RESUMO:
O presente artigo tem por objetivo compreender concepções, desafios e estratégias para a internacionalização da educação superior no Brasil, de acordo com os relatórios “Universidades para o Mundo”, expedidos nos anos de 2018 e 2019 pelo British Council. Os referenciais teóricos utilizados são estudiosos da internacionalização da educação superior. Os procedimentos metodológicos e de análise de dados se baseiam nos preceitos da análise documental de Cellard (2012). Os dados indicam que os organismos multilaterais e privados adquirem e conquistam espaço crescente como executores de políticas educacionais orientados por concepções coerentes e consonantes às discussões de vertentes inclusivas, mas é necessário analisar minuciosamente de quais formas esses processos se desenvolvem. Os temas de destaque nos relatórios são eventos para discussões sobre os avanços nos processos de internacionalização; desenvolvimento de políticas linguísticas; estratégias de cooperação internas, interinstitucionais e internacionais; parâmetros de qualidade, tais como inclusão e diversidade. De modo geral, apontam para os desafios da progressão por meio da internacionalização em casa.
Palavras-chave: Internacionalização; Internacionalização da Educação Superior; British Council; Políticas de internacionalização
RESÚMEN:
Este artículo tiene como objetivo comprender concepciones, desafíos y estrategias para la internacionalización de la educación superior en Brasil según los informes "Universidades para el Mundo" emitidos en los años 2018 y 2019 por el British Council. Los referentes teóricos utilizados son estudiosos de la internacionalización de la educación superior. Los procedimientos metodológicos y de análisis de datos se basan en los preceptos de análisis documental de Cellard (2012). Los datos indican que los organismos multilaterales y privado adquieren y conquistan un espacio creciente como ejecutores de políticas educativas, guiados por concepciones coherentes y en consonancia con discusiones de aspectos inclusivos, pero es necesario analizar en detalle cómo se desarrollan estos procesos. Los temas destacados en los informes son eventos de discusión sobre avances en los procesos de internacionalización; desarrollo de políticas lingüísticas; estrategias de cooperación interna, interinstitucional e internacional; parámetros de calidad, como inclusión y diversidad. En general, señalan los desafíos de la progresión a través de la internacionalización en casa.
Palabras clave: Internacionalización; Internacionalización de la Educación Superior; British Council; Políticas de internacionalización
ABSTRACT:
This article aims to understand conceptions, challenges, and strategies for the internationalization of higher education in Brazil according to the “Universities for the World” reports issued in the years 2018 and 2019 by the British Council. The international and national theoretical references used are students of the internationalization of higher education. The methodological and data analysis procedures are based on the precepts of documentary analysis by Cellard (2012). The data indicate that multilateral and private organizations acquire and conquer an increasing space as executors of educational policies, guided by coherent conceptions and consonant with discussions of inclusive aspects, but it is necessary to analyze in detail how these processes develop. The topics highlighted in the reports are events for discussions on advances in internationalization processes; development of language policies; internal, interinstitutional, and international cooperation strategies; quality parameters, such as inclusion and diversity. Generally, point to the challenges of progression through internationalization at home.
Keywords: Internationalization; Internationalization of Higher Education; British Council; Internationalization policies
INTRODUÇÃO
A temática da internacionalização da educação superior desenvolveu-se, nas últimas décadas, junto às complexibilidades da globalização e do consequente envolvimento dos governos com diferentes organizações, sendo muitas delas, de caráter privado. A partir desta conjuntura, Stallivieri (2019, p. 4-5) destaca que o surgimento de “Programas de mobilidade e de cooperação estratégica dos governos com o objetivo de aumentar a colaboração entre diferentes países se fortaleceram e trouxeram maior visibilidade e amplitude ao conceito de Internacionalização”.
Neste contexto, surge um dos mais antigos organismos reconhecidos internacionalmente, o British Council, uma organização internacional, de origem pública, com sede no Reino Unido, que busca parcerias na área da Educação e Linguagem, no interior do país e em outras localidades (BRITISH COUNCIL, 2020). Nas últimas décadas, o British Council tem se destacado positivamente na articulação de relações internacionais, através do fomento de pesquisas em diferentes campos da educação, cultura e tecnologia, desenvolvendo acordos de cooperação com países de todo o mundo e, dessa forma, promovendo e divulgando a cultura britânica e a língua inglesa.
No Brasil, a organização atua desde 1945 (BRITISH COUNCIL, 2020) e, ao longo dos anos, vem conquistando espaço na formulação e desenvolvimento de políticas e ações que compõem o universo da internacionalização. Dessa forma, objetivo do presente artigo1 é compreender concepções, desafios e estratégias para a internacionalização da educação superior no Brasil, de acordo com os relatórios “Universidades para o Mundo”, expedidos nos anos de 2018 e 2019 pelo British Council.
Para tanto, os procedimentos metodológicos se baseiam nos preceitos da análise documental de Cellard (2012), que, a partir de dimensões e indicadores de análise pré-determinadas, possibilitaram interpretações dos dados apresentados nos relatórios anteriormente mencionados.
Este escrito está organizado da seguinte maneira: primeiramente, são apresentados os conceitos e as reflexões teóricas sobre a internacionalização da educação superior, ancoradas em autores como Knight (1994; 2004; 2015), De Wit et al. (2015), Leask (2015; 2009), Morosini (2017; 2019) e Stallivieri (2019). Em seguida, serão melhor esclarecidas as escolhas metodológicas e a abordagem analítica. Posteriormente, apresentam-se as análises das categorias delimitadas para a leitura dos relatórios do British Council e que antecedem as considerações finais.
