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TEORIA DA ATIVIDADE DE ESTUDO E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA REALÍSTICA: ARTICULAÇÃO E POSSIBILIDADES1 1 Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.

TEORÍA DE LA ACTIVIDAD DE ESTUDIO Y EDUCACIÓN MATEMÁTICA REALISTA: ARTICULACIÓN Y POSIBILIDADES

RESUMO:

Este artigo resulta de uma revisão bibliográfica, cuja pesquisa é de natureza qualitativa e tem como objetivo verificar limites e possibilidades de uma articulação teórica entre a Teoria da Atividade de Estudo (TAE) e a corrente didática da Educação Matemática Realística (RME - sigla da expressão em inglês “Realistic Mathematics Education”). A Teoria da Atividade de Estudo tem origens na Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky, enquanto a Educação Matemática Realística é uma proposta do educador matemático Freudenthal. A teoria sobre a atividade de estudo conta com a fundamentação de pesquisadores como Davydov, Elkonin, Luria, Leontiev, Repkin, entre outros, desenvolvida nas escolas russas nos anos de 1960. Em um período próximo, surgiu a abordagem de Freudenthal a ser aplicada nas escolas neerlandesas. Ambos os grupos de pesquisadores (os de Vygotsky e os de Freudenthal) preocupavam-se em compreender o processo de ensino e aprendizagem: os russos estavam focados no desenvolvimento do psiquismo humano, especificamente, da criança, ao passo que os educadores neerlandeses se voltavam para o ensino de Matemática nas escolas de níveis básicos. Os resultados da pesquisa indicam que há possibilidade de articulação entre essas abordagens, especialmente ao ensino da Matemática, uma vez que a TAE destaca a atividade humana como fonte para o desenvolvimento da humanidade e que o processo de ensino e aprendizagem precisa considerar a formação histórico-cultural do sujeito; Freudenthal considera a matemática como atividade humana e enfatiza a necessidade de se adotar práticas que valorizam a “redescoberta” de conceitos matemáticos por meio de regaste histórico e cultural.

Palavras-chave:
Teoria da Atividade de Estudo; Educação Matemática Realística; Ensino de Matemática

RESUMEN:

Este artículo resulta de una revisión bibliográfica de naturaleza cualitativa y tiene como objetivo verificar límites y posibilidades de una articulación teórica entre la Teoría de la Actividad de Estudio (TAE) y la corriente didáctica de la Educación Matemática Realista (RME - expresión en inglés “Realistic Mathematics Education”). La Teoría de la Actividad de Estudio tiene su origen en la Teoría Histórico Cultural de Vygotsky, mientras que la Educación Matemática Realista es propuesta del educador matemático Freudenthal. La actividad de estudio se apoya en los fundamentos de investigadores como Davydov, Elkonin, Luria, Leontiev, Repkin, entre otros, desarrollados en las escuelas rusas en la década de 1960. En tiempo cercano, surgió el enfoque de Freudenthal para ser aplicado en las escuelas neerlandesas. Ambos grupos de investigadores (Vygotsky y Freudenthal) se preocuparon por comprender el proceso de enseñanza y aprendizaje: los rusos se enfocaron en el desarrollo de la psique humana, específicamente, del niño, mientras que los educadores neerlandeses estudiaron la enseñanza de las Matemáticas en primaria. Los resultados de la investigación indican que existe una posibilidad de articulación entre estos enfoques, especialmente para la enseñanza de las Matemáticas, una vez que la TAE destaca la actividad humana como fuente para el desarrollo de la humanidad, el proceso de enseñanza y aprendizaje necesita considerar la perspectiva del sujeto histórico y cultural; Freudenthal considera las matemáticas como una actividad humana y enfatiza la necesidad de adoptar prácticas que valoren el “redescubrimiento” de los conceptos matemáticos a través de la recuperación histórica y cultural.

Palabras clave:
Teoría de la Actividad de Estudio; Educación Matemática Realista; Enseñanza de las Matemáticas

ABSTRACT:

This paper is the result of a bibliographic review, whose research is of a qualitative nature and aims to verify the limits and possibilities of a theoretical articulation between the Study Activity Theory (SAT) and the didactic current of Realistic Mathematics Education (RME). The Theory of Study Activity has its origins in Vygotsky's Cultural-Historical Theory, while Realistic Mathematics Education is a proposal by the mathematician educator Freudenthal. The theory about the activity of study relies on the foundation of researchers such as Davidov, Elkonin, Luria, Leontiev, and Repkin, among others, developed in Russian schools in the 1960s. In a short period, Freudenthal's approach appeared to be applied in Dutch schools. Both groups of researchers (Vygotsky and Freudenthal) were concerned with understanding the teaching and learning process: the Russians were focused on the development of the human psyche, specifically, of the child, while the Dutch educators were focused on the teaching of Mathematics in elementary schools. The research results indicate that there is a possibility of articulation between these approaches, especially in the teaching of Mathematics, since the SAT highlights human activity as a source for the development of humanity and that the teaching and learning process needs to consider the historical subject's culture; Freudenthal considers mathematics as a human activity and emphasizes the need to adopt practices that value the “rediscovery” of mathematical concepts through historical and cultural recovery.

Keywords:
Theory of Study Activity; Realistic Mathematics Education; Teaching Mathematics

INTRODUÇÃO

A atividade humana é essencial para a formação do ser humano, pois é por meio dela que o indivíduo desenvolve capacidades e habilidades de se adaptar, de se relacionar com o outro e de transformar o mundo. Conforme aponta a abordagem histórico-cultural, o desenvolvimento da humanidade está pautado em compreender a sua existência e entender o meio em que vive; por esse motivo, diversos artefatos culturais foram criados e analisados, na busca de transformar o homem em um produtor de si e da própria natureza, mas também visto como um produto do meio (CEREZUELA; MORI, 2015CEREZUELA, Cristina.; MORI, Nerli. N. R. A educação escolar e a teoria histórico cultural. In: EDUCERE XII - Congresso Nacional de Educação. Paraná, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2015/20322_9131.pdf >. Acesso em: 17/01/2022.
https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2...
). A relação entre o homem e o meio desencadeou a criação de culturas, a evolução do psiquismo humano, o desenvolvimento de tecnologias e a complexa vida em sociedade.

Da necessidade humana de compreender sua existência e de explicar o funcionamento da natureza, surgiram as diferentes ciências, entre elas, a Matemática, como tentativa de explicar e de aprender sobre o mundo. Quando o ser humano conhece o meio em que vive e as relações que nele estabelece, novas ferramentas e ideias são criadas ou aprimoradas. Nesse sentido, pesquisadores como Vygotsky (1978VYGOTSKY, Lev. S. Mind and Society: the development of higher mental processes. Cambridge: Harvard University Press, 1978.) e Freudenthal (1994FREUDENTHAL, Hans. Revisiting Mathematics Education. Mathematics Education Library, Países Baixos, v. 9, n. 1, p. 1-202, 1994.), cada qual em suas respectivas áreas, buscaram entender a relação do ser humano com o meio, especificamente, como aprendemos e nos desenvolvemos.

Apesar de Vygotsky ter desenvolvido estudos no campo da Psicologia, enquanto Freudenthal desenvolveu trabalhos no âmbito da Educação Matemática, ambos se aventuraram em pesquisas sobre processos de ensino e de aprendizagem. Suas contribuições foram fundamentais para compreendermos como e o que motiva o ser humano a aprender, em particular, no que diz respeito ao ensino da Matemática.

