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EDITORIAL

Em seu primeiro número de 2011, Educação em Revista publica um dossiê voltado para a exploração das relações entre a expressão biográfica e a educação. Resultado da colaboração entre pesquisadores latino-americanos e europeus, o dossiê examina os modos de dizer biográficos e autobiográficos e os fundamentos epistemológicos de sua análise. Discute, além disso, o potencial desse gênero de discurso na formação e na compreensão da experiência de docentes e educadores, bem como apresenta perspectivas de análise desse tipo de fonte na pesquisa em história da educação. Sob o título de "(Auto)Biografia e Educação: pesquisa e práticas de formação", o dossiê foi organizado pelos professores Elizeu Clementino de Souza e Maria da Conceição Passeggi, respectivamente, da Universidade do Estado da Bahia e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Os artigos selecionados para este número estão marcados, embora não exclusivamente, por uma forte atenção às relações entre política e educação e organizam-se em quatro grandes blocos, cuja unidade resulta ora do tema, ora da abordagem.

O primeiro desses blocos é composto de três pesquisas em história da educação. Beberagens Tupinambá e processos educativos no Brasil Colonial, de Maria Betânia Barbosa Albuquerque, tem por objeto as situações sociais vividas pelos Tupinambá que envolviam o consumo de bebidas fermentadas (como cerimônias que marcavam a passagem de ciclos da vida, a tomada de decisões sobre a guerra, a antropofagia, por exemplo). Ao analisar essas situações – com base em pressupostos da História Cultural e da Alimentação e por meio de pesquisa documental e bibliográfica – a pesquisadora mostra sua natureza educativa, organizada em torno de um processo de renovação da memória e, por seu intermédio, de transmissão e perpetuação dos valores e tradições do grupo. Estigmatizado e combatido pelos colonizadores, o consumo de bebida permitia, segundo a autora, a promoção de uma forma de resistência aos "ditames da colonização" e uma afirmação identitária.

São também processos educativos que se dão fora dos muros da escola e também sua forte natureza política que estão no centro do artigo A escola como atração urbana: as encenações de espetáculos educacionais no Rio de Janeiro e em Buenos Aires nos anos 1920, de José Cláudio Sooma. De natureza comparativa, o trabalho busca interpretar as condições que fazem surgir tanto na capital argentina quanto na brasileira um conjunto de atividades com alunos das escolas primárias e orquestradas – como espetáculos – pelos órgãos responsáveis pela instrução. Desfiles escolares, grandes reuniões comemorativas em estádios e praças públicas, saudações a visitantes ilustres e excursões são analisadas tendo em vista suas relações com o processo de modernização e urbanização das duas cidades, bem como com o grande contingente de imigrantes que as duas capitais atraiam, especialmente a portenha.

O terceiro artigo em história da educação , de Névio de Campos, analisa o Debate sobre o ensino religioso na capital paranaense: entre a tribuna e a imprensa (1922-1931). Por meio de fontes que lhe permitem apreender a ação política de grupos católicos e anti-clericais tanto na arena política, quanto na esfera cultural, Névio de Campos busca demonstrar como o debate sobre o ensino religioso reatualizava, seja por meio do aparato jurídico, seja por meio do poder simbólico, "o movimento internacional e nacional da Igreja Católica de combate ao laicismo" e de tentativa de imposição de um modo de organização da educação e da sociedade.

O segundo bloco de artigos tem por tema central o ensino superior e é composto de também de três artigos. O primeiro deles tem por tema a cooperação internacional nas instituições de ensino superior. Assinado por Marília Costa Morosini, Internacionalização na produção de conhecimento em IES Brasileiras: cooperação internacional tradicional e cooperação internacional horizontal, o artigo analisa acordos bilaterais e multilaterais de cooperação internacional firmados no âmbito de programas de pós-graduação, com base em dados obtidos em relatórios de instituições de fomento, bem como em informações colhidas junto a técnicos dessas instituições. De acordo com as conclusões do trabalho, embora se constate a crescente internacionalização da pesquisa, essa internacionalização se faz por meio de um modelo periférico, em que a internacionalização está presente na pós-graduação e não na universidade como um todo, assim como em alguns programas (não se distribuindo igualmente pelo conjunto deles e, muitas vezes, nem mesmo igualmente no interior de um mesmo programa).

Aportes teóricos para análise política da Universidade, de Roseana Costa Leite, é o segundo artigo que compõe o bloco de trabalho sobre o ensino superior. Trata-se de um ensaio, por meio do qual a autora busca reunir elementos para analisar processos políticos da educação superior, tendo em vista o pressuposto da natureza central das instituições educativas no mundo globalizado e do surgimento de novos conflitos no interior dessas instituições. Para reunir esses elementos, a autora propõe-se a integrar teorias do Estado e do sistema político, bem como teorias sociológicas da educação e do poder.

