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PROJETO PRINCIPAL DE EDUCAÇÃO PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE: REPERCUSSÕES NA EDUCAÇÃO LATINOAMERICANA

PROYECTO PRINCIPAL DE EDUCACIÓN EN AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE: ECOS EN LA EDUCACIÓN LATINOAMERICANA

RESUMO:

Este artigo é resultado de um estudo que investigou as repercussões das ideias produzidas a partir do Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe, nas políticas educacionais e curriculares para a educação básica brasileira, chilena e uruguaia. O percurso metodológico delineou-se como pesquisa documental, com análise de discurso, considerando os contextos de influência e produção de texto das declarações, pareceres e relatórios referentes ao Projeto. Os resultados da pesquisa indicaram que: 1) esse projeto orientou os rumos das reformas educacionais ocorridas em países da América Latina, como o Brasil, o Chile e o Uruguai; 2) as discussões e debates para as transformações da educação básica latino-americana, no contexto do projeto, fundamentaram-se em uma concepção de educação e desenvolvimento ancorada em uma perspectiva humanista e educativa do trabalho; e, por fim, 3) a década de 1980 foi a fase de fundação e desenvolvimento das primeiras ações do projeto, com vistas à expansão quantitativa da educação básica, especialmente quanto ao número de matrículas, enquanto que, na década de 1990, foram intensificadas as ações do projeto, com vistas, principalmente, à qualidade da educação, por meio de transformações na gestão e no currículo. Concluiu-se que o Projeto Principal de Educação teve suas ideias repercutidas nos três países pesquisados, à medida que os mesmos incorporaram, e ainda incorporam, os princípios e objetivos do projeto em suas respectivas políticas educacionais e curriculares, engendrando uma espécie de consenso entre as políticas educacionais e curriculares promovidas na América Latina.

Palavras-chave:
Projeto Principal de Educação; Educação Básica; Políticas educacionais; América Latina

RESUMEN:

Este artículo surge de un estudio que investigó las repercusiones de las ideas producidas a partir del Proyecto Principal de Educación en América Latina y el Caribe en las políticas educativas y curriculares de la educación básica brasileña, chilena y uruguaya. El enfoque metodológico se planteó a partir de la investigación documental, con análisis del discurso, considerando los contextos de influencia y producción textual de las declaraciones, opiniones e informes relativos al proyecto. Los resultados de la investigación indicaron que: 1) este proyecto orientó el curso de las reformas educativas que tuvieron lugar en países latinoamericanos, como Brasil, Chile y Uruguay; 2) las discusiones y debates para las transformaciones de la educación básica latinoamericana en el contexto del proyecto se sustentaron en una concepción de la educación y el desarrollo anclada en una perspectiva humanista y educativa del trabajo; y, finalmente, 3) los 80’s han sido la fase de fundación y desarrollo de las primeras acciones del proyecto, con miras a la expansión cuantitativa de la educación básica, especialmente en el número de matrículas, mientras que los 90’s intensificaron las acciones del proyecto, enfocadas, principalmente, en la calidad de la educación, a través de cambios en la gestión y en el currículo. Se concluyó que el Proyecto Principal de Educación tuvo sus ideas reflejadas en los tres países investigados en la medida en que incorporaron y aún incorporan los principios y objetivos del proyecto en sus respectivas políticas educativas y curriculares, generando algo de consenso entre las políticas educativas y curriculares impulsadas en Latinoamérica.

Palabras clave:
Proyecto Principal de Educación; Educación Básica; Políticas Educativas; América Latina

ABSTRACT:

This article derives from a study that investigated the reverberation of the ideas brought forth by the Main Education Project for Latin America and the Caribbean on educational and curricular policies for Brazilian, Chilean, and Uruguayan elementary education. The methodological path was outlined based on documentary research with discourse analysis while taking into account the contexts of influence and text production of the statements, opinions, and reports with regard to the Project. The study results indicated that: 1) this project has guided the course of educational reforms that took place in Latin American countries, such as Brazil, Chile, and Uruguay; 2) the discussions and debates for the transformations of Latin American elementary education in the context of the project were based on a conception of education and development anchored in a humanist and educational perspective of labor; and, finally, 3) the 1980s were the foundation and development phase of the project's first activities, aiming to the quantitative expansion of elementary education, particularly in the number of enrollments, whereas the 1990s intensified the activities of the project with a major focus on the quality of education, via management and curriculum changes. The conclusion was that the ideas of the Main Education Project reverberated in the three countries studied as they have incorporated⁠—and still do⁠—the principles and objectives of the project in their respective educational and curricular policies, while engendering a kind of consensus among the educational and curriculum policies fostered in Latin America.

Keywords:
Main Education Project; Elementary Education; Educational Policies; Latin America

INTRODUÇÃO

As condições históricas e objetivas que demarcaram as duas últimas décadas do século XX, período em que foi criado o Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe, objeto de análise deste artigo, favoreceram o desenvolvimento e a incorporação de ações políticas, ideológicas e econômicas, com a perspectiva de reformar a educação básica, especialmente, em países que compõem, geopoliticamente, a região latino-americana, dentre eles: o Brasil, o Chile e o Uruguai.

Esses três países, historicamente, em seus respectivos processos de reformulação das políticas educacionais e curriculares, à época com ênfase na educação básica, incorporaram e reproduziram muitas das ideias e ideais produzidos e disseminados, principalmente, sob a tutela de instituições internacionais, dentre elas a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Mundial; tais ideias e ideais ainda reverberam nas reformas educacionais do século XXI (KRAWCZYK; VIEIRA, 2012KRAWCZYK, N. R; VIEIRA, V. L. Uma perspectiva histórico-sociológica da reforma educacional na América Latina: Argentina, Brasil, Chile e México nos anos 1990. Brasília: Liber Livro, 2012. 164 p. ). A concretização desse processo de reforma educacional não se deu de forma espontânea. Múltiplas ações foram postas em movimento, dentre elas, a criação do Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe, objeto de análise neste artigo.

A ideia de elaboração de um Projeto Principal de Educação que orientasse as reformas educacionais e curriculares, no âmbito dos países latino-americanos, teve início em 1979, quando a UNESCO1 1 Noma (2011, p. 106) sugere que, em termos de assuntos educacionais, até a década de 80, a Unesco era a instituição que operava de forma predominante na América Latina, como “[...] laboratório de ideias, de geração de consenso e fixação de padrões, agindo como um fórum central disseminador para a região latino-americana e caribenha de princípios e orientações gerais para a educação”. , em colaboração com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e a Organização do Estados Americanos (OEA), convocou “[...] uma conferência de ministros da educação e ministros encarregados do planejamento econômico, para identificar os problemas da educação na região e elaborar um projeto ‘principal’ que possua como horizonte os anos 2000 [...]” (UNESCO, 2001UNESCO. Balance de los 20 años del Proyecto Principal de Educación em América Latina y el Caribe. UNESCO/OREALC, 2001., p. 8). Ainda de acordo com a Unesco (2001), foi nessa conferência, realizada na cidade do México, que se aprovou a Declaração do México (1979), a qual sustenta as bases para o Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe.

Com o objetivo de traçar estratégias, recomendações e orientação para a implementação e execução do Projeto Principal de Educação na América Latina, foram muitos os documentos que surgiram das reuniões ministeriais intergovernamentais, como as Conferências Regionais de Ministros da Educação e de Ministros Encarregados pelo Planejamento Econômico dos Estados Membros da América Latina e do Caribe (MINEDLAC)2 2 Foram realizadas outras reuniões: MINEDLAC VI, em Bogotá (1987); MINEDLAC VII, em Kingston (1996) (UNESCO, 2001). e as Reuniões do Comitê Regional Intergovernamental do Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe (PROMEDLAC). Essas reuniões originaram diversos documentos, dentre os quais destacamos: a Declaración de Ciudad de México (1979); Recomendación de Quito (1981); Recomendación de Santa Lúcia (1982); Declaración de Bogotá (1987); Declaración de Guatemala (1989); Declaración de Quito (1991); Declaración de Santiago (1993); Recomendación de Kingston (1996).

Como projeto político, econômico e, principalmente, educacional, específico para os países da região latino-americana, o Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe teve, e ainda tem, um papel importante no movimento de compreensão das políticas educacionais e curriculares desenvolvidas nos últimos anos pelos países sul-americanos, dentre eles o Brasil, o Chile e o Uruguai.

Cabe ressaltar que, ao arcabouço dos princípios e diretrizes incorporados a tais declarações e recomendações, para servirem de base ao desenvolvimento das políticas educacionais dos países da América Latina, somaram-se outras conferências e documentos de âmbito internacional sobre educação: a Conferência Mundial de Educação para Todos, de 1990, realizada em Jomtien na Tailândia, a qual culminou na “Declaração Mundial de Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem” (UNESCO, 1998aUNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien: UNESCO, 1998.); o relatório “Educação um tesouro a descobrir: relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI”, sob coordenação de Jacques Delors.

Se nos anos 80, o propósito das políticas educacionais estava na “[...] expansão quantitativa da educação [...] nos anos 90 o eixo central é a qualidade da educação e, particularmente, a qualidade da gestão do sistema” (UNESCO, 1998bUNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien: UNESCO, 1998., p. 21). Nesse sentido, nos anos 90: “As reformas educacionais, acompanhadas por grandes investimentos em educação, e centralizadas na transformação curricular e da gestão, constituem o cenário no qual se desenvolve a ação da UNESCO” (UNESCO, 1998bUNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien: UNESCO, 1998., p. 21).

Diante do contexto apresentado, este artigo3 3 Os resultados, apresentados neste estudo, representam sínteses da pesquisa que investigou a educação física e o esporte, no contexto das políticas educacionais e curriculares para a educação básica brasileira, chilena e uruguaia. Tal pesquisa intitula-se “Políticas educacionais e curriculares no Brasil, Chile e Uruguai: especificidades da educação física e do esporte na educação básica” e está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPE) da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e ao Grupo de Pesquisas e Estudos em Educação, Política e Prática Pedagógica da Cultura Corporal (GEPPECC). A pesquisa finalizada encontra-se disponibilizada na íntegra para consulta no link: http://www.ppe.uem.br/dissertacoes.htm. teve como objetivo analisar o Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe e suas repercussões nas políticas educacionais e curriculares para a educação básica, em países sul-americanos, desenvolvidas a partir das condições históricas das duas últimas décadas do século XX.

Para dar conta desse objetivo, o artigo foi organizado em duas subseções: na primeira, apresentou-se uma breve contextualização histórica do desenvolvimento do Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe no decorrer da década de 80, evidenciando os seus objetivos, princípios e estratégias para a educação básica, por meio dos seus principais marcos. Esse período caracterizou-se como uma etapa de fundação e das primeiras ações do Projeto Principal de Educação na América Latina, tendo em vista a expansão quantitativa da educação (UNESCO, 1998bUNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien: UNESCO, 1998.). Na segunda subseção, foram apresentados alguns marcos do Projeto Principal de Educação ao longo da década de 1990, enfatizando-se o terceiro objetivo específico do projeto, incorporado à Recomendación de Quito, de 1981, qual seja: melhorar a qualidade e a eficiência dos sistemas educativos, por meio da realização das reformas necessárias (UNESCO-OREALC, 1981UNESCO-OREALC. Reunión Regional Intergubernamental sobre los objetivos, las estrategias y las modalidades de acción de un proyecto principal en la esfera de la educación en la región de América Latina y el Caribe. Quito, 10 abril 1981. Recomendación de Quito. Santiago de Chile: UNESCO .1981.). De acordo com a Unesco (1998UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien: UNESCO, 1998.), o foco das ações no âmbito do Projeto Principal de Educação, a partir da década de 90, foi intensificado na direção do desenvolvimento da “[...] qualidade da educação e, particularmente, na qualidade da gestão do sistema” (UNESCO, 1998bUNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien: UNESCO, 1998., p. 21). Ainda segundo a Unesco (1998bUNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien: UNESCO, 1998., p. 21), nos anos 90, as “[...] reformas educacionais, acompanhadas por grandes investimentos em educação, e centralizadas na transformação curricular e da gestão, constituem o cenário no qual se desenvolve a ação da UNESCO” (UNESCO, 1998bUNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien: UNESCO, 1998., p. 21).