Na década de 1920, Vygotsky e os psicólogos Luria e Leontiev trabalharam juntos na constituição da THC; na década de 1930, Leontiev e seus colaboradores elaboraram a Teoria da Atividade (TA), na Rússia, com foco em analisar a tarefa de estudo como atividade humana do período escolar. Davydov e Repkin, em continuação aos estudos de Elkonin, realizaram trabalhos experimentais em 1960 e desenvolveram a Teoria da Atividade de Estudo (TAE) para compreender como as crianças se desenvolvem e aprendem (QUEROL; CASSANDRE; BULGACOV, 2014QUEROL, Marco Antonio. P.; CASSANDRE, Marcio. P.; BULGACOV, Yara. L. M. Teoria da Atividade: contribuições conceituais e metodológicas para o estudo da aprendizagem organizacional. Gestão & Produção, V. 21, p. 405-416, 2014. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/gp/a/WRzz3r9zXJPJwNKZPmxrh9J/?format=pdf⟨=pt >. Acesso em: 15/01/2022.
https://www.scielo.br/j/gp/a/WRzz3r9zXJP...
). Essa linha teórica é resultado de pesquisas provenientes da psicologia histórico-cultural que discute sobre o desenvolvimento da humanidade considerando sua formação e produção histórica e cultural.

Também por volta de 1960, Freudenthal e sua equipe estavam preocupados com a formação dos estudantes e por isso propuseram uma mudança no ensino de Matemática por meio do projeto WISKOBAS, como forma de resistência ao Movimento da Matemática Moderna, cujo um dos objetivos era ofertar um ensino significativo, mais próximo da realidade dos estudantes, tomando a Matemática como uma atividade humana (FERREIRA; BURIASCO, 2016FERREIRA, Pamela. E. A.; BURIASCO, Regina. L. C. Educação matemática realística: uma abordagem para os processos de ensino e de aprendizagem. Educação Matemática e Pesquisa, São Paulo, V. 18, n. 1, p. 237-252, nov. 2016. Disponível em: <Disponível em: http://revistas.pucsp.br/emp/article/view/21078/pdf >. Acesso em: 14/01/2022.
http://revistas.pucsp.br/emp/article/vie...
). O projeto foi implementado em uma escola de níveis básicos dos Países Baixos, equivalente ao ensino fundamental e médio no Brasil. Embora houvesse uma mudança para todo o currículo holandês, muito se produziu sobre o ensino da Matemática e, como consequência, desenvolveu-se a abordagem da Educação Matemática Realística.

Apesar dos grupos de pesquisadores de Vygotsky e Freudenthal, bem como seus seguidores, terem aplicado suas ideias em locais diferentes, suas preocupações e momentos históricos foram próximos. Esses grupos buscaram compreender os processos de ensino e de aprendizagem, integrar a cultura e a realidade neste processo e combater o tradicionalismo enraizado da época que já se mostrava insuficiente para atender as demandas e necessidades da formação humana.

Com base nisso, elaboramos uma pesquisa bibliográfica de natureza qualitativa, com objetivo de realizar uma articulação teórica entre a Teoria da Atividade de Estudo e a abordagem da Educação Matemática Realística (RME - sigla de Realistic Mathematics Education), embasando-nos em produções de autores que discutem as ideias da Teoria da Atividade de Estudo (TAE) e da RME. Ao final deste artigo, descrevemos nossas considerações finais e reafirmamos a importância de considerar a matemática como uma atividade humana no processo de ensino.

METODOLOGIA

O presente artigo é resultado de uma pesquisa teórica na qual realizamos uma revisão bibliográfica de natureza qualitativa. Buscamos por textos acadêmicos que discutam sobre os principais aspectos da TAE e da RME a fim de articular conceitos dessas correntes didáticas que possam ser aplicados conjuntamente por meio de tarefas pedagógicas voltadas para o ensino da Matemática. Nos buscadores, as principais indicações foram: “Educação+Matemática+Realística”, “Realistic+Mathematics+Education”, “RME+Mathematics”, “RME+Freudenthal”, “Teoria+Histórico+Cultural”, “Cultural+Historic+Activity+Theory”, “THC+Vygotsky” e “CHAT+Vygotsky”. A busca retornou artigos e publicações com maior número de citações, bem como reproduções dos textos originais dos autores envolvidos. Com essa busca, foi possível chegar a outros autores relacionados a Vygotsky e Freudenthal, inclusive autores brasileiros. Para utilizar os artigos e livros, optamos por uma seleção de autores com maior quantidade de publicações na área: Vygotsky, Davydov, Leontiev, Luria, Repkin, Elkonin, Miller, Freudenthal, De Lange, Van Del Heuvel-Pahuizen, Gravemeijer, Buriasco, Silva, Ferreira e Lopez.

Conforme define Marconi e Lakatos (2003MARCONI, Marina. A.; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.)

A pesquisa bibliográfica, ou de fontes secundárias, abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, material cartográfico etc., até meios de comunicação orais: rádio, gravações em fita magnética e audiovisuais: filmes e televisão. Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto, inclusive conferências seguidas de debates que tenham sido transcritos por alguma forma, quer publicadas, quer gravadas (MARCONI; LAKATOS, 2003MARCONI, Marina. A.; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003., p. 183).

As autoras reforçam que, apesar da retomada de estudos, a pesquisa bibliográfica não se resume a reprodução das fontes, uma vez que pode fornecer um novo enfoque sobre um tema conhecido e relacioná-lo a outras áreas, levando a conclusões inovadoras (MARCONI; LAKATOS, 2003MARCONI, Marina. A.; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.). A pesquisa de natureza qualitativa permite o estudo das diferentes dimensões da realidade que não podem ser mensuradas quantitativamente e buscam respostas para problemas específicos, mas passíveis de generalização (MINAYO; DELANDES; GOMES, 2000MINAYO, Maria Cecília. S.; DELANDES, Suely. F.; GOMES, Romeu. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 16ª ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2000. ).

Para este artigo, apresentamos o desenvolvimento da TAE, seus principais conceitos e sua visão acerca do desenvolvimento humano, especialmente em relação ao processo de aprendizagem. Em seguida, descrevemos as motivações para a criação da abordagem da RME, os princípios e conceitos fundamentais. Posteriormente, articulamos as ideias defendidas por Vygotsky e Freudenthal, relacionando-as com práticas de ensino da Matemática que possam valorizar a formação histórica e cultural dos estudantes cujo objetivo seja o desenvolvimento humano.

Ressaltamos que não encontramos documentos que indiquem possíveis parcerias entre os precursores da TAE com os da RME, porém, o que nos motivou a desenvolver este artigo foi a similaridade entre as ideias defendidas, a compreensão de que por meio da atividade humana o homem se desenvolve, a consideração da matemática como uma atividade humana e a possibilidade de complementação entre as abordagens para compor um conjunto de tarefas cujo objetivo seja levar o estudante a se apropriar de conceitos matemáticos historicamente constituídos.

