RESUMO:
Existe um interesse significativo pelo fenômeno “violência” nas mais variadas áreas do conhecimento, inclusive, na da Educação. Este artigo apresenta, assim, resultados de uma investigação que coletou, descreveu e analisou produções acadêmicas (teses e dissertações) em torno do tema “violência na escola” noticiada em veículos de comunicação, defendidas e publicadas a partir dos anos 2000. Com base nas formulações teórico-metodológicas da Análise de Conteúdo de Laurence Bardin, a pesquisa mapeou trabalhos que examinaram o papel das mídias na concepção, na compreensão e na divulgação de casos de violência ocorridos em ambiente escolar. Neste artigo, dá-se conta dos seguintes critérios para o tratamento das materialidades em análise: a) perfil dos autores e autoras; b) foco das pesquisas; c) métodos e técnicas; e d) referências, seguidas de breves notas sobre as informações coletadas. Os dados permitiram compreender melhor a produção de conhecimento a respeito de como a violência em instituições de ensino brasileiras é noticiada por jornais, revistas, rádios, dentre outros. Espera-se que esta revisão contribua de forma referencial para trabalhos futuros e para uma compreensão do estado atual do interesse acadêmico pelo tema.
Palavras-chave:
análise do conteúdo; teses e dissertações; mídia; violência na escola
RESUMEN:
Existe un interés significativo por el fenómeno “violencia” en las más diferentes áreas del conocimiento, incluso, en la Educación. Este artículo presenta, así, los resultados de una investigación que recopiló, describió y analizó producciones académicas (tesis y disertaciones) alrededor del tema "violencia en la escuela", reportadas en vehículos de comunicación, defendidas y publicadas a partir de los años 2000. Con base en las formulaciones teórico-metodológicas del Análisis de Contenido de Laurence Bardin, la investigación mapeó trabajos que examinaron el papel de los medios de comunicación en la concepción, comprensión y difusión de casos de violencia ocurridos en el ambiente escolar. En este artículo, se consideran los siguientes criterios para el tratamiento de las materialidades en análisis: a) perfil de los autores y autoras; b) enfoque de las investigaciones; c) métodos y técnicas; y d) referencias, seguidas de breves notas sobre las informaciones recopiladas. Los datos permitieron comprender mejor la producción de conocimiento a respecto de cómo se reporta por periódicos, revistas, radios, entre otros, la violencia en las instituciones de enseñanza brasileñas. Se espera que esta revisión contribuya de manera referencial para trabajos futuros y para la comprensión del estado actual del interés académico en el tema.
Palabras clave:
análisis de contenido; tesis y disertaciones; medios de comunicación; violencia en la escuela
ABSTRACT:
There is a significant interest in the phenomenon of "violence" in different areas of knowledge, including Education. This article presents the results of an investigation that collected, described, and analyzed academic productions (theses and dissertations) around the theme "violence at school" reported in the media, defended and published from the 2000s onwards. Based on the theoretical-methodological formulations of Laurence Bardin's Content Analysis, the research mapped works that examined the role of media in the conception, understanding, and dissemination of violent cases in the school environment. In this article, we considered the following criteria for treating the analyzed materialities: a) author profiles; b) research focus; c) methods and techniques; and d) references, followed by brief notes on the information collected. The data allowed us to understand better the production of knowledge about how violence in Brazilian educational institutions is reported in newspapers, magazines, radio, and other means. We hope this review can contribute to future investigations and understanding of the current state of academic interest in the topic.
Keywords:
content analysis; theses and dissertations; media; violence at school
INTRODUÇÃO
Neste artigo, apresentamos um balanço de pesquisas acadêmicas que abordam a relação entre violência na escola e mídias, publicadas a partir de 2000, com a finalidade de compreender qual a perspectiva adotada pela academia ao tratar do assunto1 1 Este texto é parte de uma dissertação de mestrado realizada no período de 2020-2022. . Queríamos entender que tratamentos teórico-metodológicos as pesquisas acadêmicas brasileiras davam ao fenômeno da violência em estabelecimentos de ensino do Brasil para, com isso, investigar, noutro momento, o alcance da mídia ao construir e propagar uma perspectiva de violência que discrimina a escola pública em relação à escola privada .