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Os resultados, apontados neste estudo, foram coletados, primariamente, a partir de fontes documentais - declarações, pareceres, relatórios, dentre outros - resultantes, principalmente, das reuniões intergovernamentais, organizadas e promovidas no âmbito das ações do Projeto Principal de Educação, coordenadas pelo Comitê Regional Intergovernamental do Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe.

Dessa forma, dentre os documentos selecionados, foram analisados os seguintes: a Declaración de Ciudad de México, publicada em 1979, a qual resultou das discussões e ideias geradas no MINEDLAC V, realizado em 1979 na cidade do México (UNESCO-OREALC, 1979UNESCO-OREALC. Conferencia Regional de Ministros de Educación y de Ministros Encargados de la Planificación Económica de los Estados Miembros de América Latina y el Caribe México, 4 al 13 de diciembre de 1979. Declaración de Ciudad de México. Santiago de Chile: UNESCO. 1979.); a Recomendación de Quito, resultante da Reunión regional intergubernamental sobre los objetivos, las estrategias y las modalidades de acción de un Proyecto principal en la esfera de la educación en la región de América Latina y el Caribe, realizada em 1981 na cidade de Quito, no Equador (UNESCO-OREALC, 1981UNESCO-OREALC. Reunión Regional Intergubernamental sobre los objetivos, las estrategias y las modalidades de acción de un proyecto principal en la esfera de la educación en la región de América Latina y el Caribe. Quito, 10 abril 1981. Recomendación de Quito. Santiago de Chile: UNESCO .1981.; 1982); dentre outros documentos pertinentes.

O Projeto Principal de Educação foi adotado como objeto de estudo deste artigo, dada a relevância com que a análise de suas diretrizes, princípios e orientações corrobora a compreensão das políticas educacionais para a educação básica na América Latina, especialmente, nas décadas de 80/90.

A repercussão das diretrizes, princípios e orientações do Projeto Principal de Educação nos países latino-americanos foi exemplificada aqui, a partir de reformas educacionais colocadas em ação por governos sul-americanos, especificamente, o Brasil, o Chile e o Uruguai. As ações de governo desenvolvidas por seus representantes, à época, contribuíram para que as orientações advindas das declarações, pareceres e relatórios, resultantes das diversas reuniões intergovernamentais, fossem incorporadas às suas políticas educacionais particulares.

As análises foram desenvolvidas em uma perspectiva histórica e crítica, a partir das interpretações de Paulo Netto (2011PAULO , J NETTO . Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2011.), objetivando a busca pela compreensão do objeto de estudo no contexto das relações sociais, econômicas e políticas. Além disso, considerando as fontes documentais, as análises também foram fundamentadas nas indicações e interpretações de Shiroma, Campos e Garcia (2005SHIROMA, E. O.; CAMPO, R. F.; GARCIA, R. M. C. Decifrar textos para compreender a política: subsídios teórico-metodológicos para análise de documentos. Perspectiva. Florianópolis, v. 23, n. 02, p. 427-446, jul./dez. 2005.), no que diz respeito ao modelo de compreensão das políticas educacionais, a partir dos contextos de influência, de produção de textos e de prática. Especificamente, foram considerados os contextos de influência e o contexto da produção de textos: o primeiro, pois trata-se do âmbito no qual a construção da política se inicia e os discursos são construídos; e o segundo, pois, de acordo com as autoras, os discursos contidos nos textos políticos expressam narrativas que representam os projetos pretendidos nas políticas educacionais. Nesse sentido, optou-se pela análise dos discursos contidos nos documentos - entendidos como unidades de análise -, as quais corroboraram para o movimento de compreensão do Projeto Principal de Educação como um projeto político e ideológico, com vistas ao desenvolvimento da educação básica de países latino-americanos.

Os autores que balizaram as discussões estão: Leher (1999LEHER, R. Um novo Senho da Educação? a política educacional do Banco Mundial para a periferia do capitalismo. Revista Outubro, ed. 3, 1999.), Casassus (2001CASASSUS, J. A reforma educacional na América Latina no contexto de Globalização. Cadernos de Pesquisa, n. 114, p. 7-28, novembro/2001.), Bandeira (2002BANDEIRA, L. A. M. As políticas neoliberais e a crise na América do Sul. Revista Brasileira Política Internacional, v. 42, n. 2, p. 135-146, 2002.), Boron (2007BORON, A. A. Democracia y movimentos sociales em América Latina. Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, v. 19, 2007.), Harvey (2008HARVEY, D. O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Loyola, 2008.), Noma (2011NOMA, A. K. História das políticas educacionais para a América Latina e o Caribe: o projeto principal de educação (1980-2000). In: AZEVEDO, M. L. N; LARA, A. M. B. Políticas para a educação: análises e apontamentos, 2011. p. 105-133.), Krawczyk e Vieira (2012KRAWCZYK, N. R; VIEIRA, V. L. Uma perspectiva histórico-sociológica da reforma educacional na América Latina: Argentina, Brasil, Chile e México nos anos 1990. Brasília: Liber Livro, 2012. 164 p. ), Barbieri (2018BARBIERI, A. F. Políticas para a educação básica no brasil a partir dos anos de 1990: a conformação de uma agenda globalmente estruturada para a educação. 2018. 214 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2018.), dentre outros estudiosos.

O PROJETO PRINCIPAL DE EDUCAÇÃO PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE: DÉCADA DE 80

As duas últimas décadas do século XX, período em que o Projeto Principal de Educação foi estabelecido, foram marcadas por um contexto histórico de redemocratização política em alguns países da América Latina; trata-se de um período de crise econômica, política e social caracterizado pelo aumento da dívida externa, fuga de capital estrangeiro e, também, nacional; ademais, houve aumento nas taxas de inflação, retração da produção industrial, desigualdade social e estimativas elevadas nas taxas de pobreza e extrema pobreza na América Latina (LEHER, 1999LEHER, R. Um novo Senho da Educação? a política educacional do Banco Mundial para a periferia do capitalismo. Revista Outubro, ed. 3, 1999.; BANDEIRA, 2002BANDEIRA, L. A. M. As políticas neoliberais e a crise na América do Sul. Revista Brasileira Política Internacional, v. 42, n. 2, p. 135-146, 2002.; BORON, 2003BORON, A. A. Estado, capitalismo y democracia em América Latina. CLACSO, 2003. 319 p. ; DEITOS, 2010DEITOS, ROBERTO ANTONIO. Políticas públicas e educação: aspectos teórico-ideológicos e socioeconômicos. Acta Scientiarum. Education, v. 32, n. 2, p. 209-218, 2010.; NOMA, 2011NOMA, A. K. História das políticas educacionais para a América Latina e o Caribe: o projeto principal de educação (1980-2000). In: AZEVEDO, M. L. N; LARA, A. M. B. Políticas para a educação: análises e apontamentos, 2011. p. 105-133.).

Esse período também foi marcado, mais fortemente, pelo avanço das ideias neoliberais para outros países, tanto países latino-americanos como de outras regiões do globo. De acordo com Moraes (2001MORAES, R. C. Neoliberalismo - de onde vem, para onde vai?. São Paulo: SENAC, 2001.), esse avanço se deu em países como Inglaterra, Estados Unidos da América, Bolívia, México, Argentina, Venezuela, Peru, Brasil e Uruguai. Ressalta-se que as ideias neoliberais influenciaram, em um primeiro momento, as políticas econômicas e sociais desenvolvidas no contexto chileno, por volta da década de 1970 (MORAES, 2001MORAES, R. C. Neoliberalismo - de onde vem, para onde vai?. São Paulo: SENAC, 2001.; NARBONDO, 2012NARBONDO, P. ¿Estado desarrollista de bienestar o construcción de la izquierda del Estado neoliberal? Los gobiernos del Frente Amplio de Uruguai. In: REY, Mabel Thwaites; et al. El Estado em América Latina: continuidades y rupturas. Santiago de Chile: Editorial Arcis, 2012, p. 303 - 339.).

No que diz respeito às condições sociais de Educação, nesse período, desenhou-se um cenário de desalento: “[...] a presença na região de 45 milhões de analfabetos sobre uma população adulta de 159 milhões; taxa de abandono excessivo nos primeiros anos de escolaridade [...]” (UNESCO-OREALC, 1979UNESCO-OREALC. Conferencia Regional de Ministros de Educación y de Ministros Encargados de la Planificación Económica de los Estados Miembros de América Latina y el Caribe México, 4 al 13 de diciembre de 1979. Declaración de Ciudad de México. Santiago de Chile: UNESCO. 1979.). Foi esse cenário de crise econômica, política, social e educacional que abriu espaço para a idealização do Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe, cujas ações foram desenvolvidas de 1981 aos anos 2000 e repercutem ainda na atualidade (UNESCO, 1998UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien: UNESCO, 1998.; NOMA, 2011NOMA, A. K. História das políticas educacionais para a América Latina e o Caribe: o projeto principal de educação (1980-2000). In: AZEVEDO, M. L. N; LARA, A. M. B. Políticas para a educação: análises e apontamentos, 2011. p. 105-133.).

O Projeto Principal de Educação surgiu durante a quinta Conferência Regional de Ministros da Educação e de Ministros Encarregados pelo Planejamento Econômico dos Estados Membros da América Latina e do Caribe (MINEDLAC V), realizada na cidade do México em 1979, promovida e organizada pela UNESCO com a cooperação da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina (CEPAL) e da Organização dos Estados Americanos (OEA)4 4 Além destas entidades, participaram do evento: o Brasil, o Uruguai, o Chile, como Estados Membros; a Espanha, os Estados Unidos da América, dentre outros, como observadores; representantes das Nações Unidas, do Fundo das Nações Unidas para a Infância, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Banco Interamericano de Desenvolvimento, dentre outros (UNESCO, 1980). .

A MINEDLAC V teve como um dos principais objetivos tratar de questões relativas às políticas educacionais nos anos 80, dentre elas: articular a educação ao desenvolvimento econômico e cultural; fomentar o movimento de democratização da educação; além das questões referentes à “[...] cooperação sub-regional, regional e internacional para o desenvolvimento da educação na América Latina e o Caribe a perspectiva da integração sub-regional e regional e da nova ordem econômica mundial (UNESCO, 1980UNESCO. Conferencia Regional de Ministros de Educación y de Ministros Encargados de la Planificación Económica de los Estados Miembros de América Latina y del Caribe. Informe final. Paris: UNESCO. 1980., p. 3).

O Projeto Principal de Educação só seria aprovado definitivamente em 1981 durante a 21ª Reunião da Conferência Geral da UNESCO (UNESCO, 1998UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien: UNESCO, 1998.), quando se tornou uma estratégia para o desenvolvimento da política regional com vistas a orientar as políticas educacionais e, também, curriculares, na particularidade de cada país da América Latina e do Caribe. A coordenação das ações desenvolvidas no âmbito do Projeto Principal de Educação ficou a cargo do Comitê Regional Intergovernamental do Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe (PROMEDLAC).