A TEORIA DA ATIVIDADE DE ESTUDO

Conforme Asbahr (2005ASBAHR, Flávia. S. F. A pesquisa sobre a atividade pedagógica: contribuições da teoria da atividade. Revista Brasileira de Educação, n. 29, 2005, p. 108-118. <https://doi.org/10.1590/S1413-24782005000200009>.
https://doi.org/10.1590/S1413-2478200500...
), no materialismo histórico-dialético, a atividade humana é a categoria central. É por meio da atividade prática sensorial que o ser humano se desenvolve histórica e socialmente, mas também individualmente (MARX, 1989MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. In: FERNANDES, Florestan. (org). Marx e Engels: História. São Paulo: Ed. Ática, 1989, p.146-181.). Davydov (1988DAVYDOV, Vasili. La enseñanza escolar y el desarrollo psiquico: investigación teórica y experimental. Moscou: Editorial Progresso, 1988.) expressa que as primeiras formas de atividade das pessoas advêm da prática histórico-social da humanidade e com o objetivo de descobrir o universo do sujeito humano. Com base nessa proposta, os psicólogos russos apresentaram o conceito de atividade como um dos princípios fundamentais para o desenvolvimento do psiquismo humano (ASBAHR, 2005ASBAHR, Flávia. S. F. A pesquisa sobre a atividade pedagógica: contribuições da teoria da atividade. Revista Brasileira de Educação, n. 29, 2005, p. 108-118. <https://doi.org/10.1590/S1413-24782005000200009>.
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).

Querol, Cassandre e Bulgacov (2014QUEROL, Marco Antonio. P.; CASSANDRE, Marcio. P.; BULGACOV, Yara. L. M. Teoria da Atividade: contribuições conceituais e metodológicas para o estudo da aprendizagem organizacional. Gestão & Produção, V. 21, p. 405-416, 2014. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/gp/a/WRzz3r9zXJPJwNKZPmxrh9J/?format=pdf⟨=pt >. Acesso em: 15/01/2022.
https://www.scielo.br/j/gp/a/WRzz3r9zXJP...
) indicam que há uma corrente filosófica, introduzida por Hegel, denominada hegelianismo, a qual se refere à consciência humana como resultado do conhecimento acumulado e historicamente constituído pela sociedade e que este conhecimento é objetivado por meio da criação de artefatos. Influenciado pelas ideias de Hegel, Marx (1976MARX, Karl. Capital: a critique of political economy. London: Penguin Classics, 1976.) compreende o homem como produto da história e da cultura, bem como um transformador da natureza. Sendo o homem capaz de criar e mudar ativamente o mundo, a humanidade desenvolve capacidades que vão além da simples adaptação ao sistema.

Com base nas ideias de Marx (1976MARX, Karl. Capital: a critique of political economy. London: Penguin Classics, 1976.), Vygotsky (1978VYGOTSKY, Lev. S. Mind and Society: the development of higher mental processes. Cambridge: Harvard University Press, 1978.) fez uso do conceito de atividade já em seus primeiros estudos e indicou que a atividade humana, constituída de forma coletiva e significativa, explica o desenvolvimento da consciência que pode ser mediado culturalmente (VYGOTSKY, 1978VYGOTSKY, Lev. S. Mind and Society: the development of higher mental processes. Cambridge: Harvard University Press, 1978.; ASBAHR, 2005ASBAHR, Flávia. S. F. A pesquisa sobre a atividade pedagógica: contribuições da teoria da atividade. Revista Brasileira de Educação, n. 29, 2005, p. 108-118. <https://doi.org/10.1590/S1413-24782005000200009>.
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). A “mediação cultural significa que a relação entre o sujeito e o objeto é mediada por artefatos culturais. Um artefato se refere a um aspecto do mundo material (e conceitual) que tenha sido modificado ao longo da história da sua constituição através de ações” (QUEROL; CASSANDRE; BULGACOV, 2014QUEROL, Marco Antonio. P.; CASSANDRE, Marcio. P.; BULGACOV, Yara. L. M. Teoria da Atividade: contribuições conceituais e metodológicas para o estudo da aprendizagem organizacional. Gestão & Produção, V. 21, p. 405-416, 2014. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/gp/a/WRzz3r9zXJPJwNKZPmxrh9J/?format=pdf⟨=pt >. Acesso em: 15/01/2022.
https://www.scielo.br/j/gp/a/WRzz3r9zXJP...
, p. 408).

Explicitam Asbahr (2005ASBAHR, Flávia. S. F. A pesquisa sobre a atividade pedagógica: contribuições da teoria da atividade. Revista Brasileira de Educação, n. 29, 2005, p. 108-118. <https://doi.org/10.1590/S1413-24782005000200009>.
https://doi.org/10.1590/S1413-2478200500...
) e Miller (2019MILLER, Stela. Atividade de estudos: especificidades e possibilidades educativas. In: PUENTES, Valdés.; MELLO, Stela. A. (org.) Teoria da atividade de estudo: livro II - contribuições de pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Uberlândia: EDUFU, 2019. Disponível em: <Disponível em: https://clyde.dr.ufu.br/bitstream/123456789/29693/4/TeoriaAtividadeEstudo.pdf >. Acesso em: 14/01/2022.
https://clyde.dr.ufu.br/bitstream/123456...
) que a consciência e a atividade são elementos fundamentais da psicologia histórico-cultural, entendidos como unidade dialética, e foi Leontiev (1983LEONTIEV, Alexei. N. Actividad, conciencia y personalidad. Buenos Aires: Ediciones Ciencia Del Hombre, 1983.) quem conceituou a atividade, fundando a psicologia geral da atividade. Leontiev (1983LEONTIEV, Alexei. N. Actividad, conciencia y personalidad. Buenos Aires: Ediciones Ciencia Del Hombre, 1983.) afirma que a consciência é um conhecimento compartilhado e de realização social, mas que só é possível estabelecer uma consciência individual a partir de uma consciência social. Esse processo de internalização do conhecimento ocorre de “fora para dentro”, de modo a executar atividades externas sensoriais e práticas, fundamentalmente sociais, transformando-as em atividades internas individualizadas. “A atividade, mediada pelo reflexo psíquico da realidade, é a unidade da vida que orienta o sujeito no mundo dos objetos. Sua principal característica constitutiva é o caráter objetal [...].” (ASBAHR, 2005ASBAHR, Flávia. S. F. A pesquisa sobre a atividade pedagógica: contribuições da teoria da atividade. Revista Brasileira de Educação, n. 29, 2005, p. 108-118. <https://doi.org/10.1590/S1413-24782005000200009>.
https://doi.org/10.1590/S1413-2478200500...
, p. 109).

As atividades humanas diferem das demais atividades de outros seres vivos e entre si por muitas razões, mas a principal delas é o motivo. Entende-se por motivo como o desencadeador da atividade, que vincula um objeto à sua necessidade (LEONTIEV, 1978LEONTIEV, Alexei. N. Sobre o desenvolvimento histórico da consciência. In: LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Horizonte Universitário, 1978, p. 89-142.). Objetos e necessidades isolados não podem produzir atividades (ASBAHR, 2014ASBAHR, Flávia. S. F. Sentido pessoal, significado social e atividade de estudo: uma revisão teórica. Revista da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, V. 18, n. 2, 2014, p. 265-272. Disponível em: < Disponível em: http://www.scielo.br/j/pee/a/VKhxJwS5qgjmgCrw67mPScH/?lang=pt&format=pdf >. Acesso em: 15/01/2022.
http://www.scielo.br/j/pee/a/VKhxJwS5qgj...
).