No que concerne ao tema violência na escola, encontramos algumas pesquisas denominadas estado da arte, que foram produzidas no Brasil e possuem recortes e finalidades distintos daqueles que orientam este nosso estudo. Dentre elas, destacamos as investigações de Sposito (2001), Szenczuk (2004SZENCZUK, Dorotéa P. Entre (in)disciplina escolar e violência: um estudo da produção discente nos programas de pós-graduação em Educação 1981-2001. Curitiba: UFP, 2001.), Nogueira (2005), Zechi (2007) e Sastre (2011). No caso deste trabalho, as produções acadêmicas escolhidas foram do gênero “dissertação” e “tese”, desenvolvidas por pesquisadores de Programas de Pós-Graduação de diversas áreas do conhecimento que têm em comum o tema “violência na escola e mídia”, presentes na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e publicadas desde o ano 2000. Ao analisarmos o conjunto dos textos que compõem nosso corpus, consideramos os seguintes aspectos norteadores: a) perfil dos autores e autoras; b) os focos das pesquisas; c) métodos e técnicas; e d) referências.
Estruturamos o artigo em cinco partes, além da introdução e das considerações finais. A primeira é destinada aos procedimentos metodológicos adotados na realização desta revisão de literatura. Na segunda parte, analisamos o perfil dos autores e das autoras. A terceira parte é dedicada aos focos das pesquisas. Na quarta parte, examinamos os métodos e técnicas usadas pelos pesquisadores em seus trabalhos. Por fim, a quinta parte é dedicada a um panorama das principais referências que fundamentam as produções acadêmicas.
Esperamos que este trabalho contribua para a discussão sobre a temática proposta, ao apresentar dados de pesquisas que auxiliam na discussão sobre “violência na escola e mídia”.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa, realizada em outubro de 2020, levantou as produções acadêmicas (dissertações e teses) disponíveis no banco de dados on-line Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Na primeira busca, utilizamos os seguintes descritores: “violência na escola” na opção “Todos os campos”, obtendo como resultado 321 trabalhos. Ainda nessa fase, escolhemos a alternativa “Título”, resultando em 89 teses e dissertações. Após uma pré-análise dos materiais, optamos por seguir apenas com os dados da referência “Título”, por nos parecerem mais adequados ao objetivo da dissertação (conforme nota 1), refinando ainda mais os dados ao utilizarmos o descritor “mídia”, o que nos levou à segunda fase.
Na segunda seleção, realizamos a leitura dos resumos e das considerações finais e aprimoramos o conjunto de dados, considerando somente aqueles que tratavam especificamente de violência em escolas, noticiada pela mídia em suas diversas formas de divulgação (impressa, on-line, televisiva). Assim, optamos por produções acadêmicas que analisam a violência na escola a partir de narrativas midiáticas e que examinam a influência desse meio de comunicação sobre a concepção do que seja a “violência escolar”.
Após filtrar os resultados das buscas, destacamos 11 produções acadêmicas que tomam como objeto de pesquisa a “violência na escola e mídia”, visíveis no Quadro 1.
Posteriormente à coleta dos textos que compõem o corpus da pesquisa, passamos à leitura integral dos trabalhos, observando as seguintes orientações: a) título do trabalho; b) ano de publicação; c) lócus da pesquisa; d) tipo de pesquisa; e) métodos de análise dos dados; e f) área de conhecimento.
PERFIL DE PESQUISADOR(A)
Nesta seção, examinamos o perfil dos autores e das autoras dos 11 textos (dissertações e teses) que formam nosso corpus de pesquisa. Nos trabalhos analisados, observamos uma predominância de autoria feminina, cerca de 91%, contra 9% de autoria masculina.
No Quadro 2, elencamos os autores dos 11 textos, bem como o ano de publicação e o vínculo institucional.
Autores dos trabalhos que tomam como fonte ou objeto de pesquisa a violência na escola e mídia.
No Quadro 2, observamos certa distribuição regional de pesquisadores que se interessam pelo objeto aqui investigado, compreendendo todas as regiões nacionais, bem como uma superioridade de instituições públicas: das 11, dez são públicas. Quanto à temporalidade, há um hiato de cinco anos entre um trabalho inicial (2005) e o seguinte (2010); mas, nos anos seguintes, o tema tem sido de interesse frequente. Isso nos permite inferir certa relevância temática nos últimos anos.
Na Tabela 1, apresentamos a titulação dos pesquisadores.