Esse comitê foi instituído, de forma interina, em 1981, durante a 113ª Reunião do Conselho Executivo da Unesco, sendo criado, efetivamente, como comitê permanente, mais tarde, durante a 22ª Conferência Geral da UNESCO, realizada em 1983 (UNESCO-OREALC, 1982UNESCO-OREALC. Proyecto Principal de Educación en América Latina y el Caribe. Boletín 1. Santiago de Chile: UNESCO. 1982.). Dentre os objetivos desse comitê estava a avaliação e a fixação das prioridades para se fazer cumprir os objetivos no âmbito do Projeto Principal de Educação (UNESCO, 2001UNESCO. Balance de los 20 años del Proyecto Principal de Educación em América Latina y el Caribe. UNESCO/OREALC, 2001.).

O Projeto Principal de Educação teve suas ações desenvolvidas ao longo dos últimos 20 anos do século XX, com vistas ao incremento de um projeto de educação que afetaria também os períodos subsequentes. No decorrer do final do século XX, os objetivos do Projeto Principal de Educação foram referência para as tomadas de decisões dos países latino-americanos, no que se refere à educação, especialmente, a de nível básico. Dentre tais países, estão o Brasil, o Chile e o Uruguai. Nas palavras da Unesco (2001UNESCO. Balance de los 20 años del Proyecto Principal de Educación em América Latina y el Caribe. UNESCO/OREALC, 2001., p. 5, tradução nossa): “Durante 20 anos, os objetivos do projeto têm sido uma referência para a tomada de decisões no campo da educação”. Nosso entendimento é de que isso demonstra que há, nas últimas décadas do século XX, a construção de uma Agenda Globalmente Estruturada para os países latino-americanos (BARBIERI, 2018BARBIERI, A. F. Políticas para a educação básica no brasil a partir dos anos de 1990: a conformação de uma agenda globalmente estruturada para a educação. 2018. 214 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2018.).

No Quadro 1, a seguir, são apresentados alguns dos marcos importantes para a elaboração e consolidação do Projeto Principal de Educação, especificamente, durante a década de 1980.

Quadro 1
Marcos importantes do Projeto Principal de Educação no decorrer da década de 80

Como indicado no Quadro 1, vários foram os documentos e reuniões que demarcaram o Projeto Principal de Educação. Com base em UNESCO (2001UNESCO. Balance de los 20 años del Proyecto Principal de Educación em América Latina y el Caribe. UNESCO/OREALC, 2001.), as ações desenvolvidas no âmbito do Projeto Principal de Educação, no período dos anos 80, concentraram-se, especialmente, no caráter de sua fundação e no desenvolvimento das suas primeiras estratégias para alcançar os objetivos do projeto.

Nesse sentido, a Declaración de Ciudad de México, resultante das discussões e ideias geradas no MINEDLAC V, realizado em 1979 na cidade do México, representa o marco inicial de formulação e consolidação do Projeto Principal de Educação como projeto educacional para os países latino-americanos. Em consonância com Bittelbrunn (2013BITTELBRUNN, I. B. A. Gestão democrática no contexto das reformas educacionais na América Latina. 2013. 139 f. Tese (doutorado) - Faculdade de Filosofia e Ciência, Marília, 2013.), salienta-se que a educação, a partir da concepção incorporada a essa declaração, adquiriu um papel relevante no processo de reestruturação produtiva do capital latino-americano. Nessa perspectiva, a “[...] educação é um instrumento na liberação das potencialidades do ser humano, na busca por uma sociedade mais justa e equilibrada. A independência política e econômica não pode ser realizada sem uma população educada que compreenda sua realidade e que assume seu destino” (UNESCO-OREALC, 1979UNESCO-OREALC. Conferencia Regional de Ministros de Educación y de Ministros Encargados de la Planificación Económica de los Estados Miembros de América Latina y el Caribe México, 4 al 13 de diciembre de 1979. Declaración de Ciudad de México. Santiago de Chile: UNESCO. 1979., p. 2, tradução nossa).

A partir da Declaración de Ciudad de México, então, começou a difundir-se a ideia de que a educação estaria atrelada a um novo tipo de desenvolvimento5 5 Tinoco (2010) indica que a ideia de desenvolvimento remonta ao período pós Segunda Guerra Mundial, muito mais como preocupação política do que como problema acadêmico, tendo em vista os efeitos causados pela guerra. Surgiu neste momento também a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL). , mais “[...] equilibrado que contribua para a reorientação das atividades econômicas em direção a uma maior homogeneidade social e à produção de bens e serviços que sejam realmente necessários para a sociedade e para as nações” (UNESCO-OREALC, 1979UNESCO-OREALC. Conferencia Regional de Ministros de Educación y de Ministros Encargados de la Planificación Económica de los Estados Miembros de América Latina y el Caribe México, 4 al 13 de diciembre de 1979. Declaración de Ciudad de México. Santiago de Chile: UNESCO. 1979., p. 2, tradução nossa). Assim, o discurso incutido na declaração defende e difunde a concepção de que a educação teria o papel de humanizar esse “novo” desenvolvimento à medida que contribuiria para forjar um futuro culturalmente independente (UNESCO-OREALC, 1979UNESCO-OREALC. Conferencia Regional de Ministros de Educación y de Ministros Encargados de la Planificación Económica de los Estados Miembros de América Latina y el Caribe México, 4 al 13 de diciembre de 1979. Declaración de Ciudad de México. Santiago de Chile: UNESCO. 1979.).

A respeito dessa “[...] nova concepção de desenvolvimento [...]” (UNESCO, 1980UNESCO. Conferencia Regional de Ministros de Educación y de Ministros Encargados de la Planificación Económica de los Estados Miembros de América Latina y del Caribe. Informe final. Paris: UNESCO. 1980., p. 21, tradução nossa), o Informe Final da Conferencia Regional de Ministros da educación y de Ministros Encargados de la Planificación Económica de los Estados Miembros de América Latina y del Caribe, organizada pela Unesco em cooperação com a CEPAL e a OEA, na cidade do México, em 1979, diz o seguinte: “[...] uma nova concepção de desenvolvimento e das políticas para promovê-lo, centrada em objetivos sociais de participação de todos os grupos da população [...], respondendo a um enfoque integral que articule os aspectos econômicos, sociais e culturais desse desenvolvimento” (UNESCO, 1980UNESCO. Conferencia Regional de Ministros de Educación y de Ministros Encargados de la Planificación Económica de los Estados Miembros de América Latina y del Caribe. Informe final. Paris: UNESCO. 1980., p. 21-22, tradução nossa).

O enfoque integral, referenciado no excerto acima, diz respeito à articulação dos aspectos econômicos, sociais e culturais. Em outro trecho desse mesmo informe, define-se a educação a partir do tripé: democratização, eficácia social e humanismo, situando-a no marco do “[...] desenvolvimento global que procura harmonizar o crescimento econômico, o progresso social e cultural, as aspirações do indivíduo e as exigências da sociedade” (UNESCO, 1980UNESCO. Conferencia Regional de Ministros de Educación y de Ministros Encargados de la Planificación Económica de los Estados Miembros de América Latina y del Caribe. Informe final. Paris: UNESCO. 1980., p. 14, tradução nossa). Nesse sentido, tendo em vista essa nova concepção de desenvolvimento, incorporada aos documentos, a educação é chamada à “[...] desempenhar um papel capital, liberando o potencial criador de milhões de homens e mulheres ao serviço de seu próprio progresso e de seus países, desenvolvendo os conhecimentos, atitudes, comportamentos cívicos e morais e as competências científicas e técnicas favoráveis a tal desenvolvimento” (UNESCO, 1980UNESCO. Conferencia Regional de Ministros de Educación y de Ministros Encargados de la Planificación Económica de los Estados Miembros de América Latina y del Caribe. Informe final. Paris: UNESCO. 1980., p. 22, tradução nossa).

Ainda com base nesse organismo, para que, de fato, a educação pudesse cumprir, de modo efetivo, esse papel, exigia-se uma revisão e uma reorientação dos seus objetivos, conteúdos, métodos, bem como mudanças em fatores internos e externos. Mudanças essas que foram elencadas como objetivos, nos marcos indicados no Quadro 1. Veja-se, por exemplo, no Quadro 2, a seguir, os objetivos apresentados na Declaración de Ciudad de México, os quais deveriam ser cumpridos pelos Estados Membros - incluem-se aqui o Brasil, o Chile e o Uruguai. Esses objetivos nortearam, inclusive, os demais documentos resultantes do referido projeto.

Quadro 2
Objetivos a serem cumpridos pelos Estados Membros, no âmbito da Declaración de Ciudad de México

A partir dos dados apresentados no Quadro 2, observa-se que foram incorporados à Declaración de Ciudad de México múltiplos objetivos a serem executados ao longo das duas décadas de desenvolvimento do Projeto Principal de Educação, dentre eles: educação geral com duração de 8 a 10 anos; investimento mínimo do PIB; estreitamento da relação entre educação e mundo do trabalho; alteração curricular; formação de professores; promoção do crescimento econômico-social, vinculando o planejamento da educação ao planejamento econômico e social; participação de indivíduos e/ou entidades públicas e/ou privadas no planejamento da educação formal ou não-formal; gestão e administração da educação com maior grau de descentralização das decisões e processos organizacionais.

Nessa mesma direção, a Recomendación de Quito, decorrente da Reunión regional intergubernamental sobre los objetivos, las estrategias y las modalidades de acción de un Proyecto principal en la esfera de la educación en la región de América Latina y el Caribe, realizada em 1981 na cidade de Quito, no Equador (UNESCO-OREALC, 1981UNESCO-OREALC. Reunión Regional Intergubernamental sobre los objetivos, las estrategias y las modalidades de acción de un proyecto principal en la esfera de la educación en la región de América Latina y el Caribe. Quito, 10 abril 1981. Recomendación de Quito. Santiago de Chile: UNESCO .1981.; 1982UNESCO-OREALC. Proyecto Principal de Educación en América Latina y el Caribe. Boletín 1. Santiago de Chile: UNESCO. 1982.), constituiu-se como um segundo marco importante para a fundação do projeto, reafirmando os objetivos e princípios dispostos na Declaración de Ciudad de México, além de apontar algumas estratégias e planos de ação.

A Recomendación de Quito, de 1981, enfatiza três (3) objetivos específicos para o Projeto Principal de Educação: 1) assegurar escolarização, até 1999, de todas as crianças em idade escolar, bem como uma educação geral mínima de 8 a 10 anos; 2) eliminar o analfabetismo e desenvolver serviços educativos para adultos; e, por fim, 3) melhorar a qualidade e a eficiência dos sistemas educativos, por meio da realização das reformas necessárias (UNESCO-OREALC, 1981UNESCO-OREALC. Reunión Regional Intergubernamental sobre los objetivos, las estrategias y las modalidades de acción de un proyecto principal en la esfera de la educación en la región de América Latina y el Caribe. Quito, 10 abril 1981. Recomendación de Quito. Santiago de Chile: UNESCO .1981.).

Para o cumprimento desses objetivos específicos, foram elencadas algumas estratégias, dentre as quais mencionam-se: a destinação de 7 a 8% do PIB para a educação, de forma gradual; a renovação dos sistemas de formação e capacitação docente, da eficiência na administração e supervisão educativa; a adaptação dos conteúdos e das estruturas às necessidades do indivíduo e da comunidade; a vinculação da educação ao trabalho produtivo; a promoção de uma pedagogia centrada na criatividade, na investigação permanente e com espírito libertador; a definição de perfis profissionais para o trabalho, para atender aos diferentes postos de trabalho, no âmbito formal e/ou não-formal; o aproveitamento dos meios de comunicação e de sua linguagem para ações destinadas à educação; a capacitação de dirigentes e docentes para assumirem novas responsabilidades e tarefas, bem como a adaptação da administração da educação para que o seu funcionamento e estruturas respondam aos novos deveres e situações; dentre outras estratégias e medidas que possibilitem alcançar os objetivos estabelecidos para o Projeto Principal de Educação (UNESCO-OREALC, 1981UNESCO-OREALC. Reunión Regional Intergubernamental sobre los objetivos, las estrategias y las modalidades de acción de un proyecto principal en la esfera de la educación en la región de América Latina y el Caribe. Quito, 10 abril 1981. Recomendación de Quito. Santiago de Chile: UNESCO .1981.).