A primeira condição de toda a atividade é uma necessidade. Todavia, em si, a necessidade não pode determinar a orientação concreta de uma atividade, pois é apenas no objeto da atividade que ela encontra sua determinação: deve, por assim dizer, encontrar-se nele. Uma vez que a necessidade encontra a sua determinação no objeto (se “objetiva” nele), o dito objeto torna-se motivo da atividade, aquilo que o estimula (LEONTIEV, 1978LEONTIEV, Alexei. N. Sobre o desenvolvimento histórico da consciência. In: LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Horizonte Universitário, 1978, p. 89-142., p. 107-108).

Na busca por atender suas necessidades que o psiquismo humano evoluiu e o reflexo psíquico da realidade passou a ser feito de forma consciente. Em meio ao abstrato e ao concreto, o homem foi capaz de diferenciar o objeto real do subjetivo e a essa diferenciação nomeamos de consciência. “A consciência refere-se, assim, à possibilidade humana de compreender o mundo social e o mundo dos objetos como passíveis de análise” (ASBAHR, 2014ASBAHR, Flávia. S. F. Sentido pessoal, significado social e atividade de estudo: uma revisão teórica. Revista da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, V. 18, n. 2, 2014, p. 265-272. Disponível em: < Disponível em: http://www.scielo.br/j/pee/a/VKhxJwS5qgjmgCrw67mPScH/?lang=pt&format=pdf >. Acesso em: 15/01/2022.
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, p. 111). O homem se apropria de conhecimentos e significações sociais, atribui-lhes sentido próprio e os vincula aos seus motivos, objetos e necessidades.

A significação é a generalização da realidade que é cristalizada e fixada num vetor sensível, ordinariamente a palavra ou a locução. É a forma ideal, espiritual, da cristalização da experiência social e da prática social da humanidade. A sua esfera de representações de uma sociedade, a sua ciência, a sua língua existem enquanto sistemas de significações correspondentes. A significação pertence, portanto, antes de mais nada, ao mundo dos fenômenos objetivamente históricos (ASBAHR, 2014ASBAHR, Flávia. S. F. Sentido pessoal, significado social e atividade de estudo: uma revisão teórica. Revista da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, V. 18, n. 2, 2014, p. 265-272. Disponível em: < Disponível em: http://www.scielo.br/j/pee/a/VKhxJwS5qgjmgCrw67mPScH/?lang=pt&format=pdf >. Acesso em: 15/01/2022.
http://www.scielo.br/j/pee/a/VKhxJwS5qgj...
, p. 111).

Com base nesses fundamentos que os psicólogos russos do Laboratório de Psicologia da Escola Primária do Instituto de Psicologia da República Soviética Russa, sob a responsabilidade de Elkonin e Davydov, propuseram uma organização radical na metodologia de ensino de escolas russas, nos anos de 1960 (PUENTES, 2020PUENTES, Valdés. Teoria da atividade de estudo: etapas no seu desenvolvimento. Revista de Educação Pública, V. 29, jan./dez, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/educacaopublica/article/view/7454 >. Acesso em: 17/01/2022.
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). A proposta inovadora desencadeou a Teoria da Atividade de Estudo que define o estudo como uma atividade humana que garante a realização da chamada tarefa de estudo e esta pode ser compreendida como uma ou mais atividades que objetivam a modificação do sujeito da ação (quem executa a tarefa de estudo) e está relacionada ao conteúdo (objeto da tarefa de estudo) definido como o domínio de determinados modos de ação (PUENTES, 2020PUENTES, Valdés. Teoria da atividade de estudo: etapas no seu desenvolvimento. Revista de Educação Pública, V. 29, jan./dez, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/educacaopublica/article/view/7454 >. Acesso em: 17/01/2022.
https://periodicoscientificos.ufmt.br/oj...
).

As pesquisas e experimentos indicaram que esse tipo de atividade poderia ser esquematizado considerando a interligação dos seguintes componentes: a tarefa de estudo, as ações de estudos, a ação de controle e a ação de avaliação do grau de transformação do sujeito.

1) a tarefa de estudo, que pelo seu conteúdo consiste nos modos de ação a assimilar; 2) as ações de estudo, cujo resultado é a formação do modo de ação a assimilar e a execução primária do modelo didático; 3) a ação de controle, que consiste na comparação da ação executada com o modelo e; 4) a ação de avaliação do grau de cognição das alterações que aconteceram no próprio sujeito (PUENTES, 2020PUENTES, Valdés. Teoria da atividade de estudo: etapas no seu desenvolvimento. Revista de Educação Pública, V. 29, jan./dez, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/educacaopublica/article/view/7454 >. Acesso em: 17/01/2022.
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, p. 3-4).

No início do desenvolvimento da TAE, os pesquisadores pioneiros não tinham clareza sobre o que considerar como conteúdo da tarefa de estudo e aderiram a uma definição tradicional que, anos mais tarde, foi reformulada por Repkin e Dorokhina (PUENTES, 2020PUENTES, Valdés. Teoria da atividade de estudo: etapas no seu desenvolvimento. Revista de Educação Pública, V. 29, jan./dez, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/educacaopublica/article/view/7454 >. Acesso em: 17/01/2022.
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).

Progressivamente, firmou-se a compreensão segundo a qual nos planos das interações e do desenvolvimento da psique humana se revelam o desenvolvimento da Atividade de Estudo, pelo conjunto de componentes a definirem os seus processos:

A relação teórica com a realidade e com os modelos de orientação correspondentes à essa relação, constituem a necessidade específica e o motivo da Atividade de Estudo da criança. Os modos inter-relacionados da consciência teórica (científica, artística, moral e jurídica) atuam como conteúdo dessa atividade. O domínio dos modos generalizados de ação, desde o ponto de vista do conteúdo (teórico) da solução de centenas de tarefas práticas concretas, é a característica substancial da tarefa propriamente de estudo. Formular para o aluno uma tarefa de estudo significa colocá-lo em uma situação que requer uma orientação para um modo generalizado de ação, desde o ponto de vista do conteúdo de sua solução em todas as variantes particulares e concretas possíveis das condições (DAVYDOV, 2019DAVYDOV, Vasili. Os problemas psicológicos dos processos de aprendizagem dos estudantes. In: PUENTES, Valdés.; CARDOSO, Cecília. G. C.; AMORIM, Paula. A. P. (Org.). Teoria da Atividade de Estudo: contribuições de D. B. Elkonin, V. V. Davydov e V. V. Repkin - Livro I. Curitiba: CRV; Uberlândia: UFU, 2019, p. 171-173., p. 172).

A rigor, a apropriação do conhecimento matemático envolve a criação de um sistema de ações coordenadas, nele inserindo os objetos, ou seja, estabelecendo condições de origem de algum sistema de objetos pela transformação real ou de natureza psíquica.

