Open-access DO PROJETO PEDAGÓGICO À SALA DE AULA: A INTERDISCIPLINARIDADE NO CONTEXTO DO CURSO BC&T

DEL PROYECTO PEDAGÓGICO AL AULA: LA INTERDISCIPLINARIDAD EN EL CONTEXTO DEL CURSO BC&T

RESUMO:

Este estudo objetivou caracterizar a interdisciplinaridade no âmbito do curso Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia - BC&T - de uma universidade federal localizada no estado de Minas Gerais, com base no proposto pelos Referenciais Orientadores para os Bacharelados Interdisciplinares e Similares e respaldado em obras de autores como: Lenoir (1998), Japiassu (1976), Coimbra (2000), Fazenda(2010), Fortunato e Confortin (2013), Tosta (2011), Almeida (2010) e Morin (2003). Como questão de pesquisa, propôs verificar se o curso, através do seu Projeto Pedagógico e das ações didático-pedagógicas, se encontra em consonância com as diretrizes e os princípios norteadores dos Bacharelados Interdisciplinares - BIs - em relação à interdisciplinaridade. Para isso, foi desenvolvido um estudo de cunho qualitativo e quantitativo com a realização de pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e estudo de campo, este último com a utilização de questionários aplicados a alunos do quinto e sexto períodos e realização de entrevistas semiestruturadas com professores. Em resposta à questão principal da pesquisa, foi verificado que, de um modo geral, no contexto do curso não é adotada uma metodologia interdisciplinar, conforme previsto nas diretrizes e princípios norteadores dos BIs. Com base na análise dos dados e apoiados no aporte teórico dos autores consultados, foram apresentadas propostas que visam contribuir para a difusão da interdisciplinaridade no processo de ensino e aprendizagem dos BIs. Além disso, previu contribuir para o desenvolvimento científico da temática de modo a possibilitar novas discussões que visem garantir a efetividade de ações interdisciplinares nas instituições educacionais.

Palavras-chave: interdisciplinaridade; bacharelado interdisciplinar; projeto pedagógico

RESUMEN:

Este estudio tuvo como objetivo caracterizar la interdisciplinaridad dentro del curso de Licenciatura Interdisciplinaria en Ciencias y Tecnología - BC&T en una universidad federal ubicada en el estado de Minas Gerais, con base en lo propuesto por las Referencias Orientadoras para Licenciaturas Interdisciplinarias y Similares y respaldado por trabajos de autores como como: Lenoir (1998), Japiassu (1976), Coimbra (2000), Fazenda (2010), Fortunato y Confortin (2013), Tosta (2011), Almeida (2010) y Morin (2003). Para la investigación, propuso verificar si el curso, a través de su Proyecto Pedagógico y de las acciones didáctico-pedagógicas, está en consonancia con las directrices y principios rectores de los Bachilleratos Interdisciplinarios - BIs en relación a la interdisciplinaridad. Para ello se realizó un estudio cualitativo y cuantitativo con investigación bibliográfica, investigación documental y estudio de campo, este último con el uso de cuestionarios aplicados a estudiantes de quinto y sexto semestre y entrevistas semiestructuradas a docentes. En respuesta a la pregunta principal de investigación, se constató que, en general, en el contexto de la carrera, no se adopta la metodología interdisciplinaria previsto en las directrices y principios rectores de las IB. Basado en el análisis de los datos y sustentados en el aporte teórico de los autores consultados, fueron presentadas propuestas que pretenden contribuir a la difusión de la interdisciplinaridad en el proceso de enseñanza y aprendizaje de las IB. Además, preveía contribuir al desarrollo científico del tema con el fin de posibilitar nuevas discusiones encaminadas a garantizar la eficacia de las acciones interdisciplinarias en las instituciones educativas.

Palabras clave: interdisciplinaridad; titulación interdisciplinar; proyecto pedagógico

ABSTRACT

This study aimed to characterize interdisciplinarity within the Bachelor of Interdisciplinary Studies in Science and Technology - BC&T degree at a federal university located in the state of Minas Gerais, based on the proposal of the ‘Guiding References for Interdisciplinary Bachelor’s and Similar’. We are grounded on the works of Lenoir (1998), Japiassu (1976), Coimbra (2000), Fazenda (2010), Fortunato and Confortin (2013), Tosta (2011), Almeida (2010) and Morin (2003). We aimed to check if the course, through its Pedagogical Project and the didactic-pedagogical actions, is in line with the guidelines and principles of the Bachelor of Interdisciplinary Studies - BIs regarding interdisciplinarity. For this, we carried out a qualitative and quantitative study with bibliographic and documental research, and a field study, using questionnaires applied to fifth and sixth-semester students and semi-structured interviews with professors. We found out that, in general, in the context of the course, the interdisciplinary methodology is not adopted as established in BIs’ guidelines and principles. Based on data analysis and supported by the theoretical contribution of the consulted authors, we present some proposals to contribute to the dissemination of interdisciplinarity in the teaching and learning process of BIs. In addition, we aim to contribute to the scientific development of the theme enabling new discussions to ensure the effectiveness of interdisciplinary actions in educational institutions.

Keywords: interdisciplinarity; interdisciplinary baccalaureate; pedagogical project

INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa de mestrado1 cujo objetivo geral foi caracterizar a interdisciplinaridade no âmbito do curso Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia (BC&T) de uma universidade federal localizada no estado de Minas Gerais, com base no proposto pelos Referenciais Orientadores para os Bacharelados Interdisciplinares e Similares e respaldado em obras de autores que abordam a temática interdisciplinaridade, como: Lenoir (1998), Japiassu (1976), Coimbra (2000), Fazenda (2010), Fortunato e Confortin (2013), Tosta (2011), Almeida (2010) e Morin (2003). Para isso, foi desenvolvido um estudo de cunho qualitativo e quantitativo através da realização de pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e estudo de campo.

A interdisciplinaridade aqui discutida refere-se à interdisciplinaridade escolar2, que tem por finalidade a difusão do conhecimento (LENOIR, 1998) e é entendida como a inserção de métodos de cooperação entre as disciplinas e outras atividades educacionais visando ao combate à fragmentação do conhecimento, o que pode representar uma possibilidade de aproximação da universidade com o perfil da sociedade em que se encontra inserida. De um modo geral, a interdisciplinaridade consiste “num tema, objeto ou abordagem em que duas ou mais disciplinas intencionalmente estabelecem nexos e vínculos entre si para alcançar um conhecimento mais abrangente, ao mesmo tempo diversificado e unificado.” (COIMBRA, 2000, p. 58).