O último artigo que compõe o bloco de trabalhos sobre o ensino superior intitula-se Pós-Graduação, saberes e formação docente: uma análise das repercussões dos cursos de mestrado e doutorado na prática pedagógica de egressos do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFMG (1977-2006). Assinado por Samira Zaidan, Anna Maria S. Caldeira, Bernardo J. Oliveira e Patrícia G. Carneiro da Silva, o trabalho analisa os impactos sobre a vida profissional de 305 egressos de cursos de mestrado e doutorado de um mesmo programa ao longo de três décadas, abordando dimensões como ocupação atual, implicações sobre a atuação docente, avaliação da formação vivida, dentre outros.

A organização do ensino, o currículo e as políticas curriculares são o tema do terceiro bloco de artigos selecionados para este número de Educação em Revista. O primeiro deles, de Márcia Aparecida Jacomini, examina os pontos de vista de pais e alunos sobre os ciclos e a progressão continuada. Com o título de Os ciclos e a progressão continuada na opinião de pais e alunos, o trabalho baseia-se numa pesquisa de campo realizada em duas escolas da rede municipal de São Paulo. Os dados, obtidos por meio da observação direta e de entrevistas com pais e alunos, mostram que é limitada a informação sobre a organização em ciclos, ao contrário da informação sobre a progressão continuada, a respeito da qual a maioria dos entrevistados tende a se opor, em razão da crença de que a existência da reprovação promoveria o aprendizado.

Se o trabalho de Márcia Jacomini busca apreender pontos de vista de pais e alunos sobre inovações na organização do ensino, o do segundo artigo do bloco se volta para os pontos de vista de professores: busca apreender como docentes envolvidos na gestão de escolas de educação básica portuguesas veem processos de inovação curricular. Sob o título de Inovações curriculares: o ponto de vista de gestores de escolas do ensino básico em Portugal, o trabalho situa-se no plano da micro-política do currículo e tem por objetivo analisar como macro-políticas curriculares se retraduzem no contexto da prática de professores-gestores. Para isso, o artigo, de Preciosa Teixeira Fernandes, examina o discurso de um grupo de dez professores que resgatam suas experiências com duas grandes inovações curriculares impostas às escolas portuguesas a partir de meados da década de 1990.

O terceiro trabalho do bloco que tem por tema a organização do ensino, o currículo e as políticas curriculares explora resultados da política, desenvolvida pelo Ministério da Educação brasileiro, de avaliação de livros didáticos – concentrando-se no caso dos livros de Biologia para o ensino médio. Intitulado Livros didáticos de Biologia do ensino Médio: resultados do PNLEM/2007, o trabalho analisa os resultados da avaliação feita no âmbito do Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio (PNLEM), em sua edição de 2007, descrevendo as características das obras analisadas, bem como examinando as relações entre a avaliação feita pelo Programa e as escolhas feitas pelos docentes. O artigo é de autoria de Charbel Niño El-Hani, Nádia Roque e Pedro Luís Bernardo da Rocha.

Tempos e espaços na organização curricular: uma reflexão sobre a dinâmica dos processos escolares é o quarto artigo do bloco. Assinado por Juares da Silva Thiesen, o ensaio propõe que se realize, em função da natureza do mundo contemporâneo, uma "releitura" dos conceitos de tempo e de espaço e de sua utilização na organização e na dinâmica dos processos curriculares. Para isso, apóia-se sobretudo nas transformações originadas pelas TIC's, e pela democratização a seu acesso, no fenômeno da globalização econômica e na expansão da educação a distância.

O quinto e último artigo do bloco volta-se para a formação inicial de professores.Trata-se de um ensaio - Busca de paralelismo entre conhecimento pedagógico do conteúdo e ação pedagógica – que tem a intenção de estabelecer, no quadro dos estudos de Lee Shulman, relações entre conhecimento pedagógico do conteúdo, de um lado, e o processo de raciocínio e a ação pedagógica, de outro. O ensaio é de autoria de Daniel Marcon, Amândio B. dos Santos Graça e Juarez Vieira Nascimento.

O bloco final da seleção de artigos deste número é composto de um único artigo, do campo da filosofia da educação. Richard Rorty e a "agenda pós": críticas, interpretações, redescrições, de Felipe Quintão e Alexandre Vaz, analisa a recepção que certa vertente do campo da educação realiza da obra do filósofo norte-americano Richard Rorty quando aplicada a questões educacionais. Os autores identificam essa recepção a uma vertente de base marxista e investigam os princípios que a organizariam. Segundo eles, essa recepção estaria baseada em usos da obra do "filósofo húngaro Georg Lukács e do filósofo da ciência Roy Bhaskar, como possibilidades para se contrapor à presença de Rorty e alguns de seus contemporâneos, como Foucault, Lyotard, Deleuze, Derrida, entre outros, na produção do conhecimento em educação".

Como se pode ver, a Educação em Revista, neste número, coloca o leitor em contato com dimensões diversas da realidade educacional contemporânea sem deixar, no entanto, de retomar as bases históricas que, por processos os mais diversos, autorizaram este nosso presente.

O Comitê Editorial

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jun 2011
  • Data do Fascículo
    Abr 2011
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