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O ENSINO DE QUÍMICA NA INCLUSÃO DE SURDOS: A CONCEPÇÃO DA APRENDIZAGEM CONSTRUÍDA COLETIVAMENTE1 1 Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.

LA ENSEÑANZA DE QUÍMICA EN LA INCLUSIÓN DE SORDOS: LA CONCEPCIÓN DEL APRENDIZAJE CONSTRUIDO COLECTIVAMENTE

RESUMO:

A escola contemporânea dialoga com a pluralidade e a diversidade. Nesse cenário, alunos surdos são incluídos em salas regulares e precisam ter acesso aos componentes curriculares em sua primeira língua, a Libras. É perceptível que para esses alunos a aprendizagem de algumas disciplinas, como a química, se apresenta como um desafio. Assim, este trabalho busca identificar quais são essas dificuldades e como transformá-las. Este estudo emergiu de uma pesquisa que contemplou outras fases de investigação, porém, aqui, será compartilhado um recorte das entrevistas realizadas com professores de química e com três estudantes surdos do 3.° ano do ensino médio de uma escola inclusiva da rede particular de ensino da região metropolitana de São Paulo. Como resultados, a investigação viabilizou a identificação do papel do intérprete de Libras e de sua parceria com o professor nesse processo, a percepção de que a inclusão é um movimento que requer empenho de todos os envolvidos para a ressignificação do processo e, ainda, a necessidade de estratégias visuais adequadas aos alunos surdos para a compreensão da química.

Palavras-chave:
inclusão de surdos; ensino de química; acessibilidade

RESUMEN:

La escuela contemporánea dialoga con la pluralidad y la diversidad. En este escenario, estudiantes sordos se incluyen en aulas regulares y necesitan tener acceso a componentes curriculares en su primer idioma, Libras. Llama la atención que para estos estudiantes el aprendizaje de algunas asignaturas, como Química, se presenta como un reto. Así, este trabajo busca identificar cuáles son estas dificultades y cómo transformarlas. Este estudio surgió de una investigación que incluyó otras fases de investigación, sin embargo, aquí se compartirá un recorte de las entrevistas realizadas con profesores de Química y con tres estudiantes sordos del 3° año de la enseñanza secundaria de un colegio privado inclusivo de la Región Metropolitana de São Paulo. Como resultado, la investigación permitió identificar el rol del intérprete de Libras en colaboración con el profesor en este proceso y la percepción de que la inclusión es un movimiento que requiere el compromiso de todos los involucrados por la resignificación del proceso y también por la necesidad de estrategias visuales adecuadas a los estudiantes sordos para la comprensión de la química.

Palabras clave:
inclusión de sordos; enseñanza de química; accesibilidad

ABSTRACT:

Contemporary school dialogues with plurality and diversity. In this scenario, deaf students are included in regular classrooms and need to access curricular components in their first language, Libras (Brazilian Sign Language). These students have some noticeable difficulties, such as many chemistry concepts. Thus, this work seeks to identify these difficulties and how to transform them. This study emerged from a research with several investigation phases. In this text, we present part of the interviews conducted with Chemistry teachers and three deaf students who were High School seniors at an inclusive private school in the metropolitan region of São Paulo. As a result, the investigation identified the role of the Libras interpreter and his partnership with the teacher in this process, the perception that inclusion is a movement that requires the commitment of all those involved to resignify the process, and the need for adequate visual strategies for deaf students to understand chemistry.

Keywords:
deaf inclusion; chemistry education; accessibility

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa teve por objetivo principal investigar dificuldades na aprendizagem de química observadas no cotidiano escolar de estudantes surdos, incluídos na escola regular, a partir da percepção de que existe uma responsabilidade no processo de ensino-aprendizagem que precisa ser assumida por todos os participantes. Acredita-se que o sucesso e o fracasso em relação ao desempenho escolar desses estudantes devem ser compartilhados por professores que atuam frente à educação inclusiva, por intérpretes de língua de sinais e, obviamente, pelos próprios estudantes surdos. Nesse sentido, Oliveira e Ferraz (2021OLIVEIRA, Juliani F.; FERRAZ, Denise P. A. Ensino de Ciências ao Aluno Surdo: Um Estudo de Caso sobre a Sala Regular, o Atendimento Educacional Especializado e o Intérprete Educacional.Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências,[S. l.], p. e22873, p.1-23, 2021. <https://doi.org/28976/1984-2686rbpec2021u255277>
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), em uma pesquisa com uma aluna surda de escola regular, em aula de ciências, constataram que a principal causa das dificuldades para a aprendizagem da estudante é a formação insuficiente dos profissionais - professor e intérprete. Entendemos, então, que é muito provável que um dos grandes entraves resultantes da era da inclusão escolar seja, mesmo que involuntariamente, a desconsideração das reais necessidades de cada um dos envolvidos nesse processo.

Seguindo esse raciocínio, o estudo foi realizado a partir da observação de que muitos surdos apresentam dificuldades com os conteúdos de disciplinas relacionadas à área de ciências, como, por exemplo, a química. Algumas das hipóteses que explicam tais dificuldades com a linguagem química por esses alunos podem estar relacionadas ao fato de ser uma área de estudo repleta de abstrações, simbologias, fórmulas, cálculos e o fato de muitos educadores ainda se pautarem na oralidade para a disseminação dos conteúdos (Miranda; Costa, 2007MIRANDA, Dinaldo G. P; COSTA, Norberto S. Professor de Química: Formação, competências/ habilidades e posturas. São Paulo: Moderna, 2007.). Essa reflexão tem mobilizado professores, intérpretes de língua de sinais e pesquisadores no sentido de procurarem alternativas pedagógicas que se ajustem às necessidades desses estudantes (Sousa; Silveira, 2011SOUSA, Sinval F.; SILVEIRA, Hélder E. Terminologias químicas em Libras: a utilização de sinais na aprendizagem de alunos surdos. Química Nova na Escola, v.33, n.1, 2011. Disponível em: <Disponível em: http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc33_1/06-PE6709.pdf >. Acesso em:09/06/2024.
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).

É importante ressaltar que, além das dificuldades mais recorrentes observadas no ensino de química ao público surdo - as já citadas particularidades da área, como a utilização de abstrações e simbologias -, não podemos nos esquecer de que, enquanto ciência, a compreensão da química se apoia em três níveis de representação: macro, simbólico e submicro (Gilbert; Treagust, 2009GILBERT, John K.; TREAGUST, David. Introduction: macro, submicro and symbolic representations and the relationship between them: key models in chemical education. In: GILBERT, John K.; TREAGUST, David. Multiple representations in chemical education, v. 4, p. 1-8, 2009.). E os surdos, por utilizarem um idioma gesto-visual como a Libras (Língua Brasileira de Sinais) para se comunicarem, muitas vezes não encontram correspondência em sua língua para os conceitos difundidos nessa área do conhecimento (Quadros; Karnopp, 2004QUADROS, Ronice M.; KARNOPP, Lodenir. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: ARTMED, 2004.).

Como vimos até então, a inclusão escolar de surdos pressupõe algumas especificidades que a diferencia da inclusão de alunos com outras deficiências, pois abarca um grupo que necessita ter as suas necessidades linguísticas atendidas para que a aprendizagem aconteça. É preciso compreender que, para os surdos brasileiros, a Libras é a primeira língua de instrução, enquanto o português escrito é a segunda, e aquela que será utilizada para a comunicação com uma sociedade majoritariamente ouvinte (Gesser, 2009GESSER, Audrei. Libras? Que língua é essa? Crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da realidade surda. Revista eletrônica intr@ciência, p.1-5, 2009. Disponível em: <Disponível em: https://uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170531150822.pdf >. Acesso em: 09/06/2024.
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; Quadros, 1997QUADROS, Ronice M. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.).