Foi previsto responder à seguinte questão: o curso BC&T, através do seu Projeto Pedagógico e de suas práticas didático-pedagógicas, encontra-se em consonância com as características, diretrizes e princípios norteadores previstos para os Bacharelados Interdisciplinares (BIs) em relação à interdisciplinaridade?

Inicialmente o estudo se ocupou em considerar os BIs e a interdisciplinaridade no processo de reformulação do Ensino Superior. Procedeu-se à abordagem da gênese desse modelo de graduação no Brasil e às influências para sua criação, suas especificidades e sua estrutura no âmbito acadêmico. Nesse contexto, a interdisciplinaridade foi analisada abordando seus aspectos curricular, didático e pedagógico.

Para a caracterização da interdisciplinaridade, especificamente nos documentos e ações didático-pedagógicas do curso em questão, procedeu-se à realização de pesquisa documental e estudo de campo, que consistiu na aplicação de questionários a alunos do quinto e sexto períodos e entrevistas semiestruturadas com professores que compõem seu quadro efetivo.

A análise das informações e resultados decorrentes embasaram a elaboração de propostas e estratégias voltadas ao desenvolvimento da interdisciplinaridade no processo de ensino e aprendizagem do curso. Além disso, a pesquisa previu contribuir com o desenvolvimento científico da temática, de modo a possibilitar novas discussões que visem garantir a efetividade de ações interdisciplinares no contexto das instituições educacionais.

OS BACHARELADOS INTERDISCIPLINARES E A INTERDISCIPLINARIDADE NO PROCESSO DE REFORMULAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR

Quando se considera o cenário social atual em que predominam a produção e a transmissão de informações em extraordinária velocidade, num momento de globalização não só cultural, mas também econômica e política (SEVERINO, 2000), é possível perceber o caráter essencial da formação de cidadãos e profissionais cujo perfil remeta à autonomia, flexibilidade, capacidade de adaptação, relação interpessoal eficaz, pensamento crítico, além da capacidade de interferir positivamente frente aos problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais e planetários. (MORIN, 2003).

À instituição de educação superior, mais especificamente à universidade, é atribuído o papel fundamental de formadora e gerenciadora de ações que possibilitem esse crescimento cultural e social. A ação educativa nesse âmbito é entendida como uma rede complexa de interações e representa um lugar onde se estruturam processos de produção de conhecimento e de inter-relações entre as dimensões políticas, culturais, institucionais e instrucionais. Nela deve estar presente uma multiplicidade de significados e de sentidos, devendo as dinâmicas de trabalho ser permeadas por duas tensões fundamentais: uma entre o singular e o plural, e outra entre o particular e o universal (TOSTA, 2011).

No entanto, segundo Almeida (2010, p. 71), nas atividades realizadas pelas universidades, muitas vezes são repassados conteúdos e informações aos alunos sem que estes sejam despertados a pensar a respeito. “O sistema educacional se torna, assim, um mercado de informações e forma alunos-bancos-de-dados. Mesmo com a cabeça cheia de informações, eles não sabem como articular tantos e tão importantes dados”.

Como um dos fatores determinantes dessa transferência engessada de informações, cita-se a própria estrutura das disciplinas que compõem os cursos de graduação. Nesse sentido, Japiassu (1976) ressalta que o saber chegou a um tal ponto de fragmentação que a interdisciplinaridade aparece como um estado de carência, e tudo leva a crer que isso seja produto de uma inteligência esfacelada. “Nesse domínio, até parece que a razão tenha perdido a razão, desequilibrando a própria personalidade humana em seu conjunto. Encontramo-nos diante de uma alienação científica.” (p. 30-31).

Nossa Universidade atual forma, pelo mundo afora, uma proporção demasiado grande de especialistas em disciplinas predeterminadas, portanto artificialmente delimitadas, enquanto uma grande parte das atividades sociais, como o próprio desenvolvimento da ciência, exige homens capazes de um ângulo de visão muito mais amplo e, ao mesmo tempo, de um enfoque dos problemas em profundidade, além de novos progressos que transgridam as fronteiras históricas das disciplinas. (LICHNEROWICZ apud MORIN, 2003, p. 13).

A interdisciplinaridade desponta, então, como um quesito indispensável no desenvolvimento do processo educacional e é vista como uma possibilidade de formação de sujeitos com as características exigidas pelo perfil da sociedade atual. Ela é caracterizada pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas (JAPIASSU, 1976), o que modifica o objetivo didático do processo educacional e a razão das atitudes dos docentes que desenvolvem essa pedagogia (CARNEIRO, 2018).

De acordo com Fazenda (2002a), num contexto social de internacionalização caracterizada por intensa troca entre as pessoas, a importância da interdisciplinaridade é notória. Além do desenvolvimento de novos saberes, ela garante a educação, favorece novas formas de aproximação da realidade social e novas leituras das dimensões socioculturais. A esse respeito, conforme exposto por Souza e Fazenda (2017), a interdisciplinaridade oferece a oportunidade de se pensar sobre como o conhecimento é construído e como ele se articula com outros conhecimentos, com a realidade social e com os sujeitos à sua volta.

Com base no exposto e com foco na inserção de uma abordagem educacional interdisciplinar, induzidos por uma das propostas do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI -, que previu reestruturações da arquitetura acadêmica das universidades federais (BRASIL, 2007), os Bacharelados Interdisciplinares - Bis - foram criados em universidades do Brasil visando à reorganização dos cursos de graduação e à atualização de metodologias e práticas de ensino e aprendizagem. De acordo com Veras, Lemos e Macedo (2015), essa iniciativa surgiu influenciada pelo esgotamento do modelo de graduação profissionalizante e os impactos deste, como, por exemplo, “o alto índice de evasão universitária e defasagem das metodologias e estratégias pedagógicas.” (p. 631).