O terceiro marco importante na etapa de fundação do Projeto Principal de Educação foi a Reunión de Santa Lucía (1982). Essa foi a primeira reunião realizada pelo Comitê Regional Intergovernamental do Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe, quando este ainda era de caráter provisório, tendo em vista que tal comitê foi estabelecido na 113ª sessão celebrada pelo Conselho Executivo da Unesco, em 1981 (UNESCO-OREALC, 1982UNESCO-OREALC. Proyecto Principal de Educación en América Latina y el Caribe. Boletín 1. Santiago de Chile: UNESCO. 1982.). Como indicado pela Unesco-Orealc (1982UNESCO-OREALC. Proyecto Principal de Educación en América Latina y el Caribe. Boletín 1. Santiago de Chile: UNESCO. 1982., p. 3, tradução nossa):

O estabelecimento do Comitê e sua reunião em 1982 haviam sido solicitados pelo Diretor Geral da Unesco na Recomendação da Reunião Intergovernamental de Quito (abril de 1981), que estruturou e adotou o Projeto Principal, recomendando pela Conferência de Ministros da Educação e Ministros Encarregados pelo Planejamento Econômico na Região da América Latina e do Caribe, que se celebrou no México em dezembro de 1979.

Também na Reunión de Santa Lucía, de 1982, foi estabelecida a formulação de um estatuto para o comitê, o qual só foi estabelecido, em caráter permanente, na 22ª Conferência Geral da Unesco, em 1983 (UNESCO-OREALC, 1984UNESCO-OREALC. Proyecto Principal de Educación en América Latina y el Caribe. Boletín 5. Santiago de Chile: UNESCO, 1984.). Após a criação e instituição permanente do comitê, sua primeira reunião, a PROMEDLAC I, aconteceu em 1984, na cidade do México, tendo como objetivo: “[...] realizar um balanço dos avanços, dificuldades encontradas e prioridades de ação, para que no futuro alcancem-se os objetivos do Projeto, bem como a formulação de um Plano Regional de Ação e o exame do papel que está a desempenhar a cooperação horizontal, regional e internacional” (UNESCO-OREALC, 1985UNESCO-OREALC. Proyecto Principal de Educación en América Latina y el Caribe. Boletín 6. Santiago de Chile: UNESCO, 1985., p. 3, tradução nossa).

As reuniões do comitê aconteciam a cada dois (2) anos. Dessa forma, a PROMEDLAC II aconteceu entre 24 e 28 de março de 1987, na cidade de Bogotá, na Colômbia (UNESCO-OREALC, 1987UNESCO-OREALC. Proyecto Principal de Educación en América Latina y el Caribe. Boletín 12. Santiago de Chile: UNESCO, 1987.). Assim como a PROMEDLAC I, essa segunda reunião também teve como objetivo realizar um balanço das dificuldades encontradas na aplicação das recomendações indicadas na primeira reunião. Além disso, adotou algumas recomendações para o cumprimento do Projeto Principal de Educação ao longo de 1987 e até 1989.

Foi, inclusive, em 1989, entre os dias 26 e 30 de junho, na cidade da Guatemala, que aconteceu a PROMEDLAC III. Essa terceira reunião também seguiu a tendência das PROMEDLACs anteriores, qual seja: realização de um diagnóstico das ações que foram postas em ação nos anos anteriores e a proposição de novas ações a serem desenvolvidas em prol do projeto, como foi, por exemplo, o segundo Plan Regional (UNESCO-OREALC, 1988UNESCO-OREALC. Proyecto Principal de Educación en América Latina y el Caribe. Boletín 19. Santiago de Chile: UNESCO, 1988.). Como é indicado no Boletín 19, a PROMEDLAC III constituiu-se como um dos marcos importantes para o desenvolvimento do Projeto Principal de Educação, tanto no aspecto político quanto no aspecto técnico (UNESCO-OREALC, 1988UNESCO-OREALC. Proyecto Principal de Educación en América Latina y el Caribe. Boletín 19. Santiago de Chile: UNESCO, 1988.). Veja-se o excerto abaixo:

Desde o ponto de vista político, a presença de numerosos países representados por suas mais altas autoridades e o consenso unânime acerca das prioridades do segundo Plano Regional, aprovado na reunião, mostram que o Projeto Principal constitui um instrumento efetivo na definição de políticas educativas nacionais e que existe uma comunidade de ideias em nível regional cujo marco são possíveis ações de cooperação. Desde o ponto de vista técnico, a reunião mostrou que as atividades levadas a cabo durante esta década permitiram acumular uma significativa quantidade de experiências, pessoal capacitado e informações que constituem uma base sólida para as ações futuras. O texto das recomendações aprovadas e a Declaração da Guatemala indicam que entre o técnico e o político existem fortes laços da maturidade que foram adquiridos o pensamento e a ação pedagógica na região (UNESCO-OREALC, 1988UNESCO-OREALC. Proyecto Principal de Educación en América Latina y el Caribe. Boletín 19. Santiago de Chile: UNESCO, 1988., p. 5, tradução nossa).

Em síntese, a Declaración de Ciudad de México, de 1979, a Recomendación de Quito, de 1981, a Reunión de Santa Lucía, de 1982, a PROMEDLAC I, de 1984, a PROMEDLAC II, de 1987, e, por fim, a PROMEDLAC III, de 1989, representam marcos importantes quanto à fundação e desenvolvimento do Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe, na década de 1980.

Todo o Projeto Principal de Educação, desde sua idealização em 1979, concebeu a educação em estreita relação com o trabalho. Para a Unesco (1980, p. 23, tradução nossa), tais debates tiveram inspiração em uma “[...] concepção humanista e educativa do trabalho, considerando-o como uma dimensão da formação integral e da realização do indivíduo, bem como parte importante do processo de formação no âmbito do conceito de educação permanente”. Essa aproximação entre trabalho e educação foi tema recorrente e central nos debates promovidos em torno do Projeto Principal de Educação, especialmente naqueles que deram origem à Declaración de Ciudad de México, em 1979, documento gênese do projeto.

Nesse contexto, o objetivo formativo da educação seria o de “Promover a formação integral, harmônica e permanente do homem, com orientação humanista, democrática, nacional, crítica e criadora, aberta a todas as correntes de pensamento universal” (UNESCO-OREALC, 1981UNESCO-OREALC. Reunión Regional Intergubernamental sobre los objetivos, las estrategias y las modalidades de acción de un proyecto principal en la esfera de la educación en la región de América Latina y el Caribe. Quito, 10 abril 1981. Recomendación de Quito. Santiago de Chile: UNESCO .1981., p. 3, tradução nossa). Essa lógica de formação humana incluída nos discursos incorporados às declarações, recomendações e informes, no âmbito do Projeto Principal de Educação, teve seu fundamento na Teoria do Capital Humano6 6 O conceito de capital humano, elaborado por Theodoro Schultz na década de 1950 e que lhe valeu o Prêmio Nobel de Economia de 1979, postulava explicar, ao mesmo tempo, as desigualdades de desenvolvimento entre as nações e as desigualdades individuais ou de grupos sociais (BITTELBRUNN, 2013, p. 39). , o qual concebe “[...] a educação como instrumento de formação de recursos humanos determinantes para o aumento da produtividade” (BITTELBRUNN, 2013BITTELBRUNN, I. B. A. Gestão democrática no contexto das reformas educacionais na América Latina. 2013. 139 f. Tese (doutorado) - Faculdade de Filosofia e Ciência, Marília, 2013., p. 43).

O PROJETO PRINCIPAL DE EDUCAÇÃO E A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO NA DÉCADA DE 1990: GESTÃO E CURRÍCULO

Esta subseção trata dos marcos históricos que caracterizaram o desenvolvimento e o avanço do Projeto Principal de Educação, ao longo da década de 1990, em países da América Latina e do Caribe. Enfatiza-se, aqui, o terceiro objetivo específico do projeto, incorporado à Recomendación de Quito, de 1981, qual seja: melhorar a qualidade e a eficiência dos sistemas educativos, por meio da realização das reformas necessárias (UNESCO-OREALC, 1981UNESCO-OREALC. Reunión Regional Intergubernamental sobre los objetivos, las estrategias y las modalidades de acción de un proyecto principal en la esfera de la educación en la región de América Latina y el Caribe. Quito, 10 abril 1981. Recomendación de Quito. Santiago de Chile: UNESCO .1981.).

São dois os eixos centrais apresentados como justificativa nas recomendações, declarações, informes e outros documentos do Projeto Principal de Educação, capazes de tornar a educação mais eficiente e de qualidade: o primeiro eixo diz respeito à reforma da gestão do sistema educativo, descentralizando-a e democratizando-a, permitindo, com isso, que múltiplos indivíduos e/ou instituições, públicas e/ou privadas, interfiram com medidas para o desenvolvimento da gestão; o segundo eixo diz respeito à reforma curricular, a partir da mudança no conteúdo, no método e nos objetivos de formação (UNESCO, 1980UNESCO. Conferencia Regional de Ministros de Educación y de Ministros Encargados de la Planificación Económica de los Estados Miembros de América Latina y del Caribe. Informe final. Paris: UNESCO. 1980.). Com relação aos objetivos formativos, estes se fundamentam no ideal de uma formação integral, pautada nos princípios da criatividade, na crítica, na participação, no protagonismo, na autonomia, nas atitudes, nos valores e, principalmente, na relação entre o trabalho e a educação.

Não é mera causalidade que as reformas educacionais, ao longo da década de 90, “[...] acompanhadas por grandes investimentos em educação, e centralizadas na transformação curricular e da gestão, constituem o cenário no qual se desenvolve a ação da UNESCO” (UNESCO, 1998UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien: UNESCO, 1998., p. 21). Um cenário em que não só a UNESCO como também “[...] os bancos e outras agências internacionais [...] passaram a assumir papel predominante na formulação de políticas educacionais” (NOMA, 2011NOMA, A. K. História das políticas educacionais para a América Latina e o Caribe: o projeto principal de educação (1980-2000). In: AZEVEDO, M. L. N; LARA, A. M. B. Políticas para a educação: análises e apontamentos, 2011. p. 105-133., p. 114). Fato corroborado pela própria Unesco (2001, p. 22), ao indicar que, a partir desse momento histórico, passaram a existir “[...] outras agências e organismos que começaram a trabalhar no âmbito da educação, especialmente UNICEF, UNFPA, Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento [...]”.

No contexto econômico, ainda se vivia uma crise, com endividamento externo elevado. Para Eliás (2015ELIÁS, A. La ofensiva del capital impulsa El libre comercio en américa del sur. In: VILLAGRA, L. R. Neoliberalismo en América Latina. Crisis, tendencias y alternativas. Asunción: CLACSO, 2015.), a década de 90 do século XX demarcou uma segunda fase da ofensiva do capital, de influência neoliberal, nos países latino-americanos, cujo marco regulatório foi, pode-se dizer, o denominado Consenso de Washington (1989). Salienta-se que, nesse período, os países da região já haviam realizado a transição para os regimes democráticos.