Nesse sentido, uma das questões centrais que nos ajudaria a compreender se existem lacunas na inclusão escolar de surdos está relacionada à consideração das ações necessárias aos partícipes desse processo, quais barreiras são perceptíveis e como transformá-las. Entretanto, para chegarmos a estas respostas, é importante definir: o que é a inclusão escolar?

Hoje em dia tornou-se comum falar sobre inclusão. Constatamos menções a esse termo nas mais diversas áreas e, frequentemente, encontramos referências como inclusão racial, inclusão social e, mais intrinsecamente relacionada a este estudo, a inclusão escolar. Neste texto, iremos nos concentrar nas questões que envolvem a inclusão escolar de surdos e nas dificuldades que emergem desse processo, bem como no fato de que a inclusão está diretamente relacionada à necessidade de acessibilidade (Schuindt; Silveira, 2020SCHUINDT, Claudia C.; SILVEIRA, Camila. A Educação Inclusiva em espaços não formais: uma análise dos museus de ciências brasileiros. Educação em Revista, Belo Horizonte, v.36: e234507, 2020. <https://doi.org/1590/0102-4698234507>
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).

Em linhas gerais, a inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais (NEE) - alunos com deficiência e surdos - é um direito garantido nos documentos oficiais brasileiros. Muitos desses documentos foram criados à luz de protocolos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Declaração de Salamanca (1994) e a Convenção de Guatemala (1999), que defendem condições de igualdade e acessibilidade para todos.

No Brasil, a inclusão escolar, tal qual a conhecemos, é o resultado de ações que culminaram em resoluções, normas, decretos e leis criadas com o intuito de incluir estudantes que viviam à margem da educação ou que eram condicionados a frequentar a escola especial. É importante citar que os ideais presentes em muitos documentos oficiais criados ao longo dos anos, voltados para a inclusão escolar, foram atualizados e/ou reforçados por outros documentos. No Brasil existe uma vasta quantidade de leis que garantem os direitos das pessoas com deficiência. Esses documentos são tantos que seria inviável citar a todos nominalmente. Por isso, podemos nos concentrar na própria Constituição Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n.º 9394/96 e na Lei n.º 13.146, popularmente conhecida como Lei Brasileira de Inclusão ou Estatuto da Pessoa com Deficiência, de 2015.

A Constituição Federal de 1988 rege os preceitos da universalização da educação e atribui ao Estado a responsabilidade por garantir “[...] atendimento educacional especializado aos portadores1 1 A palavra “portadores” antes do termo “deficiência” foi muito utilizada no Brasil durante as décadas de 1980 e 1990. Porém, de acordo com os estudos contemporâneos, “portadores de deficiência” é uma terminologia equivocada e não condiz com as reais necessidades das pessoas que se enquadram na educação especial. Nesse sentido, atualmente, a terminologia adequada é “pessoa com deficiência” (Sassaki, 2003). de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988.). A LDB de 1996 foi um marco no que concerne às pessoas com deficiência, pois a educação especial deixou de ser formalmente considerada uma educação à parte da educação regular, constituindo uma educação única, voltada para todos os estudantes (Mattos, 2017MATTOS, Nicoleta M. A política de educação especial na perspectiva da inclusão: ambiguidades conceituais e suas consequências para a efetivação de uma escola inclusiva. Revista Psicologia, Diversidade e Saúde, v. 6, n.1, p.37-43, 2017. <https://doi.org/17267/2317-3394rpds.v6i1.1111>
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). Por sua vez, a Lei Brasileira de Inclusão ou Estatuto da Pessoa com Deficiência propicia um novo olhar para as pessoas com deficiência, pois além de unificar os preceitos existentes em documentos anteriores, oferece importante contribuição no que diz respeito à dissociação dessas pessoas à ideia de incapacidade que por muitos anos esteve atrelada a elas.

Nesse contexto, a discussão contemporânea gira em torno da escola enquanto espaço democrático capaz de minimizar as diferenças e maximizar as oportunidades de ingresso a todos os estudantes, sem distinção (Araújo, 1998ARAÚJO, Ulisses. F. O déficit cognitivo e a realidade brasileira. In: AQUINO, Julio Groppa(org.): Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas. 4. ed. São Paulo: Summus Editorial, 1998.). Seguindo essa tônica, idealizamos uma escola em que a diversidade étnica, social e cultural não seja mais importante do que a possibilidade de que todos aprendam e tenham seus direitos garantidos, independentemente se o estudante possui ou não algum tipo de deficiência, se é surdo ou ouvinte (Sánchez, 2005SÁNCHEZ, Pilar A. Educação Inclusiva: um meio de construir escolas para todos no século XXI. Revista Educação Especial, p.7-18, 2005. Disponível em: <Disponível em: https://gedh-uerj.pro.br/documentos/a-educacao-inclusiva-um-meio-de-construir-escolas-para-todos-no-seculo-xxi >. Acesso em:09/06/2024.
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).

Atualmente, as mudanças no cenário educacional têm exigido que os educadores estejam preparados para lidarem com a diversidade, com a pluralidade e a heterogeneidade que a escola contemporânea concentra (Carvalho, 2002CARVALHO, Rosita E. Removendo Barreiras para a aprendizagem. 4. ed. Porto Alegre: Mediação, 2002.). Essas diferenças transformam a escola em um espaço favorável à troca de experiências, mas exigem, principalmente dos professores, o uso de estratégias didáticas capazes de alcançar a todos os alunos (Araújo, 1998ARAÚJO, Ulisses. F. O déficit cognitivo e a realidade brasileira. In: AQUINO, Julio Groppa(org.): Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas. 4. ed. São Paulo: Summus Editorial, 1998.). Desse modo, podemos enfatizar que foi nesse ambiente inclusivo que as premissas desta pesquisa foram concebidas, pois percebe-se que mesmo diante de uma ampla legislação voltada para o atendimento de estudantes com deficiência e surdos, muitos educadores se sentiam, e ainda se sentem, inseguros em relação à forma mais eficaz para atender esses alunos (Lima, 2006LIMA, Priscila A. Educação inclusiva e igualdade social. São Paulo: Avercamp, 2006.).

Quando voltamos a atenção para a formação de professores que trabalham com a inclusão de surdos, identificamos uma lacuna difícil de ser preenchida. Muitos relatam que não tiveram formação específica para atender esse público, nem na universidade, nem nas instituições em que atuam (Lima, 2006LIMA, Priscila A. Educação inclusiva e igualdade social. São Paulo: Avercamp, 2006.). Por outro lado, é importante citar que desde 2005, de acordo com o Decreto n.º 5.626, de 22 de dezembro daquele ano, em seu Capítulo II, artigo 3.°, “[...] a Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia”. Ainda em relação à inclusão da Libras como disciplina obrigatória, quando pensamos especificamente na atuação profissional dos professores especialistas nas mais diversas áreas, o parágrafo 1.° do artigo 3.° desse Decreto enfatiza que “[...] todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e curso de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da educação para o exercício do magistério” (Brasil, 2005).