Conforme apresenta Miller (2019MILLER, Stela. Atividade de estudos: especificidades e possibilidades educativas. In: PUENTES, Valdés.; MELLO, Stela. A. (org.) Teoria da atividade de estudo: livro II - contribuições de pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Uberlândia: EDUFU, 2019. Disponível em: <Disponível em: https://clyde.dr.ufu.br/bitstream/123456789/29693/4/TeoriaAtividadeEstudo.pdf >. Acesso em: 14/01/2022.
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), a proposta da Teoria da Atividade de Estudo permite compreender sobre uma das atividades vitais do homem ao longo do desenvolvimento de sua psique: muitas atividades são desenvolvidas em diferentes etapas da sua vida e durante a idade escolar, a atividade de estudo é a principal delas. Sob influência do meio em que vive e das relações sociais que estabelece, a criança tende a mudar sua situação social conforme cresce e se desenvolve (LEONTIEV, 1983LEONTIEV, Alexei. N. Actividad, conciencia y personalidad. Buenos Aires: Ediciones Ciencia Del Hombre, 1983.; VIYGOTSKY, 1978LEONTIEV, Alexei. N. Actividad, conciencia y personalidad. Buenos Aires: Ediciones Ciencia Del Hombre, 1983.).

Para cada fase de crescimento da criança há uma atividade chamada de principal, isto é, que a partir dessa atividade, outras poderão ser executadas como, por exemplo, a comunicação e a percepção. Essas atividades que se embasam na atividade principal são chamadas de atividades orientadoras e contribuirão para o desenvolvimento da criança. A atividade principal é fundamental para que a criança possa desenvolver outras habilidades que permitam a sua inserção na comunidade da qual faz parte, seja família, escola ou sociedade. São exemplos de atividades principais desenvolvidas na infância, desde bebê até a idade escolar, a atividade manipulatória, a comunicação emocional e o jogo de papeis (ELKONIN, 1987ELKONIN, Daniil. Sobre el problema de la periodización del desarrollo psíquico en la infancia In SHUARE, Marta. (Org.), La psicología evolutiva y pedagógica em la URSS: antología. Moscou: Editorial Progresso , 1987. p. 104-124.; MILLER, 2019MILLER, Stela. Atividade de estudos: especificidades e possibilidades educativas. In: PUENTES, Valdés.; MELLO, Stela. A. (org.) Teoria da atividade de estudo: livro II - contribuições de pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Uberlândia: EDUFU, 2019. Disponível em: <Disponível em: https://clyde.dr.ufu.br/bitstream/123456789/29693/4/TeoriaAtividadeEstudo.pdf >. Acesso em: 14/01/2022.
https://clyde.dr.ufu.br/bitstream/123456...
). Quando a criança ingressa na escola, sua principal atividade é a de estudo que permitirá assimilar conhecimentos e ampliar suas capacidades cognitivas e intelectuais. As ações da criança ganham um novo tratamento e surge uma cobrança maior para o cumprimento de suas responsabilidades. As relações com o conhecimento e as pessoas a sua volta tornam-se mais complexas e a preparam para a fase da adolescência, em que a atividade orientadora é a comunicação pessoal. Mesmo na fase adolescente, a atividade de estudo ainda é fundamental, mas a comunicação pessoal permitirá que esse jovem descubra seu papel na sociedade (MILLER, 2019MILLER, Stela. Atividade de estudos: especificidades e possibilidades educativas. In: PUENTES, Valdés.; MELLO, Stela. A. (org.) Teoria da atividade de estudo: livro II - contribuições de pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Uberlândia: EDUFU, 2019. Disponível em: <Disponível em: https://clyde.dr.ufu.br/bitstream/123456789/29693/4/TeoriaAtividadeEstudo.pdf >. Acesso em: 14/01/2022.
https://clyde.dr.ufu.br/bitstream/123456...
).

Conforme Davydov e Márkova (1987DAVYDOV, Vasili.; MARKOVA, Aelita. El desarrollo del pensamiento en la edad escolar. In: SHUARE, Marta. (Org.), La psicología evolutiva y pedagógica en la URSS: antología. Moscou: Editorial Progreso, 1987, p. 173-192.), nessa trajetória, cabe ao aprendiz tentar desenvolver ao máximo suas habilidades e capacidades voltadas para sua formação de acordo com seus interesses, história de vida e relações sociais. As diferenças sociais podem ser justificadas pela correlação dos níveis de formação: o primeiro nível permite ao estudante, por meio da orientação do professor, realizar a atividade de estudo e correlacioná-la a objetivos e condições; o segundo nível diz respeito à personalidade com a qual cada estudante realiza sua tarefa; finalmente, é no último nível que o estudante torna-se sujeito da própria atividade, pois alcança a autonomia, torna-se capaz de estabelecer outros caminhos para executar a atividade de estudo transformando-a em atividade criativa.

Miller (2019MILLER, Stela. Atividade de estudos: especificidades e possibilidades educativas. In: PUENTES, Valdés.; MELLO, Stela. A. (org.) Teoria da atividade de estudo: livro II - contribuições de pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Uberlândia: EDUFU, 2019. Disponível em: <Disponível em: https://clyde.dr.ufu.br/bitstream/123456789/29693/4/TeoriaAtividadeEstudo.pdf >. Acesso em: 14/01/2022.
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, p. 81) indica a atividade de estudo “[...] como um caminho privilegiado para inserir o aluno em um processo de aprendizagem que gera desenvolvimento, isto é, que o transforma qualitativamente, tornando-o sujeito capaz de agir de forma autônoma e criativa em seu meio.”. Com isso, podemos concluir que a atividade de estudo destaca a relação teórica entre estudante e conhecimento, permitindo que o sujeito da ação desenvolva capacidades de analisar, refletir e compreender sobre a realidade por meio de ações mentais. A esse processo dá-se o nome de “ensino desenvolvente” proposto por Davydov (MILLER, 2019MILLER, Stela. Atividade de estudos: especificidades e possibilidades educativas. In: PUENTES, Valdés.; MELLO, Stela. A. (org.) Teoria da atividade de estudo: livro II - contribuições de pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Uberlândia: EDUFU, 2019. Disponível em: <Disponível em: https://clyde.dr.ufu.br/bitstream/123456789/29693/4/TeoriaAtividadeEstudo.pdf >. Acesso em: 14/01/2022.
https://clyde.dr.ufu.br/bitstream/123456...
).

Ainda em 1960, enquanto os psicólogos russos aprimoravam e experimentavam a TAE nas escolas, pesquisadores e educadores neerlandeses estavam se mobilizando para transformar o currículo holandês, pois notaram que o método tradicional não valorizava aspectos histórico-culturais dos estudantes e da comunidade escolar, apresentando um ensino enfadonho, rígido e descontextualizado. Freudenthal, junto à sua equipe, desenvolveu uma abordagem, especificamente voltada para o ensino de Matemática, que integra história, cultura e contexto ao processo de ensino e aprendizagem dos conceitos matemáticos.