A reunião na qual foi elaborado o relatório do Consenso de Washington foi realizada em 1989, na capital federal estadunidense (Washington D.C.), convocada pelo Institute for International Economics. A reunião contou com a participação de “[...] funcionários de alto escalão do governo estadunidense, representantes de organismos multilaterais originários da Ordem de Bretton Woods, como o FMI e o Banco Mundial [...]” (BARROS, 2007BARROS, Roberto Della Santa. Lutas sociais, neoliberalismo e limites democráticos no Brasil: gênese, desenvolvimento e perspectivas da campanha (inter)nacional contra a ALCA. 2007. 323 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, 2007., p. 62). Além destes, participaram da reunião representantes (economistas) latino-americanos da Argentina, Brasil, Chile, México, Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia (BANDEIRA, 2002BANDEIRA, L. A. M. As políticas neoliberais e a crise na América do Sul. Revista Brasileira Política Internacional, v. 42, n. 2, p. 135-146, 2002.).

Bandeira (2002BANDEIRA, L. A. M. As políticas neoliberais e a crise na América do Sul. Revista Brasileira Política Internacional, v. 42, n. 2, p. 135-146, 2002.) comenta também que esses países tiveram como tarefa diagnosticar e propor medidas de ajustamento. Essa é uma estratégia condizente com as medidas adotadas pelo neoliberalismo, pois, como destaca Moraes (2001MORAES, R. C. Neoliberalismo - de onde vem, para onde vai?. São Paulo: SENAC, 2001.), os neoliberais fazem um diagnóstico primeiro e, depois, buscam fornecer a solução. Nesse sentido, na abordagem do Consenso de Washington, foram duas as causas básicas para a crise latino-americana que se alastrava no período:

a) o excessivo crescimento do Estado, traduzido em protecionismo (o modelo de substituição de importações), excesso de regulação e empresas estatais ineficientes e em número excessivo; e b) o populismo econômico, definido pela incapacidade de controlar o déficit público e de manter sob controle as demandas salariais tanto do setor privado quanto do setor público (BRESSER PEREIRA, 1991BRESSER-PEREIRA, L. C. A crise da América Latina: Consenso de Washington ou crise fiscal?. In: XVIII ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE CENTROS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA (ANPEC). Aula magna no XVIII ANPEC. Brasília, 1991. , p. 6).

Bresser Pereira (1991, p. 5) ainda assevera que a perspectiva do consenso era “[...] influenciada pelo surgimento, e afirmação como tendência dominante, de uma nova direita, neoliberal, a partir das contribuições da escola austríaca (Hayek, Von Mises), dos monetaristas (Friedman, Phelps, Johnson) [...]”. Assim, resultaram desse Consenso, tendo como ponto de partida o documento produzido por John Williamson, dez (10) propostas de ajustes e reformas econômicas: 1) disciplina fiscal; 2) mudanças das prioridades no gasto público; 3) reforma tributária; 4) taxas de juros positivas; 5) taxas de câmbio de acordo com as lei do mercado; 6) liberalização do comércio; 7) fim das restrições aos investimentos estrangeiros; 8) privatização das empresas estatais; 9) desregulamentação das atividades econômicas; 10) garantia dos direitos de propriedade (BANDEIRA, 2002BANDEIRA, L. A. M. As políticas neoliberais e a crise na América do Sul. Revista Brasileira Política Internacional, v. 42, n. 2, p. 135-146, 2002.).

Decorreu dessas medidas o processo de liberalização econômica, que resultou, por exemplo, na formulação de tratados regionais como o Mercosul7 7 Formado, originalmente, por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai. A Venezuela atualmente encontra-se suspensa. Além do Chile, outros países também são associados. (1991); na reativação e modernização do Pacto Andino em Comunidade Andina de Nações8 8 Criado originalmente em 1969, era composto por Chile, Venezuela, Bolívia, Colômbia, Peru e Equador. Chile e Venezuela atualmente não fazem parte. (1991); na transformação, em 1995, do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) em Organização Mundial de Comércio (OMC), da qual Brasil, Chile e Uruguai passaram a fazer parte; e acordos bilaterais (ELIÁS, 2015ELIÁS, A. La ofensiva del capital impulsa El libre comercio en américa del sur. In: VILLAGRA, L. R. Neoliberalismo en América Latina. Crisis, tendencias y alternativas. Asunción: CLACSO, 2015.). A liberalização comercial incluía, também, aquelas atividades tidas como direitos sociais fundamentais, incluindo a Educação (BORÓN, 2007BORON, A. A. Democracia y movimentos sociales em América Latina. Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, v. 19, 2007.).

Borón (2007BORON, A. A. Estado, capitalismo y democracia em América Latina. CLACSO, 2003. 319 p. , p. 28) indica que os resultados econômicos da reconstrução democrática são ainda mais deploráveis à medida que “[...] na América Latina, a passagem da ditadura à democracia esteve acompanhada por uma crescente interferência [...] do capital financeiro internacional e das classes dominantes: o FMI, o Banco Mundial, o BID e a OMC”. Nessa direção, a incorporação das políticas do Consenso de Washington, para Borón (2007BORON, A. A. Estado, capitalismo y democracia em América Latina. CLACSO, 2003. 319 p. , p. 28, tradução nossa), foi consequência direta da influência que exerciam tais organismos sobre os países latino-americanos, o que resultou na: “[...] precarização e superexploração da força de trabalho, recortes nos serviços sociais, concentração de renda e da riqueza e acelerada exclusão social”.

Ao fazer um balanço crítico das reformas desenvolvidas ao longo das últimas duas décadas do século XX, Borón (2003BORON, A. A. Estado, capitalismo y democracia em América Latina. CLACSO, 2003. 319 p. ) aponta para os efeitos catastróficos dessa investida do capital na América Latina. Nas palavras de Borón (2003BORON, A. A. Estado, capitalismo y democracia em América Latina. CLACSO, 2003. 319 p. , p. 17):

O pseudo-reformismo do Consenso de Washington estava nu, e quando a fumaça da batalha e das ilusões promovidas pela propaganda espalhada pelas grandes agências de doutrinação ideológica do capital se dissipou, o que apareceu diante de nossos olhos era uma paisagem aterrorizante: um continente devastado pela pobreza, miséria e exclusão social; um ambiente agredido e em grande parte destruído, sacrificado no altar dos lucros das grandes empresas; uma sociedade rasgada e em processo acelerado de decomposição; uma economia cada vez mais dependente, vulnerável e estrangeirizada; uma democracia política reduzida a pouco mais do que um jornal eleitoral simulado [...].

Daí a necessidade e a preocupação, por parte, principalmente, dos organismos multilaterais, representantes do capital, com o desenvolvimento de um projeto de educação para a América Latina e o Caribe, que fosse capaz de “Promover a formação integral, harmônica e permanente do homem, com orientação humanista, democrática, nacional, crítica e criadora, aberta a todas as correntes de pensamento universal” (UNESCO-OREALC, 1981UNESCO-OREALC. Reunión Regional Intergubernamental sobre los objetivos, las estrategias y las modalidades de acción de un proyecto principal en la esfera de la educación en la región de América Latina y el Caribe. Quito, 10 abril 1981. Recomendación de Quito. Santiago de Chile: UNESCO .1981., p. 3, tradução nossa). Um projeto que se fundamentou em uma concepção de desenvolvimento integral e pautou-se no ideal de que é possível harmonizar o crescimento econômico, o progresso social e cultural, e ainda dar conta do sujeito individual e do sujeito coletivo (UNESCO, 1980UNESCO. Conferencia Regional de Ministros de Educación y de Ministros Encargados de la Planificación Económica de los Estados Miembros de América Latina y del Caribe. Informe final. Paris: UNESCO. 1980.).

Ressalta-se, porém, que, se de um lado as políticas não foram eficientes na recuperação das economias latino-americanas, por outro foram eficazes em intensificar ainda mais a exploração do trabalho humano, a desigualdade, a concentração da riqueza produzida socialmente, a pobreza e a miséria (SADER; GENTILI, 1995SADER, E; GENTILI, P. (Org.). Pós-Neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.). Os aspectos histórico-estruturais desse processo de produção de desigualdade estão vinculados “[...] à dinâmica econômica da acumulação da riqueza [...]” (LEGUIZAMÓN, 2007LEGUIZAMÓN, S. A produção da pobreza massiva e sua persistência no pensamento social latino-americano. In: CIMADAMORE, A. D; CATANNI, A. D. Produção da pobreza e da desigualdade na América Latina. Porto Alegre: Tomo Editorial/Clacso2007. , p. 80).

Com base em Eliás (2015ELIÁS, A. La ofensiva del capital impulsa El libre comercio en américa del sur. In: VILLAGRA, L. R. Neoliberalismo en América Latina. Crisis, tendencias y alternativas. Asunción: CLACSO, 2015.), no âmbito econômico, a ofensiva neoliberal teve no Consenso de Washington o marco para desenvolvimento das políticas econômicas na América Latina; no âmbito das políticas educacionais, alguns dos marcos foram: a Conferência Mundial de Educação para Todos, de 1990; PROMEDLAC IV, de 1991; PROMEDLAC V, de 1993; PROMEDLAC VI, de 1996; Relatório Delors, de 1996; Prioridades y estrategias para la educación: examen del Banco Mundial (BANCO MUNDIAL, 1996), dentre outros (CASASSUS, 2001CASASSUS, J. A reforma educacional na América Latina no contexto de Globalização. Cadernos de Pesquisa, n. 114, p. 7-28, novembro/2001.; NOMA, 2011NOMA, A. K. História das políticas educacionais para a América Latina e o Caribe: o projeto principal de educação (1980-2000). In: AZEVEDO, M. L. N; LARA, A. M. B. Políticas para a educação: análises e apontamentos, 2011. p. 105-133.; KRAWCZYK: VIEIRA, 2012KRAWCZYK, N. R; VIEIRA, V. L. Uma perspectiva histórico-sociológica da reforma educacional na América Latina: Argentina, Brasil, Chile e México nos anos 1990. Brasília: Liber Livro, 2012. 164 p. ; BARBIERI, 2018BARBIERI, A. F. Políticas para a educação básica no brasil a partir dos anos de 1990: a conformação de uma agenda globalmente estruturada para a educação. 2018. 214 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2018.). No contexto específico do Projeto Principal de Educação, os marcos principais desse período são apresentados no Quadro 3, a seguir:

Quadro 3
Etapas do Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe

A Reunión de Quito foi a IV Reunião do Comitê Regional Intergovernamental do Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe (PROMEDLAC IV)9 9 Brasil, Chile e Uruguai participaram como Estados Membros, junto a outros países. A reunião contou também com a participação de organismos internacionais, dentre eles: CEPAL, UNICEF, Banco Mundial, BID, entre outros (UNESCO-OREALC, 1991). , tendo sido realizada na cidade de Quito, no Equador, entre os dias 22 e 25 de abril de 1991. Seguiu a tendência das reuniões anteriores de fazer um diagnóstico dos avanços obtidos a partir dos objetivos e metas traçadas até então nas reuniões anteriores, bem como propor novos direcionamentos. Essa reunião foi a primeira realizada, no âmbito do Projeto Principal de Educação, na década de 90. Teve um papel importante no desenvolvimento do projeto, uma vez que aconteceu logo após a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada entre os dias 5 e 9 de março de 1990, em Jomtien, na Tailândia, incorporando e alinhando-se às disposições contidas na Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem (UNESCO, 1998UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien: UNESCO, 1998.). Assim, está descrito no documento Cuarta Reunión del Comité Regional Intergubernamental del Proyecto Principal en la Esfera de la Educación en América Latina y el Caribe: Informe Final:

PROMEDLAC IV constitui a primeira reunião regional depois da Conferência de Jomtien. Convém destacar os importantes pontos de convergência entre uma e outra, os quais se materializam a “Declaração de Quito” que constitui um marco no desenvolvimento da educação na América Latina e do Caribe, tanto pelos aspectos técnicos quanto pela vontade política que contém este documento (UNESCO-OREALC, 1991aUNESCO-OREALC. Cuarta Reunión del Comité Regional Intergubernamental del Proyecto Principal en la Esfera de la Educación en América Latina y el Caribe. Informe Final. Ecuador: UNESCO, 1991a., p. 2, tradução nossa).