Se há obrigatoriedade quanto à inclusão da Libras como disciplina nos cursos de formação de professores e nos cursos de licenciatura, por que muitos professores ainda se sentem despreparados para atender estudantes surdos? Primeiramente, como nos traz Oliveira et al. (2011OLIVEIRA, Mayara L.; ANTUNES, Adriana M.; ROCHA, Thiago L.; TEIXEIRA, Simone M. Educação inclusiva e a formação de professores de ciências: o papel das universidades federais na capacitação dos futuros educadores. Ensaio, pesquisa em educação e ciências, v.13, n.3, p.99-117, 2011. <https://doi.org/1590/1983-21172011130307>
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), em uma revisão sobre a formação de professores de ciências, havia uma lacuna nos cursos de licenciatura em ciências naturais - química, física e biologia - no que diz respeito à educação inclusiva. Além disso, a explicação pode estar no fato de que muitos dos cursos de Libras oferecidos nas universidades são focados em um conteúdo básico, muitas vezes oferecidos na modalidade EAD, e com pouca ênfase nas questões teóricas capazes de conscientizar professores de que existe singularidade no processo de inclusão de surdos. Resumindo, eles têm acesso a um conteúdo básico da Libras que dificilmente será utilizado, seja por se esquecerem do vocabulário básico aprendido com o passar do tempo, seja pela falta de prática ou por contarem com intérpretes em suas aulas no modelo de educação inclusiva. Nesse sentido, Pereira e Catão (2020PEREIRA, Kevin L.; CATÃO, Vinícius. Reflexões sobre o “Novo Educador" frente a uma Educação Intercultural: em foco o professor de Química e os desafios postos pela inclusão educacional dos Surdos. In: FREITAS-REIS, Ivone; FERNANDES, Karine. Gabrielle; DEROSSI, Ingrid Nunes(Org.). Discutindo o Ensino de Ciências da Natureza a partir da Formação de Professores, Inclusão e História da Ciência. 1ª ed. Curitiba: Brazil Publishing, 2020, v. 1, p. 12-25.) afirmam ser importante que o professor tenha um conhecimento básico de Libras que possibilite comunicação com o estudante surdo, ainda que, possivelmente pela sobrecarga de trabalho do professor, muitas vezes não seja possível atingir a fluência mínima, o que também torna o professor menos confortável para tentar interagir com o estudante.

Entendemos, então, que uma questão que pode impactar na inclusão de surdos é o fato de que os cursos de formação de professores, que deveriam promover o ensino da Libras e prepará-los para lecionarem para todos os alunos, podem não estar alcançando seus objetivos, uma vez que muitos desses educadores não se sentem preparados para atenderem o público surdo. É nesse cenário que este estudo busca chamar à responsabilidade os envolvidos no processo de inclusão: o professor, o intérprete de Libras e o próprio estudante surdo.

No modelo de educação inclusiva, o intérprete de Libras possui papel fundamental, pois é o profissional responsável em promover a acessibilidade aos estudantes surdos incluídos na sala regular e por intermediar as relações entre esses estudantes, os professores e os colegas ouvintes que não conhecem a língua de sinais (Góes, 2000GÓES, Maria Cecília Rafael de. Com quem as crianças dialogam em sinais?In: GÓES, Maria Cecília Rafael de; LACERDA, Cristina Broglia Feitosa de (Org.). Surdez: processos educativos e subjetividade. São Paulo: Lovise, 2000.). Ao exercer uma função de tamanha relevância, é esperado que o Tradutor Intérprete de Língua de Sinais (TILS) seja um profissional habilitado para exercer esse trabalho, e que, preferencialmente, possua vasta experiência e formação em sua área de atuação.

Seguindo essa linha de raciocínio, o TILS precisa investir na sua carreira, proporcionando uma prestação de serviços de qualidade, adequada às necessidades dos estudantes surdos aos quais atendem em âmbito educacional. Quando voltamos a atenção para os desafios vivenciados nas interações existentes em uma sala de aula inclusiva e, mais especificamente, em disciplinas que apresentam-se como desafio para os estudantes surdos, a exemplo da química, esses profissionais precisam reunir técnicas de tradução e interpretação que favoreçam a aprendizagem para esses estudantes. É importante ressaltar que os estudos das línguas de sinais são recentes quando comparados aos estudos das línguas orais, e por isso, o vocabulário em Libras está em constante construção (Quadros; Karnopp, 2004QUADROS, Ronice M.; KARNOPP, Lodenir. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: ARTMED, 2004.).

Essa discussão tem por intuito reforçar que por mais que os desafios apresentados até aqui sejam recorrentes no cotidiano escolar de uma escola inclusiva, o TILS deve fazer pleno uso das possibilidades que a sua atuação oferece, inclusive em aulas de ciências, como apontar para os recursos visuais que são apresentados pelos professores na lousa, pesquisar se existem sinais em Libras para o conteúdo abordado, soletrar conceitos que poderão ser requisitados em provas, entre outros. Vale ressaltar que a atuação do intérprete de Libras, muitas vezes exige que decisões relacionadas à interpretação sejam tomadas sem a possibilidade de estudo prévio, e independentemente da habilidade ou criatividade desse profissional, pode resultar em grande desafio (Lacerda, 2013LACERDA, Cristina Broglia Feitosa de. Intérprete de Libras: em atuação na educação infantil e no ensino fundamental. 5. ed. Porto Alegre: Mediação , 2013.). Aos alunos surdos recaem as mesmas responsabilidades que são exigidas aos demais estudantes: ficarem atentos às aulas, fazerem anotações pessoais, realizarem as atividades propostas, e tirarem dúvidas quanto ao conteúdo aprendido.

Refletir acerca do papel desempenhado pelos profissionais envolvidos na inclusão escolar de surdos reforça a ideia de que apenas com o comprometimento e a participação efetiva de todos, a inclusão pode se tornar realidade. No contexto desta pesquisa, em que foram investigadas as ações necessárias a professores de química, intérpretes de Libras e aos próprios alunos surdos no panorama de uma sala de aula inclusiva, o princípio do Design Universal para Aprendizagem pode ser um recurso bastante eficaz (Bracken; Novak, 2019BRACKEN, Sean; NOVAK, Katie. Transforming higher education through universal design for learning: an international perspective. New York: Routledge, Taylor & Francis Group, 2019.). Dito isso, o que seria o Design Universal para Aprendizagem e como a aplicação de seus preceitos podem contribuir para a inclusão de surdos nas aulas de química, bem como nas demais disciplinas do currículo escolar?

O Design Universal para Aprendizagem ou Desenho Universal para Aprendizagem (DUA) é um conceito que surgiu a partir da ideia de Desenho Universal, que na proposta original emerge da arquitetura e defendia que os espaços físicos fossem acessíveis a todas as pessoas, sem a necessidade de adaptações posteriores. A área da Educação incorporou esse conceito, uma vez que professores influenciados por esse movimento se sentiram impelidos a pensarem em estratégias para que as suas aulas se tornassem cada vez mais acessíveis, rompendo com o paradigma de classes homogêneas e, por sua vez, atendendo a todos os estudantes, independentemente das diferenças apresentadas (Bracken; Novak, 2019BRACKEN, Sean; NOVAK, Katie. Transforming higher education through universal design for learning: an international perspective. New York: Routledge, Taylor & Francis Group, 2019.).