Notamos que 73% dos autores eram provenientes de pesquisas de mestrado, ou seja, as pesquisas sobre a temática em questão foram produzidas, em sua maioria, por estudantes mestrandos, o que pode ser justificado pela maior quantidade de programas de mestrado do que de doutorado existentes no Brasil. Conforme informações da Plataforma Sucupira , o País possui o total de 4.611 Programas de Pós-Graduação stricto sensu, dos quais 1.310 são apenas de mestrado acadêmico, 77 apenas de doutorado acadêmico e 2.361 possuem mestrado e doutorado acadêmicos. E ainda há o mestrado profissionalizante (805), o doutorado profissionalizante (3) e os mestrados e doutorados profissionalizantes (55).
Em relação aos Programas de Pós-Graduação stricto sensu aos quais os autores estavam vinculados, apresentamos a seguir a Figura 1:
Os dados da Figura 1 mostram que as pesquisas sobre a temática “violência na escola e mídia” foram produzidas, em maior percentual, por pesquisadores oriundos da área da Educação (55%) e, em segundo lugar, por pesquisadores das Letras (18%). A hipótese é que esses campos de conhecimento têm, com muita frequência, a instituição escolar como lócus de formação e de investigação; grande parte de seus profissionais está ligada ao ambiente escolar e atua em educação desde a Iniciação Científica na graduação.
FOCOS DAS PESQUISAS
No conjunto dos trabalhos, verificamos quais tipos de mídia (impressa, on-line ou televisiva) foram utilizadas pelos autores ao analisarem a relação entre violência na escola e mídia. Os dados são apresentados na Tabela 2.
Constatamos que há uma predominância da mídia impressa (jornais e revistas). Ao todo, foram cinco trabalhos que analisaram os discursos da mídia impressa a respeito da violência na escola: Rocha (2005ROCHA, Cristianne M. F. A escola na mídia: nada fora do controle. 2005. 288p. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.), Reis (2010REIS, Tânia T. Violência nas escolas sob o olhar da mídia impressa do Distrito Federal: um caso de polícia? 2010. 130p. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.), Oliveira (2012OLIVEIRA, Liliane A. Discurso da mídia impressa sobre a violência nas escolas públicas de Belém do Pará: corpo, identidades e regimes de verdade. 2012. 101p. Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade da Amazônia.), Silva (2012SILVA, Livia S. Os discursos do jornal impresso O Liberal sobre a violência em Belém (2001-2010). 2012. 185p. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Pará.) e Nascimento (2014NASCIMENTO, Talita M C. O bullying na escola: uma análise do discurso da mídia impressa pedagógica. 2014. 123p. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Pernambuco.). Os trabalhos que tomaram como objeto de análise a mídia impressa verificam como esse tipo de mídia produz, veicula e divulga informações sobre o fenômeno violência na escola; além disso, esses textos analisam a influência exercida pela mídia impressa acerca dessa temática no cenário da educação. Os dados nos permitem inferir que, na mesma velocidade que diminuem jornais e revistas impressos, cresce a importância da mídia digital como meio-fonte de informação para as pesquisas envolvendo nosso tema.
Conforme observamos na Tabela 2, 27% dos textos têm como interesse a mídia geral. Adotamos essa nomenclatura por uma questão didática, uma vez que a proposta da pesquisa não especifica a natureza do meio de comunicação, ou seja, os autores não definiram um tipo específico de mídia e trabalharam em suas pesquisas com diferentes mídias e, às vezes, conjuntamente com mais de uma: on-line (jornais e redes sociais), televisiva (programas de entretenimento e filmes) e impressa.
Em relação aos trabalhos que têm como principal alvo a mídia televisiva, verificamos que os autores abordaram em suas pesquisas diferentes programações de TV: filmes, telenovelas, telejornais, seriados, desenhos etc. Os autores objetivaram analisar como a violência veiculada na televisão pode influenciar atos de violência que acontecem dentro das escolas.
Apenas um texto apresenta como objeto de análise a mídia exclusivamente on-line: Silva (2010SILVA, Viviane B. A escola em notícia: práticas de governo de sujeitos contemporâneos. 2010. 129p. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Federal da Paraíba.). Em sua pesquisa, a autora analisou notícias sobre a violência na escola nos seguintes sites jornalísticos brasileiros: Folha de S.Paulo, Rede Globo (G1), Estado de S.Paulo; bem como em portais de notícias: Portal Terra e Rede Record (R7). O principal objetivo da autora foi discutir como a escola é representada e (re)significada no atual discurso jornalístico.