A PROMEDLAC IV, bem como os documentos que surgiram dela, tal como a Declaración de Quito, indicada no excerto acima, não se alinhou apenas à conferência de Jomtien, mas também, “[...] ao Marco de Ação para a satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, assim como às diretivas e planos de ação da UNESCO, UNICEF, PNUD, BM, BID e FNUAP [...]” (UNESCO, 1991UNESCO-OREALC. Cuarta Reunión del Comité Regional Intergubernamental del Proyecto Principal en la Esfera de la Educación en América Latina y el Caribe. Informe Final. Ecuador: UNESCO, 1991a., p. 19). Cabe destacar, então, que a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien, resultou na Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem; essa conferência foi convocada pelo Banco Mundial, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), pelo Fundo das Nações Unidas para a infância (UNICEF) e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), reunindo principalmente aqueles países que recebiam empréstimos do Banco Mundial e signatários da Organização das Nações Unidas (ONU), além da participação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) como copatrocinador (CASASSUS, 2001CASASSUS, J. A reforma educacional na América Latina no contexto de Globalização. Cadernos de Pesquisa, n. 114, p. 7-28, novembro/2001.; FIGUEIREDO, 2005FIGUEIREDO, I. M. Z. A construção da “centralidade da educação básica” e a política educacional paranaense. Cascavel: EDUNIOESTE, 2005. 193 p.). Teve como objetivo “[...] construir um consenso que viesse dar sustentação aos Planos Decenais de Educação, principalmente aos países com maior população [...]” (FIGUEIREDO, 2005FIGUEIREDO, I. M. Z. A construção da “centralidade da educação básica” e a política educacional paranaense. Cascavel: EDUNIOESTE, 2005. 193 p., p. 86), reafirmando o nosso entendimento de que há um movimento intensificado dessas instituições, a partir de seus agentes, na elaboração e construção de um projeto de internacionalização das políticas educacionais para a educação básica latino-americana.

Assim como na reunião realizada no México, em 1979, que resultou na Declaración de Ciudad de México, demarcando o início do Projeto Principal de Educação, na década de 80, para tentar justificar as reformas nos sistemas educativos dos países latino-americanos - incluem-se aqui o Brasil, o Chile e o Uruguai - durante o PROMEDLAC IV, fez-se um prognóstico das mudanças ocorridas na Educação, bem como foram apontadas as possíveis causas que barraram o cumprimento das metas e objetivos estabelecidos nas reuniões anteriores. Nesse sentido, com base no informe final da reunião, o que se observa é que a justificativa para a crise da educação recaiu sobre uma suposta perda do dinamismo e o esgotamento de uma concepção e um estilo de desenvolvimento educativo que não havia sido capaz de conciliar o crescimento quantitativo com níveis satisfatórios de qualidade e equidade (UNESCO-OREALC, 1991aUNESCO-OREALC. Cuarta Reunión del Comité Regional Intergubernamental del Proyecto Principal en la Esfera de la Educación en América Latina y el Caribe. Informe Final. Ecuador: UNESCO, 1991a.). Observa-se, a seguir, o cenário desenhado no informe:

[...] Centrado principalmente na legítima necessidade de extensão da cobertura, caracterizado por: 1) uma administração centralizada, burocrática e, frequentemente, com caráter autoritário; 2) uma visão de curto prazo na tomada de decisão; 3) um significativo isolamento em relação a outros setores do Estado e da sociedade; 4) uma oferta educativa homogênea para populações heterogêneas; 5) processos educativos centrados mais no ensino do que no papel profissional dos docentes (UNESCO-OREALC, 1991aUNESCO-OREALC. Cuarta Reunión del Comité Regional Intergubernamental del Proyecto Principal en la Esfera de la Educación en América Latina y el Caribe. Informe Final. Ecuador: UNESCO, 1991a., p. 20, tradução nossa).

Como indicado em parágrafos anteriores, a partir dos estudos de Moraes (2001MORAES, R. C. Neoliberalismo - de onde vem, para onde vai?. São Paulo: SENAC, 2001.), nas políticas neoliberais, primeiro se faz o diagnóstico e, em seguida, apresenta-se a solução. Nessa lógica, objetivando “[...] um novo estilo que desenvolve nas pessoas as capacidades e qualidades para sua participação em uma sociedade justa, pacífica e solidária no século XXI [...]” (UNESCO-OREALC, 1991aUNESCO-OREALC. Cuarta Reunión del Comité Regional Intergubernamental del Proyecto Principal en la Esfera de la Educación en América Latina y el Caribe. Informe Final. Ecuador: UNESCO, 1991a., p. 21, tradução nossa), sugeriu-se, durante a PROMEDLAC IV, o desenvolvimento de algumas linhas estratégicas, tais como: a) articulação entre a educação e estratégias de desenvolvimento; b) fortalecimento da dimensão democrática como estratégia de desenvolvimento educativo; c) articulação de novas alianças em torno da educação; d) modernização das modalidades de planificação e gestão; e) reorientação curricular para o melhoramento da qualidade da educação básica; f) nova conceitualização da alfabetização e educação básica de adultos; g) incorporação de uma nova dinâmica à educação com vistas a fortalecer o papel da educação, da família, da escola, das organizações comunitárias e meios de comunicação social; e, por fim, h) diversificação das fontes de financiamento dos serviços educativos (UNESCO-OREALC, 1991aUNESCO-OREALC. Cuarta Reunión del Comité Regional Intergubernamental del Proyecto Principal en la Esfera de la Educación en América Latina y el Caribe. Informe Final. Ecuador: UNESCO, 1991a.).

Chama-se atenção aqui para as estratégias D e E. A primeira diz respeito à questão da gestão do sistema educativo que, segundo a Unesco-Orealc (1991aUNESCO-OREALC. Cuarta Reunión del Comité Regional Intergubernamental del Proyecto Principal en la Esfera de la Educación en América Latina y el Caribe. Informe Final. Ecuador: UNESCO, 1991a., p. 22, tradução nossa), vincula-se “[...] aos processos mais amplos de transformação do Estado, tais como a desconcentração e a descentralização [...]”, ou seja, isso representa a diminuição do papel do Estado na educação, o que já estava presente nos discursos das ações do Projeto Principal de Educação, conforme indicado no tópico anterior deste artigo. A segunda refere-se à estratégia da reforma curricular e, com isso, dos princípios e objetivos formativos que deveriam ser incorporados à educação básica latino-americana. Essa estratégia representa um ponto chave na articulação com as disposições da conferência de Jomtien. Conforme a própria Unesco-Orealc (1991a, p. 22, tradução nossa) indica:

A reorientação do currículo para o melhoramento da qualidade da educação básica, transferindo o eixo curricular embasado em disciplinas a outro sustentado nas necessidades básicas de aprendizagem, derivadas das características e orientação de cada país. Entre elas são consideradas tanto as de caráter instrumental como aquelas de caráter ético-transformativo, as quais se refere, à relação consigo mesmo, à identidade cultural e ao meio ambiente.

As necessidades básicas de aprendizagem, dispostas na Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, referem-se “[...] tanto aos instrumentos essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problemas), quanto aos conteúdos básicos da aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes) [...]” (UNESCO, 1998UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien: UNESCO, 1998., p. 3, grifos nossos).

Todo o debate em torno da PROMEDLAC IV resultou na elaboração da Declaración de Quito, a qual reitera que:

As transformações na gestão e o compromisso de todos os setores são condições necessárias, mas não suficientes para a nova estratégia educativa. Essas mudanças devem ser complementadas com modificações nas práticas pedagógicas e nos conteúdos de ensino. Melhorar a qualidade da educação significa, deste ponto de vista, impulsionar processos de profissionalização docente e promover a transformação curricular por meio de propostas embasadas na satisfação das necessidades educativas básicas do indivíduo e da sociedade, que possibilitem o acesso à informação, que permitam pensar e expressar-se com claridade e que fortaleçam capacidades para resolver problemas, analisar criticamente a realidade, vincular-se ativa e solidariamente com os demais, proteger e melhorar o meio ambiente, o patrimônio cultural e suas próprias condições de vida (UNESCO-OREALC, 1991bUNESCO-OREALC. Proyecto Principal de Educación en América Latina y el Caribe. Boletín 24. Santiago de Chile: UNESCO, 1991b., p. 45, tradução nossa).

No contexto do Projeto da década de 90, surgiram diferentes políticas educacionais e curriculares, nos países como o Brasil, o Chile e o Uruguai, dentre as quais citam-se: a) tendo em vista a transformação da gestão da educação, observou-se a Lei nº 9.394, de 1996, que instituiu a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), no contexto educacional brasileiro, que já sofreu várias modificações; no Chile, a Lei nº 18.962, de 1990, instituiu a Ley Orgánica Constitucional de Enseñanza (LOCE), a qual foi substituída pela Lei nº 20.370, de 2009, que instituiu a Ley General de Educación (LGE); por fim, no Uruguai, a Lei nº 18.437, de 2008, substituiu a Lei nº 15.739, de 1985, considerada na época de caráter emergencial; b) com relação às transformações curriculares para a educação básica postas em prática nesse período, foram identificadas as seguintes políticas educacionais: no contexto brasileiro, a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais de 1996 e 1997; no contexto educacional chileno, o Decreto nº 40 de 1996, que estabeleceu os Objetivos Fundamentales y Contenidos Minimos Obligatorios para la Educación Básica; e, por fim, no contexto da educação básica uruguaia, identificou-se o Plan 1996 para o Ciclo Básico da educação secundária (FELDMAN et al., 2015FELDMAN et al. Continuidad y cambio en el currículum. Los planes de estudio de educación primaria y media en Uruguay. Montevídeo: INEEd, 2015. ).

Assim, de acordo com o disposto na declaração, destaca-se a necessidade de se pensar em um novo estilo de desenvolvimento educacional, no qual a educação, por um lado, seja “[...] um elemento chave de uma política social que promova um tipo de desenvolvimento com maior equidade [...]” e, por outro, seja um elemento chave para “[...] a formação de recursos humanos capazes de incorporar-se ativamente ao mundo do trabalho, revestido de novas características: criatividade, inteligência e solidariedade” (UNESCO-OREALC, 1991aUNESCO-OREALC. Cuarta Reunión del Comité Regional Intergubernamental del Proyecto Principal en la Esfera de la Educación en América Latina y el Caribe. Informe Final. Ecuador: UNESCO, 1991a., p. 20, tradução nossa). Nesse sentido, para Casassus (2001CASASSUS, J. A reforma educacional na América Latina no contexto de Globalização. Cadernos de Pesquisa, n. 114, p. 7-28, novembro/2001.), a PROMEDLAC IV determinou que a gestão seria a responsável pela virada dessa nova etapa de desenvolvimento, pautada, principalmente, na descentralização dos processos educacionais e na transformação curricular.

