quero que você me conte os desafios que está enfrentando, durante este período de distanciamento social, para manter sua produtividade acadêmica. A melhor maneira de fazer isso é você começar descrevendo quais são as suas atuais demandas e como tem lidado com elas, em comparação com as demandas que possuía e como lidava com elas antes do distanciamento (caso esses elementos tenham mudado). Você pode incluir detalhes sobre a natureza dos desafios que tem enfrentado e demais elementos relacionados a eles. Você também pode contar detalhes não contemplados nas questões anteriores, pois tudo que você quiser contar nos interessa. Assim, não há limites de linhas para esta resposta.

O estudo foi devidamente autorizado pela coordenação do programa de mestrado, que disponibilizou via correio eletrônico o link de acesso ao questionário para os estudantes regularmente matriculados entre os dias 24 de abril e quatro de maio de 2020, período em que o questionário aceitou respostas. Obtivemos 22 retornos. Antes de responder, os estudantes precisavam concordar com a participação por meio de um termo de consentimento livre e esclarecido. Este estabelecia, entre outros itens, que a participação era voluntária, além de assegurar o anonimato dos respondentes. Por isso utilizamos nomes fictícios para todos os envolvidos na pesquisa. As narrativas apresentadas ao longo deste texto foram transpostas de maneira fidedigna. Portanto, ocorrências de linguagem coloquial foram mantidas para preservar a autenticidades dos discursos.

Para compreendermos o que as narrativas mostram sobre o fenômeno em estudo, de maneira articulada aos dados das questões objetivas, recorremos aos pressupostos da Análise Textual Discursiva (ATD). Desmontamos e fragmentamos os textos buscando estabelecer relações entre as unidades de análise, com vistas ao processo de categorização. Deste processo desenvolvemos os metatextos que têm relação com processo de construção e reconstrução de ideias pelo pesquisador na articulação com a empiria e os referenciais, em uma perspectiva de complexidade e visão sistêmica, que reflete em novas compreensões estabelecidas com as categorias e no desenvolvimento das considerações finais (GALIAZZI; RAMOS; MORAES, 2021GALIAZZI, Maria do Carmo; RAMOS, Maurivan Guntzel; MORAES, Roque Aprendentes do aprender: um exercício de análise textual discursiva. Ijuí: Editora Unijuí, 2021.). Nossa análise apresenta três categorias, as quais representam as dimensões contidas no objetivo da pesquisa: a vida pessoal, acadêmica e profissional. Tais categorias foram definidas a priori e tiveram os sentidos ampliados na medida em que avançamos no processo analítico. Este, inclusive, fez emergir duas subcategorias na discussão da dimensão da vida pessoal dos participantes da pesquisa: cuidado familiar e parental; e impactos psicológicos da pandemia. É importante destacar que uma mesma narrativa pode conter elementos comuns a duas ou mais categorias. Isso sinaliza para um movimento que vê na categorização uma forma de focalizar o todo por meio das partes (MORAES, 2003MORAES, Roque. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual discursiva. Ciência & Educação (Bauru), v. 9, n. 2, p. 191-211, 2003. DOI: 10.1590/S1516-73132003000200004.
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). Concordamos com Nóvoa (2000NÓVOA, Antônio. Vida de professores. Porto: Porto Editora, 2000., p. 17) quando diz que “é impossível separar o eu profissional do eu pessoal”. Nesse sentido, partimos do pressuposto de que a influência da pandemia sobre o trabalho e as demandas acadêmicas são articuladas a vida pessoal. Portanto, não causa estranheza às categorias se constituírem como um continuum.

Após a conclusão da pesquisa, socializamos os resultados com os professores-mestrandos por meio de uma transmissão ao vivo (live) organizada pela coordenação do PPGEnFis. Tal ato fez parte de uma série de encontros virtuais semanais, planejados pelo referido programa, como forma de manter os estudantes (dentre eles os respondentes desta pesquisa) envolvidos com a Pós-Graduação. A condução foi realizada de modo que esse momento pudesse se constituir como uma verificação pelos participantes (member cheack), com vistas a aumentarmos a credibilidade das nossas interpretações (MOREIRA, 2018MOREIRA, Herivelto. Critérios e estratégias para garantir o rigor na pesquisa qualitativa. Revista brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia, Ponta Grossa, v. 11, n. 1, p. 405-424, jan./abr. 2018. DOI: 10.3895/rbect.v11n1.6977.
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).

Participantes da pesquisa

As perguntas objetivas revelaram o seguinte perfil dos participantes da pesquisa: 16 homens e seis mulheres responderam ao questionário; quinze moram na região metropolitana de Vitória (capital do ES); todos estavam trabalhando, sendo que 17 deles atuando em instituições públicas, um atuando apenas em instituição privada, três em ambas as redes, e uma pessoa trabalhava, mas sem vínculo empregatício. Apenas um mestrando não estava lecionando no momento, pois era como policial. Os outros estavam atuando majoritariamente em turmas do Ensino Médio (19 respondentes) da rede pública estadual, sendo 10 temporários, oito efetivos e um que atuava exclusivamente na rede privada. Quatorze participantes tinham idade entre 25 e 34 anos; 10 mestrandos não tinham filhos; oito pessoas tinham um filho cada e quatro respondentes dois filhos. Desses 12 participantes com filhos, seis estavam tendo aulas remotas e seis não. Todos os participantes disseram ter internet banda larga em casa, smartphone e computador (desktop ou notebook).

ANÁLISES E DISCUSSÕES

Nesta seção apresentamos as análises e compreensões advindas das narrativas (aliadas às respostas das questões objetivas) dos 22 participantes da pesquisa.

A vida profissional das mestrandas e dos mestrandos

Novas demandas profissionais surgiram em virtude da suspensão das atividades presenciais na educação básica, as quais se configuraram como desafiadoras.

Sandro: O maior desafio é separar os momentos das tarefas laborais online e voltar para a escrita da dissertação, já que a plataforma da Secretaria de Educação é nova e as exigências são discutidas e reinterpretadas constantemente em reuniões, o que deixa nosso trabalho e tempo a reboque dessas mudanças.

Davi: O fato de ter que planejar atividades baseadas em aulas de outros professores e ainda elaborar outras atividades na escola para os alunos que não assistirem as aulas, fora que ao estar em casa o tempo todo sempre aparece uma tarefa logo além de aumentar a produção diminui o tempo pra produzir.

Marcos: Stresses; Locomoção; Conciliar aula e trabalho.

Alex: Muito tempo dedicado às plataformas e aulas online além de atividades remotas com gestores. [...] Leciono atualmente em duas escolas, onde a dinâmica de trabalho nessa quarentena ficou frenética. Normalmente trabalhava 6h diárias, atualmente tenho trabalhado mais que 10h devido às buscas por utilização de plataformas e demais mecanismos para estudos remotos. Confesso que antes da quarentena minha escrita da dissertação estava bem mais intensa, mas com tamanha demanda das escolas e demais afazeres, escrever está cada dia mais difícil.

Matheus: com o aumento dos afazeres por ser atividades totalmente on-line, o tempo de trabalho praticamente duplicou, uma aula que eu preparava com 1 hora, agora demora 2 a 3 horas dependendo do conteúdo. A demanda aumentou muito, a cobrança por parte das famílias dos alunos nas instituições em que trabalho. Isto tem me afetado muito na minha escrita, pois com tantas atividades para fazer, tenho dormido muito menos que o necessário e mesmo assim, não consigo terminar as tarefas.