Dadas às especificidades que permeiam a inclusão escolar de surdos, é provável que as diretrizes do DUA possam oferecer contribuições significativas aos educadores no que tange ao atendimento mais adequado para esses estudantes. Todavia, seus benefícios não se limitam a esse público, uma vez que nessa abordagem são extensivos aos demais alunos, sem exceção. Para exemplificar, podemos usar a referência de que os surdos possuem singular “experiência visual” e, por isso, faz-se necessário que os professores utilizem mecanismos que possam beneficiá-los nesse campo (Alberton, 2015ALBERTON, Bruna F. A. Discursos curriculares sobre Educação Matemática para surdos. Dissertação (Mestrado). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/115736 >. Acesso em:09/06/2024.
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). Trabalhar a visualidade em sala de aula requer que os professores utilizem estratégias didáticas que favoreçam a aprendizagem dos estudantes surdos a partir daquilo que pode ser compreendido visualmente, como, por exemplo, a utilização de imagens, desenhos, gráficos, jogos, entre outros recursos (Alberton, 2015; Campello, 2008CAMPELLO, Ana Regina S. Aspectos da visualidade na educação de surdos. Tese (Doutorado em Educação). Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2008. Disponível em: <Disponível em: https://cultura-sorda.org/wp-content/uploads/2015/04/Tesis-SouzaCampello-2008.pdf >. Acesso em:09/06/2024.
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). Nesse contexto, podemos concluir que utilizar recursos visuais durante as aulas favorece a aprendizagem dos estudantes surdos, além de oferecer benefícios aos que não são surdos.

Dessa forma, é fundamental reiterar que o simples reconhecimento de que o processo de ensino-aprendizagem da química pode ser desafiador para os estudantes surdos se mostra insuficiente, pois é preciso muito mais que isso. É necessário que os professores de química e os intérpretes de Libras estabeleçam uma parceria de trabalho em que as experiências vivenciadas por esses profissionais possam ser somadas, viabilizando com que as aulas e os materiais utilizados sejam de fato acessíveis aos surdos. Conscientes de que existem dificuldades quanto à aprendizagem dos estudantes surdos e cientes da responsabilidade que recai sobre cada um dos envolvidos no cotidiano escolar de uma sala de aula inclusiva, podemos nos perguntar: quais são essas dificuldades e como lidar com elas? A apresentação feita até aqui contempla os desafios a partir da concepção descrita pelo profissional Tradutor Intérprete de Libras, mas o que pensam os professores de química e os estudantes surdos em relação a essas questões?

PERCURSO METODOLÓGICO

Este trabalho engloba o recorte de uma dissertação de mestrado na qual o pesquisador debruçou-se em investigar as dificuldades inerentes ao processo de ensino-aprendizagem de química na inclusão escolar de estudantes surdos. Enquanto pesquisa, pode ser caracterizada como estudo de caso e possui caráter qualitativo (Stake, 2011STAKE, Robert E. Pesquisa qualitativa: estudando como as coisas funcionam. Tradução de Karla Reis; Revisão de Nilda Jacks. Porto Alegre, RS: Penso, 2011.; Yin, 2005YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.).

A pesquisa foi realizada durante o ano letivo de 2019, numa escola particular, com três alunos surdos do 3.o ano do ensino médio, fluentes em Libras. Teve como ponto de partida o conteúdo da química intitulado “interações intermoleculares”, contemplando quatro etapas (Quadro 1):

Quadro 1:
Etapas da pesquisa.

As etapas da pesquisa (Quadro 1) foram desenvolvidas ao longo do ano. A etapa I consistiu em duas aulas investigativas no tema interações intermoleculares (cem minutos), no contraturno, apenas com os alunos surdos. Na etapa II, ocorreu uma aula de observação, de cinquenta minutos, com toda a turma - ouvintes e alunos surdos - e com o professor titular de química abordando o mesmo tema. Na etapa III, foram anotadas algumas situações percebidas nas aulas de química durante aquele ano letivo. E, finalmente, a etapa IV, que é o recorte incluído na apresentação estabelecida neste texto, considera a participação dos professores de química e dos estudantes surdos investigados ao longo do processo. Os participantes responderam algumas questões formuladas pelo pesquisador por meio de entrevistas semiestruturadas individuais (Minayo, 1993MINAYO, Maria Cecília S. Trabalho de Campo: Contexto de observação, interação e descoberta. In: MINAYO, Maria Cecília de Souza(org.). Pesquisa Social: Teoria, método e criatividade. Petrópolis: Editora Vozes, 1993, p. 61-77.). Para isso, foi elaborado um roteiro com perguntas objetivas, porém abertas, possibilitando que questões não programadas, mas que acrescentassem valor à pesquisa, fossem igualmente consideradas. As entrevistas foram realizadas por meio da plataforma Google Meet e gravadas para registros e transcrições posteriores. Para as entrevistas com os estudantes surdos, o pesquisador, que é intérprete de Libras, teve apoio de um colega de profissão, que realizou a interpretação dos diálogos, possibilitando com que o primeiro se concentrasse exclusivamente nas questões feitas e nas respostas obtidas. As entrevistas foram propostas, pois intencionou-se investigar, diretamente com os participantes, suas percepções sobre as dificuldades e/ou barreiras observadas no processo de ensino-aprendizagem da química por alunos surdos em uma sala de aula inclusiva.

A pesquisa foi realizada por um intérprete de Língua Brasileira de Sinais, na posição de observador participante (Marconi; Lakatos, 2003MARCONI, Marina A.; LAKATOS, Eva M. Fundamentos de metodologia científica. 5. ed.São Paulo: Atlas, 2003.), no âmbito de uma escola regular da rede privada de ensino, em uma sala de aula inclusiva. Os alunos surdos incluídos nessa instituição, em sua maioria, são bolsistas, exceto os que têm condições de arcar com as mensalidades. Eles fazem parte de um programa de escolaridade que se inicia em uma escola bilíngue para surdos pertencente à mesma mantenedora. Esses alunos frequentam a escola bilíngue para surdos da educação infantil ao 5.° ano do ensino fundamental, sendo incluídos na escola regular a partir do 6.° ano, e acompanhados por intérpretes de língua de sinais até a conclusão do ensino médio. No colégio em que esta pesquisa foi concebida, os alunos começam a estudar a química como disciplina curricular no 1.° ano do ensino médio.

Os participantes entrevistados pelo pesquisador foram dois professores de química: um homem e uma mulher, que atuam no colégio referenciado como professor titular e professora de núcleo de apoio, nesta ordem. Ambos têm 35 anos de idade, e trabalham na escola em que foi realizada a pesquisa há oito e quatro anos, respectivamente.

Além dos professores, três estudantes surdos foram entrevistados e são caracterizados da seguinte forma: dois rapazes e uma moça, com idades de 17 e 18 anos, matriculados no 3.° ano do ensino médio. Esses alunos ingressaram na escola bilíngue para surdos na educação infantil, permanecendo nela até o 5.° ano do ensino fundamental e foram incluídos na escola regular a partir do 6.° ano. É importante ressaltar que tanto os professores como os estudantes surdos descritos foram convidados a participarem desta pesquisa e a adesão deles ocorreu de forma voluntária, obedecendo os princípios éticos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), como rege a resolução n.°466/2012.

Nesse contexto, é preciso salientar que por opção do pesquisador e com o intuito de preservar o anonimato dos participantes, seus nomes não serão expostos. Em contrapartida, serão utilizadas as designações: P1, para o professor titular de química; P2, para a professora de núcleo de apoio de química; A1, para o primeiro estudante; A2, para o segundo estudante; A3, para o terceiro estudante e, I1, para o intérprete de Libras, pesquisador e entrevistador. As respostas alcançadas ao longo desta pesquisa propiciaram o surgimento de quatro categorias, que de acordo com os pressupostos de Bardin (2011BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.), viabilizaram a análise dos dados obtidos por I1.