A PROMEDLAC V10 10 Assim como na reunião anterior, desta participaram o Brasil, o Chile e o Uruguai como Estados Membros, junto a outros países. A reunião contou também com a participação de organismos internacionais, dentre eles: CEPAL, UNICEF, Banco Mundial, BID, PNUD, entre outros (UNESCO-OREALC, 1991a). , realizada na cidade de Santiago, no Chile, em 1993, reforça as ideias elaboradas pela reunião anterior, centrando os debates na “[...] equidade, melhoria na qualidade da educação, erradicação do analfabetismo e nas satisfações básicas de aprendizagem para assegurar uma educação pertinente e de qualidade para jovens e adultos” (BITTELBRUNN, 2013BITTELBRUNN, I. B. A. Gestão democrática no contexto das reformas educacionais na América Latina. 2013. 139 f. Tese (doutorado) - Faculdade de Filosofia e Ciência, Marília, 2013., p. 76). Essa reunião culminou na Declaración de Santiago, a qual ratificou que, para uma resposta adequada às exigências do período, requeria-se “[...] uma transformação profunda dos enfoques e da gestão educativa tradicionais [...]” (UNESCO-OREALC, 1993UNESCO-OREALC. Quinta Reunión del Comité Regional Intergubernamental del Proyecto Principal en la Esfera de la Educación en América Latina y el Caribe. Informe Final. Santiago de Chile: UNESCO, 1993., p. 37, tradução nossa).

Vale ressaltar que data deste mesmo ano a constituição da Comissão Internacional de Educação para o século XXI, presidida por Jacques Delors (BORGES, 2016BORGES, F. A. F. Educação do indivíduo para o século XXI: o Relatório Delors como representação da perspectiva da UNESCO.Revista Labor, v. 1, n. 16, p. 12 - 30, 2016.). Isso é importante, pois, com base no documento Quinta Reunión del Comité Regional Intergubernamental del Proyecto Principal en la Esfera de la Educación en América Latina y el Caribe: Informe Final, observou-se que, durante a fala do então Diretor Geral da UNESCO, Sr. Federico Mayor, ficou clara a menção à Comissão liderada por Delors, ao proferir, em seu discurso, que transmitiria à Comissão Internacional de Educação para o século XXI as recomendações e documentos oriundos da PROMEDLAC V (UNESCO-OREALC, 1993UNESCO-OREALC. Quinta Reunión del Comité Regional Intergubernamental del Proyecto Principal en la Esfera de la Educación en América Latina y el Caribe. Informe Final. Santiago de Chile: UNESCO, 1993.).

Somando-se a todo esse processo, no ano de 1996, foram realizadas a reunião do PROMEDLAC VI11 11 A última PROMEDLAC (VII) foi realizada no início do século XXI, no ano de 2001, na cidade de Cochabamba, na Bolívia (UNESO, 2001). Nesta reunião, os ministros solicitaram à UNESCO a elaboração de um novo projeto no marco das orientações de Dakar (PAIVA; ARAUJO, 2008). O novo projeto de educação para a Região passou a ser denominado de Projeto Regional para Educação da América Latina e do Caribe (PRELAC), previsto para funcionar de 2002 a 2017 (UNESCO-OREALC, 2004). , a publicação do Relatório “Educação um tesouro a descobrir: relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI” (DELORS et al., 1998DELORS et al. Educação: um tesouro a descobrir. UNESCO. São Paulo, 1998. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI.) e a publicação do documento “Prioridades y estratégias para la educación: examen del Banco Mundial”, sob orientação do Banco Mundial (1996BANCO MUNDIAL. Prioridades y estratégias para la educación: Examen del banco mundial. Washington: Banco Mundial, 1996.).

Tal como nos marcos históricos do Projeto Principal de Educação Para a América Latina e o Caribe, na década de 80, em especial, a Declaración de Ciudad de México, esses documentos, como marcos históricos do projeto na década de 90, reforçam uma concepção de educação como capital humano e a ideia de que é preciso atrelá-la ao trabalho, a partir de uma perspectiva humanista, a fim de atender às demandas sociais e econômicas do “novo” modelo de desenvolvimento do mundo globalizado e do conhecimento (BITTELBRUNN, 2013BITTELBRUNN, I. B. A. Gestão democrática no contexto das reformas educacionais na América Latina. 2013. 139 f. Tese (doutorado) - Faculdade de Filosofia e Ciência, Marília, 2013.). Além disso, tais documentos reforçam também os princípios de descentralização da gestão da educação; reforma curricular centrada na aprendizagem e nos métodos de ensino e, consequentemente, no aluno e não mais no professor; um currículo flexível, adaptado à realidade local; qualidade da educação; participação da comunidade nos assuntos escolares; políticas de financiamento mais focalizadas etc.

Foram muitas as ações e reformas realizadas pelos governos latino-americanos, inclusive no Chile, no Brasil e no Uruguai, com vistas à consecução dos objetivos, metas e estratégias firmadas nas reuniões regionais e nas Conferências internacionais, das quais, como foi observado, resultaram uma série de Declarações com diretrizes e orientações. Além disso, foram estabelecidos compromissos financeiros com instituições financeiras internacionais, como o Banco Mundial, o FMI e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Como afirma Harvey (2008HARVEY, D. O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Loyola, 2008., p. 85):

Por volta de 1994, cerca de dezoito países (como México, Brasil, Argentina, Venezuela e Uruguai) aceitaram acordos que previam o perdão de 60 bilhões de dólares de suas dívidas. Naturalmente, tinham a esperança de que esse alívio da dívida iria provocar uma recuperação econômica que lhes permitiria pagar num momento oportuno o resto da dívida. O problema estava no fato de o FMI ter imposto aos países que aceitaram esse pequeno perdão da dívida (quer dizer, pequeno em relação ao que os bancos poderiam ter concedido) que engolissem a pílula envenenada das reformas institucionais neoliberais.

No Chile, tendo em vista que esse país já tinha aplicado os ajustes neoliberais na Educação nas décadas anteriores, as políticas educacionais seguiram um caminho diferente dos demais, uma vez que buscaram “[...] atingir a equidade pela regulamentação das formas de organização e de gestão do sistema educacional, gestadas no período ditatorial” (KRAWCZYK; VIEIRA, 2012KRAWCZYK, N. R; VIEIRA, V. L. Uma perspectiva histórico-sociológica da reforma educacional na América Latina: Argentina, Brasil, Chile e México nos anos 1990. Brasília: Liber Livro, 2012. 164 p. , p. 84). Para as autoras, o Estado chileno reservou para si as funções de supervisão e elaboração das diretrizes curriculares, bem como de avaliação do desempenho e equidade do sistema educacional. Nesse sentido, nesse período, foram aplicadas políticas de discriminação positiva, focalizadas na população de maior vulnerabilidade, por meio, por exemplo, de Programas de Melhoramento da Qualidade e Equidade (MECE), financiado pelo Banco Mundial (KRAWCZYK; VIEIRA, 2012KRAWCZYK, N. R; VIEIRA, V. L. Uma perspectiva histórico-sociológica da reforma educacional na América Latina: Argentina, Brasil, Chile e México nos anos 1990. Brasília: Liber Livro, 2012. 164 p. ; HIGUEIRAS, 2014HIGUERAS, J. L. I. A reforma educacional chilena na América latina (1990-2000): circulação e regulação de políticas através do conhecimento. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas . Orientador: Nora Rut. Campinas, 2014.).

Segundo Higueras (2014HIGUERAS, J. L. I. A reforma educacional chilena na América latina (1990-2000): circulação e regulação de políticas através do conhecimento. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas . Orientador: Nora Rut. Campinas, 2014., p. 101), o MECE I (1992-1998) para a Educação Básica teve como objetivos principais “[...] o melhoramento da qualidade, equidade e eficiência; e o desenvolvimento institucional e da capacidade gerencial e financeira dos diversos níveis do sistema”. O Programa das 900 escolas, como política de focalização, que vinha sendo implementado desde 1989, foi incorporado ao MECE (KRAWCZYK; VIEIRA, 2012KRAWCZYK, N. R; VIEIRA, V. L. Uma perspectiva histórico-sociológica da reforma educacional na América Latina: Argentina, Brasil, Chile e México nos anos 1990. Brasília: Liber Livro, 2012. 164 p. ).

No Brasil, um dos programas criados foi o Fundo de Fortalecimento da Escola (FUNDESCOLA), o qual teve início em 1997, cuja formulação foi influenciada pelo MECE chileno (HIGUEIRAS, 2014HIGUERAS, J. L. I. A reforma educacional chilena na América latina (1990-2000): circulação e regulação de políticas através do conhecimento. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas . Orientador: Nora Rut. Campinas, 2014.). Oliveira, Fonseca e Toschi (2005OLIVEIRA, J. F; FONSECA, M; TOSCHI, M. S. O programa fundescola: concepções, objetivos, componentes e abrangência - A perspectiva de melhoria da gestão do sistema e das escolas públicas. Educação e Sociedade. Campinas, v. 26, n. 90, jan./abr. 2005. ) afirmam que o FUNDESCOLA teve origem a partir de um acordo firmado entre o Ministério da Educação (MEC) e o Banco Mundial (BM). Oliveira, Fonseca e Toschi (2005, p 128) afirmam também que o programa teve como missão o “[...] desenvolvimento da gestão escolar, com vistas à melhoria da qualidade das escolas públicas, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste”. Além disso, o FUNDESCOLA deveria funcionar em consonância com outras iniciativas e programas, tais como: Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF).

Assim como no Brasil e no Chile, esse processo de incorporação de programas de “melhoramento” da educação básica também ocorreu no Uruguai. Nesse país, foi formulado e implementado o Proyecto de Mejoramiento de la Calidad de la Educación Primaria (MECAEP) que, de acordo com Higueiras (2014HIGUERAS, J. L. I. A reforma educacional chilena na América latina (1990-2000): circulação e regulação de políticas através do conhecimento. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas . Orientador: Nora Rut. Campinas, 2014.), assim como o FUNDESCOLA, também foi influenciado pelo MECE chileno. O MECAEP foi desenvolvido em cooperação financeira e técnica com o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. De acordo com o Banco Mundial (2007BANCO MUNDIAL. Uruguay: equidad y calidad de la educación básica. Washington, DC: Grupo do Banco Mundial, 2007., p. 18):

O empréstimo do Banco Mundial canalizou US$ 77 milhões por meio de três programas conhecidos como MECAEP, que visavam fortalecer a educação infantil e fundamental. O MECAEP I e o MECAEP II foram implementados entre 1995 e 2003, enquanto o MECAEP III funcionará até 2007. O MECAEP I focou na ampliação da cobertura pré-escolar e na melhoria dos materiais didáticos e dos textos de estudo, enquanto o MECAEP II e III se concentram na implantação de escolas de tempo integral. O empréstimo do BID canalizou US$ 71 milhões por meio de dois programas de ensino médio: MESYFOD (1996-2000) e MEMFOD (2001-2006), que visam melhorar o acesso universal ao primeiro ciclo do ensino médio, melhorar a qualidade das escolas secundárias e técnicas vocacionais, melhorar a formação de professores e modernizar a gestão escolar no ensino médio.

Nessa direção, enquanto o Banco Mundial financiou a Educação Básica, nos anos iniciais, o BID financiou os anos finais, a Educação Secundária. Pedretti e Visconti (2005PEDRETTI, S; VISCONTI, S. Educación, sociedad y cambio. In: CONSEJO LATINOAMERICANO DE CIENCIAS SOCIALES. Las reformas educativas en los países del cono sur. Un balance crítico. Buenos Aires: Serje Esayos y Investigaciones, n. 14, 2005., p. 37-38) apontam que foi a partir desse momento que se instalou, formalmente, no Uruguai, um “[...] projeto de Reforma Educativa de desenho exterior, elaborado sobre a base de créditos do BID para a Educación Secundaria, Técnico-profissional e Formação Docente, bem como do BM para a Educación Primaria”.