CONCEITOS E PRESSUPOSTOS DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Especialmente a partir dos anos 1990, a educação superior incorpora, de maneira mais acentuada, novos elementos constitutivos interligados, especialmente, aos princípios da globalização econômica e, consequentemente, do neoliberalismo. Brandalise e Heinzle (2020, p. 67) narram que “o Processo de Bolonha, instaurado em 1999 na Europa, emerge como marco histórico e conceitual, desenvolvido e apresentado como política para ampla melhoria da Educação Superior no continente”, no intuito de fortalecer a cooperação, incentivar a inovação e a produtividade da União Europeia perante o mundo, reverberando em um movimento de ordem global, que difundiu os princípios da internacionalização para a educação superior, com especial ênfase sobre a mobilidade estudantil (DIAS SOBRINHO, 2008).
Embora muitos estudos deste campo estejam focados na mobilidade, a internacionalização da educação superior está além de uma ação ou estratégia pontual. Há um conjunto de autores que vêm, ao longo dos anos, trabalhando para ampliar os cenários e conceitos orientadores do tema, como Jane Knight (1994; 2004; 2015), Hans de Wit (2015) e Betty Leask (2009). No Brasil, destacam-se também os trabalhos de Marília Morosini e Luciane Stallivieri, entre outros.
Pioneira em definições e nos conceitos da área, Jane Knight (1994; 2004; 2015) demonstra, em seus escritos, estar atenta e ciente da necessidade de atualização sobre os termos que compõem as discussões da internacionalização da educação superior, sob o argumento de que as políticas, diretrizes e estratégias neste campo de atuação fazem uso de tais princípios para compor seus próprios documentos oficiais. Dessa forma, a autora propõe o conceito de internacionalização nos níveis nacional, setorial e institucional, “definido como o processo de integração de uma dimensão internacional, intercultural ou global no objetivo, nas funções ou no fornecimento do ensino pós-secundário” (KNIGHT, 2015, p.2, tradução nossa2).
Para Knight (2015), é essencial que a dimensão internacional da educação superior esteja relacionada com todas as vertentes da educação e com o papel que ela desempenha no seio da sociedade. Mais fortemente a partir dos anos 2000, outros autores vêm expandindo e delimitando compreensões orientadas para a educação superior.
Em 2015, Hans de Wit et al. definem o conceito de Internacionalização do Ensino Superior como o
processo intencional de integração de uma dimensão internacional, intercultural ou global no objetivo, funções e fornecimento do ensino pós-secundário, a fim de melhorar a qualidade da educação e da pesquisa de todos os estudantes e funcionários e dar uma contribuição significativa à sociedade (DE WIT et al., 2015, p.283, tradução nossa3).
Na ocasião, os autores salientaram os desafios observados na internacionalização da educação superior, encarada por muitas instituições e empresas privadas a partir de um crescente viés mercadológico destinado à obtenção de lucro, quando deveria estar focada na superação das desigualdades sociais observadas em contextos emergentes, bem como nas dimensões de qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão (DE WIT et al., 2015).
Neste mesmo sentido, em nova releitura, no ano de 2019, Brandenburg, de Wit et. al, Jones e Leask, observaram a necessidade de expandir a compreensão sobre esses alcances, considerando que, em uma conjuntura crescente e expansiva de globalização, a internacionalização na educação superior deve avançar para além dos limites institucionais, ou seja, contribuir para toda a sociedade. Portanto, os autores propõem o conceito de Internacionalização no Ensino Superior para a Sociedade - IHES4, com o intuito de, por meio da educação, beneficiar a comunidade em geral, na tentativa de promover engajamento internacional ou intercultural, seja em sua conjuntura local, ou no exterior, através da pesquisa e do serviço oferecido. Em outras palavras, nesta vertente, se propõe uma internacionalização na universidade mais abrangente, integrativa e que traga resultados e contribuições para a sociedade de maneira mais ampla, favorecendo o desenvolvimento das interrelações qualitativas entre diferentes grupos e culturas.
Marília Morosini (2017; 2019) dedica-se a desvelar especialmente o impacto do tema em contextos emergentes, sobretudo no Brasil. Para ela, trata-se do processo de integração de uma dimensão internacional e intercultural na educação superior, proveniente de interações que são amparadas por redes colaborativas, compostas por blocos socioeconômicos desenvolvidos e, também, com outros organismos que possuem culturas, diferenças, tempos e locais distintos, contribuindo, consequentemente, para o fortalecimento da capacidade científica em nível nacional, com o propósito de disseminar o desenvolvimento sustentável.
Para Stallivieri (2019), com base nos estudos de Qiang (2003), a internacionalização do ensino superior deve ser encarada como uma das formas com as quais os países respondem ao impacto causado pela globalização sem deixar de respeitar suas próprias individualidades, o que, em outras palavras, significa considerar as especificidades sociais, econômicas e culturais de cada contexto. Isto está relacionado ao fato de que “na mesma proporção que o conceito da Internacionalização evolui, avançam também os questionamentos e as necessidades de se pensar de que forma todos podem se beneficiar com a Internacionalização” (STALLIVIERI, 2019, p. 6). Nesta mesma linha de pensamento, para Thiesen (2017, p. 997), a Internacionalização deve revelar “caminhos ou alternativas para ampliar e aprofundar as relações interculturais, sociais e educacionais em contextos internacionais e transnacionais”.