Os BIs se referem a programas de formação em nível de graduação de natureza geral que conduzem a diploma e que preveem uma organização por grandes áreas do conhecimento. Essas áreas englobam os campos de saberes, práticas, tecnologias e conhecimentos de modo amplo e geral. Dentre elas se inserem: Artes; Ciências da Vida; Ciência e Tecnologia; Ciências Naturais e Matemáticas; Ciências Sociais; Humanidades e outras (BRASIL, 2010). Caracteriza-se por agregar uma formação geral humanística, científica e artística, visando ao desenvolvimento de competências e habilidades que possibilitam a aquisição de autonomia para aprendizagem ao longo da vida e de características indispensáveis para uma inserção social satisfatória (ALMEIDA FILHO et al., 2010).

A organização dos BIs foi inspirada no Processo de Bolonha e no modelo norte-americano - os Colleges estadunidenses -, que já previam o ensino superior em ciclos, com formação ampla e geral e possibilidade de escolha, por parte do aluno, do percurso acadêmico e das disciplinas a cursar. Além disso, sua criação baseou-se em propostas apresentadas pelo educador Anísio Teixeira para a concepção da Universidade de Brasília (UnB), em 1960 (BRASIL, 2010). Através dessas propostas de modelo universitário, Anísio Teixeira apresentou uma ideia de como deveriam ser os programas de ensino das universidades: baseados em ciclos de formação geral, organizados por grandes áreas do conhecimento (ALMEIDA FILHO, 2008).

Essa estruturação do ensino superior em ciclos é dividida da seguinte maneira: os BIs, ou primeiro ciclo, representam o espaço de formação universitária que objetiva o desenvolvimento de um conjunto importante de competências, atitudes e habilidades, transversais às competências técnicas, somado a uma formação geral com bases conceituais, éticas e culturais; o segundo ciclo, de caráter opcional, dedicado à formação profissional em áreas específicas do conhecimento; e o terceiro ciclo compreende a pós-graduação stricto sensu, podendo contar com alunos egressos dos BIs (BRASIL, 2010).

Como princípios dos BIs estão, dentre outros: formação baseada na interdisciplinaridade e no diálogo entre as áreas de conhecimento e os componentes curriculares; trajetórias formativas na perspectiva de uma alta flexibilização curricular; foco nas dinâmicas de inovação científica, tecnológica, artística, social e cultural, associadas ao caráter interdisciplinar dos desafios e avanços do conhecimento; permanente revisão das práticas educativas, tendo em vista o caráter dinâmico e interdisciplinar da produção de conhecimentos; prática integrada da pesquisa e extensão articuladas ao currículo; estímulo à iniciativa individual, à capacidade de pensamento crítico, à autonomia intelectual, ao espírito inventivo, inovador e empreendedor; valorização do trabalho em equipe (BRASIL, 2010).

Quanto ao perfil do egresso, são previstas características como: a capacidade de comunicação e argumentação em suas múltiplas formas; a capacidade de atuar em áreas de fronteira e interfaces de diferentes disciplinas e campos de saber; atitude investigativa, de prospecção, de busca e produção do conhecimento; a capacidade de trabalho em equipe e em redes; a capacidade de reconhecer especificidades regionais ou locais, contextualizando e relacionando com a situação global; atitude ética nas esferas profissional, acadêmica e das relações interpessoais; a postura flexível e aberta em relação ao mundo do trabalho; a capacidade de tomar decisões em cenários de imprecisões e incertezas; a capacidade de utilizar novas tecnologias que formam a base das atividades profissionais; a capacidade de empreendedorismo nos setores público, privado e terceiro setor (BRASIL, 2010).

Intenciona-se para os BIs uma arquitetura acadêmica baseada na interdisciplinaridade, característica que deve permear todas as atividades do curso na busca por maior flexibilidade curricular, mais possibilidade de diálogo entre as disciplinas e mais liberdade para os estudantes escolherem os seus itinerários de formação (BRASIL, 2010).

Nesse contexto, faz-se referência à interdisciplinaridade escolar, objeto de análise deste estudo, que, de acordo com Lenoir (1998), se divide em: interdisciplinaridade curricular, didática e pedagógica. Segundo o autor, a interdisciplinaridade pedagógica é resultado do trabalho que se inicia na interdisciplinaridade curricular e didática, e as três juntas resultam na efetividade do trabalho interdisciplinar no âmbito da educação escolar.

Em relação à interdisciplinaridade curricular, segundo Lenoir (1998), ela consiste no estabelecimento de ligações de interdependência, de convergência e de complementaridade entre disciplinas que compõem o curso e se baseia em parâmetros como o lugar e a função de diferentes disciplinas, sua razão de ser, sua estrutura, seus objetivos de estudo e de aprendizagem, dentre outros, de modo a compor uma organização curricular baseada numa estrutura interdisciplinar segundo as orientações integradoras.

A esse respeito, de acordo com Palmade (apud LENOIR, 1998, p. 57), a interdisciplinaridade curricular baseia-se no entendimento de que “a noção de interdisciplinaridade não pode ser […] abordada de uma maneira suficientemente segura se não está claro o ponto de partida no qual ela se constitui.” Para Thiesen (2013, p. 607), “a organização curricular como prescrição certamente implica e é modificadora da prática curricular como atos de produção e reprodução de saberes”. No entanto, não se tenciona afirmar que um currículo pautado na interdisciplinaridade seja a garantia de interdisciplinaridade nas ações didático-pedagógicas executadas pelos professores no curso. “Defendemos que o currículo pode sim ser um movimento em favor da interdisciplinaridade, mas não a própria interdisciplinaridade.” (p. 598).

Além disso, não é prevista como contribuição para a interdisciplinaridade curricular a criação de disciplinas. A esse respeito, Fazenda (2013, p. 19) ressalta que “a opção que tem sido adotada, da inclusão de novas disciplinas ao currículo tradicional, só faz avolumarem-se as informações e atomizar mais o conhecimento.” Segundo a autora, o acréscimo de disciplinas ao currículo, que já traduzia um conhecimento disciplinar, tende a um conhecimento cada vez mais disciplinado, em que a regra principal seria somente um policiamento maior às fronteiras das disciplinas.

Segundo Paviani (2007), o problema básico dos currículos universitários está na concepção tradicional de disciplina e na forma de elaborar e executar os programas de ensino. Tradicionalmente as disciplinas tendem a reforçar sua autonomia quando, na verdade, deveriam considerar a necessidade de promover a descoberta de conhecimentos em suas fronteiras. “No passado ensinavam-se disciplinas. Hoje, procura-se ensinar a resolver problemas.” (p. 142).