A partir da Tabela 3, examinamos quais os focos de análise dos trabalhos.
Observando os 11 trabalhos, constatamos que 37% dos textos apresentaram, como foco de suas análises, notícias de jornais impressos ou on-line. Os autores analisam as notícias que foram veiculadas na mídia jornalística brasileira acerca da violência na escola, tendo como objetivos: a) compreender como a instituição escola é apresentada discursivamente nas notícias; b) analisar a influência que a mídia exerce na difusão da violência na escola; e c) verificar o papel da mídia ao abordar essa temática.
A respeito dos trabalhos que têm como foco as revistas, observamos que os autores analisaram como as revistas (re)produziram discursos sobre a violência na escola. Rocha (2005ROCHA, Cristianne M. F. A escola na mídia: nada fora do controle. 2005. 288p. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.) investigou, por exemplo, reportagens que foram veiculadas acerca do tema violência em estabelecimentos de ensino no período de 1998 a 2002 nas revistas Veja e IstoÉ. Nascimento (2014NASCIMENTO, Talita M C. O bullying na escola: uma análise do discurso da mídia impressa pedagógica. 2014. 123p. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Pernambuco.) tratou em sua pesquisa de um tipo específico de violência: o bullying escolar. Essa autora problematizou as reportagens que foram veiculadas na revista Nova Escola entre os anos de 2008 e 2011.
Em relação aos textos que têm como foco os programas de televisão, os autores analisaram, em síntese, a relação existente entre a violência apresentada na TV e os atos de violência que acontecem na escola. O tópico intitulado Outros, na Tabela 3, trata de diferentes tipos de recursos (filmes, músicas, redes sociais etc.) usados por esses autores, investigando como essas formas de entretenimento influenciam a prática de atos violentos no ambiente escolar.
No conjunto dos textos analisados, também examinamos que instituição de ensino, pública ou particular, os pesquisadores adotaram como objeto de estudo em seus trabalhos, e as informações estão reproduzidas na Tabela 4:
Como podemos ver, 73% dos autores adotaram a escola pública como objeto de estudo, ou seja, analisaram apenas os casos de violência que aconteceram em ambientes educacionais públicos. Os outros 27% dos autores tomaram as instituições públicas e particulares como objeto de estudo em relação aos atos violentos decorrentes nesses estabelecimentos de ensino. Além disso, no conjunto dos 11 trabalhos analisados, não localizamos pesquisas que tenham se dedicado exclusivamente à escola particular como fonte e/ou objeto de estudo. Esta última informação, se verdadeira, pois carece de uma investigação mais verticalizada para confirmá-la ou não, provoca certa estranheza, pois é notório que violências acontecem em escolas particulares. A hipótese com a qual trabalhamos em nossa dissertação (conforme nota 1) é a de que a mídia trata diferentemente o público e o privado. Quando se trata de violência, tema de conotação negativa, os meios de comunicação tendem a minimizar a gravidade dos feitos, preservando a escola particular.
A predominância de estudos sobre violência na escola com foco principalmente no ensino público foi destacada por Szenczuk (2004SZENCZUK, Dorotéa P. Entre (in)disciplina escolar e violência: um estudo da produção discente nos programas de pós-graduação em Educação 1981-2001. Curitiba: UFP, 2001.). Em seu trabalho, a autora analisou um conjunto de 134 resumos de dissertações e teses produzidas por discentes nos programas de Pós-Graduação em Educação no Brasil, englobando o período de 1981 a 2001, que tinham como tema a indisciplina escolar. Szenczuk concluiu que, no conjunto das produções acadêmicas examinadas, a escola pública foi o lócus privilegiado pelos pesquisadores: “isso pode ser indicativo da existência de uma preocupação com relação ao atendimento da maioria das crianças/jovens brasileiros, pois é à escola pública que cabe a educação da maioria da população.” (SZENCZUK, 2004SZENCZUK, Dorotéa P. Entre (in)disciplina escolar e violência: um estudo da produção discente nos programas de pós-graduação em Educação 1981-2001. Curitiba: UFP, 2001., p. 103).
Ainda em relação ao foco das pesquisas, observamos que alguns temas eram recorrentes nos trabalhos, conforme apresentamos na Tabela 5.