Sandro e Davi lecionavam no ensino médio da rede pública estadual. Ambas as narrativas sinalizaram para o desafio de lidar com o meio de ensino remoto adotado pelo Governo do Estado do Espírito Santo, o que afetou o tempo de dedicação às demandas acadêmicas. Em um estudo com 11 professores da rede municipal do Rio Grande do Sul, Costa (2019COSTA, Daguilaine Lima da. Formação continuada para docentes da educação básica: uso da tecnologia como apoio às aulas presenciais. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Matemática). Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2019. Disponível em: < Disponível em: http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/8861?mode=full >. Acesso em 09/11/2021.
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) constatou a insegurança dos docentes em utilizar a plataforma Google Sala de aula. Eles destacaram que acreditam no potencial da ferramenta para contribuir com o processo educativo, mas carecem de formação contínua para o uso de recursos dessa natureza. Isso nos ajuda a entender a narrativa de Sandro, pois a inserção de novas ferramentas requer a formação dos profissionais para operá-las. Dado o caráter inédito e emergencial da pandemia do novo coronavírus, o tempo para tal formação pode não ter existido.

Desafios em lidar com meios virtuais de ensino foram relatados por docentes e por gestores de instituições de ensino. Algumas escolas privadas anteciparam as férias em virtude de dificuldades com recursos remotos (SOUZA, 2020SOUZA, Ludmilla. Educação domiciliar durante a quarentena tem sido desafio para pais. Agência Brasil, São Paulo, 2020. Disponível em:<Disponível em:https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2020-04/educacao-domiciliar-durante-quarentena-tem-sido-desafio-para-pais >. Acesso em 24 mai. 2020.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/educaca...
; GODOY, 2020GODOY, João Pedro. Professores e alunos falam sobre desafios e dificuldades de aulas online durante pandemia em MS. Portal G1, Mato Grosso do Sul, 2020. Disponível em:<Disponível em:https://g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-sul/noticia/2020/05/21/professores-e-alunos-falam-sobre-desafios-e-dificuldades-de-aulas-online-durante-pandemia-em-ms.ghtml >. Acesso em 09/11/2021.
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). Este raciocínio pode ser estendido para compreendermos a narrativa de Davi, que sinalizou para o desafio de elaborar atividades para os estudantes a partir dos conteúdos transmitidos pela televisão. Ele também frisou o fato de alguns alunos não acompanharem tais aulas, o que exigiu que os professores elaborassem estratégias para contornar a situação e incluir os estudantes no processo educacional.

A desigualdade no acesso ao ensino remoto foi explicitada por Godoy (2020GODOY, João Pedro. Professores e alunos falam sobre desafios e dificuldades de aulas online durante pandemia em MS. Portal G1, Mato Grosso do Sul, 2020. Disponível em:<Disponível em:https://g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-sul/noticia/2020/05/21/professores-e-alunos-falam-sobre-desafios-e-dificuldades-de-aulas-online-durante-pandemia-em-ms.ghtml >. Acesso em 09/11/2021.
https://g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-s...
) e pelos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - Tecnologia da Informação e Comunicação (PNAD Contínua TIC) em 2018, divulgada pelo IBGE, que revelou que uma em cada quatro pessoas no Brasil não tem acesso à internet (TOKARNIA, 2020aTOKARNIA, Mariana. Um em cada 4 brasileiros não tem acesso à internet, mostra pesquisa. Agência Brasil, Rio de Janeiro, 2020a. Disponível em: <Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-04/um-em-cada-quatro-brasileiros-nao-tem-acesso-internet >. Acesso em 09/11/2021.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/economi...
). Vale ressaltar que o programa da rede Estadual de ensino fechou o primeiro mês (abril de 2020) com o engajamento de 70% dos alunos à plataforma Google Sala de Aula, segundo o monitoramento feito pelo Governo do Estado do Espírito Santo4 4 Fonte: https://sedu.es.gov.br/Not%C3%ADcia/escolar-fecha-primeiro-mes-com-70-de-engajamento-dos-alunos-da-rede-estadual-a-plataforma-google-sala-de-aula. Acesso em 01 de Mar. 2023. .

As narrativas de Alex e Matheus sinalizam para uma sobrecarga de trabalho associada às novas formas de ensino remoto. Ambos atuavam na rede privada, sendo Alex de maneira exclusiva, e disseram que estavam trabalhando mais do que antes da pandemia. As instituições privadas tiveram autonomia para estabelecer ações de ensino remoto. Portanto, não sabemos exatamente com que meios tecnológicos e digitais estes professores lidaram, mas ambos disseram que desenvolveram as seguintes atividades profissionais: planejamento de aulas, gravação de aulas para a internet, preparação de exercícios para enviar aos alunos, orientações de alunos em alguma plataforma virtual, realização de chats e fóruns virtuais grupo de estudo, leitura de trabalhos de alunos, reuniões com gestores, reuniões com outros professores e escrita de textos para artigos, dissertação. Alex ainda afirmou que estava realizando pesquisas junto com todas essas atividades.

De acordo com Palhares (2020PALHARES, Isabela. De aula ao vivo a grade flexível, escolas privadas diversificam métodos durante pandemia. Folha de São Paulo, São Paulo, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/04/de-aula-ao-vivo-a-grade-flexivel-escolas-privadas-diversificam-metodos-durante-pandemia.shtml >. Acesso em 09/11/2021.
https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2...
), as escolas privadas adotaram estratégias diversificadas, como aulas ao vivo pela internet, listas de exercícios por correio eletrônico e fóruns de discussão via Whatsapp. Isto nos ajuda a entender o crescimento das demandas laborais de Alex e Matheus. Este aumento de oferta de serviços pode ser uma tentativa de compensar a falta de aulas presenciais, pois existia uma tensão entre responsáveis legais e instituições de ensino sobre a redução do valor das mensalidades, ainda sem um posicionamento definitivo da justiça (TOKARNIA, 2020bTOKARNIA, Mariana. Escolas privadas temem redução de mensalidades durante pandemia. Agência Brasil, Rio de Janeiro, 2020b. Disponível em:<Disponível em:https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2020-04/escolas-privadas-temem-reducao-de-mensalidades-durante-pandemia >. Acesso em 09/11/2021.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/educaca...
).

Nesta categoria discutimos como o distanciamento social modificou as formas de realização das demandas profissionais. Além dos desafios intrínsecos a essas tarefas, como saber lidar com as plataformas virtuais, executá-las remotamente configurou-se como outro obstáculo a ser superado. Ou seja, parece que se adaptar as novas formas de trabalho exigiu mais tempo dos mestrandos e mestrandas, resultando em uma sobrecarga de trabalho, e isto pode ter implicado em menos tempo disponível para dedicação as demandas acadêmicas.

A narrativa de Marcos não explicitou de que forma o estresse e a locomoção se relacionam a realização das demandas profissionais. Ele revelou o desafio de “conciliar aula e trabalho”, mas sem fornecer detalhes sobre como tem realizado tal conciliação. Marcos lecionava no ensino médio da rede estadual e afirmou que estava trabalhando mais do que antes da pandemia. Ele disse que trabalhava entre quatro e oito horas diariamente, mais de cinco dias na semana. O elemento ‘locomoção’ talvez esteja associado ao fato de não ter que se deslocar até a escola devido ao sistema remoto de ensino, e isto poderia dar a ele mais tempo para outros afazeres. Nesse sentido, é possível que algumas mudanças nas formas de trabalho tenham resultado em uma economia de tempo, permitindo a realização de outras tarefas, como as do mestrado.