Convém ressaltar que, conforme Lenoir (1998, p. 46), “a perspectiva interdisciplinar não é, portanto, contrária à perspectiva disciplinar; ao contrário, não pode existir sem ela e, mais ainda, alimenta-se dela.” A esse respeito, segundo Fazenda (2011), “o que se pretende, portanto, não é propor a superação de um ensino organizado por disciplinas, mas a criação de condições de ensinar em função das relações dinâmicas das diferentes disciplinas” (p. 89), tendo a consciência de que há uma imensa rede de conexões entre elas que precisa ser considerada para o sucesso de uma análise mais profunda e integral. (SOUZA et al., 2022).

Com base no entendimento de que a composição da Estrutura Curricular é um fator que colabora para o desenvolvimento de práticas interdisciplinares no âmbito dos cursos, sua organização, formatação e apresentação precisam transparecer a interligação entre as disciplinas e retratar formas de agrupamentos e de aproximação entre elas de modo a facilitar o planejamento de ações interdisciplinares que abordem disciplinas de um determinado grupo e entre esses grupos.

Quanto à interdisciplinaridade didática, esta se caracteriza por suas dimensões conceituais e antecipativas, tratando da planificação, da organização e da avaliação das ações de ensino. Refere-se ao planejamento das atividades relacionadas ao processo educacional baseado na aproximação e nos arranjos entre os conteúdos específicos das disciplinas de modo contextualizado e interdisciplinar (LENOIR, 1998).

Ao considerar que os Referenciais Orientadores para os Bacharelados Interdisciplinares e Similares preveem que os BIs sejam um espaço de formação universitária permeado pela interdisciplinaridade e pelo diálogo entre as áreas de conhecimento e entre componentes curriculares (BRASIL, 2010), percebe-se a importância de que o professor entenda que os conteúdos subjacentes às suas ementas deverão ser meios para que os alunos desenvolvam as competências e habilidades previstas. Ainda sobre a interdisciplinaridade didática, Lenoir (1998) cita que ela leva em conta a estruturação curricular para estabelecer preliminarmente seu caráter interdisciplinar, objetivando articular os conteúdos de ensino e sua inserção nas situações de aprendizagem.

Em relação à interdisciplinaridade pedagógica, esta se caracteriza pela atualização, em sala de aula, da interdisciplinaridade didática, de forma a assegurar, na prática, a colocação de um modelo ou modelos didáticos interdisciplinares inseridos em situações concretas da didática (LENOIR, 1998).

A prática do contexto escolar é a maior referência para a seleção e para a produção de seus saberes, isso porque o ato pedagógico é dotado de múltiplas dimensões - afetivas, relacionais, organizacionais, existenciais e sociais e somente por meio dele, pelo currículo em ação, é possível percebê-las, porque só em ação é que essas dimensões se fazem. Sendo assim, é praticamente impossível prevê-las, medi-las e controlá-las; tornam-se intangíveis em um planejamento curricular. (DOMINGUES, 2015, p. 78).

De acordo com Lenoir (1998, p. 59), “a atualização da interdisciplinaridade no plano pedagógico requer, portanto, que se leve em conta um conjunto de dimensões próprias à dinâmica real da sala de aula, e não somente uma teorização da prática interdisciplinar sobre o plano didático no contexto de modelos ricos e coerentes.” Segundo o autor, ela também necessita esclarecer que pode proporcionar uma análise curricular das possibilidades interdisciplinares oferecidas pelos programas em vigor, sem que a prática interdisciplinar corra o risco de servir de receita no nível pedagógico, ou na ilusão de que tudo é possível, que é suficiente colocar quaisquer objetivos de aprendizagem definidos em algum programa para assegurar uma atividade de caráter interdisciplinar.

Com base no exposto acerca da interdisciplinaridade e considerando o objetivo deste estudo, foram realizados procedimentos metodológicos que previram analisar documentos que regulamentam o curso BC&T e ouvir alunos e professores que o compõem.

PERCURSO METODOLÓGICO E RESULTADOS

Para caracterizar a interdisciplinaridade no curso Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia (BC&T), foi desenvolvido um estudo de cunho qualitativo e quantitativo através da realização de pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e estudo de campo, este último com a utilização de questionários aplicados a alunos do quinto e sexto períodos, e realização de entrevistas semiestruturadas com professores que compõem o referido curso.

A pesquisa documental, que se refere a um procedimento baseado em fontes documentais primárias ainda não não tratadas analiticamente ou que ainda podem ser reelaboradas de acordo com os objetivos da pesquisa (GIL, 2008), foi realizada através da análise do Projeto Pedagógico do Curso (PPC) e de sua Estrutura Curricular, com base nas regulamentações específicas dos BIs. Em análise a esses documentos, foi possível verificar, nos campos “Apresentação” e “Justificativa”, a informação de que o curso se fundamenta na necessidade do preparo de egressos que participem, como profissionais e como cidadãos, da realidade em que se encontram inseridos - realidade permeada por constantes mudanças tecnológicas, transformações do conhecimento, do mundo do trabalho e da própria universidade.

No campo “Aspectos gerais da concepção acadêmica”, é citada a organização curricular em eixos trans e interdisciplinares. É ressaltado que as disciplinas reorganizam o conhecimento em seis eixos para fins didático-pedagógicos, sendo cinco voltados à formação científica e tecnológica e o sexto voltado à formação humanística, devendo estar situados em um contexto nitidamente interdisciplinar.

Os seis eixos do conhecimento citados são: Representação e Simulação, que introduz o aluno nos conceitos necessários à utilização e ao desenvolvimento de sistemas automatizados; Estrutura da Matéria, que desenvolve a compreensão dos vários estados da matéria e suas formas de organização; Processos de Transformação da Matéria, que oferece elementos para entender as transformações de materiais de diferentes naturezas; Energia, que fornece bases para a compreensão do conceito de energia e de suas diferentes formas; Ciclo da Vida, que contempla conhecimentos do ciclo biológico e sua implicação para a conservação da vida em diferentes ecossistemas; Comunicação, Linguagens, Informação e Humanidades, que possibilita a compreensão do universo da linguagem da informação, seus conceitos e procedimentos, além de contribuir para o conhecimento dos processos sociais nos seus aspectos econômico, político, filosófico e científico.