É possível inferir, dessa forma, que se trata de um conceito e de um campo relativamente recente na sociedade, que acompanha o desenvolvimento da globalização econômica na conjuntura mundial, e dessa forma, adentra o campo da educação. É fundamental discutir os elementos que cercam e são incorporados na e pela educação superior, visto que a economia não representa, de fato, o objetivo da educação democrática.
Assim, se faz necessário que sejam levantadas e discutidas possibilidades de internacionalização que proporcionem alternativas para o favorecimento e desenvolvimento de aspectos de internacionalização na educação superior, a partir de perspectivas qualitativas, não apenas para os alunos, mas para todos os agentes sociais que compõe as universidades, entre eles professores e técnicos administrativos. De todo modo, a responsabilidade social dos governos e das organizações que se propõem a desenvolver a internacionalização precisam ser analisadas criticamente para garantir que o futuro da internacionalização, como exposto por De Wit e Jones (2018), não se perpetue como um movimento excludente e discriminatório.
ESCOLHAS METODOLÓGICAS
Esta pesquisa, de abordagem qualitativa, tem como objetivo compreender concepções, desafios e estratégias para a internacionalização da Educação Superior no Brasil, de acordo com os relatórios “Universidades para o Mundo”, produzidos pelo British Council e publicados nos anos de 2018 e 2019.
O programa mencionado foi lançado no ano de 2017 e tem se desenvolvido por meio de projetos, eventos e outras iniciativas de cooperação entre universidades e instituições, brasileiras e britânicas, para avançar no quadro de internacionalização da educação superior no Brasil. Os dados que compõem os relatórios incluem, então, os diálogos presentes nestes movimentos de interação e, além disso, apresentam princípios de internacionalização, propostas de ações e estratégias, compilados de informações decorrentes de reuniões e congressos, entrevistas com especialistas, bem como a análises dos contextos das universidades e de projetos em execução em diversas regiões do Brasil5.
Em outras palavras, os relatórios concentram as principais iniciativas e debates sobre os desafios e avanços deste tema no território brasileiro e no interior das universidades parceiras que corroboram o desenvolvimento de estratégias de internacionalização.
O critério de escolha destes documentos está relacionado ao fato de que são, respectivamente, a primeira e a segunda edição publicadas neste formato (Quadro 1), nos anos de 2018 e 2019 e, portanto, indicam certo ineditismo. Dessa forma, tem-se a intenção de verificar de que maneira estes dados são apresentados, assim como as relações estabelecidas entre um e outro.
Optou-se pela análise documental, um método de coleta de dados que elimina, ao menos em partes, a eventualidade das influências exercidas através da intervenção do pesquisador face ao conjunto de interações e acontecimentos pesquisados (CELLARD, 2012).
Considerando os documentos como fonte de constituição de um corpus satisfatório, que proporciona a identificação de informações importantes, Cellard (2012) sugere a utilização de cinco dimensões para a realização da análise documental, sendo: a) o contexto de produção: se refere a análise em nível social e global em que os textos em questão foram escritos; b) os autores, ou seja, aqueles que o escrevem, partindo do princípio que esclarecer esta identidade está relacionada à credibilidade do texto e da tomada de posição dos autores; c) autenticidade e confiabilidade, que desempenham a função de constatar a qualidade das informações expostas; d) a natureza do texto, em termos de estruturação e sentido; e) conceitos-chave e lógica interna do texto, delimitando de forma adequada o sentido e o contexto das palavras utilizadas.
Assim, tendo por base os procedimentos metodológicos deste autor e as reflexões teóricas que orientam esta pesquisa, este artigo apresenta o seguinte reagrupamento (Quadro 2), que atuou como um roteiro de dimensões e indicadores para a realização da análise dos referidos documentos do British Council.
Na sequência serão apresentadas as análises dos documentos conforme acima explicitado.
ANÁLISE DO CONTEXTO DE PRODUÇÃO E TOMADA DE POSIÇÃO DOS AUTORES: O BRITISH COUNCIL E O PROGRAMA “UNIVERSIDADES PARA O MUNDO”.
Instituições privadas e organismos multilaterais estão globalmente adquirindo espaço, especialmente a partir dos anos 2000, não apenas para a execução, mas para a formulação de políticas públicas na área da educação. Sobre o contexto de produção, Peroni (2013), baseada nos estudos de Mészáros (2011), discute que esta situação advém da crise estrutural e universal do capitalismo, que afeta não apenas questões da ordem econômica, mas todo o complexo social, como é o caso da educação.
Peroni (2013) explica que se trata, na verdade, de uma crise mais ampla: abrange também o neoliberalismo, a globalização, a reestruturação produtiva e a terceira via, que são estratégias advindas do capital com o intuito de superar o colapso da diminuição das taxas de lucro, redirecionando, assim, o papel do Estado juntamente às mudanças advindas da globalização financeira e produtiva dos mercados mundiais. Para a autora, neste contexto, o Estado mínimo se torna “Estado máximo para o capital e mínimo para as políticas sociais” (PERONI, 2003, p. 51), considerando a redução da participação do Estado nas questões de interesse público.