É importante lembrar que o levantamento de dados desta pesquisa foi realizado entre os meses de abril e maio de 2020 e que, possivelmente, os participantes narraram momentos do início do ano letivo e da pandemia. O Governo do Estado do Espírito Santo levou certo tempo para implementar o ensino remoto e os meios para que ele se estabelecesse. Logo, para alguns, este hiato pode ter resultado numa redução das demandas laborais, inicialmente, e, por consequência, houve mais tempo para os afazeres do mestrado. Vamos estender a investigação desta hipótese com a análise da dimensão acadêmica.

A vida acadêmica das mestrandas e dos mestrandos

Esta categoria aborda o modo como a pandemia afetou a vida acadêmica dos discentes do PPGEnFis/UFES. Estamos falando de como o distanciamento social interferiu nas formas de orientação e desenvolvimento da pesquisa.

João: as atividades online não são tão produtivas; e menos tempo com os pares.

José: Tenho mais tempo para ler mas é difícil para mim ser autodidata. [...] tem sido difícil compreender alguns textos ou exercícios propostos.

Pedro: Quanto às dificuldades, referem-se sobretudo à formatação da escrita da dissertação, sobretudo como referenciar no texto as referências. Muitas vezes um parágrafo pode apresentar mais de uma referência.

Paulo: Estou sem orientador e sem aulas de Física Contemporânea.

Caio: O único desafio é em relação a consulta direta com o professor/orientador. No demais apesar da situação pra mim é um bom momento de pesquisa.

O distanciamento social deu novos contornos à relação orientador-mestrando. As ações de orientação para a pesquisa tornaram-se virtuais, o que exigiu adaptações a esta nova forma de interação. No Brasil a tarefa de orientação tende a assumir um caráter tutorial (VERHINE, 2008VERHINE, Robert. Pós-graduação no Brasil e nos Estados Unidos: Uma análise comparativa. Educação, Porto Alegre, v. 31, n. 2, p. 166-172, mai/ago. 2008. Disponível em: < Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/view/2767/2114 >. Acesso em 09/11/2021.
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs...
). Desta forma, a dificuldade em consultar o orientador pode ter configurado como um desafio no cumprimento das demandas acadêmicas, como sinalizado por Caio, e pode ser intensificado pela falta deste profissional, como no caso de Paulo. Possivelmente, este mestrando deve ser ingressante da turma 2020, pois o processo seletivo do programa estabelece o número de vagas, mas não atrela a entrada diretamente a um orientador. Segundo o Regimento, o programa tem até três meses para homologar a indicação dos orientadores a cada um dos novos alunos, após o ingresso no PPGEnFis.

O orientador, que é uma das poucas pessoas que acompanha a trajetória do mestrando em todo o percurso da pós-graduação, torna-se um parceiro de trabalho que acolhe demandas e auxilia na elaboração de estratégias de enfrentamento (VERHINE, 2008VERHINE, Robert. Pós-graduação no Brasil e nos Estados Unidos: Uma análise comparativa. Educação, Porto Alegre, v. 31, n. 2, p. 166-172, mai/ago. 2008. Disponível em: < Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/view/2767/2114 >. Acesso em 09/11/2021.
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs...
). Isso inclui a formatação e normas da escrita acadêmica, como no caso da narrativa de Pedro, e o esclarecimento de dúvidas sobre os referenciais teóricos, como sinalizado por José.

Algumas destas demandas, muitas vezes, são trabalhadas nas reuniões dos grupos de pesquisa coordenadas pelos professores-orientadores, as quais propiciam a interação entre pares. Estas ações foram suspensas devido à pandemia, pelo menos presencialmente, o que pode ter relação com a narrativa de João. Marques (2020cMARQUES, F. 2020c. “Eu fico cutucando os alunos. Tento passar uma mensagem positiva e manter o grupo ativo”. Pesquisa FAPESP, São Paulo, 12 de maio de 2020. Seção Pesquisa na Quarentena. Disponível em: <Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/2020/05/12/eu-fico-cutucando-os-alunos-tento-passar-uma-mensagem-positiva-e-manter-o-grupo-ativo/ >. Acesso em 25 mai. 2020.
https://revistapesquisa.fapesp.br/2020/0...
) ratifica a importância de o professor manter os orientandos motivados e ativos frente aos desafios que essa relação à distância fez emergir. Existem relatos de orientadores que têm realizado reuniões individuais e em pequenos grupos na tentativa de mobilizar e acompanhar os estudantes academicamente e afetivamente. O final da narrativa de Caio chama atenção, pois para este participante o momento pandêmico favoreceu o desenvolvimento da sua pesquisa. Pedro, Thiago e Rafael também concordaram com a oportunidade do momento para a realização das atribuições do mestrado. Isto porque esses participantes disseram que passaram a ter mais tempo para dedicação a essas atividades.

Pedro: De um lado, minha produtividade acadêmica melhorou sensivelmente, pois adoro escrever e estudar e agora tenho bastante tempo.

Thiago: Estou com mais tempo para ler e escrever a dissertação.

Rafael: Mais tempo de dedicação para desenvolvimento de materiais que ajudarão na minha pesquisa.

Caio: Agora possuo mais tempo disponível para fazer leituras mais tranquilo, procurar soluções para as dúvidas que surgem em diferentes pontos de vista.

Esse tempo parece estar associado a uma redução de demandas profissionais, porque três desses mestrandos afirmaram que estavam trabalhando menos do que antes da pandemia (apenas Rafael disse que está trabalhando mais). As obrigações laborais se constituem como um parâmetro importante no contexto dos mestrados profissionais, pois, como apresentado anteriormente, os estudantes, normalmente, trabalham enquanto cursam a Pós-Graduação. Machado; Santos; Silva (2020MACHADO, Glaé Corrêa; SANTOS, Andréia Mendes dos; SILVA, Renata Santos da. Trabalho docente: reflexões sobre a saúde e o sofrimento psíquico do professor. Prâksis, Novo Hamburgo, v. 1, n. 1, p. 16-30, jan. 2020. DOI: 10.25112/rpr.v1i0.2034.
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) apontam que o excesso de trabalho é um elemento presente na profissão docente. Gouvêa (2016GOUVÊA, Leda Aparecida Vanelli Nabuco de. As condições de trabalho e o adoecimento de professores na agenda de uma entidade sindical. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 40, n. 111, p. 206-219, dec. 2016. DOI: 10.1590/0103-1104201611116.
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), com base em documentos da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, mostrou que a sobrecarga laboral leva o professor a realizar tarefas em casa devido à insuficiência da carga horaria contratada. Consequentemente, falta tempo para afazeres cotidianos e lazer. Isto nos permite supor que também se aplica ao tempo para as demandas da Pós-Graduação.

Os quatro respondentes que sinalizaram para mais tempo de dedicação as demandas acadêmicas lecionavam no ensino médio da rede pública, sendo que Pedro e Caio possuíam contratos temporários, enquanto Thiago e Rafael eram concursados. As cargas-horárias de trabalho, durante o distanciamento social, oscilavam entre quatro e oito horas diárias, sendo que Pedro, Thiago e Caio trabalhavam menos de cinco dias na semana. Rafael afirmou trabalhar mais de cinco dias na semana. Sobre as atividades desenvolvidas no referido período, vemos a escrita da dissertação como elemento comum a todos. As demais, variaram conforme o quadro 1. Rafael parece destoar dos outros três em relação às demandas profissionais. Contudo, a continuação da narrativa dele nos ajuda a entender o contexto. Rafael disse: “[...] Até ontem estava trabalhando todos os dias da semana, no mínimo sete horas por dia, mas estou interrompendo este ciclo por considerar um exagero”. Essa narrativa sugere que a resposta foi dada com base na rotina que ele disse estar interrompendo.