No entanto, mesmo citando tal organização, foi possível perceber que, tanto no PPC como na Estrutura Curricular, as disciplinas são classificadas e organizadas apenas como Obrigatória, Opção Limitada e Livre Escolha, sem qualquer tipo de informação e arranjo entre as que compõem um mesmo eixo, não sendo possível absorver uma visão interdisciplinar do curso. Esse entendimento encontra respaldo nas informações recebidas de professores do curso (ver Quadro 11), quando a maioria deles declara não ser possível abstrair uma proposta interdisciplinar de trabalho efetiva quando analisam tais documentos.

Outrossim, é citada no PPC a previsão de agregar diferentes áreas do conhecimento em um mesmo núcleo, de forma a ampliar suas interações e promover um intercâmbio interdisciplinar na pesquisa e no ensino, o que pode levar à valorização da percepção do estudante como sujeito do aprendizado. Porém, o referido documento não apresenta mecanismos para que práticas interdisciplinares sejam planejadas e desenvolvidas junto às disciplinas, ou seja, não é possível perceber prognóstico de articulação entre elas.

Com relação ao campo “Avaliação da aprendizagem” previsto no PPC, é deixada a cargo dos professores a reflexão sobre as diferentes formas de sua execução. No documento, sugere-se que sejam promovidas discussões teóricas de forma a considerar a cultura acumulada, o nível dos conhecimentos básicos que os alunos trazem do Ensino Médio, as condições objetivas em torno da organização do curso, a natureza da área e o sentido pedagógico, confrontando com os objetivos, o perfil, as competências e habilidades esperadas dos egressos. No entanto, no documento não há nenhum tipo de previsão clara de realização de avaliações interdisciplinares, informação que poderia contribuir para que tal metodologia fosse praticada.

Ainda como parte da pesquisa, procedeu-se à realização de estudo de campo através da abordagem de professores e alunos com a finalidade de caracterizar a interdisciplinaridade no contexto das ações didático-pedagógicas do curso em análise.

A opção pela realização de estudo de campo fundamenta-se na necessidade de aproximação do referencial teórico e da análise documental com o contexto prático em que se deseja caracterizar a interdisciplinaridade. De acordo com José Filho (2006, p. 64), “o ato de pesquisar traz em si a necessidade do diálogo com a realidade a qual se pretende investigar e com o diferente, um diálogo dotado de crítica, canalizador de momentos criativos.”

Por se tratar de pesquisa que envolve seres humanos, foram realizados todos os trâmites necessários para ações dessa natureza, como submissão do projeto para análise ética do Comitê de Ética em Pesquisa - CEP - da instituição, sendo este devidamente aprovado. Ainda como parte dos procedimentos legais, foi procedida a assinatura do Termo de Compromisso Livre e Esclarecido - TCLE - pelos participantes.

Questionário aplicado a alunos do curso BC&T - Resultados e discussões

A escolha pela utilização de questionários como instrumento metodológico de pesquisa junto aos alunos foi feita considerando-se algumas de suas vantagens, como a garantia de anonimato aos pesquisados e a possibilidade de abrangência de um número maior de pessoas em menos tempo (GIL, 2008). O questionário teve formato on-line - formulário do Google Docs - e foi composto por cinco questões de múltipla escolha envolvendo temas relacionados à interdisciplinaridade. Foi enviado ao e-mail de 100 (cem) alunos matriculados no quinto ou sexto período do curso, convidados de forma aleatória. Destes, 95 (noventa e cinco) responderam à pesquisa. As respostas foram analisadas considerando a frequência de dados.

A primeira questão teve o seguinte enunciado: 'Ao longo do curso BC&T já lhe foram oferecidas pelo professor, atividades de ensino e aprendizagem envolvendo mais de uma disciplina nas quais você se encontrava matriculado?' Tal questionamento teve como objetivo verificar a existência da interação e integração entre as disciplinas presentes na Estrutura Curricular do curso. A decisão de não questionar diretamente sobre o trabalho interdisciplinar foi tomada considerando que os alunos poderiam não ter claro o significado dessa prática, o que poderia acarretar interferência na legitimidade dos resultados alcançados pela pesquisa. O gráfico a seguir apresenta os dados obtidos.

Gráfico 1
Percentual das respostas dos alunos sobre o oferecimento, pelo professor, de atividades de ensino e aprendizagem envolvendo mais de uma disciplina nas quais se encontravam matriculados

Considerando que a interdisciplinaridade é entendida como um diálogo entre os saberes, como a conversa entre as diversas áreas do conhecimento e seus conteúdos e como o entrelaçamento entre as disciplinas que formam a Estrutura Curricular, com o intuito de fortalecer, qualificar e contextualizar o processo de ensino e aprendizagem (FORTUNATO; CONFORTIN, 2013), a análise das respostas dos alunos a essa questão leva ao entendimento de que o desenvolvimento e a abrangência das atividades relacionadas à integração entre as disciplinas não se encontram de acordo com o proposto em relação à interdisciplinaridade, quando mais de 74% dos participantes raramente ou nunca tiveram acesso a atividades de ensino e aprendizagem envolvendo mais de uma disciplina em que se encontravam matriculados.

A segunda questão apresentou o seguinte texto: 'No âmbito do curso BC&T você já passou por avaliações que abrangeram mais de uma disciplina em que você se encontrava matriculado?' Aqui o objetivo foi verificar se a avaliação interdisciplinar permeia o processo de ensino e aprendizagem do curso. O resultado é retratado no gráficoa seguir:

Gráfico 2
Percentual das respostas dos alunos referentes à submissão a avaliações que abrangessem mais de uma disciplina nas quais se encontravam matriculados

De acordo com Fazenda (2010), as avaliações pressupõem coerência entre a forma com a qual se trabalha diante da forma com que se avalia. Considerando que a soma do percentual de alunos que raramente ou nunca participaram desse tipo de avaliação representa 62,1%, é possível entender que as avaliações interdisciplinares não têm sido uma prática comum entre os professores no desenvolvimento da(s) disciplina(s) sob sua responsabilidade.

Quando se submete esse resultado a uma comparação com a entrevista realizada junto aos professores do curso, detalhada no decorrer deste texto, verifica-se que esse entendimento é ainda mais concreto, pois na resposta ao questionamento sobre a utilização de avaliações interdisciplinares a maioria dos professores informou não se utilizar desse formato de avaliação (Quadro 12).