Devido à frequência com que o tema bullying apareceu nos dados, buscamos compreender melhor como pode ser definida essa forma de violência. A palavra bullying é originária da língua inglesa. O termo bully significa valentão, tirano ou brigão. No dicionário Houaiss (2015), por sua vez, o termo bullying é descrito como um comportamento insistente de quem procura intimidar, por meio de violência física ou psicológica, alguém que é incapaz de se defender, e geralmente ocorre em ambiente escolar. O termo bullying aparece, como podemos ler na Tabela 5, em 6 dos 11 trabalhos em exame; frisamos que essa temática é recorrente e surge nos textos de forma direta.
O bullying, de modo geral, conceitua-se como abuso de poder físico ou psicológico, que envolve dominação, submissão e humilhação, gerando, assim, sentimentos de impotência, raiva e medo. Assim como em Fante (2005FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Campinas: Verus, 2005.), as pesquisas em análise que abordam o bullying entre os alunos apresentam algumas características em comum, a saber: 1) ações contra uma mesma vítima, que acontecem por um prolongado período e de forma repetitiva; 2) relação de desequilíbrio de poder e dificuldade de defesa da vítima; 3) ocorre sem motivos evidentes; e 4) comportamento deliberado e danoso. Além disso, o bullying pode ser classificado como: a) direto, quando as vítimas são atacadas diretamente, nas formas de agressões físicas (bater, chutar, pegar ou quebrar pertences das vítimas) e agressões verbais (apelidos pejorativos e discriminatórios, insultos, constrangimentos); b) indireto, quando a agressão é marcada pelas atitudes de indiferença e difamação, visando à discriminação e exclusão da vítima de um grupo social.
Para Fante (2005FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Campinas: Verus, 2005.), o bullying não é algo novo, ele é um fenômeno tão antigo quanto a própria escola, sendo uma manifestação de violência que sempre existiu nesse ambiente e que, nas últimas décadas, se tornou objeto de interesse de muitos pesquisadores. Semelhante ao bullying, o cyberbullying também está presente nos trabalhos analisados, em geral, como uma extensão/delimitação do primeiro, pois se desenvolve de forma muito semelhante, mudando apenas o modo de manifestação. O cyberbullying é, assim, caracterizado como uma extensão da prática do bullying do ambiente físico para o virtual: pode ocorrer em redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter etc.), em plataformas de jogos ou de mensagens (WhatsApp, por exemplo), dentre outras.
Na Tabela 5, optamos por utilizar a nomenclatura “violência” obedecendo à escolha dos próprios autores das pesquisas. Neste caso, o termo é utilizado para nos referirmos a diferentes formas e manifestações de atos violentos que ocorrem em estabelecimentos de ensino que encontramos em nosso corpus de pesquisa, a saber: violência física (qualquer tipo de conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal dos indivíduos); violência patrimonial (entendida como qualquer conduta que cause retenção, subtração, destruição total ou parcial de objetos, documentos, instrumentos de trabalho e danos financeiros ao estabelecimento); e violência psicológica (qualquer conduta que cause danos emocionais, intimidação, chantagem, humilhação e perseguição). Embora bullying e cyberbullying sejam também formas de violência, esses dois termos são utilizados especificamente nas sete pesquisas da Tabela 5, enquanto outros quatro trabalhos não fazem esta especificação.
Na Tabela 6, examinamos as pesquisas quanto aos procedimentos que foram desenvolvidos pelos autores do conjunto dos 11 textos.
Observamos que 37% dos autores desenvolveram pesquisas qualitativas, caracterizadas pelos pesquisadores, em resumo, como um método de investigação que tem por finalidade examinar os dados para compreender em profundidade determinado fenômeno (linguístico, literário, educacional etc.). Portanto, seus resultados surgem de dados empíricos, coletados de forma sistemática. Para Godoy (1995GODOY, Arilda Schmidt. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. RAE-Revista de Administração de Empresas, v. 35, n. 2, p. 57-63, mar./abr. 1995.), os pesquisadores, ao apostarem em procedimentos qualitativos, procuram compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos; além disso, estão preocupados com todo o processo que envolve a pesquisa e não apenas com os resultados ou produtos. Na sequência, “estudo de caso”, “estudo de campo” e “documental” estão empatados com 18%. Por fim, houve apenas uma pesquisa que utilizou o procedimento de tipo bibliográfico.