Novas demandas profissionais surgiram em virtude da suspensão das atividades presenciais na educação básica, as quais se configuraram como desafiadoras.

Quadro 1:
Atividades desenvolvidas durante o período de distanciamento social.

Similarmente, a narrativa de Pedro forneceu mais detalhes sobre a situação dele. Pedro disse: “[...] Em Minas/Mutum as escolas estão fechadas e estão tentando algo à distância. Mas ainda nada!”. Essa narrativa sinaliza que a rede na qual ele atuava não implementou o ensino remoto de forma imediata, o que possibilitou uma redução (ainda que possa ser temporária) das demandas profissionais. Isto pode ter resultado em mais tempo de dedicação às atividades acadêmicas. Não possuímos dados para inferir se Thiago, Rafael e Caio passaram a ter mais tempo para as tarefas do mestrado devido a redução das demandas laborais, ainda que eles tenham sinalizado que estavam trabalhando menos do que antes da pandemia. Por mais pertinente que esta hipótese possa ser, ela não estabelece uma relação de causa e efeito, haja vista que outros cinco estudantes de mestrado (Maria, João, José, Rosa e Paula) também disseram que estão trabalhando menos do que antes da pandemia, mas não estão conseguindo manter a dedicação ao curso.

Apenas Pedro, Thiago, Rafael e Caio concordaram com a oportunidade do momento para o desenvolvimento das demandas acadêmicas. As narrativas deles contrastam com as da primeira categoria (vida profissional), na qual a sobrecarga laboral, acarretada pelas medidas de distanciamento social, prejudicou o tempo de dedicação às tarefas do mestrado de alguns participantes. Isto evidencia a singularidade relacionada ao modo como a pandemia afeta a vida das pessoas. O tempo obtido por meio de uma possível redução de atividades laborais pode ter sido consumido por outras demandas também oriundas da pandemia, o que nos remete a olhar para os elementos da vida pessoal dos mestrandos e mestrandas para compreender tal processo.

Pedro, Thiago, Rafael e Caio são do gênero masculino. Apenas Thiago tinha filhos (dois) e a esposa dele sendo (naquele momento) a principal responsável pelos afazeres domésticos. A pouca presença feminina no campo das Ciências da Natureza é uma questão que não reflete a proporção de mulheres no Brasil, pois estas constituem 51,7% da população (IBGE, 2018Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua(PNAD Contínua 2018): Rio de Janeiro: IBGE, 2018. Disponível em: < Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101548_notas_tecnicas.pdf >. Acesso em 10/11/2021.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
). Este tema fez parte do discurso do diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), Ronald Shellard, na abertura da 4ª Conferência Internacional de Mulheres na Ciência sem Fronteiras, em 12 de fevereiro de 2020, no CBPF. Shellard destacou que na Física o desequilíbrio entre homens e mulheres é acentuado faz tempo, e que tal problema tem relação com questões culturais e papéis socialmente determinados (GROTZ, 2020GROTZ, Fábio. Ronald Shellard: “A pouca presença feminina na física não reflete a proporção das mulheres na sociedade”. Academia Brasileira de Ciências, Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: < Disponível em: http://www.abc.org.br/2020/02/18/ronald-cintra-shellard-a-pouca-presenca-feminina-na-fisica-nao-reflete-a-proporcao-das-mulheres-na-sociedade/ >. Acesso em 09/11/2021.
http://www.abc.org.br/2020/02/18/ronald-...
). Um possível reflexo disto é que 16 pessoas que responderam ao instrumento de pesquisa são do gênero masculino e seis são do feminino. E apenas oito das 61 dissertações de mestrado defendidas no PPGEnFis/UFES, entre os anos de 2014 e 2019, são de autoria de mulheres. Nenhuma mulher que participou desta pesquisa sinalizou que o momento de distanciamento social na pandemia foi favorável ao desenvolvimento das demandas acadêmicas.

Elizabeth Hannon, editora adjunta do periódico britânico British Journal for the Philosophy of Science, utilizou uma rede social para anunciar uma significativa redução do número de artigos submetidos por mulheres no período de distanciamento social, no Reino Unido. Fato este que não ocorreu com homens. Paralelamente, David Samuels, coeditor da revista norte-americana Comparative Political Studies, comunicou um aumento de 50% das publicações assinadas por homens, no mês de abril de 2020 (FAZACKERLEY, 2020FAZACKERLEY, Anna. Women's research plummets during lockdown - but articles from men increase. The Guardian, Londres, 2020. Disponível em:<Disponível em:https://www.theguardian.com/education/2020/may/12/womens-research-plummets-during-lockdown-but-articles-from-men-increase?CMP=share_btn_tw >. Acesso em 09/11/2021.
https://www.theguardian.com/education/20...
). No Brasil, a revista Dados, publicada pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, também registrou redução no número de artigos submetidos por mulheres no período de distanciamento social (PIERRO, 2020bPIERRO, Bruno de. Mães na quarentena. Pesquisa FAPESP, São Paulo, 2020b. Disponível em: <Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/2020/05/19/maes-na-quarentena/ >. Acesso em 23 mai. 2020.
https://revistapesquisa.fapesp.br/2020/0...
). A publicação de Hannon fomentou comentários de diferentes pesquisadoras, nos quais revelaram histórias de abandono a projetos e colaborações em pesquisas por não se sentirem capazes de dar continuidade a eles. O aumento da demanda de cuidados com filhos e familiares mais velhos, além dos afazeres domésticos, justificaram tais atitudes (FAZACKERLEY, 2020FAZACKERLEY, Anna. Women's research plummets during lockdown - but articles from men increase. The Guardian, Londres, 2020. Disponível em:<Disponível em:https://www.theguardian.com/education/2020/may/12/womens-research-plummets-during-lockdown-but-articles-from-men-increase?CMP=share_btn_tw >. Acesso em 09/11/2021.
https://www.theguardian.com/education/20...
).

Este cenário sugere que o gênero e o cuidado familiar e parental trazem contornos específicos à influência da pandemia no exercício de manter a qualidade da vida pessoal, acadêmica e profissional. Investigaremos isto na próxima categoria

A vida pessoal das mestrandas e dos mestrandos

Nesta categoria discutimos os elementos atrelados à dimensão pessoal dos mestrandos e mestrandas. No decorrer do processo analítico emergiram duas subcategorias, a saber: (i) o cuidado familiar e parental e (ii) impactos psicológicos da pandemia.

Cuidado familiar e parental

Esta categoria se organiza em torno das narrativas nas quais participantes revelaram que os cuidados com filhos e parentes mais velhos se constituíram como desafios para manter com qualidade a vida profissional e acadêmica. Dos 22 respondentes desta pesquisa, 10 não possuíam filhos; oito participantes tinham um filho; e quatro mestrandos com dois filhos. A questão do cuidado parental se acentuava uma vez que o distanciamento social implicou na suspensão das atividades presenciais da educação básica. Logo, o trabalho remoto se somou as atividades profissionais à distância e cuidado aos filhos, exigindo uma nova forma de organização. Os casais que precisaram lidar com essa situação adotaram diferentes estratégias, como colocar as crianças para realizarem as tarefas escolares lado a lado dos pais enquanto estes trabalham (MARQUES, 2020bMARQUES, Fabrício. 2020b. “Coloquei uma mesinha no home office e minha filha de 4 anos me acompanha enquanto faço reuniões on-line”. Pesquisa FAPESP, São Paulo, Disponível em:<Disponível em:https://revistapesquisa.fapesp.br/2020/05/20/coloquei-uma-mesinha-no-home-office-e-minha-filha-de-4-anos-me-acompanha-enquanto-faco-reunioes-on-line/ >. Acesso em 09/11/2021.
https://revistapesquisa.fapesp.br/2020/0...
). No entanto, tal tática não se aplicava às crianças pequenas, exigindo outras ideias, como no caso de Fábio.