Entrevistas semiestruturadas com os professores e com os estudantes surdos

As entrevistas com os professores de química foram realizadas de forma individual, em dias e horários distintos. Foram feitas cinco perguntas objetivas, mas foram consideradas as manifestações espontâneas que não estavam no esboço. As entrevistas com os estudantes surdos também foram concebidas de forma individual, em dias e horários diferentes. Para eles, também foram realizadas cinco perguntas objetivas, e manifestações espontâneas foram amplamente consideradas (Quadro 2).

Quadro 2:
Perguntas realizadas para os professores e para os estudantes surdos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As discussões acerca das dificuldades dos estudantes surdos com a aprendizagem da química apresentadas neste estudo procuraram trazer para o debate estabelecido os personagens envolvidos no próprio processo de inclusão. A pesquisa foi conduzida por um intérprete de Libras, entretanto, somaram-se os questionamentos, as expectativas e percepções dos demais participantes investigados: estudantes surdos e professores de química. Essa tríade compreende os três personagens fundamentais na inclusão escolar de surdos defendida aqui neste artigo.

O recorte compartilhado aqui é o desfecho de um estudo que contemplou outras etapas de pesquisa e, nesse contexto, as entrevistas foram o meio escolhido para considerar a narrativa apresentada a partir de um prisma coletivo. Trazer para o debate a importância dos principais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem de estudantes surdos (Pereira; Catão, 2020PEREIRA, Kevin L.; CATÃO, Vinícius. Reflexões sobre o “Novo Educador" frente a uma Educação Intercultural: em foco o professor de Química e os desafios postos pela inclusão educacional dos Surdos. In: FREITAS-REIS, Ivone; FERNANDES, Karine. Gabrielle; DEROSSI, Ingrid Nunes(Org.). Discutindo o Ensino de Ciências da Natureza a partir da Formação de Professores, Inclusão e História da Ciência. 1ª ed. Curitiba: Brazil Publishing, 2020, v. 1, p. 12-25.), vai ao encontro de diversos movimentos que procuram resgatar o histórico dos grupos investigados, rompendo com paradigmas que contam a história e fazem a análise a partir de um ponto de vista único, silenciando àqueles que vivenciaram ou vivenciam constantemente as questões discutidas. Oliveira et al. (2011OLIVEIRA, Mayara L.; ANTUNES, Adriana M.; ROCHA, Thiago L.; TEIXEIRA, Simone M. Educação inclusiva e a formação de professores de ciências: o papel das universidades federais na capacitação dos futuros educadores. Ensaio, pesquisa em educação e ciências, v.13, n.3, p.99-117, 2011. <https://doi.org/1590/1983-21172011130307>
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) corroboram com essa ideia, entendendo que a inclusão não se restringe somente à participação do estudante surdo, sendo também necessária a disposição dos outros participantes - professor e intérprete - no processo para sempre estarem refletindo e modificando seus comportamentos quando isso se fizer necessário. Exemplificando, podemos trazer as observações constatadas por Oliveira e Ferraz (2021) e Pereira e Catão (2020) sobre a dificuldade do professor de conseguir se comunicar com o estudante surdo e a do intérprete de apresentar problemas com os sinais dos conceitos científicos (Oliveira; Ferraz, 2021).

Dada à especificidade deste estudo, acreditamos veementemente que a consideração das opiniões dos personagens envolvidos na narrativa que está sendo compartilhada é de grande importância. Nessa perspectiva, os argumentos coletados durante as entrevistas corroboram com a ideia de que existe uma dificuldade perceptível com a aprendizagem da química e de outras ciências por estudantes surdos (Paiva et al., 2023PAIVA, Débora C. A. C.; OLIVEIRA, Maria O. M.; REZENDE, Luiz G.G.; CARVALHO, Thays C.; PEREIRA, Lidiane L. S.; BENITE, Anna M. C.; BENITE, Cláudio R. M. A potencialidade do uso de recursos imagéticos no ensino de química para surdos. Experiências em ensino de ciências, v.18, n.1, p.243-259, 2023. Disponível em: <Disponível em: https://if.ufmt.br/eenciojs/index.php/eenci/article/view/1140 >. Acesso em:09/06/2024.
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; Florentino; Vizza; Locatelli, 2023FLORENTINO, Carla P.A.; VIZZA, Juliana R.; LOCATELLI, Solange W. A metavisualização na representação da evaporação da água com um grupo de estudantes surdos. Educação química em punto de vista, v.7, p.1-18, 2023. Disponível em: <Disponível em: https://revistas.unila.edu.br/eqpv/article/view/3286 >. Acesso em:09/06/2024.
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; Miranda; Costa, 2007MIRANDA, Dinaldo G. P; COSTA, Norberto S. Professor de Química: Formação, competências/ habilidades e posturas. São Paulo: Moderna, 2007.).

As categorias emergentes deste estudo encontram-se no quadro 3:

Quadro 3:
Categorias emergentes do estudo.

As entrevistas realizadas evidenciaram que tanto para os professores quanto para os estudantes participantes existem barreiras (C1) que limitam e/ou dificultam o ensino de química, e consequentemente, a aprendizagem desse componente curricular para os estudantes surdos, primeira categoria analisada. Nessa categoria (C1) foi possível identificar que algumas barreiras estão relacionadas às ações desenvolvidas pelos próprios personagens em uma sala de aula inclusiva. P1 compartilha a sua experiência pessoal a partir do momento em que começou a lecionar para surdos quando diz que

[...] no começo, eu falava muito rápido e usava algumas piadas envolvendo a química, que, acredito eu, complicava para os intérpretes fazerem a interpretação. Com o tempo fui aprendendo que os surdos estabelecem relações diferentes dos ouvintes e que frases e músicas para memorização de fórmulas químicas que eu utilizava nas aulas não eram apropriadas, pois não faziam sentido para os surdos.

Seguindo o mesmo raciocínio, P2 demonstra a importância dos registros feitos pelos estudantes surdos e preocupação com a sua própria organização da lousa, além de apontar o curto tempo das aulas como barreira (C1) para o desenvolvimento de ações mais acessíveis, como podemos ler:

[...] o meu maior desafio foi a organização de pensamentos. Escrever na lousa o que estou falando requer bastante tempo, pois uma aula tem em média 45 minutos, e durante esse tempo, o professor precisa ensinar os conteúdos que serão cobrados em prova. À medida que vou falando, o intérprete vai interpretando para os surdos, mas tenho consciência de que os surdos precisam ter o registro das aulas no caderno, e em uma aula fica muito complicado dar conta de tudo.

A professora acrescenta ainda que “[...] não podemos nos esquecer de que para os surdos é necessário que a lousa esteja organizada com cores, diferenciando processos para que eles percebam o que está acontecendo”. Para os professores, as barreiras no processo de ensino-aprendizagem (C1) estão relacionadas à complexidade existente na própria química. Ao longo das entrevistas, a palavra dificuldade estava muito presente em suas falas, tanto que concluímos que essa percepção por si só já configurava uma nova categoria, neste estudo designada como C2.