MÉTODOS E TÉCNICAS
Neste item, apresentamos os principais métodos e técnicas utilizadas pelos autores em suas pesquisas sobre a violência na escola e a mídia. Importante frisar que obedecemos, na estruturação deste artigo, à organização dada pelos autores dos trabalhos em análise. A divisão “método e técnicas” está expressa na Tabela 7.
Examinando os métodos adotados no conjunto dos 11 textos que compõem o corpus, os autores adotaram, prioritariamente, a Análise do Discurso e a Análise de Conteúdo, perfazendo, respectivamente, 37% e 27%.
De acordo com essas pesquisas, em síntese, a Análise de Conteúdo (AC) é descrita como um método utilizado na análise de dados qualitativos e entendida como um conjunto de técnicas de pesquisa cujo principal objetivo é compreender o “conteúdo” (sentidos) do texto. Três trabalhos adotaram a AC como método de estudo, que permitiu aos pesquisadores analisarem diferentes tipos de texto, além de poderem utilizar diversos instrumentos metodológicos: entrevistas, registros escritos ou orais, diário de campo, observação, dentre outros.
A Análise do Discurso (AD), por sua vez, é caracterizada como um campo de conhecimento que tem por objeto de estudo o “discurso”. Os analistas de discurso buscam compreender como um discurso/texto é construído, quais os efeitos de sentido que esse discurso produz nos sujeitos e como esse discurso se articula com a história e a sociedade. Assim, analisar discurso não é analisar, apenas, o conteúdo do texto; é entender como vozes falam num determinado texto sobre um assunto específico numa certa época, e assim compreender seu(s) sentido(s).
A partir dessas observações, passamos a examinar, no conjunto dos textos, as obras em AC e AD, metodologias indicadas pelos autores como referencial teórico-metodológico para subsidiar as análises. Assim, verificamos um pequeno volume, conforme mostram os dados dos Quadros 3 e 4.
Referências sobre Análise de Conteúdo presente nas referências dos trabalhos que tomam como fonte ou objeto de pesquisa a violência na escola e mídia.
No Quadro 3, observamos alguns trabalhos em AC indicados pelos autores, destacando, dentre eles, Laurence Bardin. Para Bardin (1977, p. 42), a Análise de Conteúdo configura-se como um conjunto de técnicas de análise das comunicações que visa obter, por meio de “procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção” dessas mensagens. No caso das teses e dissertações, Bardin consta diretamente, em duas ocorrências, ou indiretamente, em uma ocorrência, nos três trabalhos que elegeram AC como base para as análises.
Vale destacar ainda que os trabalhos de Bardin (1977) são uma das principais referências em Análise de Conteúdo. A autora escreveu um manual de AC, no qual apresenta as técnicas e métodos para realizar as análises, estruturado em três fases: 1) pré-análise: leitura flutuante, escolha dos documentos, (re)formulações de objetivos, hipóteses e a formulação de indicadores; 2) exploração material, categorização ou codificação: criação das categorias de análise do corpus; e 3) tratamento dos resultados, inferências e interpretações: análise dos dados.
A seguir, no Quadro 4, apresentamos as obras de referência em Análise do Discurso, que foram citadas no conjunto dos textos em análise.
Referências sobre Análise do Discurso presente nas referências dos trabalhos que tomam como fonte ou objeto de pesquisa a violência na escola e mídia.
No Quadro 4, observamos obras em Análise do Discurso que foram encontradas no conjunto dos textos em exame. O livro A ordem do Discurso, de Michel Foucault, foi referenciado nos quatro trabalhos que utilizam a AD como método de pesquisa. Os autores afirmam, em síntese, que Foucault apresenta certos funcionamentos do discurso, investigando sua função de controle, de limitação e validação das regras de poder em diferentes períodos históricos e grupos sociais. Além disso, dizem que ao autor francês expõe a importância do discurso no processo de comunicação e como os sujeitos se posicionam perante os discursos. A AD busca entender, assim, como os discursos são construídos, de que modo circulam nas comunidades e quais os efeitos de sentido que determinado discurso produz nos sujeitos. Por essa razão, os trabalhos de Foucault são de suma importância quando se trata de AD, pois, além de tratar de temas relevantes (discurso, saber, poder, disciplina, sexualidade, loucura, punição etc.), ele também discute procedimentos metodológicos.