Fábio: [...] após o início da pandemia, estou passando mais tempo em casa, consegui me concentrar pouco para trabalhar com a dissertação, minha filha tem um ano e oito meses, é uma espoleta!!! rsrsrsrsrsrs... passei a ficar as partes da manhã com ela para aliviar minha esposa, e fico na parte da tarde para trabalhar e tentar concluir a escrita da dissertação.

Thiago: O desafio e conseguir fazer isso (ler artigos e escrever a dissertação) em horários os alternativos por causa das crianças que estão em casa e querem brincar o dia todo se deixar.

Sergio: O fato de estar a rotina das minhas filhas modificadas e eu ter um neto (1 ano e 4 meses de idade) que mora comigo, nos momento que estou em casa tá ficando muito difícil ou inviável estudar. Permaneço trabalhando, pois sou do grupo essencial (policial), sendo que em casa é quando me dedico mais aos estudos.

Fábio relata que desde o início da pandemia passou mais tempo em casa, o que converge com a afirmação dele de que estava cumprindo parcialmente as medidas de distanciamento social. Fábio contou que a esposa e ele se alternavam em turnos no cuidado parental. Deste modo, ele conseguia se dedicar as demandas acadêmicas e profissionais no período da tarde. O mesmo mestrando revelou que a esposa era a principal responsável pelos serviços domésticos, o que pode ter implicado no tempo para a dedicação à dissertação.

Thiago não forneceu detalhes sobre como conciliava o cuidado parental e os outros afazeres. Contudo, sinalizou para a busca por horários alternativos para a realização de leituras e escrita da dissertação, o que parece ter relação com o desafio de se estabelecer um ambiente propício ao cumprimento das demandas acadêmicas tendo o cuidado com crianças durante todo o tempo em casa. A narrativa de Sergio apontou para esta direção, pois ele revelou que se dedica as demandas acadêmicas em casa. Porém, este ambiente foi alterado pela presença constante de filhas e neto, o que, segundo Sergio, tornou “muito difícil ou quase inviável” estudar. A concentração, fundamental no desenvolvimento de tarefas intelectuais, pode ser afetada, por exemplo, pelo brincar, que é algo importante da fase infantil. Sergio explicitou outra variável: o não cumprimento das medidas de distanciamento social. Apenas ele e Sara afirmaram isto, alegando razões profissionais e/ou econômicas. Por ser policial, Sergio continuou atuando (ele não estava lecionando no momento em que respondeu ao questionário), e afirmou que estava trabalhando igual à antes da pandemia.

As duas narrativas do gênero feminino nesta categoria são as de Ana e Sara, e elas apresentaram novas variáveis.

Sara: Estou tendo muita dificuldade pois o momento em que estou em casa e poderia estar desempenhando a escrita... Tenho que acompanhar meu filho e fazer atividades doméstica... por ser só eu e ele... Estou separada recentemente... enfim está bem difícil.

Ana: [...] Quando estou trabalhando costumo desenvolver minha pesquisa dentro do ônibus, na universidade, na escola em que trabalho. Quando estou em minha casa é bem complicado estudar pois ajudo a cuidar da minha avó que tem 91 anos, e tenho um primo com esquizofrenia que mora com minha avó e surta cerca de 10 vezes por dia. A cada surto um vizinho vem me chamar para acalma-lo, desse modo, eu tenho que parar o que estou fazendo diversas vezes por dia para resolver problemas relacionados a minha família.

Segundo Santos (2020SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020., p. 15), o período pandêmico será “particularmente difícil para as mulheres e, nalguns casos, pode mesmo ser perigosa. As mulheres são consideradas “as cuidadoras do mundo”, dominam na prestação de cuidados dentro e fora das famílias”. A fala de Sara corrobora esta previsão, e converge com os dados apresentados pela doutora Fernanda Staniscuaski, criadora do grupo de pesquisa Parent in Science, no I Simpósio Brasileiro sobre Maternidade e Ciência, realizado entre os dias 10 e 11 de maio de 2018. 54% das mães pesquisadoras ouvidas eram as únicas cuidadoras das crianças; 56% disseram que não conseguiam cumprir prazos; e 45% afirmaram não ter tempo para trabalhar em casa.

Sara revelou que o filho estava tendo aulas on-line, e que acompanhá-lo na realização das tarefas escolares se tornou uma nova demanda a partir da suspensão das aulas presenciais. Pierro (2020bPIERRO, Bruno de. Mães na quarentena. Pesquisa FAPESP, São Paulo, 2020b. Disponível em: <Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/2020/05/19/maes-na-quarentena/ >. Acesso em 23 mai. 2020.
https://revistapesquisa.fapesp.br/2020/0...
) apresentou relatos de diferentes mães-pesquisadoras que revelaram que a tarefa de acompanhar os filhos recaiu majoritariamente sobre elas, tendo afetado diretamente a produtividade acadêmica, mesmo para as que contavam com o auxílio dos parceiros. As entrevistadas também relataram a sobrecarga de serviços domésticos em virtude do maior tempo em casa, de maneira similar a Sara.

Ana afirmou que não costuma desenvolver as demandas acadêmicas em casa. Ela possuía um filho e exercia cuidados com a avó e o primo, sendo que este tem necessidades especiais. De acordo com dados do IBGE (2018Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua(PNAD Contínua 2018): Rio de Janeiro: IBGE, 2018. Disponível em: < Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101548_notas_tecnicas.pdf >. Acesso em 10/11/2021.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
), as mulheres são as principais responsáveis pelas atividades ligadas aos cuidados domésticos e familiares. Em 2016 as brasileiras dedicaram, em média, 18,1 horas por semana com afazeres desta natureza, contra 10,5 horas cumpridas por homens. Apesar dos avanços sociais ocorridos no último século, as mulheres continuam dedicando muito mais tempo ao trabalho doméstico e cuidado familiar e parental do que os homens. Esta diferença tende a se intensificar entre as faixas de idade mais elevadas (IBGE, 2016Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE). Coordenação de População e Indicadores Sociais. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2016/ - Rio de Janeiro: IBGE, 2016 146 p. Disponível em:<Disponível em:https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98965.pdf >. Acesso em 09/11/2021.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
). Aqui, mais uma vez, o elemento gênero mostrou-se como uma variável importante na natureza dos desafios enfrentados pelas pós-graduandas.

O distanciamento social implicou em mais pessoas em casa e por mais tempo, o que implicou no aumento do trabalho doméstico (TD), como sugerido na fala de Sara, a ser somado aos cuidados com a família e as demandas acadêmico-laborais. É nesta direção que apontam as narrativas a seguir.

Bruno: Ao administrar os afazeres domésticos tenho dificuldade em organizar os estudos. [...] Antes do isolamento podia contar com o apoio de uma empregada que ajudava muito nas atividades domésticas e nos cuidados com meu irmão autista e meu pai com Alzheimer. Agora tenho que fazer tudo aquilo que a minha empregada fazia [...].