Por outro lado, Grim, Sossai e Segabinazzi (2016), apoiados nos estudos de Ball (2014), destacam que a ênfase na crise política do Estado, no âmbito da educação, tem colaborado para que as instituições privadas ofereçam soluções para as fraquezas estatais, influenciando em processos de expansão do mercado educacional. Dessa forma, observa-se “um terreno de possibilidades políticas criadas no marco de uma estrutura política global e multilateral, que privilegia direta e indiretamente as soluções privadas para problemas públicos” (GRIM; SOSSAI; SEGABINAZZI, 2016, p. 854). Nesse sentido, as políticas educacionais, nos últimos anos, vêm possibilitado, para as Instituições de Ensino Superior - IES, o atendimento por parte de organizações privadas, que podem prontamente oferecer análises e transformações de seus contextos frente à burocratização do Estado.
Sobre isso, Grim, Sossai e Segabinazzi (2016) afirmam que as soluções trazidas por instituições externas irão não apenas fazer parte, mas também disputarão “suas premissas no contexto de desenvolvimento das políticas educacionais, bem como atuando in loco, por meio da doação e da venda de produtos educacionais” (GRIM; SOSSAI; SEGABINAZZI, 2016, p. 854). Atualmente, é possível identificar a atuação de diversos organismos multilaterais e instituições privadas em todo o mundo, como o British Council. Há, também, outras agências de destaque, como a Fulbright Commission, a Deutscher Akademischer Austausch Dienst - DAAD, a Agência Española de Cooperación Internacional para el Desarrollo e a Agence CampusFrance, a título de exemplificação.
Isto posto, os relatórios analisados apresentam como contexto de produção o British Council, que foi fundado em 1934 pelo governo do Reino Unido e inaugurou seus primeiros escritórios fora do país no ano de 1938. À época, chamava-se “British Committee for Relations with Other Countries6” (BRITISH COUNCIL, 2020).
Em seu primeiro relatório geral, expedido nos anos de 1940-41, seu objetivo instituído foi:
[...] criar em um país no exterior uma base de conhecimento amigável e compreensão das pessoas desse país, de sua filosofia e modo de viver, o que levará a uma apreciação compreensiva da política externa Britânica, independente da política que possa ocorrer e de qualquer convicção política que possa surgir (BRITISH COUNCIL, 2020, s.p., tradução nossa7).
Percebe-se, naquele momento, uma maior ênfase quanto à importância dos contextos britânicos, estabelecendo poucas relações com as questões culturais estrangeiras. De todo modo, ao longo do tempo, das relações oficiais do governo britânico com outros países e de suas consequentes relações econômicas, o British Council expandiu-se através de relações bilaterais. Apesar de, atualmente, ser independente do governo do Reino Unido, a organização recebe incentivos fiscais e financeiros do governo britânico, assim como segue normas britânicas e internacionais (BRITISH COUNCIL, 2020).
O British Council possui, ainda, uma segunda estrutura, classificada como de caridade pelo organismo internacional, que engloba empresas subsidiárias dentro do Reino Unido e em outros países, como Argélia, China, México, Tailândia e Brasil, entre outros. O conselho conta com uma autorização real, chamada de Royal Charter, criada no século 13 e que, ocasionalmente, é concedida a empresas e órgãos que agem orientados para o interesse público (BRITISH COUNCIL, 2020).
No Brasil, a organização atua desde 1945. Atualmente, para atender no país, possui dois escritórios, sendo um na cidade do Rio de Janeiro e o outro em São Paulo, em parceria com diversas organizações locais, nacionais e internacionais, com foco nas artes, economia criativa, educação, Ensino Superior e Pesquisa, assim como sociedade civil. Conhecida pela sua participação no Ensino Superior, o British Council tem em suas raízes a rede de Culturas Inglesas e grandes vínculos políticos e culturais, podendo citar, por exemplo, pela formação de Vinicius de Moraes em Oxford, bem como a promoção de intercâmbios, exposições e acordos econômicos e políticos entre a coroa britânica e o governo brasileiro (BRITISH COUNCIL, 2020).
O programa Universidades para o Mundo
O programa “Universidades para o Mundo” tem como objetivo principal “contribuir para a prosperidade e o desenvolvimento tanto do Brasil quanto do Reino Unido, em particular do setor de educação superior” (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2019, p. 9).
Os relatórios do British Council dos anos de 2018 e 2019 são resultados compilados das ações deste programa. Destacam que as parcerias apresentadas nos documentos vêm ocorrendo por meio de vinculações de longo prazo, que se baseiam na qualidade, alinhamento estratégico e nos relacionamentos sólidos entre as IES, entre os governos e as agências de fomento e pesquisa do Brasil e do Reino Unido, a fim de capacitar institucionalmente através da internacionalização (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2019). Evidencia-se oito décadas depois a sua expansão de atuação em território brasileiro: o que antes parecia estar mais relacionado ao ensino da língua e da cultura inglesa, agora parece constatar a necessidade de olhar mais amplamente para os processos de institucionais de internacionalização.
Os documentos indicam a existência de relações entre o British Council e as universidades, fundações de apoio à pesquisa e inovação, que possuem o intuito de aproximar as realidades brasileiras e britânicas. O fortalecimento desse vínculo vem ocorrendo através de reuniões promovidas pelo organismo, especialmente por meio de seminários locais e regionais de internacionalização em diversas universidades do Brasil. De modo geral, percebe-se que são IES com um considerável grau de internacionalização e que possuem potencialidades de intensificação em relação à qualidade e a expansão dos processos já existentes.
