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Pedagogia social: (des)calçada no Brasil e no mundo

RESENHA

Pedagogia social: (des)calçada no Brasil e no mundo

Daniella de Souza Bezerra

Doutoranda em Educação pela Universidade de São Paulo (USP); Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG). E-mail: daniellabezerra@usp.br

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SOUZA NETO, J. C.; SILVA, R.; MOURA, R. A. (Orgs.). Pedagogia Social. São Paulo: Expressão e Arte, 2009. 324p.

Indistinta, inconclusa e indébita ciência, cujo objeto é o homem em coatuação com seus pares. Assim é a Pedagogia Social na primeira obra brasileira encarregada de introduzir seu percurso histórico e evolutivo, suas raízes teórico-metodológicas, suas áreas de atuação e de expansão e, em especial, seu potencial frente aos desafios socioeducacionais que reverberam nos quarteirões à margem das (des)calçadas escolas do mundo. Intitulada Pedagogia Social, a obra congrega dezoito autores, nacionais e estrangeiros, interessados em compartilhar suas vivências, seus estudos e encaminhamentos para a educação em/com/da/para a sociedade.

Com indícios de nascimento que remontam à Grécia Antiga, a Pedagogia Social, cujas práticas talvez sejam mais reconhecíveis no Brasil sob a égide da educação não-formal, dos movimentos sociais, das organizações não-governamentais e dos programas e projetos sociais públicos e privados, alimenta expectativas de possibilitar outra educação que intervenha, satisfatoriamente, nos problemas educacionais resultantes das radicais mudanças da contemporaneidade. Assim, a Pedagogia Social, enquanto práxis, direciona atos educativos para o contexto social, o que torna, segundo uma das autoras, Sanna Ryynänem, a investigação das características de cada contexto o pré-requisito para implementar uma intervenção sociopedagógica.

Resultante do projeto de pesquisa "Recuperação de fontes seriais para a historiografia da criança institucionalizada", subsidiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo, esta obra evidencia as categorias e variáveis centrais na concepção de Pedagogia Social, cuja origem remonta ao da Pedagogia Institucional como prática das instituições totais. A partir, então, de uma criteriosa seleção de textos e conferências apresentados no I e no II Congresso Internacional de Pedagogia Social, somados a artigos escritos com vistas a esta edição, a obra em questão, não obstante a declarada ausência de unidade teórica e conceitual, traz um panorama da terminologia, do campo de trabalho, do perfil do profissional e da profissão em países europeus e latinos. Para tal, a coletânea está organizada em cinco partes.

Na primeira parte, oito autores estrangeiros, quais sejam, Hans-Uwe Otto, Bernd Fichtner, Geraldo Caliman, Sanna Ryynänen, Manuel Loureiro, Steven Casteleiro, Susana Torío López e Jorge Camors, delineiam a tessitura da Pedagogia Social em seus países, a saber, Alemanha, Itália, Finlândia, Portugal, Espanha e Uruguai. Suas reflexões e resgates históricos são também oportunos para entender o quanto a própria história do Brasil é marcada, sociopedagogicamente, pelas abordagens interventivas da Pedagogia Social. Apesar de os organizadores da obra vislumbrarem a legitimação da Pedagogia Social enquanto profissão no Brasil, Hans-Uwe Otto, teórico renomado da Pedagogia Social contemporânea e primeiro parceiro do Brasil na Alemanha, entende que a prosperidade da Pedagogia Social não está diretamente atrelada à existência de uma profissão dedicada a ela, e sim a uma maneira de pensar e a um campo de estudo. O fato é que, no Brasil, talvez essa luta seja realmente necessária, vez que temos milhares de brasileiros laborando em intervenções pedagógicas no social em diversas áreas, entre elas artes, cultura, saúde, meio ambiente, direitos humanos, sem terem seu trabalho regulamentado, reconhecido e, justamente, remunerado como profissão e muito menos como área de formação inserida na educação básica e/ou superior. Não obstante esse e outros dissensos, os autores da coletânea comungam do entendimento de que a Pedagogia Social pode contribuir para a (re)edificação de uma sociedade em situação de vulnerabilidade.

A segunda parte da obra volta o seu olhar para a Pedagogia Social no contexto brasileiro. Certos pontos, quais sejam, referências às experiências e teorias estrangeiras da Pedagogia Social, fronteiras e frentes da Educação Escolar e da Educação Social e arestas reais e almejadas para a Pedagogia Social no Brasil, são recorrentes em todos os textos. Nessa seção, são problematizadas questões sobre: 1) o trabalho realizado nos vários campos de atuação da educação não-formal, da educação comunitária e da educação popular; 2) a imprescindibilidade da Educação Social em razão da exclusão social de indivíduos das condições mínimas de sobrevivência; 3) as limitações da política educacional e da educação escolar no que tange a lidar com os problemas da educação no país; 4) o esboço de uma proposta de Pedagogia Social vinculada a uma vertente libertadora; 5) a articulação entre a Educação Social e as diversas acepções de participação; 6) as implicações da Constituição de 1969, e do Código de Menor, bem como da doutrina de proteção integral, introduzida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); e 7) a experiência da Alemanha na consolidação da legislação, assistência e formação de mão de obra especializada formada pela Pedagogia Social.