Quando indagados sobre as dificuldades dos estudantes surdos com a química (C2), P1 e P2 foram categóricos ao dizerem que há, sim, uma barreira perceptível para esses estudantes com os conteúdos dessa disciplina. P1 acredita que “[...] os conteúdos que envolvem simbologia e equações químicas resultam em maiores dificuldades”. O professor acrescenta que “[...] outra dificuldade está relacionada à interpretação de gráficos e tabelas”. Na mesma linha de raciocínio, quando perguntada sobre as principais dificuldades dos estudantes surdos, P2 acredita que alguns conteúdos se mostram mais desafiadores e cita as “[...] ligações químicas, pois envolve muita imaginação”. E, ainda, P1 e P2 ressaltaram que o fato dos conteúdos e atividades serem apresentados em língua portuguesa, segunda língua para os surdos, e pela linguagem química ser muito técnica, abstrata e específica, as dificuldades desses alunos são maximizadas (Quadros; Karnopp, 2004QUADROS, Ronice M.; KARNOPP, Lodenir. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: ARTMED, 2004.). Com relação à aprendizagem de química, o aluno precisa adentrar no nível submicro (abstrato), importante para o aprendizado de química, porém considerado difícil para os alunos, além de transitar entre os níveis macro, simbólico e submicro (Florentino; Vizza; Locatelli, 2023FLORENTINO, Carla P.A.; VIZZA, Juliana R.; LOCATELLI, Solange W. A metavisualização na representação da evaporação da água com um grupo de estudantes surdos. Educação química em punto de vista, v.7, p.1-18, 2023. Disponível em: <Disponível em: https://revistas.unila.edu.br/eqpv/article/view/3286 >. Acesso em:09/06/2024.
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; Gilbert; Treagust, 2009GILBERT, John K.; TREAGUST, David. Introduction: macro, submicro and symbolic representations and the relationship between them: key models in chemical education. In: GILBERT, John K.; TREAGUST, David. Multiple representations in chemical education, v. 4, p. 1-8, 2009.; Pereira; Curado; Benite, 2022PEREIRA, Lidiane L. S.; CURADO, Talita C.; BENITE, Anna M. C. A elaboração do conceito de transformação química em uma perspectiva bilíngue bimodal. Química Nova na Escola, v.43, n.3, p. 351-360, 2022. <http://dx.doi.org/21577/0104-8899.20160282>
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). Ainda com relação a esse tema, Pereira, Curado e Benite (2022), num estudo com estudantes surdos sobre o conceito de transformação química, constataram que as dificuldades conceituais apontadas são parecidas entre os ouvintes e os alunos surdos. Porém, afirmam que estratégias aliando a parceria entre o professor e o intérprete, bem como a diversificação de modos semióticos, podem contribuir aos alunos surdos para um melhor entendimento da química.

Os dados mostraram que as percepções dos estudantes surdos entrevistados em relação às dificuldades apresentadas pelo grupo quanto à aprendizagem da química são semelhantes às percepções levantadas pelos professores, culminando na criação de outra categoria, a C3. Para os estudantes A1 e A2, a abstração presente na linguagem química, o excesso de fórmulas, o uso de simbologias e o fato de ser uma ciência que exige muita imaginação explicam parte das dificuldades (Miranda; Costa, 2007MIRANDA, Dinaldo G. P; COSTA, Norberto S. Professor de Química: Formação, competências/ habilidades e posturas. São Paulo: Moderna, 2007.). O estudante A3 relata que tem muita dificuldade em química e acrescenta outro fator quando diz que “[...] o fato de não haver sinais em Libras para todos os conceitos, símbolos e fórmulas, torna essa disciplina ainda mais difícil”. Essa constatação concorda com a ideia de que as línguas de sinais são consideradas línguas recentes quando comparadas às línguas orais (Alves; Silva, 2021ALVES, Sabrina; SILVA, Ana Isabel. LGP na educação pré-escolar com crianças ouvintes: repercussões e interferências na compreensão global de histórias. Cadernos Pedagógicos, v.1, p.86-102, 2021. https://doi.org/<10.34630/cp.v1i.4274>
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), e por isso, muito de seu vocabulário segue em constante construção (Quadros; Karnopp, 2004QUADROS, Ronice M.; KARNOPP, Lodenir. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: ARTMED, 2004.).

Souza e Silveira (2011) trazem mais um fator para justificar a dificuldade na aprendizagem em química, além da especificidade já discutida, que é a falta de sinais para conceitos químicos em Libras. Carvalho (2017CARVALHO, Vinícius S. Investigando os processos de emersão e modificação de sinais, durante a apropriação da sinalização científica por surdos ao abordar os saberes químicos matéria e energia. Dissertação (Mestrado em Química). Juiz de Fora:Universidade Federal de Juiz de Fora, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/5827 >. Acesso em:09/06/2024.
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) constatou que um bom material de apoio e sinais científicos possibilitam acesso e autonomia ao estudante surdo, ressaltando a importância sobre esses sinais. Porém, são poucos os trabalhos focados no desenvolvimento de sinais científicos, sobretudo em química (Carvalho, 2017; Fernandes et at., 2019FERNANDES, Jomara M.; SALDANHA, Joana C.; LESSER, Vanessa; CARVALHO, Bárbara; TEMPORAL, Patrícia; FERRAZ, Tassia A. S. Experiência da elaboração de um sinalário ilustrado de química em Libras. Experiências em Ensino de Ciências, v.14, n.3, p.28-47, 2019. Disponível em: <Disponível em: https://fisica.ufmt.br/eenciojs/index.php/eenci/article/view/197 >. Acesso em: 09/06/2024.
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). Nesse sentido, Fernandes et al. (2019) pontuam que os sinais para conceitos científicos, especificamente, não variam regionalmente como outras palavras e conceitos. Mesmo assim, segundo os autores, ainda “[...] não há um consenso quanto ao sinal a ser empregado para determinado termo científico” (2019, p.32). A questão é que com a falta desses sinais, os intérpretes acabam mostrando dificuldade para mediar a aula com os termos científicos corretos e, por consequência, os surdos acabam por ficarem com defasagens no aprendizado (Fernandes et al., 2019FERNANDES, Jomara M.; SALDANHA, Joana C.; LESSER, Vanessa; CARVALHO, Bárbara; TEMPORAL, Patrícia; FERRAZ, Tassia A. S. Experiência da elaboração de um sinalário ilustrado de química em Libras. Experiências em Ensino de Ciências, v.14, n.3, p.28-47, 2019. Disponível em: <Disponível em: https://fisica.ufmt.br/eenciojs/index.php/eenci/article/view/197 >. Acesso em: 09/06/2024.
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).

Outra pergunta feita aos entrevistados estava relacionada às estratégias necessárias para o ensino de química na inclusão de surdos. Essa questão trouxe à tona a importância da utilização de uma didática apropriada às necessidades dos estudantes surdos, resultando na criação da última categoria abordada neste estudo, a C4.