Além disso, o British Council também vem oferecendo consultorias para universidades públicas e privadas brasileiras, no intuito de planejar ações estratégicas dentro do programa “Universidades para o Mundo”: “[...] foi lançado em maio de 2017, coincidindo com o Think Brazil” a partir de diversos eventos “realizados no Reino Unido para promover os laços com o Brasil.” (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2019, p. 8).
As parcerias estabelecidas pelo British Council envolvem os órgãos vinculados ao Ministério da Educação - MEC, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. De acordo com a organização, a partir dessas aproximações, tem-se a intenção de desenvolver vivências e políticas colaborativas para que os acadêmicos brasileiros possam vivenciar "um ambiente acadêmico internacional sem sair do Brasil” (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2019, p. 24), o que, a partir de um olhar mais amplo, aponta indícios no desenvolvimento de estratégias de internacionalização em casa, ou seja, para que as dimensões de internacionalização e interculturalidade se façam presentes nos ambientes de aprendizagem institucionais, a partir dos currículos formais e informais, para todos os alunos (BEELEN; JONES, 2015).
Os documentos apresentam, também, informações sobre a busca e existência de aproximações com as instituições contempladas pelo CAPES-PrInt - Programa Institucional de Internacionalização, por meio da promoção de parcerias de sucesso como o estímulo da mobilidade, oferecendo bolsas de estudo e ações orientadas a inovação.
CONCEITOS-CHAVE, NATUREZA E LÓGICA INTERNA DO TEXTO: CONCEITOS, PRINCÍPIOS E ESTRATÉGIAS DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Os relatórios do British Council do programa “Universidades para o Mundo”, embora possuam estrutura e foco distintos a partir de subtítulos não padronizados, se complementam em relação ao conteúdo. Enquanto a primeira edição, publicada no ano de 2018, focou nos desafios e oportunidades para a internacionalização, a segunda edição, produzida no ano de 2019, esteve centrada nas estratégias e avanços no caminho da internacionalização, observadas ao longo do ano anterior.
Diversos termos relacionados à internacionalização da educação superior são esclarecidos ao longo dos documentos8, posicionando as perspectivas da instituição. É possível verificar a existência de uma complexa articulação e reflexão sobre como estas terminologias são aplicadas em políticas e práticas que incluem alunos, professores e funcionários como elementos centrais para o desenvolvimento de ações de internacionalização.
O relatório de 2018 apresenta a visão de internacionalização que a instituição incorpora sobre o tema, representado também no referencial teórico deste artigo:
[...] o que significa internacionalização? A mais celebrada definição é de Jane Knight, do Ontario Institute for Studies in Education: “um processo que integra as dimensões internacional, intercultural e global aos propósitos, às funções primárias - de ensino, pesquisa e extensão - e à entrega da educação superior nos níveis institucional e nacional”. [...] O British Council apoia essa agenda e ajuda no fortalecimento de habilidades e capacidades de internacionalização das universidades brasileiras, tomando por base conhecimentos e experiências de instituições do Reino Unido nessa área (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2018, p. 10).
Sobre este trecho, chama atenção que o apoio oferecido pelo British Council para a internacionalização tenha como referência o contexto socio-cultural-econômico do Reino Unido, ao passo que argumentam, como o ponto de partida para internacionalizar, sobre o reconhecimento da importância de que as instituições devem partir de si mesmas, de seus objetivos e seus próprios pontos fortes para planejar planos institucionais consistentes e possíveis de serem postos em prática pela equipe e pela comunidade acadêmica.
As estratégias em potencial que são destacadas pelos relatórios de 2018 e 2019 estão centradas, de modo geral, na internacionalização em casa (IaH). Para tanto, apontam à necessidade do alinhar as expectativas e os resultados de aprendizagem, a fim de que as competências a serem desenvolvidas pelos alunos e os resultados esperados possam ser reconhecidos internacionalmente.
As estratégias via políticas linguísticas são fortemente fomentadas pelo British Council, pois, segundo a organização, estas ações se relacionam com os princípios de qualidade e inclusão na educação superior, manifestados como uma das possibilidades para se avançar na conjuntura da internacionalização e da educação superior em diversos aspectos.
O British Council enfatiza, especialmente ao longo do relatório do ano de 2019, o uso do Inglês como Meio de Instrução - EMI. Os relatórios salientam que é necessário que os estudantes, professores e funcionários estejam preparados e em condições eficazes de se comunicarem em inglês, seja informalmente, para momentos de convivência com pessoas de outras culturas, e formalmente, para a instrução e outros processos. De acordo com o British Council (2019, p. 24), as “vivências diversas no idioma permitem aos estudantes experimentar um ambiente acadêmico internacional sem sair do Brasil”.
Sobre isso, o relatório de 2018 disserta sobre a existência de “desigualdades regionais, étnico-raciais, socioeconômicas e no que diz respeito a oportunidades para pessoas com deficiência e com orientação sexual diversa” (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2018, p. 51), bem como o elitismo no acesso às universidades brasileiras. De acordo com esta organização, o contato com outras culturas e possibilidades de bolsa de estudos contribuem para “oxigenar” a pesquisa e o ensino: “o racismo, sexismo e o desfavorecimento econômico não podem barrar o desenvolvimento e as oportunidades no ensino superior” (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2018, p. 51).