Observando o Quadro 4, verificamos que diversos autores foram influenciados e/ou são estudiosos de Foucault, por exemplo: Cleudemar Alves Fernandes; Dominique Maingueneau; Maria do Rosário Gregolin; Patrick Charaudeau; Rosa Maria Fischer. Todos esses autores e autoras são reconhecidos, no seu meio, como estudiosos da AD, fazendo avançar as teorias desenvolvidas por Foucault.
PRINCIPAIS REFERÊNCIAS
Passamos a observar as principais referências dos 11 textos em exame, procurando identificar quais as obras e os autores que foram referenciados em três ou mais trabalhos; dessa forma, apresentamos os dados que coletamos por meio do Quadro 5.
No conjunto dos trabalhos em exame, com maior número de referências estão as obras do filósofo Michel Foucault. Ao todo, os 11 textos trazem 1.309 referências (dissertações, teses, livros, artigos, capítulo de livros e pesquisas de órgãos públicos e privados). Dentre essas referências, poucos textos foram citados por mais de três trabalhos, o que nos permite inferir pouca articulação entre as pesquisas. Por essa razão, examinamos os autores mais citados nas referências dos trabalhos, apresentando os resultados no Quadro 6.
Autores que tiveram quatro ou mais trabalhos referenciados no conjunto dos textos que tomam como fonte ou objeto de pesquisa a violência na escola e mídia.
Observando o Quadro 6, notamos que, dentre os autores e autoras com maior número de trabalhos referenciados, estão, por ordem de maior volume: Michel Foucault, Alfredo Veiga-Neto e Miriam Abramovay. O autor Michel Foucault foi citado 37 vezes e teve 20 trabalhos referenciados. O filósofo é conhecido por criticar o sistema de funcionamento das instituições sociais, em especial as prisões, as escolas, os hospitais e as fábricas, e tem extensa presença nas Ciências Humanas em geral, sendo estudado e utilizado por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento.
O segundo autor mais mencionado nas referências foi Alfredo Veiga-Neto. O autor é pesquisador e estudioso das obras e teorias de Michel Foucault e possui vários trabalhos publicados no campo dos estudos foucaultianos e educação. Em terceiro lugar, está Miriam Abramovay, citada 15 vezes com nove trabalhos referenciados. Abramovay é socióloga e pesquisadora, dedicando-se ao tema da violência na escola, juventude e educação. Além de Veiga-Neto e Abramovay, foram citados Gilles Deleuze, Maria do Rosário Gregolin, Marilena Chauí, Michel Pêcheux, Pierre Bourdieu, Rosa Maria Fischer e Zygmunt Bauman, que tiveram, em maior ou menor grau, diálogos com Michel Foucault. Além desses autores que trabalham numa perspectiva de maior aproximação teórica com Foucault, de um mirante mais temático, ou seja, que se dedicaram ao tema “violência”, os mais citados foram: Alba Zaluar, Éric Debarbieux, Marília Sposito e Maria Minayo, além, é claro, de Abramovay.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo apresenta um panorama de pesquisas produzidas no Brasil que tomam a violência na escola e a mídia como fonte ou objeto de estudo. A partir da análise das produções acadêmicas, dissertações e teses, observamos que a violência na escola é um tema estudado por diversas áreas do conhecimento. Em nosso recorte, verificamos que os pesquisadores vinculados a Programas de Pós-Graduação em Educação foram responsáveis pelo maior número de trabalhos produzidos.
Quanto aos focos das pesquisas, os autores apresentam em seus textos abordagens diferentes ao analisarem a violência na escola e a mídia. No conjunto dos trabalhos examinados, constatamos que o tipo de mídia mais utilizado como ferramenta de análise foi a mídia impressa. Em relação aos estabelecimentos de ensino adotados como fonte ou objeto de análise dos pesquisadores, a escola pública foi o foco principal das discussões e análises. Quanto aos fundamentos teórico-metodológicos utilizados, destaque para a Análise do Conteúdo e Análise do Discurso.
Em síntese, os trabalhos que tomam como fonte ou objeto de estudo o tema “violência na escola e mídia” formam um conjunto de textos que apresentam concepções distintas do fenômeno violência nos espaços educacionais, tornando-se reflexões e análises importantes sobre a influência que as mídias exercem na percepção que a sociedade tem do tema “violência na escola”.
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Este texto é parte de uma dissertação de mestrado realizada no período de 2020-2022.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
04 Ago 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
06 Out 2022 -
Aceito
05 Dez 2022
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Este documento possui uma versão em preprint
10.1590/SciELOPreprints.3888