Os professores participantes foram unânimes ao reconhecerem a importância das estratégias de ensino (C4) para que as aulas de química sejam acessíveis aos surdos (Paiva et al., 2023PAIVA, Débora C. A. C.; OLIVEIRA, Maria O. M.; REZENDE, Luiz G.G.; CARVALHO, Thays C.; PEREIRA, Lidiane L. S.; BENITE, Anna M. C.; BENITE, Cláudio R. M. A potencialidade do uso de recursos imagéticos no ensino de química para surdos. Experiências em ensino de ciências, v.18, n.1, p.243-259, 2023. Disponível em: <Disponível em: https://if.ufmt.br/eenciojs/index.php/eenci/article/view/1140 >. Acesso em:09/06/2024.
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; Sousa; Silveira, 2011SOUSA, Sinval F.; SILVEIRA, Hélder E. Terminologias químicas em Libras: a utilização de sinais na aprendizagem de alunos surdos. Química Nova na Escola, v.33, n.1, 2011. Disponível em: <Disponível em: http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc33_1/06-PE6709.pdf >. Acesso em:09/06/2024.
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). P1 cita que é fundamental “[...] disponibilizar tempo para que os alunos surdos registrem as informações da lousa, e só após isso, proceder com a explicação”. O professor ressalta, ainda, a importância de diversificar as estratégias, de utilizar comandos diretos, palavras-chave, e evitar distratores. O uso da tecnologia em sala de aula, de simuladores e jogos foram estratégias apontadas por P2 para transformar a linguagem química em uma linguagem mais visual. A visualização foi apontada pela professora como recurso imprescindível em salas de aula com estudantes surdos e ressalta: “[...] acho fundamental que o professor não concentre suas aulas apenas em teoria, mas que possibilite com que os alunos façam esquemas, produzam materiais e façam experimentos”.

Os estudantes surdos também citaram a importância da utilização de estratégias (C4) por parte dos professores e os recursos visuais como fundamentais para a sua aprendizagem (Alberton, 2015ALBERTON, Bruna F. A. Discursos curriculares sobre Educação Matemática para surdos. Dissertação (Mestrado). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/115736 >. Acesso em:09/06/2024.
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; Campello, 2008CAMPELLO, Ana Regina S. Aspectos da visualidade na educação de surdos. Tese (Doutorado em Educação). Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2008. Disponível em: <Disponível em: https://cultura-sorda.org/wp-content/uploads/2015/04/Tesis-SouzaCampello-2008.pdf >. Acesso em:09/06/2024.
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; Florentino; Vizza; Locatelli, 2023FLORENTINO, Carla P.A.; VIZZA, Juliana R.; LOCATELLI, Solange W. A metavisualização na representação da evaporação da água com um grupo de estudantes surdos. Educação química em punto de vista, v.7, p.1-18, 2023. Disponível em: <Disponível em: https://revistas.unila.edu.br/eqpv/article/view/3286 >. Acesso em:09/06/2024.
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; Novais; Silva, 2022NOVAIS, Aline C. C.; SILVA, Osni O. N. Estratégias visuais para discentes surdos em escolas inclusivas no campo: uma revisão sistemática de teses e dissertações. Revista Interinstitucional Artes de Educar, v.8, n.3, p.742-755, 2022. <http://doi.org/12957/riae.2022.69707>
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; Paiva et al., 2023PAIVA, Débora C. A. C.; OLIVEIRA, Maria O. M.; REZENDE, Luiz G.G.; CARVALHO, Thays C.; PEREIRA, Lidiane L. S.; BENITE, Anna M. C.; BENITE, Cláudio R. M. A potencialidade do uso de recursos imagéticos no ensino de química para surdos. Experiências em ensino de ciências, v.18, n.1, p.243-259, 2023. Disponível em: <Disponível em: https://if.ufmt.br/eenciojs/index.php/eenci/article/view/1140 >. Acesso em:09/06/2024.
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), conforme podemos conferir nas palavras de A1: “[...] posso dizer que metodologias de ensino que trabalham questões visuais são as melhores para os surdos. A maioria dos professores de química que eu tive no colégio se esforçava para transformar os conteúdos das aulas em possibilidades visuais de aprendizagem”. A estudante acrescenta: “[...] com a utilização de figuras, gráficos, desenhos e imagens, a química pode se tornar um pouco mais real para a gente, pois a visualização se faz muito importante para os surdos”.

O estudante A2 reforçou a importância da utilização de estratégias visuais (C4) quando diz que “[...] o professor precisa trabalhar a visualidade durante as aulas. Utilizar desenhos, imagens, animações e cores diferentes são de grande ajuda” - o que é corroborado por diversos pesquisadores (Alberton, 2015ALBERTON, Bruna F. A. Discursos curriculares sobre Educação Matemática para surdos. Dissertação (Mestrado). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/115736 >. Acesso em:09/06/2024.
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, Florentino; Vizza; Locatelli, 2023FLORENTINO, Carla P.A.; VIZZA, Juliana R.; LOCATELLI, Solange W. A metavisualização na representação da evaporação da água com um grupo de estudantes surdos. Educação química em punto de vista, v.7, p.1-18, 2023. Disponível em: <Disponível em: https://revistas.unila.edu.br/eqpv/article/view/3286 >. Acesso em:09/06/2024.
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; Novais; Silva, 2022NOVAIS, Aline C. C.; SILVA, Osni O. N. Estratégias visuais para discentes surdos em escolas inclusivas no campo: uma revisão sistemática de teses e dissertações. Revista Interinstitucional Artes de Educar, v.8, n.3, p.742-755, 2022. <http://doi.org/12957/riae.2022.69707>
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; Paiva et al., 2023PAIVA, Débora C. A. C.; OLIVEIRA, Maria O. M.; REZENDE, Luiz G.G.; CARVALHO, Thays C.; PEREIRA, Lidiane L. S.; BENITE, Anna M. C.; BENITE, Cláudio R. M. A potencialidade do uso de recursos imagéticos no ensino de química para surdos. Experiências em ensino de ciências, v.18, n.1, p.243-259, 2023. Disponível em: <Disponível em: https://if.ufmt.br/eenciojs/index.php/eenci/article/view/1140 >. Acesso em:09/06/2024.
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). Para o estudante A3, aulas acessíveis são fundamentais e a questão da visualidade pode ser percebida em sua fala na seguinte expressão: “[...] o professor precisa destacar os comandos mais importantes nos enunciados, utilizar imagens, fazer desenho na lousa para que as aulas fiquem mais visuais, porque a química é muito abstrata”. Nesse sentido, Florentino, Vizza e Locatelli (2023FLORENTINO, Carla P.A.; VIZZA, Juliana R.; LOCATELLI, Solange W. A metavisualização na representação da evaporação da água com um grupo de estudantes surdos. Educação química em punto de vista, v.7, p.1-18, 2023. Disponível em: <Disponível em: https://revistas.unila.edu.br/eqpv/article/view/3286 >. Acesso em:09/06/2024.
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) apontam a importância da visualização justamente pelo caráter abstrato da química e, portanto, a possibilidade de repensar modelos químicos por meio de estratégia visual. Porém, apesar de algumas iniciativas como o exemplo anterior, Novais e Silva (2022), em revisão sobre o uso de estratégias visuais para os estudante surdos, constataram que “[...] mesmo após décadas de luta pelos direitos educacionais dos sujeitos surdos, ainda são escassos o número de estudos acerca de materiais didáticos visuais e/ou de estratégias visuais para educação inclusiva de discentes surdos” (p.752), o que é muito preocupante.

As categorias apresentadas foram imprescindíveis para identificar as dificuldades dos estudantes surdos com a disciplina de química. Por outro lado, é importante ressaltar também que a formação inicial dos professores que atuam com a inclusão de surdos, neste caso, ficou evidenciada. Ficou perceptível que os professores entrevistados não se sentiam preparados para lecionarem para estudantes surdos no início da carreira, conseguindo desenvolver técnicas de ensino apenas com o passar do tempo (Lima, 2006LIMA, Priscila A. Educação inclusiva e igualdade social. São Paulo: Avercamp, 2006.). P1 desabafou:

[...] acredito que a formação dos professores deveria contemplar mais as questões de inclusão, pois muita coisa que aprendi foi na prática do dia a dia, e tive o privilégio de estar rodeado por excelentes intérpretes profissionais que me ajudaram a entender as questões relacionadas à surdez, mas essa não é a realidade da maioria.