É necessário ponderar que o elitismo e o acesso privilegiado que tanto se combatem nas discussões de internacionalização na educação superior, quando visto sob óticas excludentes como a da mobilidade, podem atuar de maneira contrária, reforçando as desigualdades sociais, à medida que apenas alguns, em detrimento da maioria, serão contemplados e terão acesso à alguma experiência internacional, ou seja: este item não revela caminhos concretos para a superação das desigualdades observadas. Conforme apontado por De Wit et al. (2015) e Brandenburg, de Wit, Jones e Leask (2019), a internacionalização na educação superior deve preocupar-se em alcançar e beneficiar toda a sociedade qualitativamente.
Em sentido similar, a organização ressalta também que a questão da qualidade tem sido muito presente nos rankings mundiais, mas que os parâmetros utilizados possuem diferentes métricas. Em contexto nacional, especialistas apontam para a carência de uma política pública nacional que defina indicadores de qualidade da extensão universitária. Neste sentido, o British Council postula como prioridades:
1 - Internacionalização como um meio de aprimorar a qualidade; 2 - Internacionalização como uma ferramenta de inclusão social e cidadania global; 3 - Indicadores robustos e confiáveis para medir a implementação dos componentes da internacionalização e seu impacto amplo em regiões e sociedades; 4 - Redes fortes de colaboração e construção de capacidades entre instituições brasileiras na consolidação de parcerias com o Reino Unido e na operacionalização dos planos de internacionalização (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2019, p. 11).
É possível verificar que as prioridades da organização estão relacionadas às estratégias de implementação, que demonstram estar orientadas pela qualidade, mas que, possivelmente, estão relacionadas também a interesses que fortaleçam os seus objetivos enquanto organização que remete à língua e a cultura britânica. Ambas faces contribuem para o aperfeiçoamento do campo da educação superior e se fazem presentes nas discussões teóricas e orientadoras da temática.
Sobre isso, sabe-se que, embora os pressupostos da internacionalização postulados pelos teóricos da área apontem para o desenvolvimento de estratégias em uma vertente inclusiva, o contexto de produção das políticas da educação superior, desde o Processo de Bolonha, denuncia uma extensa busca por atender as demandas da globalização econômica que induz à competitividade das universidades, a fim de que gerem tanto lucro, por meio do número da atração e manutenção de alunos, bem como a utilização de mão de obra acadêmica na produção da ciência e de sua posterior comercialização.
Neste sentido, de maneira mais ampla, os organismos multilaterais e as instituições privadas contribuem para reforçar as características do fenômeno educativo contemporâneo: por um lado, reforçam o afastamento do Estado em relação às suas responsabilidades de manutenção sobre o seu próprio dever e, por outro, reforçam os ideários mercadológicos, oferendo seus serviços para a obtenção de trocas em seu favor ou lucros monetários. Trata-se de uma importante questão a se discutir.
AUTENTICIDADE, CONFIABILIDADE E QUALIDADE DOS DOCUMENTOS
Conforme já apresentado anteriormente, a origem dos relatórios em questão está relacionada às proposições dos seminários organizados pela própria organização destinados ao Brasil, a fim de “discutir esses desafios e fortalecer suas redes de relacionamento nacional e internacional” (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2018, p. 9). O British Council (2018, p. 16) destaca que
Conhecer a realidade interna das nossas universidades e sua situação em relação ao mundo ajuda a compreender o que é necessário para atingir o patamar de internacionalização e fazer com que a pesquisa realizada no Brasil seja realmente impactante e reconhecida no exterior.
Sobre este reconhecimento, a organização sistematiza e apresenta, também, dados estatísticos, que possuem fontes em base de dados oficiais nacionais e internacionais, incluindo, por exemplo, pesquisas sobre o perfil de internacionalização das IES brasileiras realizadas pela própria CAPES ou índices de inovação global; mapeamento de produção científicas a nível global, mobilidade estudantil e de professores, bem como o percentual de proficiência linguística realizadas no Brasil.
Por meio desses dados, o British Council tece concepções teóricas e relatos dos processos de desenvolvimento dos planos e estratégias de internacionalização das universidades, enfatizando o que ocorre no Reino Unido e no Brasil. Discorre sobre o assunto, também, com base em princípios e por decretos expedidos através de órgãos governamentais, como a CAPES, que beneficia IES brasileiras através do programa CAPES PrInt, com o fomento de projetos de internacionalização, sendo observado, neste caso, atenuado interesse do programa “Universidades para o Mundo”, do British Council, nestas específicas IES.
Recebemos com alegria a nova política da Capes para incentivar a internacionalização das melhores universidades do Brasil. Nesse sentido, o British Council financia bolsas de pesquisa entre universidades britânicas e brasileiras para que trabalhem juntas em estratégias de internacionalização (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2019, p. 7).
Sobre esta conjuntura, Stallivieri (2019) chama atenção para o fato de que as instituições contempladas com o fomento de projetos de internacionalização possuem histórico mais sólido de ações nesta área, enquanto universidades menos internacionalizadas foram desprivilegiadas, informação confirmada também através de uma das entrevistas apresentadas no relatório de 2019, em que se destacou que o primeiro edital de seleção do CAPES PrInt teve a intenção de fortalecer as instituições já avançadas e com condições de executar ações de excelência no que se refere à internacionalização.
A atuação do British Council com a escolha destas universidades parece ir no sentido de tecer apoio especial a estas instituições. Assim, a opção pelas universidades mais privilegiadas revela uma das faces opressoras da internacionalização, que reforça o distanciamento no acesso e qualidade entre as instituições de elite e as universidades menos desenvolvidas nos ideários da internacionalização.