A terceira questão que compôs o questionário apresentou o seguinte enunciado: 'No decorrer do curso BC&T você já participou de algum projeto de pesquisa ou de extensão que envolvesse mais de uma disciplina de maneira integrada?' Essa questão visou analisar se o desenvolvimento de projetos de pesquisa e de extensão interdisciplinares, com a participação de alunos, tem ocorrido na prática dos professores do curso. O gráfico a seguir exibe o resultado do levantamento:

Gráfico 3
Percentual das respostas dos alunos referentes à participação em algum projeto de pesquisa ou de extensão que envolvesse mais de uma disciplina de maneira integrada

A informação de que 80% dos alunos raramente ou nunca tiveram contato com projetos de pesquisa e/ou de extensão interdisciplinares demonstra a carência da utilização de tais ações para o desenvolvimento da interdisciplinaridade como forma de contribuir para o enriquecimento metodológico do curso e, em decorrência, para a formação integral do aluno.

A importância das ações de pesquisa e extensão interdisciplinares encontra respaldo em Fazenda (2011), quando a autora expõe que, muito mais que acreditar que se aprende a interdisciplinaridade praticando-a ou vivendo-a, estudos mostram que uma sólida formação à interdisciplinaridade se encontra extremamente acoplada às dimensões advindas de sua prática em situação real e contextualizada. A participação em projetos de pesquisa e extensão é uma forma de aproximação com essa realidade.

A quarta questão apresentou o seguinte enunciado: 'Os conteúdos das disciplinas ministradas pelos professores são apresentados de maneira contextualizada?' A sua finalidade foi verificar se os alunos conseguem assimilar os conteúdos abordados devidamente contextualizados e significativos. Os dados obtidos são representados gráfico a seguir:

Gráfico 4
Percentual das respostas dos alunos referentes à apresentação dos conteúdos, pelos professores, de maneira contextualizada

A maioria dos participantes considera que os conteúdos de disciplinas que compõem o curso são abordados de forma contextualizada, o que corrobora com o proposto para o processo de formação interdisciplinar (FAZENDA, 2011). Em contrapartida, 40% dos alunos raramente ou nunca perceberam essa contextualização, o que remete à necessidade de que sejam revistas metodologias de trabalho por parte de professores, prevendo uma maior interação e integração entre os conteúdos trabalhados por eles.

A quinta questão do questionário apresentou o seguinte texto: 'Você já participou de discussões relacionadas à elaboração, reformulação e atualização do Projeto Pedagógico do Curso?' Essa questão buscou verificar se ocorre a participação dos alunos no planejamento das ações do curso através de discussões relacionadas ao PPC, uma vez que eles são sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Os dados são expressos graficamente como se segue:

Gráfico 5
Percentual das respostas dos alunos referentes à participação em discussões relacionadas à elaboração, reformulação e atualização do PPC

Em análise às respostas, verifica-se que um percentual elevado de alunos raramente ou nunca participou da elaboração, atualização e reformulação do PPC. É preciso considerar a importância da participação coletiva no processo de discussão desse documento, dado seu caráter norteador das ações educativas.

Segundo Fazenda (2011), todo projeto interdisciplinar competente nasce de um locus bem delimitado, assim, é fundamental contextualizar-se para poder conhecer. Ainda de acordo com a autora, a contextualização exige uma recuperação da memória em suas diferentes potencialidades, portanto, do tempo e do espaço no qual se aprende. Essa contextualização só é possível se houver a participação dos envolvidos no processo educativo, considerando o caráter coletivo de construção do conhecimento.

Entrevistas com professores do curso BC&T - Resultados e discussões

Ainda como parte do estudo de campo, foram realizadas entrevistas com professores que ministram disciplinas no curso, com o intuito de proceder ao levantamento de informações acerca de suas práticas pedagógicas para o desenvolvimento das atividades de ensino, pesquisa e extensão, bem como verificar aspectos relacionados à visão que os mesmos têm do curso e do conceito de interdisciplinaridade.

Um total de 28 (vinte e oito) professores de diferentes áreas do conhecimento participaram da pesquisa. A entrevista foi realizada nos gabinetes dos participantes com horário previamente combinado.

A escolha desse instrumento metodológico deve-se ao fato de que, nas suas diversas aplicações, “é uma técnica de interação social, interpenetração informativa, capaz de quebrar isolamentos grupais, individuais e sociais, podendo também servir à pluralização de vozes e à distribuição democrática da informação.” (MIGUEL, 2010, p. 1). Além disso, foi prevista a necessidade de um diálogo entre os envolvidos, guiado pelas questões elaboradas, de modo a permitir um levantamento de opiniões mais dinâmico e contextualizado.

A utilização de formulário semiestruturado justifica-se pela possibilidade de o entrevistado discorrer sobre suas experiências a partir do conteúdo estabelecido pelo pesquisador, e também propiciar respostas livres e espontâneas valorizando a atuação do entrevistador (LIMA et al., 1999).

O procedimento metodológico utilizado para a interpretação das respostas dos entrevistados foi a Análise de Conteúdo, que, de acordo Bardin (1977), se refere a um conjunto de técnicas de análise das comunicações com a finalidade de obter, através de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que possibilitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de recepção dessas mensagens.

As questões discursivas da entrevista foram divididas em categorias. As respostas obtidas foram desmembradas em subcategorias para que o processo de interpretação fosse possível e coerente com a realidade pesquisada. Para cada subcategoria, é informado o percentual de frequência de aparecimento da resposta.

O levantamento de dados pessoais dos professores teve como objetivo conhecer o perfil do corpo docente que compõe o curso, e os dados se mostraram como a seguir:

Quadro 1
Faixa etária dos professores

Quadro 2
Sexo dos professores

Quadro 3
Tempo de serviço dos professores no magistério

Quadro 4
Carga horária semanal dos professores em disciplinas do BC&T

Do exposto acima, é possível verificar que o curso é composto por um corpo docente diversificado, tanto em relação à idade quanto ao tempo de serviço no magistério, o que possibilita trocas de experiências de vida e profissionais e contribui para o enriquecimento das discussões de estratégias que promovam o desenvolvimento, aperfeiçoamento e constante atualização do curso, uma vez que, no coletivo, “os sentidos construídos com base nas experiências de cada um circulam e conferem ao conhecimento novos significados - agora partilhados.” (PLACCO; SOUZA, 2006, p. 20).