Rafael: sofro com os afazeres domésticos e tento cuidar da minha esposa, que tem tido problemas de saúde semana sim, semana não.

Bruno, que possuía um filho, também exercia o cuidado com o irmão e o pai, que possuem necessidades especiais. Antes da pandemia, Bruno revelou que contava com o auxílio de uma funcionária para a realização do TD, mas que isto foi interrompido. Logo, a esposa e ele tornaram-se os responsáveis pela realização dessas tarefas. Assim, as demandas acadêmicas e profissionais somaram-se aos cuidados familiar e parental, além do TD de uma casa com quatro pessoas. A sobrecarga no TD também foi sinalizada por Rafael, que exercia o cuidado familiar com a esposa enferma. Não sabemos se era uma situação temporária, mas Rafael era o principal responsável pelos afazeres do lar, pois na casa vivia apenas o casal, que não tinham filhos e não contavam com profissionais para os afazeres domésticos.

Bruno e Rafael afirmaram que estavam trabalhando mais do que antes da pandemia, apesar de Rafael ter sinalizado que o momento foi favorável para o desenvolvimento das demandas acadêmicas. Precisamos lembrar que, no trecho da narrativa apresentada na categoria ‘vida profissional’, Rafael disse que estava rompendo com um ciclo de trabalho considerado por ele excessivo. Ou seja, aparentemente, este mestrando conseguiu conciliar as diferentes demandas e obter mais tempo para as atividades acadêmicas, mesmo tendo que lidar com o TD.

As discussões desta subcategoria sinalizam que o cuidado familiar e parental se intensificou durante o período de distanciamento social recomendado como medida mitigadora para pandemia e isto pode ter consumido o tempo que seria dedicado às demandas acadêmicas, sendo mais árduo para as mulheres. Os desafios identificados até então, sobrecarga com serviços domésticos, cuidado parental e familiar, e adequação as novas formas de trabalho, aparentemente, convergiram para esta direção. No entanto, a qualidade do tempo para dedicação às tarefas precisa ser considerada. Com isso queremos dizer que, em um contexto pandêmico, existem outras variáveis relevantes, entre elas, os impactos psicológicos sobre os indivíduos.

Impactos psicológicos da pandemia

Ornell et al. (2020ORNELL, Felipe; SCHUCH, Jaqueline; SORDI, Anne; KESSLER, Felix Henrique Paim. “Pandemic fear” and COVID-19: Mental health burden and strategies. Brazilian Journal of Psychiatry, São Paulo, v. 42, n. 3, p. 232-235, Jun. 2020. DOI: 10.1590/1516-4446-2020-0008.
https://doi.org/10.1590/1516-4446-2020-0...
) concordam que o bem-estar e a saúde mental podem ser afetados pelas mudanças nas rotinas e nas relações familiares em consequência da pandemia do novo coronavírus. De acordo com Organização Mundial de Saúde (OMS), “a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade” (OMS, 1946Organização Mundial Da Saúde (OMS). Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO)- 1946. Disponível em:<Disponível em:http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html >. Acesso em 27 mai. 2020.
http://www.direitoshumanos.usp.br/index....
). A mesma Organização conceitua a saúde mental como sendo “um estado de bem-estar no qual um indivíduo percebe suas próprias habilidades, pode lidar com os estresses cotidianos, pode trabalhar produtivamente e é capaz de contribuir para sua comunidade” (OMS, 2014Organização Mundial Da Saúde (OMS). Mental health: a state of well-being. 2014. Disponível em:<Disponível em:http://origin.who.int/features/factfiles/mental_health/en/ >. Acesso em 27 mai. 2020.
http://origin.who.int/features/factfiles...
). Nestas definições o termo ‘bem-estar’ é entendido como um construto de natureza subjetiva e culturalmente situado (HUNTER et al., 2013HUNTER, Jennifer; MARSHALL, Jack; CORCORAN, Katherine; LEEDER, Stephen; PHELPS, Kerryn. A positive concept of health - interviews with patients and practitioners in an integrative medicine clinic. Complement Ther Clin Pract: Elsevier Novel Coronavirus Information Center, v, 19, n. 4, p. 197-203, ago. 2013. DOI: 10.1016/j.ctcp.2013.07.001.
https://doi.org/10.1016/j.ctcp.2013.07.0...
).

Este cenário nos permite entender que estar em casa e ter tempo para trabalhar não são os únicos elementos necessários para garantir o bem-estar pessoal, profissional e acadêmico durante a pandemia. Trazemos, nesta subcategoria, narrativas que apontam para a direção do bem-estar mental dos participantes influenciando a realização de suas atividades acadêmicas. Ou seja, discursos que contenham elementos que remetem a impossibilidade de lidar com estresses cotidianos, de produzir e de contribuir para a comunidade acadêmica. É importante demarcar que não estamos nos propondo a fazer qualquer discussão ou análise clínica sobre a situação de saúde mental dos respondentes desta pesquisa. Almejamos lançar uma luz sobre este campo, pois a preocupação com a saúde mental não pode ser desprezada, uma vez que os impactos psicológicos podem durar mais do que o acometimento pela COVID-19, com diferentes possibilidades de desdobramentos (ORNELL et al., 2020ORNELL, Felipe; SCHUCH, Jaqueline; SORDI, Anne; KESSLER, Felix Henrique Paim. “Pandemic fear” and COVID-19: Mental health burden and strategies. Brazilian Journal of Psychiatry, São Paulo, v. 42, n. 3, p. 232-235, Jun. 2020. DOI: 10.1590/1516-4446-2020-0008.
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).

Maria: Ficar muito tempo em casa parece a princípio que estamos imersos em tempo disponível, estamos sim mas o desgaste de convivência familiar constante e a ansiedade em se deter em casa devido as orientações vem causando impactos psicológicos que afetam o bom aproveitamento do tempo disponível.

Paula: Como meu marido trabalha em um hospital referência no atendimento aos pacientes do covid-19, além de passar o dia todo sozinha, sinto a necessidade de limpar tudo com muito cuidado e muita frequência, isso gera uma certa ansiedade e não consigo me concentrar muito bem na escrita.

Jailson: Embora pareça que temos mais tempo, a produtividade é inferior de quando estamos na correria do dia a dia. [...] Ansiedade é o que mais prejudica o andamento da pesquisa.

As narrativas têm em comum a palavra ansiedade. Wang et al. (2020WANG, Cuiyan et al. Immediate psychological responses and associated factors during the initial stage of the 2019 coronavirus disease (COVID-19) epidemic among the general population in China. International Journal of Environmental Research and Public Health: National Library of Medicine, v.17, n. 5, p.1-25, mar. 2020. DOI: 10.3390/ijerph17051729.
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), em um estudo com 1210 chineses, realizado após a OMS reconhecer a emergência global da pandemia do novo coronavírus, reportou a ansiedade, o estresse e sinais de depressão como os impactos mais presentes na população. O mesmo estudo mostrou que o gênero feminino e a situação de estudante foram significativamente associados a níveis mais elevados destes impactos psicológicos. Como nos casos de Maria e Paula, que são do gênero feminino e alunas de pós-graduação.