É possível inferir que as informações dos relatórios são autênticas, possuem qualidade e confiabilidade, visto que apresentam, em seu decorrer, dados informativos, estatísticos e fundamentados teoricamente e de maneira articulada às questões da internacionalização da educação superior, orientadas para a melhoria da qualidade do ensino. É necessário destacar, por outro lado, que embora seja percebido esforço pela organização em atender os pressupostos da internacionalização inclusiva, as ações apresentadas não atribuem interrelações diretas e mais aprofundadas no desenvolvimento da internacionalização como acesso democrático a toda população acadêmica do Brasil.
Desafios e potencialidades para a internacionalização da educação superior no Brasil
Ainda que trabalhando mais especialmente com universidades internacionalizadas no contexto do Brasil, os relatórios evidenciam a existência de desafios, bem como tecem sugestões para avanços da internacionalização da educação superior no território brasileiro.
Apontam para a dificuldade no desenvolvimento de projetos colaborativos e interdisciplinares, indispensáveis para a sustentação de parcerias duradouras com outras equipes de trabalho, IES e com outros países. “A palavra universidade implica em trazer aos alunos e pesquisadores o universo, ou seja, o melhor que há disponível em pesquisa e ensino no mundo” (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2019, p. 6), considerando a internacionalização um dos caminhos para alcançar este objetivo.
O British Council discorre que, sendo a colaboração crescente, maior é o impacto percebido na sociedade. Os fomentos corroboram para elevar a qualidade das pesquisas e estabelecer parcerias deve ser um dos elementos centrais a serem observados nos planos institucionais de internacionalização, tendo em vista que o desenvolvimento das produções científicas é mais bem incentivado pelo trabalho coletivo e, também, dessa forma, tende a expandir a divulgação dos achados através de publicações globais (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2019). Sobre isso, Stallivieri (2019) destaca que investir internamente na construção de estruturas internas para que haja fluxo de informações sobre a geração de conhecimento agrega valor para as ações de cooperação internacional e são fundamentais, então, para a criação de ecossistemas de internacionalização. Neste sentido, promove o engajamento das universidades em distintos territórios.
Sobre a questão estrutural, ambos documentos dissertam a respeito de que as instituições brasileiras precisam ser repensadas para oferecer maior receptividade e estrutura para mobilidade interna e externa. Para mobilidade interna, é preciso aprimorar a aplicação dos cursos de língua estrangeira e a formação de profissionais - acadêmicos ou administrativos - das IES. Para mobilidade externa, o documento relata desde os desafios dos sites das IES que não estão disponíveis em língua estrangeira, até o desconhecimento linguístico de técnicos administrativos, docentes e demais sujeitos que compõe o universo acadêmico (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2019; 2018).
Ao discorrer sobre as lacunas acerca da língua estrangeira no Brasil, os relatórios abordam que, em alguns dos casos analisados ao longo dos seminários, os acadêmicos não possuíam “proficiência suficiente para acompanhar os estudos fora, não havia centros de avaliação em larga escala para atestar seus níveis de conhecimento e nem uma política efetiva para o ensino de línguas adicionais na educação básica e na superior” (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2018, p. 36). Observaram, ainda, que “os conhecimentos de língua inglesa ainda estão bem abaixo do esperado e o estudante logo ‘bate no teto’ (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2019, p. 37, grifos no original), considerando que a aprendizagem de línguas distintas na educação básica ainda é, na realidade brasileira, um privilégio das classes sociais mais abastadas.
O relatório de 2019 sugere, como um nicho de oportunidades, a criação de “ilhas de excelência” (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2019, p. 16) para a melhor qualificação dos estudantes, não apenas dos que embarcam para mobilidade internacional, mas também daqueles que atuam em território nacional, e, dessa forma, possam estabelecer maiores “relações horizontais com parceiros, apesar das diferenças em políticas nacionais e condições de financiamento” (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2019, p. 16). Sobre isso:
Aliado aos investimentos institucionais, é imprescindível não deixar de lado o hábito de apoiar de forma sistemática as iniciativas individuais, ajudando pesquisadores a participar de editais, fazer doutorado-sanduíche custeado por agências de fomento, tirar licenças sabáticas e circular, fazendo networking em conferências internacionais (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2019, p. 18).
As compreensões sobre estes dados são incitadas ao longo dos relatórios, de modo que, na publicação de 2019, o British Council atribui foco no desenvolvimento de políticas linguísticas que capacitem as IES brasileiras para produção científica brasileira exponencial crescente, a fim de valorizar a pesquisa científica local em níveis internacionais e, ao mesmo tempo, proporcionar oportunidades reais de acesso a todos os estudantes e a um maior conjunto de instituições:
Ao descrever o contexto atual, sobressaíram discussões essenciais sobre garantia de qualidade, políticas linguísticas, operacionalização na prática das oportunidades entre o Reino Unido e o Brasil, casos bem sucedidos de Educação Transnacional (TNE) e os desafios de criar e apoiar redes que abrem espaço para o aprendizado e a troca de expertise entre as universidades mais internacionalizadas (que receberam o PrInt) e as instituições que pretendem levantar recursos da Capes no futuro (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2018, p. 11).
O caminho para a acessibilidade da internacionalização da educação superior, a partir das contribuições desta organização, conforme discorrido durante este artigo, aponta para o desenvolvimento de estratégias de internacionalização em casa e, em especial, estratégias linguísticas a partir do estabelecimento de cooperação no ambiente das instituições.