Com o firme propósito de ajudar a (re)afirmar os campos de atuação, de formação e de pesquisa da Pedagogia Social no Brasil, os professores organizadores desta coletânea, quais sejam, João Clemente de Souza Neto (UNIFIEO), Rogério Moura (UNICAMP) e Roberto da Silva (USP), exemplificam, na terceira parte da obra, a educação; infância e adolescência; a juventude, o sistema penitenciário; e o terceiro setor, ONGs e projetos e programas sociais como áreas prioritárias para a intervenção da Pedagogia Social no Brasil. Para a área de educação, os organizadores apontam, entre outras, a necessidade de ampliar o leque de formação do futuro pedagogo dos cursos de Pedagogia de hoje, com vistas a responder aos seguintes desafios: 1) otimizar o currículo a fim de formar profissionais capazes de trabalhar com a complexidade dos problemas sociais recorrentes no processo de ensino-aprendizagem; 2) implementar oportunidades para a capacitação e o aperfeiçoamento profissional; 3) ajudar na implantação de creches, pré-escola e escola em tempo integral e, para isso, é necessário definir o papel da educação tida como não-formal dentro da formal; 4) fornecer meios e agentes para executar as seguintes legislações: Constituição Cidadã, ECA, Estatuto do Idoso, Lei de Execução Penal e Lei de Diretrizes e Bases.

Além disso, apontam as implicações do descaso para com a função social da escola pública brasileira, que não prepara seus profissionais para dar conta de novas atribuições. Quanto à área infância e adolescência, os autores, ao reconhecer o potencial do ECA no que concerne às suas medidas de proteção e socioeducativas, criticam a falta de execução das mesmas. Para a juventude, julgam importante a criação de uma proposta e de uma instância para abarcar os problemas sociais decorrentes dessa faixa etária, a saber, 15 aos 24 anos. No que tange o sistema penitenciário, é questionada a qualidade da formação dos mediadores dos objetivos da educação com os da pena e da prisão, e, para a última área, delegam a urgente necessidade de regularizar a formação e a profissão dos trabalhadores dessa área.

Na penúltima parte da obra, os organizadores propõem soluções para alguns dos questionamentos que emergem das partes anteriores, a saber, a impropriedade do termo educação não-formal para designar as práticas de educação popular, social e comunitária; a fragmentação epistemológica das áreas do conhecimento e de suas respectivas ações e políticas; e a confusão conceitual na aplicação da terminologia de educador social, popular e comunitário. Tais soluções situam a Pedagogia Social como Teoria Geral da Educação Social, bem como definem a Pedagogia Escolar e a Pedagogia Social como áreas de concentração de uma área do conhecimento, as Ciências da Educação, as quais se distinguem não por uma suposta relevância e, sim, pelo espaço e pelo contexto de intervenção. Na mesma linha, os organizadores esboçam tanto uma proposta de curto, médio e longo prazo para as áreas de formação da Pedagogia Social nos níveis técnico, de graduação e pós-graduação, lato e stricto sensu, quanto linhas de pesquisa que dimensionem os domínios sociocultural, sociopedagógico e sociopolítico.

Na última parte, por sua vez, os organizadores disponibilizam cinco marcos normativos da Pedagogia Social, quais sejam: Declaração de New Cork; Declaração de Barcelona; Declaração de Montevidéu; Carta da Pedagogia Social; e Código Deontológico da profissão de Educador Social em Portugal. Em linhas gerais, as ideias de tais documentos reiteram o desejo dos autores da coletânea em enraizar a Pedagogia Social no mundo.

Destemidos diante das correntes e prospectivas dificuldades de adentrar a Pedagogia Social nos departamentos de ensino e pesquisa das universidades, assim como nas políticas públicas não-assistencialistas, as quais constituem as únicas esferas brasileiras que resistem a respirar a imprescindibilidade da Pedagogia Social enquanto ciência e profissão, os organizadores e colaboradores dessa coletânea desafiam todos a investigar, investir e incentivar o calçamento de uma ciência da educação que, afinal, "é de todos e por todos", nas palavras da professora Maria Figuera, citada na obra por seu pioneirismo na Pedagogia Social espanhola.

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Recebido: 29/01/2010

Aprovado: 19/03/2010

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2010
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