Maria afirmou que praticava totalmente as orientações de distanciamento social. Ela dividia a casa com mais três pessoas e não possuía filhos. A narrativa dela sinalizou para o desgaste gerado pelo convivo familiar, que se intensificou com as medidas de distanciamento social, como apontado por Ornell et al. (2020ORNELL, Felipe; SCHUCH, Jaqueline; SORDI, Anne; KESSLER, Felix Henrique Paim. “Pandemic fear” and COVID-19: Mental health burden and strategies. Brazilian Journal of Psychiatry, São Paulo, v. 42, n. 3, p. 232-235, Jun. 2020. DOI: 10.1590/1516-4446-2020-0008.
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). De acordo com Jair de Jesus Mari, chefe do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo5 5 Disponível em: <https://www.unifesp.br/reitoria/dci/noticias-anteriores-dci/item/4395-quais-os-principais-efeitos-da-pandemia-na-saude-mental>. Acesso em 27 mai. 2020. , o confinamento compulsório implicou em uma mudança forçada e repentina de rotina. Nesse sentido, manifestações de raiva pela perda da liberdade são comuns, além de irritabilidade e ansiedade associadas à nova realidade. Estas reações podem gerar desgaste nas relações com as demais pessoas em uma casa, como sugeriu a fala de Maria.

Paula morava com o marido e não tinha filhos. O marido atuava na área da saúde, um serviço essencial cujos profissionais continuaram trabalhando durante os momentos mais severos da pandemia. No Espírito Santo (ES), a Secretaria Estadual de Saúde ofereceu hospedagem em hotéis para os profissionais da área que atuaram na linha de frente do combate ao novo coronavírus. Tal medida visou diminuir os riscos de transmissão da doença, porque no ES esses profissionais representavam cerca de 30% do número de pessoas acometidas pela COVID-196 6 Fonte: <https://www.agazeta.com.br/es/cotidiano/em-24h-quase-todos-os-novos-casos-de-covid-19-no-es-sao-de-profissionais-da-saude-0420>. Acesso em 01 de mar. 2023. em 2020. Além disso, muitos profissionais deste campo temiam contrair a doença e transmiti-la aos parentes (TAYLOR, 2019TAYLOR, Steven. The psychology of pandemics: Preparing for the next global outbreak of infectious disease. Cambridge: Cambridge Scholars Publishing, 2019.). Os desafios que eles enfrentam no dia a dia da profissão podem desencadear ou intensificar sintomas de ansiedade, depressão e estresse (BAO et al., 2020BAO, Yanping; SUN, Yankun; MENG, Shiqiu; SHI, Jie; LU, Lin. 2019-nCoV epidemic: Address mental health care to empower society. The Lancet, Londres, v. 395, n. 10224, p.37-38, fev. 2020. DOI: 10.1016/S0140-6736(20)30309-3.
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). Sendo assim, estes trabalhadores se sentiam desencorajados a interagir com outras pessoas, o que intensifica o sentimento de isolamento (ZHANG et al., 2020ZHANG, Chenxi et al. Survey of insomnia and related social psychological factors among medical staffs involved with the 2019 novel coronavirus disease outbreak. Frontiers in Psychiatry: National Library of Medicine, v. 11, n. 306, p. 1-9, abr. 2020. DOI: 10.3389/fpsyt.2020.00306.
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). Isso nos ajuda a entender a solidão mencionada por Paula, e nos permite supor que a ansiedade vivida por ela pudesse estar relacionada ao contexto do marido, o que pode ter levado a intensificar os cuidados com a higienização.

Helena: Sem condições psicológicas para produzir. [...] Minha rotina está muito pesada. Tenho trabalhado 5h pela manhã, 5h pela tarde e 5h pela noite. Parte dos meus alunos são analfabetos digitais, outra parcela só tem internet pelo Whatsapp. Estamos atendendo os alunos individualmente pelo Whatsapp. Eu tenho que conciliar isso com problemas de saúde mental na minha família, ser mãe e dona de casa. O medo de ficar doente é grande, tendo em vista que onde moro o número de testes realizados é muito baixo.

A narrativa de Helena evidencia diferentes desafios que ela enfrentou. A começar pela sobrecarga de tarefas profissionais, em que afirmou ter trabalhado 15 horas diárias, cinco dias por semana, mais do que antes da pandemia. Tal situação parece ter relação com a dificuldade que os alunos dela tiveram em lidar com os meios remotos de ensino, somado ao fato de uma parte deles ter somente o Whatsapp como meio de comunicação à distância, o qual Helena utilizava para atendê-los individualmente. Helena morava fora da região metropolitana de Vitória e atuava no ensino médio da rede pública estadual em regime de designação temporária. A situação relatada converge com o dado de que, no Brasil, o celular é o aparelho mais utilizado para acessar a internet, conforme mostrou a PNAD Contínua TIC (2018), divulgada pelo IBGE (TOKARNIA, 2020cTOKARNIA, Mariana. Celular é o principal meio de acesso à internet no país. Agência Brasil, Rio de Janeiro, 2020c. Disponível em:<Disponível em:https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-04/celular-e-o-principal-meio-de-acesso-internet-no-pais >. Acesso em 09/11/2021.
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). Dados levantados pela pesquisa ‘TIC Domicílios 2019’, revelou que aproximadamente 30% dos lares brasileiros não têm acesso à internet. A maioria deles concentra-se no interior do Brasil. Se considerarmos apenas a área rural do país o quadro se agrava: menos de 50% das casas têm acesso à rede (TENENTE, 2020TENENTE, Luiza. 30% dos domicílios no Brasil não têm acesso à internet; veja números que mostram dificuldades no ensino à distância. Portal G1, 2020. Disponível em:<Disponível em:https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/05/26/66percent-dos-brasileiros-de-9-a-17-anos-nao-acessam-a-internet-em-casa-veja-numeros-que-mostram-dificuldades-no-ensino-a-distancia.ghtml >. Acesso em 09/11/2021.
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).

Helena morava com o filho. Logo, ser mãe e dona de casa se constituíram como elementos que se somavam ao desafio da sobrecarga laboral, pelo que discutimos na subcategoria anterior. Ela ainda mencionou problemas de saúde mental na família, sem fornecer mais detalhes. Talvez isto se relacione com o cuidado familiar. Diante deste cenário, Helena afirmou que não tinha condições de produzir. Ela relatou o medo de contrair a COVID-19, que é um elemento que pode afetar o bem-estar mental das pessoas. O medo relaciona-se com a baixa testagem realizada no Brasil naquele momento (BARRUCHO, 2020BARRUCHO, Luis. Brasil é um dos países que menos realiza testes para covid-19, abaixo de Cuba e Chile. BBC News Brasil, Londres, 2020. Disponível em:<Disponível em:https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52383539 >. Acesso em 28/05/2020.
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), a qual tinha efeitos mais acentuados na população periférica, que é mais vulnerável devido às condições sanitárias, econômicas, sociais, entre outras (MACEDO; ORNELLAS; BOMFIM, 2020MACEDO, Yuri Miguel; ORNELLAS, Joaquim Lemos; BOMFIM, Hlder Freitas do. COVID - 19 NO BRASIL: o que se espera para população subalternizada?Revista Encantar - Educação, Cultura e Sociedade, Bom Jesus da Lapa, v. 2, n. 1, p. 1-10, jan./dez. 2020. Disponível em: < Disponível em: https://revistas.uneb.br/index.php/encantar/article/view/8189 >. Acesso em 09/11/2021.
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).