Quadro 5
Graduação cursada pelo professor

A maioria dos professores possui graduação do tipo bacharelado, representando 64,3% dos entrevistados. Desconsiderando as peculiaridades de cada professor relacionadas à docência, esse quadro representa um grau de dificuldade a mais para a inserção e reformulação de atividades didático-pedagógicas do curso. De acordo com Gil (1997), a maioria dos professores brasileiros que leciona em estabelecimentos de ensino superior, embora possua pós-graduação, muitas vezes não é submetida a qualquer processo sistematizado de formação pedagógica. Entende-se que, teoricamente, o professor que tenha feito licenciatura na graduação apresente maior facilidade para propor e desenvolver atividades pedagógicas devido ao seu contato com os estudos ligados à área.

Quadro 6
Grau de formação acadêmica dos professores

Ainda em relação ao perfil do corpo docente, constata-se que ele é formado, em sua maioria, por doutores, o que soma positivamente tanto para a avaliação do curso perante o Ministério da Educação (MEC) e órgãos de fomento de pesquisas científicas e tecnológicas, como para o desenvolvimento das atividades de ensino, pesquisa e extensão, por representar uma maior qualificação desses professores. Além disso, está de acordo com o quadro do perfil de contratação estabelecido no PPC.

A segunda parte da entrevista consistiu na abordagem de questões relacionadas especificamente às práticas docentes e à interdisciplinaridade no âmbito do curso. A análise dessas questões, apresentadas como categorias, é descrita no quadro a seguir:

Quadro 7
Visão dos professores sobre o trabalho interdisciplinar no âmbito dos BIs

Essa questão foi proposta com duplo objetivo: o primeiro deles foi verificar se o professor possui conhecimento a respeito do que se refere a interdisciplinaridade no âmbito dos BIs; o segundo foi mensurar o reconhecimento da importância dessa metodologia e da necessidade de sua inserção nas práticas de ensino e aprendizagem entre os professores.

Como demonstram os resultados da questão, a maioria dos professores entrevistados (67,9%) apresentou um entendimento geral e resumido sobre interdisciplinaridade, bem próximo do que é proposto para essa prática. A ideia de que prevaleça um diálogo, uma complementação, uma interação e integração entre as diferentes áreas do conhecimento e entre diversas disciplinas como forma de caracterizar uma prática interdisciplinar está presente nas orientações e informações encontradas em obras dos autores pesquisados.

De acordo com Japiassu (1976), é possível presenciar um empreendimento interdisciplinar sempre que ele for capaz de incorporar os resultados de várias especialidades, que se utilizar de instrumentos e de técnicas metodológicas de outras disciplinas e de esquemas conceituais e análises que se encontram nos diversos ramos do saber, integrando-os e convergindo-os, depois de terem sido comparados e julgados.

Dessa forma, a metodologia interdisciplinar não se limita somente à interação e integração entre as disciplinas e áreas afins, como citado por 7,1% dos professores entrevistados, mas também envolve o diálogo entre diferentes áreas e disciplinas.

Apesar do fato de que parte dos professores entrevistados tem uma visão de interdisciplinaridade como sendo a interação e integração de diferentes disciplinas e áreas do conhecimento, na prática, no contexto do curso pesquisado, a maioria dos projetos de pesquisa interdisciplinares abrangem apenas áreas e disciplinas afins (ver Quadro 15).

Segundo Japiassu (1976), para o estabelecimento de práticas interdisciplinares, é necessária a mudança de mentalidade dos professores de modo a reconhecerem a sua importância para a formação do aluno. Apesar de todos os professores entrevistados demonstrarem o reconhecimento da importância da inserção da interdisciplinaridade no âmbito do curso, entende-se que a mudança de mentalidade engloba a mudança de atitude. Assim, é necessário que o reconhecimento das práticas interdisciplinares como necessárias para a formação dos alunos seja refletido no exercício da docência.

Quadro 8
Informações sobre o contato dos professores com metodologias interdisciplinares ao longo da formação acadêmica

O objetivo dessa questão foi verificar se os professores entrevistados tiveram a oportunidade de estabelecer contato direto com práticas interdisciplinares ao longo de sua formação acadêmica, contato esse que poderia representar uma base importante para o amadurecimento do seu conhecimento sobre o tema.

De acordo com as informações obtidas, apenas 21,4% dos entrevistados tiveram contato com essa metodologia de ensino ao longo de sua formação acadêmica. Esse fato não representa a garantia de que eles, por terem vivenciado tais metodologias, são necessariamente atuantes nessa mesma linha no desenvolvimento de suas atividades como professores. No entanto, através desse contato, a possibilidade de traçar metas para o desenvolvimento de práticas interdisciplinares bem como de melhor entender como se dá esse processo pode ser facilitada.

Convém ressaltar que, dos professores entrevistados, 46,4% nunca tiveram contato com a metodologia interdisciplinar ao longo de sua formação acadêmica. A esse respeito, Barbosa (2013) ressalta que a prática interdisciplinar experimenta impedimentos vindos da formação cultural da sociedade e que são refletidos no setor educacional através da formação do professor. Este é treinado por um saber fragmentado e realiza o seu trabalho sob as mais adversas influências que se manifestam no cotidiano da sala de aula, onde realiza um trabalho solitário e com inexistência de estímulos.

Quadro 9
Informações sobre a participação dos professores em atividades de capacitação em 'interdisciplinaridade e educação

Esta questão foi formulada tendo como meta mensurar o número de professores que já participaram de cursos de capacitação formais relacionados ao processo interdisciplinar no âmbito escolar. Os resultados apresentados demonstram que a maioria (67,9%) dos professores nunca participou de cursos de capacitação na área.

A esse respeito, Fazenda (2011) cita que, como barreiras para o desenvolvimento da interdisciplinaridade pelos professores, estão o desconhecimento do real significado do projeto interdisciplinar e a falta de formação específica para esse tipo de trabalho, constituindo-se este no principal obstáculo.

Quadro 10
Informações sobre a participação dos professores na elaboração e/ou reformulação do Projeto Pedagógico do Curso.