A ABORDAGEM DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA REALÍSTICA

O pesquisador e educador matemático alemão, Hans Freudenthal, desenvolveu uma abordagem de ensino a qual nomeou, junto a seus colegas e seguidores, de Educação Matemática Realística. Essa abordagem surgiu entre as décadas de 1960 e 1970, nos Países Baixos, onde educadores matemáticos, influenciados pelas ideias de Freudenthal, buscavam modificar o ensino proposto pelo Movimento da Matemática Moderna de modo a ofertar um ensino oposto ao formato estruturalista predominante na época (FERREIRA; BURIASCO, 2016FERREIRA, Pamela. E. A.; BURIASCO, Regina. L. C. Educação matemática realística: uma abordagem para os processos de ensino e de aprendizagem. Educação Matemática e Pesquisa, São Paulo, V. 18, n. 1, p. 237-252, nov. 2016. Disponível em: <Disponível em: http://revistas.pucsp.br/emp/article/view/21078/pdf >. Acesso em: 14/01/2022.
http://revistas.pucsp.br/emp/article/vie...
). Freudenthal realizou estudos em Matemática, Ciências, Literatura e trouxe muitas contribuições para a Educação Matemática, embora as discussões sobre as práticas educativas já fossem feitas nos Países Baixos e em outros países (GRAVEMEIJER; TERWEL, 2000GRAVEMEIJER, Koeno.; TERWEL, Jan. Hans Freudenthal: a mathematician on didactics and curriculum theory. Journal Curriculum Studies. Londres, 2000, p. 777-796.). Em 1923, ingressou na Universidade de Berlim, onde estudou Matemática e Física. Seus primeiros trabalhos foram sobre Álgebra e Topologia, mas também contribuiu para as áreas de Geometria, Filosofia, História da Matemática e Educação Matemática (FERREIRA; BURIASCO, 2016FERREIRA, Pamela. E. A.; BURIASCO, Regina. L. C. Educação matemática realística: uma abordagem para os processos de ensino e de aprendizagem. Educação Matemática e Pesquisa, São Paulo, V. 18, n. 1, p. 237-252, nov. 2016. Disponível em: <Disponível em: http://revistas.pucsp.br/emp/article/view/21078/pdf >. Acesso em: 14/01/2022.
http://revistas.pucsp.br/emp/article/vie...
).

Com base nos estudos desenvolvidos, Freudenthal constituiu a RME sustentada por “três pilares”: a maneira como a matemática é vista, o modo como os estudantes a aprendem e como ela deveria ser ensinada (VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, 1996VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, Marja. Realistic Mathematics Education. Encyclopedia Of Mathematics Education. Países Baixos: Utrecht University, 1996, p. 521-525.). Na concepção de Freudenthal, a matemática não deveria ser imposta aos estudantes sem passar pelo processo de experimentação e vivência dos conceitos matemáticos: deve-se desenvolver a matematização da realidade (FREUDENTHAL, 1994FREUDENTHAL, Hans. Revisiting Mathematics Education. Mathematics Education Library, Países Baixos, v. 9, n. 1, p. 1-202, 1994.). Em suma, o processo de matematização pode ser interpretado como sendo o modo de organizar a realidade (e lidar com ela) por meio de conceitos matemáticos (DE LANGE, 1999DE LANGE, Jan. A framework for classroom assessment in mathematics. National Center for Improving Student Learning and Achievement in Mathematics and Science. Assessment Study Group. 1999.; SILVA, 2015SILVA, Gabriel. S. Uma configuração da reinvenção guiada. Dissertação (Mestrado). Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2015.).

Para compreender os conceitos matemáticos, seria necessário entender a matemática como uma atividade humana, o que significa compreendê-la de maneira mais ampla, não reduzida às definições, algoritmos e equações, mas como um processo de organização da realidade e, ao mesmo tempo, tratar essa realidade como ideias e objetos matemáticos.

As atividades das quais se reconhece indícios de matematização são tais quais:

  • identificar as especificidades matemáticas em um contexto geral;

  • esquematizar;

  • formular e visualizar um problema;

  • descobrir relações e regularidades;

  • reconhecer similaridades em diferentes problemas;

  • representar uma relação em uma fórmula;

  • provar regularidades;

  • refinar e ajustar modelos;

  • combinar e integrar modelos;

  • generalizar (DE LANGE, 1999DE LANGE, Jan. A framework for classroom assessment in mathematics. National Center for Improving Student Learning and Achievement in Mathematics and Science. Assessment Study Group. 1999., p. 18, tradução nossa).

Freudenthal considera que o conjunto de conhecimentos historicamente acumulado e validado pela humanidade, fruto de matematizações e interações é denominado “conhecimento matemático” (SILVA, 2015SILVA, Gabriel. S. Uma configuração da reinvenção guiada. Dissertação (Mestrado). Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2015.).

A fim de romper com o ensino tradicional, em que definições e fórmulas são apresentadas como prontas e acabadas para, depois, mostrar aplicações, Freudenthal (1994FREUDENTHAL, Hans. Revisiting Mathematics Education. Mathematics Education Library, Países Baixos, v. 9, n. 1, p. 1-202, 1994.) propõe que seja praticada a “reinvenção guiada” como método de ensino. Nessa perspectiva, dá-se aos estudantes a oportunidade de explorarem e (re)inventarem, por eles mesmos, esses conceitos (LOPEZ; FERREIRA; BURIASCO, 2014LOPEZ, Juliana. M. S.; FERREIRA, Pamela. E. A.; BURIASCO, Regina. L. C. Educação Matemática Realística: considerações para a avaliação da aprendizagem. Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Federal De Mato Grosso do Sul (UFMS), V. 7, n.14, Mato Grosso do Sul, 2014.). Na “reinvenção guiada”, o foco principal está em como os estudantes lidam com as tarefas por meio da matematização, não os objetos e os produtos, cabendo ao docente o papel de “guia” desse processo, oferecendo ferramentas e orientando os estudantes por meio de questionamentos, investigações e assimilações com a realidade (FREUDENTHAL, 1994FREUDENTHAL, Hans. Revisiting Mathematics Education. Mathematics Education Library, Países Baixos, v. 9, n. 1, p. 1-202, 1994.). Além disso, Gravemeijer e Doorman (1999GRAVEMEIJER, Koeno.; DOORMAN, Michel. Context problems in realistic mathematics education: a calculus course as an example. Educational Studies in Mathematics, n. 1, V. 39, 1999, p. 111-129.) afirmam que a reinvenção guiada propõe aos estudantes que tentem resolver problemas em diferentes contextos e níveis de compreensão, compartilhando soluções, a fim de progredir para níveis mais avançados.

Em defesa da reinvenção guiada, Freudenthal (1994FREUDENTHAL, Hans. Revisiting Mathematics Education. Mathematics Education Library, Países Baixos, v. 9, n. 1, p. 1-202, 1994.) argumenta que, com esse tipo de abordagem o estudante compreende de modo satisfatório e eficaz as ideias matemáticas, pois passa a vivenciá-las. Essa experiência o permite apropriar-se do conhecimento, o que pode não ser possível quando se opta por um método de ensino de repetição ou memorização (FREUDENTHAL, 1994FREUDENTHAL, Hans. Revisiting Mathematics Education. Mathematics Education Library, Países Baixos, v. 9, n. 1, p. 1-202, 1994.). Para realizar o processo de matematização, deve-se considerar os “fenômenos” na elaboração das tarefas e essa consideração é o principal objetivo da fenomenologia didática proposta por Freudenthal (1983FREUDENTHAL, Hans. Didactical Phenomenology of Mathematical Structures. Mathematics Education Library, p. 1-596, Países Baixos, 1983. ).