Na mesma sintonia, P2 relatou:

[...] acredito que o processo de formação de professores seja falho, pois não contempla a diversidade de alunos que a escola recebe hoje em dia. O que é ensinado sobre os surdos e alunos com deficiência nos cursos de licenciatura não nos prepara para lidar com esses alunos quando você está diante deles, em sala de aula.

Corroborando com as falas dos professores P1 e P2, Bozzi e Catão (2021BOZZI, Raquel A.; CATÃO, Vinícius. Formação profissional e experiências de Química da UFV na inclusão educacional de surdos. Revista da Sociedade Brasileira de Ensino de Química, v.2, p. 1-22, 2021. <https://doi.org/56117/resbenq.2021.v2.e022105>
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), pesquisando sobre a dificuldade de professores de química com a educação de surdos, constataram que os professores na ativa tiveram problemas relacionados à educação inclusiva em suas formações iniciais, sendo que o que aprenderam foi por vivências com outros colegas.

Ao serem perguntados sobre as interações com os principais personagens em uma sala de aula inclusiva, no geral, os estudantes surdos relataram que desenvolviam uma boa relação entre si, auxiliando uns aos outros à medida em que as dificuldades surgiam. Indicaram ter uma boa relação com os professores de química e se sentiam à vontade para tirar as dúvidas durante as aulas. Em relação aos intérpretes, A1 e A3 disseram perceber dificuldades na interpretação de conteúdos de química por intérpretes menos experientes (Paiva et al., 2023PAIVA, Débora C. A. C.; OLIVEIRA, Maria O. M.; REZENDE, Luiz G.G.; CARVALHO, Thays C.; PEREIRA, Lidiane L. S.; BENITE, Anna M. C.; BENITE, Cláudio R. M. A potencialidade do uso de recursos imagéticos no ensino de química para surdos. Experiências em ensino de ciências, v.18, n.1, p.243-259, 2023. Disponível em: <Disponível em: https://if.ufmt.br/eenciojs/index.php/eenci/article/view/1140 >. Acesso em:09/06/2024.
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), e A2 criticou o revezamento ao final de cada ciclo: “[...] sempre tivemos uma interação e uma relação bacana com os intérpretes, mas acredito que a troca de intérprete a cada ciclo prejudica os alunos”. Para concluir, no panorama que identifica as relações desenvolvidas em uma sala de aula inclusiva, o ponto negativo levantado pelos três estudantes surdos entrevistados foi a ausência de comunicação com os alunos ouvintes, que segundo eles, se deve ao fato destes não conhecerem a língua de sinais. A2 resumiu essa constatação quando disse que “[...] a comunicação era quase inexistente”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo propôs-se a investigar os desafios do processo de ensino-aprendizagem da química na inclusão escolar de estudantes surdos. A utilização de entrevistas semiestruturadas foi uma escolha estratégica, pois viabilizou que o pesquisador identificasse, no contato com aqueles que compõem a tríade de personagens principais nos moldes de uma sala de aula inclusiva, como, quando e por que as dificuldades dos estudantes surdos com a química surgem. Mais do que isso, permitiu elencar as estratégias identificadas na perspectiva de que a inclusão requer empenho coletivo.

Esta pesquisa revelou que as dificuldades dos estudantes surdos com a linguagem química é uma realidade. Desde o início, o intuito do pesquisador, que é intérprete de Libras, foi ratificar as hipóteses que existiam de que as dificuldades dos estudantes surdos com a química exigiam uma ressignificação na forma de ensinar. O ensino da disciplina envolve a utilização de modelos no submicro, onde o processo de abstração é grande, o que se torna ainda mais difícil aos estudantes surdos que se apoiam predominantemente no modo visual para aprenderem. As percepções dos professores e dos próprios estudantes reforçam essa ideia e sugerem que o processo de ensino-aprendizagem da química para surdos necessita ser discutido e repensado.

Nessa direção, das muitas percepções obtidas, podemos citar a constante referência de que as aulas de química, bem como de outras ciências, precisam estimular a visualidade. A utilização de imagens, desenhos, destaque de palavras-chave, comandos e conceitos principais foram apontados como estratégias visuais que viabilizam a aprendizagem de todos os estudantes, especialmente dos estudantes surdos, que são extremamente visuais.

A participação dos professores e dos estudantes surdos, seus posicionamentos e suas percepções, revelaram ao pesquisador que a inclusão é de fato um movimento que requer a participação efetiva de todos os envolvidos. Ficou evidente que a parceria bem estabelecida entre o intérprete de Libras e o professor de química pode favorecer os estudantes surdos em relação à aprendizagem dos conteúdos escolares. Juntos, não só identificam os problemas, como também podem agir coletivamente para que as dificuldades sejam minimizadas, inclusive no trabalho com sinais para conceitos químicos, o que pode ajudar a incluir o surdo na aprendizagem.

Nesse panorama, as atribuições correspondentes aos personagens partícipes do cenário de uma sala de aula inclusiva são preponderantes. É nítido que os professores e intérpretes de Libras precisam ser profissionais qualificados, além disso, precisam estar abertos a corrigirem ações que vão de encontro com as premissas de um trabalho que exige ações tão singulares como a inclusão. Aos estudantes surdos recai a necessidade de assumirem o seu protagonismo nesse processo e buscarem alternativas para que a sua aprendizagem se torne significativa, pois ainda que as dificuldades com a química não sejam exclusividade do grupo, supõe-se que a atenção que precisam desenvolver durante as aulas seja maior que a dos estudantes ouvintes, pois por mais que as aulas sejam interpretadas para a sua primeira língua, as atividades e os materiais didáticos se encontram em uma estrutura de língua que não é a sua.

O estudo revelou também que os professores investigados não se sentiam preparados, pois julgam que o conhecimento recebido na academia foi bem distante da realidade que a atuação exige. Nesse sentido, é indicado um olhar atento para se constatar a qualidade atual dos cursos de formação de professores habilitados para atuarem frente à inclusão de estudantes surdos e estudantes com deficiência atuais, pois a constatação deste estudo trouxe evidências dessa necessidade, sendo a nossa primeira sugestão para trabalhos futuros.

Por fim, os resultados obtidos reforçam a ideia de que a inclusão é um movimento que exige comprometimento por parte de todos os envolvidos. Especificamente, no contexto desta pesquisa, no que tange ao processo de ensino-aprendizagem da química, muitas dificuldades com os conteúdos dessa disciplina por alunos surdos podem ser dirimidas com a utilização de estratégias pontuais, pois podem significar progresso para esses alunos. Como outra sugestão para trabalhos futuros, pode-se recomendar um foco no desenvolvimento de estratégias visuais, que no caso da química, são cruciais e ainda estão escassas na área, bem como apoio de teorias na sua compreensão.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro, e aos alunos e professores que participaram voluntariamente da pesquisa.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.
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    A palavra “portadores” antes do termo “deficiência” foi muito utilizada no Brasil durante as décadas de 1980 e 1990. Porém, de acordo com os estudos contemporâneos, “portadores de deficiência” é uma terminologia equivocada e não condiz com as reais necessidades das pessoas que se enquadram na educação especial. Nesse sentido, atualmente, a terminologia adequada é “pessoa com deficiência” (Sassaki, 2003).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

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