Rosa: No início de tudo o que me atrapalhava mais era a distração com jornais e notícias, eu ficava muito preocupada com tudo e queria pesquisar isso o tempo todo. Depois os desafios foram outros, tive que começar a usar o “tempo livre” que ganhei devido o isolamento social para ajudar alguns familiares que fazem parte do grupo de risco (3 famílias) realizando algumas tarefas como ir ao supermercado, buscar remédio financiados pelo governo e ir ao banco. Essas tarefas ainda tomam grande parte do meu tempo. Além disso tenho dificuldade na concentração visto que preciso dividir o espaço de trabalho com outra pessoa (marido). [...] Enquanto algumas pessoas dizem estar com o tempo ocioso tenho a sensação de estar sobrecarregada por assumir tarefas que eu não tinha antes, estou fisicamente e mentalmente cansada.

A narrativa de Rosa revelou uma preocupação com as notícias, as quais, muitas vezes, retrataram o cenário de mortes no Brasil e no mundo, e a falta de consenso entre governo federal e autoridades médicas (VASCONCELOS, 2020VASCONCELOS, Renato. Pronunciamento de Bolsonaro contradiz OMS, especialistas e medidas adotadas ao redor do mundo. O Estado de S. Paulo, 2020. Disponível em:<Disponível em:https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,pronunciamento-de-bolsonaro-contradiz-oms-especialistas-e-medidas-adotadas-ao-redor-do-mundo,70003247141 >. Acesso em 09/11/2021.
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). Estes sintomas, como discutido anteriormente, podem ter afetado o bem-estar mental dos mestrandos e mestrandas. Outro desafio apontado por Rosa foi o de compartilhar o espaço de trabalho remoto com o marido. Como discutimos ao longo das duas primeiras categorias, as medidas de distanciamento social exigiram novas formas de trabalho e estudo, as quais foram mais complexas quando realizadas em paralelo com outras pessoas, como cônjuges e filhos.

Esses fatores nos ajudam a entender o cansaço mental mencionado por Rosa, o qual se somou ao físico, a partir do momento em que ela passou a auxiliar três famílias afetadas pelas medidas de distanciamento social, por conterem pessoas do que se considerava a época como “grupo de risco”. Ela assumiu tarefas relativas ao deslocamento até estabelecimentos, como supermercados, farmácias e bancos. E isto ocupou o tempo que ela poderia dedicar às demandas acadêmicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste momento extraímos algumas lições por meio das categorias e da interpretação dos dados objetivos do questionário. Buscamos sintetizar as compreensões advindas da pesquisa entendendo que quaisquer reflexões e discussões oriundas deste estudo não se encerram aqui.

Nesta pesquisa nos propomos a analisar os desafios enfrentados por estudantes de um Mestrado Profissional em Ensino de Física na vida pessoal, profissional e acadêmica durante o início da pandemia do novo coronavírus no ano de 2020. As narrativas e os dados de caracterização dos participantes evidenciaram alguns desses desafios e forneceram detalhes sobre a natureza deles. Isso porque as dimensões pessoal, acadêmica e profissional são demasiadamente complexas e idiossincráticas para que venham a lume em sua totalidade.

A princípio, o tempo mostrou-se como recurso a ser racionado e inteligentemente distribuído para manter as demandas pessoais, acadêmicas e profissionais com certa qualidade. Logo, as variáveis oriundas da pandemia que causavam redução ou sobrecarga de demandas, as quais consumiam mais ou menos tempo, influenciaram as ações das mestrandas e mestrandos. As medidas de distanciamento social, que suspenderam as aulas presenciais, influenciaram nesse processo, pois: enquanto profissionais da educação, as professoras e professores tiveram que se adaptar ao ensino remoto e, para alguns, isto resultou numa redução de demandas laborais, mas para muitos implicou em sobrecarga; enquanto pais, mães, passaram a lidar com os filhos em aulas remotas em casa, o que exigiu acompanhamento. No aspecto pessoal, maior tempo em casa gerou mais trabalho doméstico e cuidado familiar, além disso, dividir o lar, que se tornou local de trabalho e estudo, com outras pessoas mostrou-se desafiador no processo de conciliar as demandas do dia a dia. Os dois últimos elementos recaíram majoritariamente sobre as mulheres.

O tempo de dedicação as diferentes demandas revelaram-se vulnerável a pandemia e submisso às condições de bem-estar mental dos mestrandos e mestrandas. O medo da doença, o desgaste nas relações pessoais intensificadas pelo confinamento e os sentimentos de ansiedade ratificaram que não bastava apenas ter o tempo, era preciso ter qualidade e condições de utilizá-lo em prol das demandas diversas da vida pessoal, profissional e acadêmica. Os efeitos da pandemia ainda estão se apresentando e os estudos sobre eles são recentes. Assim, entendemos que esta pesquisa lançou luz sobre um campo repleto de incertezas, pois os desafios enfrentados pelos participantes da pesquisa podem ter se transformado, dada a indeterminação da duração e desdobramentos da pandemia (XIAO, 2020XIAO, Chunfeng. A novel approach of consultation on 2019 novel coronavirus (COVID-19)-related psychological and mental problems: Structured letter therapy. Psychiatry Investigation: National Library of Medicine, v. 17, n. 2, p.175-176, fev. 2020. DOI: 10.30773/pi.2020.0047.
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).

No contexto do programa de mestrado em que este estudo foi desenvolvido, e após a discussão desses resultados com toda a comunidade acadêmica, ações como a realização de encontros virtuais de grupos de estudos e orientações, além de seminários on-line semanais, construídos a partir das demandas trazidas por professores e estudantes, foram incentivadas pela coordenação, entendendo que elas poderiam contribuir para o bem-estar de todos. Conhecer os estudantes e os desafios que eles enfrentavam naquele momento, ainda que parcialmente, trouxe subsídios para o desenvolvimento de ações pertinentes para o cuidado pessoal e acadêmico de mestrandos e mestrandas, além de contribuir para as decisões metodológicas para o ensino remoto emergencial que foi estabelecido na Universidade em setembro de 2020.

Hoje vivemos um momento diferente em relação ao período em que os dados foram produzidos, analisados e compartilhados com os estudantes e professores do programa. Ultrapassamos 600 mil mortes, novas variantes do vírus surgiram, temos muitos vacinados e conseguimos retirar da presidência um negacionista científico. As atividades presenciais retornaram, bem como a rotina pré-pandemia. Ainda estamos entendendo certas implicações da pandemia no campo da educação, pois muitos estudos realizados durante e após o ápice do período pandêmico estão sendo publicados. Sequelas pontuais ou permanentes na saúde das pessoas, impactos na aprendizagem de estudantes de diferentes níveis e desenvolvimento das pesquisas são alguns pontos a serem investigados e inventariados, sendo a temporalidade um elemento fundamental para se compreender e situar as discussões.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.
  • 3
    Todas estas questões estavam em aberto quando realizamos a coleta de dados da pesquisa (primeiro semestre de 2020).
  • 4
    Fonte: https://sedu.es.gov.br/Not%C3%ADcia/escolar-fecha-primeiro-mes-com-70-de-engajamento-dos-alunos-da-rede-estadual-a-plataforma-google-sala-de-aula. Acesso em 01 de Mar. 2023.
  • 5
    Disponível em: <https://www.unifesp.br/reitoria/dci/noticias-anteriores-dci/item/4395-quais-os-principais-efeitos-da-pandemia-na-saude-mental>. Acesso em 27 mai. 2020.
  • 6
    Fonte: <https://www.agazeta.com.br/es/cotidiano/em-24h-quase-todos-os-novos-casos-de-covid-19-no-es-sao-de-profissionais-da-saude-0420>. Acesso em 01 de mar. 2023.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    04 Out 2023
  • Aceito
    22 Fev 2024
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