Embora as questões linguísticas sejam importantes quando o assunto é a internacionalização, é necessário destacar que os estudiosos desta área não estão centrados apenas nesta questão, mas, em um sentido mais amplo: oferecer benefícios para a comunidade de modo geral (BRANDENBURG; DE WIT; JONES; LEASK, 2019).
É necessário destacar que o British Council é uma instituição privada e, embora os indícios declarados pela instituição através dos documentos se demonstrem contextualizados e consonantes à realidade das universidades, as intenções dessas organizações devem ser verificadas pelas IES com cautela, pois nem sempre irão representar as potencialidades locais, conforme apontado por Stallivieri (2019), mas sim, podem atribuir maior foco em seus objetivos próprios para se fortalecerem no sistema educacional competitivo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo do presente artigo foi compreender concepções, desafios e estratégias para a internacionalização da educação superior no Brasil de acordo com os relatórios “Universidades para o Mundo”, expedidos no ano de 2018 e 2019, pelo British Council.
A partir da análise documental, foi possível confirmar a tendência crescente da operacionalização das políticas públicas por meio de organismos privados e multilaterais, que absorvem as responsabilidades do Estado no que se refere ao desenvolvimento de práticas e novas políticas educacionais, conforme postulado nos escritos de Grim, Sossai e Segabinazzi (2016).
No que se refere às concepções de internacionalização na conjuntura da educação superior, constatou-se que a instituição possui fundamentos teóricos consistentes e consonantes à internacionalização em uma vertente mais inclusiva, muito embora atribua, nos relatórios, olhares mais focalizados para as instituições mais internacionalizadas do Brasil, como aquelas contempladas pelo primeiro edital de fomento do CAPES PrInt, estando ciente de que a CAPES objetivou consolidar primeiramente universidades com maiores condições de desenvolver suas proposições de internacionalização (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2019). Esta discussão, por outro lado, já está sendo apresentada em outros trabalhos e merece atenção mais cuidadosa em novos escritos, como já realizado por Stallivieri (2019).
Sobre as estratégias de internacionalização apresentadas, os temas supracitados nos relatórios partem de eventos para discussões sobre os avanços nos processos de internacionalização: há ênfase no desenvolvimento de políticas linguísticas e, em especial, os da língua inglesa; estratégias de cooperação internas, interinstitucionais e internacionais; programas de mobilidade e duplas diplomações; bem com os critérios e parâmetros de qualidade, tais como inclusão e diversidade. Estas estratégias, de modo geral, apontam para a progressão das universidades brasileiras por meio da internacionalização em casa, porém, são sugestionáveis, passíveis de questionamentos no que se refere ao acesso de toda a comunidade acadêmica.
Os relatórios do British Council reforçam a importância de desenvolver competências para a cidadania global no interior das IES, não apenas nos pesquisadores e professores, mas também em discentes e técnicos administrativos, de modo que o processo de internacionalização das instituições ocorra de forma efetiva: “O valor da internacionalização como parte do ecossistema universitário é o de gerar redes de conhecimento que promovem ambientes mais diversos de pesquisa, ensino e inovação” (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2019, p. 8).
Os documentos ressaltam, também, os avanços já observados em solo nacional, destacando a existência de universidades brasileiras comprometidas, que determinam políticas institucionais e incentivam práticas de internacionalização baseadas nos ideários de cooperação, acesso e qualidade, a nível mundial (UNIVERSIDADES PARA O MUNDO, 2018). De acordo com os relatórios, parece ser este o caminho para fortalecer e desenvolver as potencialidades das instituições brasileiras para a internacionalização.
Embora elementos significativos e positivos tenham sido verificados nestes relatórios, este artigo alerta especialmente para a necessidade de que as universidades estejam atentas ao fato de que é possível que os organismos privados e multilaterais, através da venda de soluções, possam distanciar as instituições de suas potencialidades à medida que tendem a favorecer seus próprios objetivos. Entende-se que o acompanhamento de ações operacionalizadas por estes agentes é dever da instituição perante seus valores, princípios e missão da universidade, como destacado por diversos estudiosos da internacionalização (KNIGHT, 2015; DE WIT et al, 2015; STALLIVIERI, 2019, entre outros).
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1
Pesquisa realizada com apoio, respectivamente, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES e da Universidade Regional de Blumenau - FURB.
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2
Do original: “is defined as the process of integrating an international, intercultural, or global dimension into the purpose, functions or delivery of postsecondary education.”
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3
Do original: “The intentional process of integrating an international, intercultural or global dimension into the purpose, functions and delivery of post-secondary education, in order to enhance the quality of education and research for all students and staff, and to make a meaningful contribution to society.”.
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4
Do original “Internationalization in Higher Education for Society”.
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5
O programa será melhor apresentado posteriormente.
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6
Comitê Britânico para relações com outros países (tradução nossa).
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7
Do original: “to create in a country overseas a basis of friendly knowledge and understanding of the people of this country, of their philosophy and way of life, which will lead to a sympathetic appreciation of British foreign policy, whatever for the moment that policy may be and from whatever political conviction it may spring” (s.p.).
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8
As reflexões aqui postuladas são centradas em conceitos principais que de maneira direta e indiretamente são discutidos ao longo do texto. De todo modo, destacam-se ao longo dos relatórios os seguintes termos: internacionalização, internacionalização em casa, ciclo da internacionalização, políticas linguísticas, Inglês como Meio de Instrução (EMI), entre outras.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
02 Dez 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
02 Dez 2020 -
Aceito
15 Maio 2021