Nessa perspectiva, os problemas a serem trabalhados durante o processo de ensino e aprendizagem devem sugerir contextos possíveis de serem matematizados, que suscitem a matemática que se pretende ensinar e que ofereçam oportunidades de os estudantes construírem suas próprias respostas e estratégias. Os contextos não precisam necessariamente se referir a situações da vida cotidiana, mas precisam ser “imagináveis”, “realizáveis” por eles, passíveis de receber tratamento matemático e serem acessíveis aos estudantes (LOPEZ; FERREIRA; BURIASCO, 2014LOPEZ, Juliana. M. S.; FERREIRA, Pamela. E. A.; BURIASCO, Regina. L. C. Educação Matemática Realística: considerações para a avaliação da aprendizagem. Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Federal De Mato Grosso do Sul (UFMS), V. 7, n.14, Mato Grosso do Sul, 2014., p. 252).

Freudenthal desenvolveu alguns princípios que organizam o trabalho docente e auxiliam na elaboração de tarefas (como são chamadas as atividades pedagógicas) que contribuam para o desencadeamento de um processo de matematização e para a reinvenção guiada: Princípio da Atividade, Princípio da Realidade, Princípio de Níveis, Princípio do Entrelaçamento, Princípio da Interatividade e Princípio da Orientação (FERREIRA; BURIASCO, 2016FERREIRA, Pamela. E. A.; BURIASCO, Regina. L. C. Educação matemática realística: uma abordagem para os processos de ensino e de aprendizagem. Educação Matemática e Pesquisa, São Paulo, V. 18, n. 1, p. 237-252, nov. 2016. Disponível em: <Disponível em: http://revistas.pucsp.br/emp/article/view/21078/pdf >. Acesso em: 14/01/2022.
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; SILVA, 2015SILVA, Gabriel. S. Uma configuração da reinvenção guiada. Dissertação (Mestrado). Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2015.).

Conforme Van Den Heuvel-Panhuizen, (1996), Ferreira e Buriasco (2016FERREIRA, Pamela. E. A.; BURIASCO, Regina. L. C. Educação matemática realística: uma abordagem para os processos de ensino e de aprendizagem. Educação Matemática e Pesquisa, São Paulo, V. 18, n. 1, p. 237-252, nov. 2016. Disponível em: <Disponível em: http://revistas.pucsp.br/emp/article/view/21078/pdf >. Acesso em: 14/01/2022.
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), o princípio da atividade está relacionado com a visão de que a matemática é uma atividade humana e o aprendizado é construtivo, nesse caso, os estudantes podem criar conceitos matemáticos por meio das próprias produções; o princípio da realidade baseia-se nos contextos que são “ricos” para a exploração de conceitos matemáticos e apropriação do conhecimento. São situações próximas aos estudantes, factuais ou figurativas, para que possam matematizar e aprender com esse processo. Nesse princípio, o professor tem o papel de escolher tarefas cujos contextos sejam próximos dos estudantes ou contextos dos quais os estudantes possam se aproximar; o princípio de níveis prevê que os estudantes passem por vários níveis de compreensão, iniciando o processo de aprendizagem por meio de procedimentos informais até que consigam formalizá-los, reaproveitando modelos primários para alcançar níveis mais avançados de um mesmo assunto; o princípio do entrelaçamento reforça que os conteúdos matemáticos não são capítulos isolados, mas fortemente conectados. Obedecendo a esse princípio, os estudantes podem adquirir uma visão integrada da matemática, o que permitirá que utilizem ferramentas e conhecimentos matemáticos convenientemente; o princípio da interatividade enfatiza que o processo de aprendizagem não é individual, mas também social. Sendo assim, os estudantes devem ter a oportunidade de compartilhar seus conhecimentos com outros colegas e o professor, momentos que são importantes para a reflexão acerca do trabalho; para o princípio da orientação é importante que o professor oriente a “reinvenção” da matemática, por meio de um conjunto de tarefas coerentes que permitam aos estudantes terem espaço para explorar ferramentas matemáticas e, assim, (re)inventar os assuntos matemáticos envolvidos.

Uma vez que os princípios orientam a ação docente, a avaliação precisa estar em concordância com esses princípios. Reconhecer os tipos de tarefas pode auxiliar o docente a obter a maior quantidade de indícios possíveis acerca das aprendizagens dos estudantes. Para que isso seja possível, as tarefas precisam suscitar diferentes demandas cognitivas (reprodução, conexão, análise/reflexão), envolvendo diferentes assuntos do conhecimento matemático (referentes a Álgebra, Geometria, Número e Estatística e Probabilidade, por exemplo) em diferentes níveis de complexidade (das complexas às simples), como ilustrado na Figura 1.

Figura 1:
Pirâmide de avaliação proposta por De Lange (1999).

Nesse arranjo, o conjunto de tarefas que compõe a avaliação deve:

[...] descrever o crescimento do estudante em todos os domínios do conhecimento matemático e em todos os três níveis de pensamento, as questões em um programa de avaliação completo devem preencher a pirâmide. Devem existir questões em todos os níveis de competência, de diferentes graus de dificuldade e em todos os domínios de conteúdo (DE LANGE, 1999DE LANGE, Jan. A framework for classroom assessment in mathematics. National Center for Improving Student Learning and Achievement in Mathematics and Science. Assessment Study Group. 1999., p.17).

Ainda conforme De Lange (1999DE LANGE, Jan. A framework for classroom assessment in mathematics. National Center for Improving Student Learning and Achievement in Mathematics and Science. Assessment Study Group. 1999.), a definição dos níveis não possui uma clara distinção e por isso não é possível afirmar quando começa ou termina um nível. O caráter “simples” ou “complexo” depende de como o estudante se relaciona com as tarefas e pode fazer uso da linguagem informal ou formal nas resoluções (FERREIRA; BURIASCO, 2016FERREIRA, Pamela. E. A.; BURIASCO, Regina. L. C. Educação matemática realística: uma abordagem para os processos de ensino e de aprendizagem. Educação Matemática e Pesquisa, São Paulo, V. 18, n. 1, p. 237-252, nov. 2016. Disponível em: <Disponível em: http://revistas.pucsp.br/emp/article/view/21078/pdf >. Acesso em: 14/01/2022.
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), mas o docente precisa reconhecer as dificuldades enfrentadas pelo estudante, bem como os objetivos de cada etapa da tarefa proposta.

POSSÍVEIS APROXIMAÇÕES

Em relação às razões que levaram as equipes de Davydov, Elkonin, Repkin e Freudenthal, junto aos seus colaboradores, a repensar o currículo de seus respectivos países, percebemos que a preocupação deles se volta para a transformação do ensino vigente em um processo de formação histórica, cultural e social, pois comprovaram que a compreensão da época sobre a formação humana não atendia às necessidades da sociedade, tampouco contribuía para um desenvolvimento crítico dos indivíduos.

A TAE indica que a principal atividade desenvolvida pela criança em idade escolar é a de estudo e que é necessário um motivo que desencadeie o interesse da criança em realizar a tarefa. Esse motivo pode estar ou não associado ao objetivo da tarefa, mas o docente precisa promover condições favoráveis para que os motivos do sujeito coincidam com os objetivos de aprendizagem e isso pode ser feito utilizando recursos e contextos que possam ajudar a criança a criar significados e interesse em aprender.