Em suma, as diretrizes e orientações disseminadas por meio de declarações, recomendações e outros documentos sobre a educação constituíram a base para as políticas educacionais e curriculares desenvolvidas no âmbito dos governos latino-americanos, em particular do Brasil, Chile e do Uruguai, não apenas das últimas décadas do século XX, como também das políticas educacionais e curriculares mais recentes.

Como resultado desse processo, foram promovidas “[...] reformas institucionais dos sistemas de ensino, visando fomentar a modernização, a descentralização administrativa e a competitividade no contexto do mundo globalizado” (SANDERS, 2008SANDERS, B. Educação na América Latina: Identidade e globalização. Educação. Porto Alegre, v. 31, n. 2, 2008. , p. 162), o que intensificou e consolidou a agenda política neoliberal para a educação básica, principalmente, no que diz respeito aos interesses das instituições internacionais, para os países latino-americanos (SANDERS, 2008SANDERS, B. Educação na América Latina: Identidade e globalização. Educação. Porto Alegre, v. 31, n. 2, 2008. ; BARBIERI, 2018BARBIERI, A. F. Políticas para a educação básica no brasil a partir dos anos de 1990: a conformação de uma agenda globalmente estruturada para a educação. 2018. 214 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2018.).

Na mesma direção de Sanders (2008SANDERS, B. Educação na América Latina: Identidade e globalização. Educação. Porto Alegre, v. 31, n. 2, 2008. ), as análises de Krawczyk e Vieira (2012KRAWCZYK, N. R; VIEIRA, V. L. Uma perspectiva histórico-sociológica da reforma educacional na América Latina: Argentina, Brasil, Chile e México nos anos 1990. Brasília: Liber Livro, 2012. 164 p. , p. 19) indicam que o “[...] processo de indução externa impingiu uniformidade à política educacional na região, uniformidade esta decorrente do crescente peso das agências internacionais e da liderança do Banco Mundial [...]”. Essa uniformidade no que concerne aos documentos oficiais reflete o que Shiroma, Campos e Garcia (2005SHIROMA, E. O.; CAMPO, R. F.; GARCIA, R. M. C. Decifrar textos para compreender a política: subsídios teórico-metodológicos para análise de documentos. Perspectiva. Florianópolis, v. 23, n. 02, p. 427-446, jul./dez. 2005.), em seus estudos, denominam de “hegemonia discursiva”.

Este estudo concorda com Saviani (2019SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica, quadragésimo ano: novas aproximações. Campinas, SP: Autores Associados, 2019.) que, ao analisar as ideias pedagógicas na educação básica brasileira, na década de 90, indica que tais ideias foram assentadas no neoprodutivismo, cuja base inicial foi o modelo de acumulação flexível (HARVEY, 2008HARVEY, D. O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Loyola, 2008.), bem como em suas variantes: o neoescolanovismo, o neoconstrutivismo e o neotecnicismo.

Isso significou, na concepção de Saviani (2019SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica, quadragésimo ano: novas aproximações. Campinas, SP: Autores Associados, 2019.), no âmbito das reformas educacionais, executadas a partir do período em questão, a retomada de princípios didáticos, psicológicos, pedagógicos e administrativos para a educação, os quais estavam fundamentados: 1) na Teoria do Capital Humano12 12 Educação “[...] passa a ser entendida como um investimento em capital humano individual que habilita as pessoas para a competição pelos empregos disponíveis” (SAVIANI, 2019, p. 430). ; 2) no lema “aprender a aprender”13 13 Como a educação não garante mais o emprego, mas sim o status da empregabilidade, “o importante é aprender a aprender, isto é, aprender a estudar, a buscar conhecimentos, a lidar com situações novas” (SAVIANI, 2019, p. 431). ; 3) no construtivismo de inspiração piagetiana, alinhado agora com perspectivas pós-modernas, e, por fim, 4) na incorporação dos ideais da pedagogia das competências e no controle da qualidade da educação pelo princípio da qualidade total, dentre outros.

Ressalta-se, porém, que, apesar de Saviani (2019SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica, quadragésimo ano: novas aproximações. Campinas, SP: Autores Associados, 2019.) ter realizado sua análise tendo como objeto as ideias pedagógicas na educação brasileira, compreende-se que o neoprodutivismo e as suas variantes também influenciaram e continuam influenciando não só a política educacional e curricular brasileira, como também as políticas educacionais e curriculares formuladas e implementadas pelos demais países que constituíram o objeto de estudo desta pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo analisou o Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe e a incorporação de suas diretrizes e orientações no desenvolvimento das políticas educacionais e curriculares para a educação básica latino-americana, especificamente, do Brasil, do Chile e do Uruguai.

Os resultados obtidos indicaram que o Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe foi criado, no final da década de 70, como resposta às transformações sociais, políticas e econômicas advindas da crise do capital e do processo de reestruturação produtiva. Em meio a esse contexto, a idealização desse projeto ocorreu em 1979, durante a realização da MINEDLAC V, promovida e organizada pela UNESCO com a cooperação de outras instituições. Dessa reunião resultou a Declaración de Ciudad de México, de 1979, documento que contém a gênese do Projeto Principal de Educação, em relação aos seus objetivos, metas, estratégias e disposições.

Os resultados também indicaram que as reformas educacionais promovidas ao longo das duas últimas décadas do século XX, ao se sustentarem nos planos e ações do Projeto Principal de Educação, incorporaram aos projetos educacionais particulares para a educação básica uma concepção de educação humanista e de capital humano, o que pode ser verificado nas políticas educacionais do Brasil, do Chile e do Uruguai. Nessa lógica, o conceito de Formação Integral, que se faz presente nos marcos históricos do Projeto Principal de Educação, está atrelado à perspectiva de que, por meio da educação, é possível ocorrer um desenvolvimento econômico, social e cultural harmonizado e igualitário.

Para dar conta desse processo, a educação deveria passar por algumas transformações que, como identificou-se, foram pautadas, principalmente, a partir da década de 1990, no conceito de qualidade da educação que, por sua vez, assentou-se, conforme as análises empreendidas neste trabalho, nas categorias da gestão e da transformação curricular. No que diz respeito à gestão, os marcos foram categóricos quanto à ideia de transformação da gestão por meio da descentralização; por outro lado, no que concerne à transformação curricular, identificou-se a defesa insistente da ideia de que os conteúdos deveriam ser modificados, dando ênfase à satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, bem como centrar o processo de ensino e aprendizagem no aluno, preparando os professores para tal.

Todo o movimento em torno do cumprimento das metas, objetivos e planos estratégicos do Projeto Principal de Educação culmina no processo de políticas educacionais similares e padronizadas, pelo menos no nível de seus discursos. Uma “hegemonia discursiva” que baliza as reformas educacionais dos países focalizados nesta pesquisa, ainda na atualidade.

Nesse sentido, ressalta-se a necessidade de avançar nos estudos relativos ao impacto do Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe, no que tange à análise das políticas educacionais e curriculares atuais para a educação básica, não só dos países analisados neste artigo, como também de outros países que compõem a América Latina e o Caribe.

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  • 1
    Noma (2011, p. 106) sugere que, em termos de assuntos educacionais, até a década de 80, a Unesco era a instituição que operava de forma predominante na América Latina, como “[...] laboratório de ideias, de geração de consenso e fixação de padrões, agindo como um fórum central disseminador para a região latino-americana e caribenha de princípios e orientações gerais para a educação”.
  • 2
    Foram realizadas outras reuniões: MINEDLAC VI, em Bogotá (1987); MINEDLAC VII, em Kingston (1996) (UNESCO, 2001).
  • 3
    Os resultados, apresentados neste estudo, representam sínteses da pesquisa que investigou a educação física e o esporte, no contexto das políticas educacionais e curriculares para a educação básica brasileira, chilena e uruguaia. Tal pesquisa intitula-se “Políticas educacionais e curriculares no Brasil, Chile e Uruguai: especificidades da educação física e do esporte na educação básica” e está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPE) da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e ao Grupo de Pesquisas e Estudos em Educação, Política e Prática Pedagógica da Cultura Corporal (GEPPECC). A pesquisa finalizada encontra-se disponibilizada na íntegra para consulta no link: http://www.ppe.uem.br/dissertacoes.htm.
  • 4
    Além destas entidades, participaram do evento: o Brasil, o Uruguai, o Chile, como Estados Membros; a Espanha, os Estados Unidos da América, dentre outros, como observadores; representantes das Nações Unidas, do Fundo das Nações Unidas para a Infância, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Banco Interamericano de Desenvolvimento, dentre outros (UNESCO, 1980).
  • 5
    Tinoco (2010TINOCO, Marco Antonio. Política educativa y Banco Mundial: la educación comunitaria em Honduras. 1. ed. Tegucigalpa: Guaymuras, 2010. 303 p. ) indica que a ideia de desenvolvimento remonta ao período pós Segunda Guerra Mundial, muito mais como preocupação política do que como problema acadêmico, tendo em vista os efeitos causados pela guerra. Surgiu neste momento também a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL).
  • 6
    O conceito de capital humano, elaborado por Theodoro Schultz na década de 1950 e que lhe valeu o Prêmio Nobel de Economia de 1979, postulava explicar, ao mesmo tempo, as desigualdades de desenvolvimento entre as nações e as desigualdades individuais ou de grupos sociais (BITTELBRUNN, 2013, p. 39).
  • 7
    Formado, originalmente, por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai. A Venezuela atualmente encontra-se suspensa. Além do Chile, outros países também são associados.
  • 8
    Criado originalmente em 1969, era composto por Chile, Venezuela, Bolívia, Colômbia, Peru e Equador. Chile e Venezuela atualmente não fazem parte.
  • 9
    Brasil, Chile e Uruguai participaram como Estados Membros, junto a outros países. A reunião contou também com a participação de organismos internacionais, dentre eles: CEPAL, UNICEF, Banco Mundial, BID, entre outros (UNESCO-OREALC, 1991).
  • 10
    Assim como na reunião anterior, desta participaram o Brasil, o Chile e o Uruguai como Estados Membros, junto a outros países. A reunião contou também com a participação de organismos internacionais, dentre eles: CEPAL, UNICEF, Banco Mundial, BID, PNUD, entre outros (UNESCO-OREALC, 1991a).
  • 11
    A última PROMEDLAC (VII) foi realizada no início do século XXI, no ano de 2001, na cidade de Cochabamba, na Bolívia (UNESO, 2001). Nesta reunião, os ministros solicitaram à UNESCO a elaboração de um novo projeto no marco das orientações de Dakar (PAIVA; ARAUJO, 2008PAIVA, E. V; ARAUJO, F. M. B. A política de formação de professores da UNESCO no Projeto Principal de Educação para América Latina e Caribe. Educação. Porto Alegre, v. 31, n. 3, 2008. ). O novo projeto de educação para a Região passou a ser denominado de Projeto Regional para Educação da América Latina e do Caribe (PRELAC), previsto para funcionar de 2002 a 2017 (UNESCO-OREALC, 2004UNESCO-OREALC. Uma Trajetória Para A Educação para Todos - Panorama SócioEducacional: Cinco visões sugestivas sobre a América Latina e o Caribe. Revista PRELAC, Ano 1, n° 0, Agosto de 2004.).
  • 12
    Educação “[...] passa a ser entendida como um investimento em capital humano individual que habilita as pessoas para a competição pelos empregos disponíveis” (SAVIANI, 2019, p. 430).
  • 13
    Como a educação não garante mais o emprego, mas sim o status da empregabilidade, “o importante é aprender a aprender, isto é, aprender a estudar, a buscar conhecimentos, a lidar com situações novas” (SAVIANI, 2019, p. 431).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

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