De modo similar, especificamente voltado ao ensino e à aprendizagem de assuntos matemáticos, a RME destaca que a matemática é uma atividade humana desenvolvida para explicar e transformar o meio em que habitamos. Ao considerar a matemática como atividade humana, os estudantes precisam de contextos e condições que favoreçam a exploração e a “reinvenção” de assuntos matemáticos. Esse processo pode se dar pelo resgaste histórico desses assuntos, bem como incorporar elementos da cultura do estudante na apresentação dos problemas e tarefas a serem executados. Como defende Miguel (2008MIGUEL, José Carlos. O processo de formação de conceitos em matemática: implicações pedagógicas. Associação Nacional em Pós-Graduação e Pesquisa. 2008. Disponível em: <Disponível em: http://www.ufrrj.br/emanped/paginas/conteudo_producoes/docs_28/processo.pdf >. Acesso em: 14/01/2022.
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), o estudante,

quando interpreta dados e informações, o faz dentro de um referencial cujo aspecto mais fundamental é o histórico de suas experiências anteriores. A dissociação entre a forma e o conteúdo do ensino de Matemática não permite aos alunos apreender a estrutura de um assunto; apreender tal estrutura significa aprender como as coisas se relacionam. Pensar em aprendizagem significativa implica assumir o fato de que aprender pressupõe uma ação de caráter dinâmico, o que requer ações de ensino direcionadas para que os alunos aprofundem e ampliem os significados que elaboram mediante seus envolvimentos em atividades de aprendizagem (MIGUEL, 2008MIGUEL, José Carlos. O processo de formação de conceitos em matemática: implicações pedagógicas. Associação Nacional em Pós-Graduação e Pesquisa. 2008. Disponível em: <Disponível em: http://www.ufrrj.br/emanped/paginas/conteudo_producoes/docs_28/processo.pdf >. Acesso em: 14/01/2022.
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, p. 7-8).

Estudiosos da TAE e da RME enfatizam que a aprendizagem não é um processo que se dá apenas no individual e que é uma necessidade humana o convívio em sociedade. O conhecimento é uma construção histórica e social, portanto, podemos considerar que o ensino também ocorre pela interação entre professor, estudante(s), conhecimento. Tanto na TAE quanto na RME, a interação social é valorizada, logo, o docente precisa promover tarefas que permitam discussões e o trabalho em grupo. Desse modo, os estudantes podem validar suas ideias com seus semelhantes antes de validá-las com o professor, despertando a autonomia.

Conforme discutem os pesquisadores da TAE e da RME, um indivíduo aprende quando atribui significados próprios e torna-se capaz de aplicar os conceitos apreendidos em situações diversas. A percepção do grau de complexidade das tarefas e a capacidade de resolver diferentes problemas estão associadas aos níveis de compreensão dos conceitos envolvidos. Um conjunto de tarefas precisa considerar problemas em diferentes níveis para que o estudante possa desenvolver suas habilidades de resolução com base em suas experiências. Além disso, deve-se enfatizar a conexão entre conhecimentos adquiridos e conhecimentos posteriores, especialmente no caso do ensino de Matemática.

Na TAE, as atividades secundárias são fundamentais para o desenvolvimento da criança e as atividades anteriores não são esquecidas para que a criança possa executar outras, mas incorporadas e aprimoradas nas novas atividades. Em relação a essa interação, a RME propõe que consideremos o princípio do entrelaçamento entre os assuntos dos domínios do conhecimento matemático, pois todo conceito a ser aprendido possui relação com algum anterior e será necessário para novas aprendizagens. Evidente, portanto, a compreensão em ambas as correntes teóricas de que é a aprendizagem que orienta o desenvolvimento dos seres humanos.

Nas abordagens estudadas, o professor assume um papel fundamental de orientador. Para a TAE, o professor deve orientar os seus estudantes e é responsável por criar condições favoráveis ao desenvolvimento de motivos que coincidam com o objetivo de aprendizagem, além de conhecer todas as etapas de execução das tarefas e reconhecer as diferentes soluções apresentadas pelos estudantes. Um processo semelhante ocorre para a RME: na reinvenção guiada, o professor promove condições similares às condições que permitiram a reinvenção do assunto a ser estudado. Também é papel do professor ser um “guia” do processo, permitindo que os estudantes cheguem às suas próprias conclusões com o auxílio de orientações que indiquem como o problema pode ser resolvido a partir de seus próprios conhecimentos. Em ambas as abordagens, o professor tem um papel fundamental para que a aprendizagem aconteça.

A seguir, apresentamos nossas considerações finais e indicações de possíveis articulações entre a Teoria da Atividade de Estudo e a Educação Matemática Realística em uma proposta pedagógica para o ensino de Matemática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Descrevemos, de modo geral, as aproximações teóricas entre a TAE e a RME. Observamos que, apesar de origens diferentes, ambas as correntes didáticas consideram a atividade humana como fator principal para o seu desenvolvimento e que o ensino precisa considerar a formação histórica e cultural da sociedade.

Tanto a TAE quanto a RME expõem etapas e princípios norteadores para o processo de ensino, mas a primeira teoria se respalda nas considerações da THC e da TA, centrada no estudo do desenvolvimento da criança e na apresentação de uma alternativa para o ensino básico da época, enquanto a abordagem de Freudenthal revela uma alternativa específica para o ensino da Matemática. Embora discutam sobre a aprendizagem em contextos distintos, os pesquisadores envolvidos concordam que a aprendizagem se dá ao passo em que atribui significado ao que aprende. Isso pode ser alcançado por meio de uma proposta didática que valoriza a formação histórico-cultural da humanidade, que permita a interação social e que o professor exerça o papel de orientador, podendo utilizar de artefatos mediadores da aprendizagem.

Os objetivos de aprendizagem e as tarefas propostas precisam ser coerentes e é de responsabilidade do professor conhecer as etapas de desenvolvimento das tarefas, além de considerar os diferentes caminhos de resolução das situações expostas aos estudantes. É preciso colocar o estudante em condições semelhantes ao da invenção do assunto matemático, pois, conforme apresentam os estudiosos da TAE e RME, o estudante pode compreender a importância daquele conhecimento para o desenvolvimento da humanidade e, possivelmente, transformar-se e transformar sua relação com o mundo.

Apresentamos apenas um recorte da Teoria da Atividade de Estudo e da Educação Matemática Realística, além da breve comparação teórica, e muitas questões surgiram ao longo do desenvolvimento do presente artigo, tais como: de que modo uma proposta pedagógica para o ensino de conceitos matemáticos poderia articular a TAE e os princípios da RME? Há aproximação entre os resultados obtidos após as intervenções propostas pelos grupos de Davydov, Repkin e Elkonin e os projetos desenvolvidos pelos colaboradores de Freudenthal? Quais são as possíveis contradições entre a teoria da atividade de estudo e a abordagem da Educação Matemática Realística? Como definir e estruturar, teoricamente, uma tarefa se optarmos pela aproximação da TAE e da RME? Esperamos que essas questões possam orientar pesquisas posteriores que destacam a importância de abordagens didáticas que valorizam os processos históricos e culturais no desenvolvimento da humanidade.

REFERÊNCIAS

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    » https://doi.org/10.1590/S1413-24782005000200009
  • ASBAHR, Flávia. S. F. Sentido pessoal, significado social e atividade de estudo: uma revisão teórica. Revista da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, V. 18, n. 2, 2014, p. 265-272. Disponível em: < Disponível em: http://www.scielo.br/j/pee/a/VKhxJwS5qgjmgCrw67mPScH/?lang=pt&format=pdf >. Acesso em: 15/01/2022.
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    Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

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