A questão teve como finalidade verificar a participação dos professores no planejamento, na elaboração e na avaliação do PPC, dada a importância que essa interação pode representar para a coerência e eficácia desse documento.

Através da análise das respostas, foi verificado que 64,3% dos professores entrevistados nunca participou de discussões voltadas à elaboração ou reformulação do PPC; 7,1% participou apenas do processo de revisão no que se refere à inserção da divisão da carga horária das disciplinas entre teórica e prática, ou seja, os professores não participaram de um processo de discussão visando a uma reformulação abrangente; e apenas 28,6% já participaram efetivamente do processo.

No âmbito do próprio PPC, é prevista a participação dos professores nas discussões relacionadas ao processo de atualização e reestruturação desse documento. A importância dessa participação dá-se tanto através das contribuições que podem oferecer para melhoria das ações didático-pedagógicas, como também pelo incentivo que os envolvidos podem receber, decorrentes das discussões realizadas. Isso pode significar uma abertura para o estabelecimento de diálogo que, segundo Fazenda (2002b) e Japiassu (1976), representa a base para o desenvolvimento da interdisciplinaridade no processo educacional.

Quadro 11
Informações dos professores sobre a possibilidade de abstrair do PPC e da Estrutura Curricular do curso uma proposta interdisciplinar de trabalho efetiva

Esta questão teve como objetivo verificar se a organização do PPC, juntamente com a Estrutura Curricular, é capaz de conduzir o professor a uma visão de mecanismos e possibilidades de desenvolvimento de atividades interdisciplinares.

O resultado demonstra que a maioria dos professores não consegue abstrair desses documentos uma proposta interdisciplinar de trabalho efetiva. Considerando que a organização curricular implica a prática curricular e é sua modificadora (THIESEN, 2013), a forma como o PPC e sua Estrutura Curricular são organizados e apresentados precisa colaborar para o direcionamento da inserção de metodologias interdisciplinares no processo de ensino e aprendizagem do curso.

Quadro 12
Informações sobre a previsão de práticas interdisciplinares no planejamento e avaliação de disciplinas

O objetivo dessa questão foi verificar se os professores preveem e planejam a interação e articulação com outras disciplinas do curso na busca pelo desenvolvimento da interdisciplinaridade, aqui considerando o exposto por Coimbra (2000), que descreve o ensino interdisciplinar como parte de um processo intencional.

O exame das respostas mostra que apenas 21,4% dos professores participantes afirmaram planejar e avaliar suas atividades de ensino baseadas na previsão de articulação e interação com outras disciplinas que compõem a Estrutura Curricular, além de inserir temas amplos e contextualizados. Entretanto, eles afirmam que os procedimentos de planejamento envolvem apenas disciplinas que estão sob sua responsabilidade ou disciplinas das áreas afins às deles.

A partir de observações feitas no decorrer das entrevistas, constata-se que muitos dos professores apresentam uma visão de interdisciplinaridade como sendo uma prática que abrange apenas as disciplinas referentes a uma mesma área, quando, na verdade, ela se refere a uma prática de ensino que deve articular diferentes áreas do conhecimento e diferentes disciplinas em um ambiente em que os fenômenos sejam observados, analisados e entendidos como fatos conectados (FERREIRA, 2012).

Quadro 13
Recursos pedagógicos utilizados pelos professores para o desenvolvimento de suas disciplinas

Quadro 14
Atividades desenvolvidas pelos professores com seus alunos fora da sala de aula

As questões relacionadas nos quadros acima (Quadros 13 e 14) tiveram o intuito de caracterizar a utilização, pelos professores, de recursos pedagógicos diversos no desenvolvimento de atividades relativas à disciplina sob sua responsabilidade, visando à realização de aulas dinâmicas, interessantes e diversificadas, bem como a utilização de outros espaços que contribuam para a realização de um trabalho capaz de aproximar o aluno de uma prática contextualizada.

Um exame das respostas apresentadas demonstra que os professores entrevistados, de uma maneira geral, recorrem à utilização de meios pedagógicos diversificados para a abordagem dos conteúdos de suas disciplinas.

A importância da inserção de metodologias diversificadas de ensino baseia-se na influência que estas têm para despertar o interesse dos alunos. Especificamente quanto à utilização de suportes tecnológicos, esse fato pode contribuir para o desenvolvimento de uma das competências previstas para os egressos dos BIs, que se refere à capacidade de dominar e utilizar tecnologias e metodologias reconhecidas na área das ciências bem como utilizar, de forma eficaz e responsável, a tecnologia e os equipamentos disponíveis nos laboratórios de Ciência e Tecnologia (BRASIL, 2010).

No decorrer das falas dos professores, pode ser observado que aspectos relacionados à estrutura física e aos recursos financeiros algumas vezes acarretam impedimentos para a diversificação de estratégias pedagógicas.

Quadro 15
Informações sobre a participação dos professores em projetos interdisciplinares

A finalidade dessa questão foi verificar se ocorre a participação dos professores em projetos interdisciplinares de ensino, pesquisa e extensão. Verifica-se que 67,9% dos entrevistados participam de projetos com o envolvimento de professores de diferentes disciplinas. No entanto, nesse contexto são identificadas a predominância dos projetos de pesquisa e a carência por projetos que envolvem diretamente as atividades de ensino e extensão. Além disso, dentre esses projetos de pesquisa, a maior parte envolve apenas as disciplinas de áreas afins.

De acordo com Nogueira (2001), os projetos interdisciplinares são uma maneira de atingir a integração entre as disciplinas e os diversos saberes das diferentes áreas do conhecimento. Dessa forma, segundo o autor, espera-se que ocorra a interação entre todos os participantes do processo de ensino e aprendizagem, e não que as diferentes disciplinas ministradas de forma compartimentada sirvam de subsídios para que cada aluno realize mentalmente sua própria integração.

Quadro 16
Maiores obstáculos encontrados pelos professores para o desenvolvimento da interdisciplinaridade

O objetivo desta questão foi levantar informações sobre os pontos para os quais devem ser propostas mudanças, adaptações e/ou melhorias, por fazerem referência a obstáculos encontrados pelos professores para o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem interdisciplinar.

O obstáculo mais citado por eles relaciona-se à estrutura física e à falta de instrumentos na instituição onde atuam. Esse obstáculo aponta para ações que algumas vezes fogem do domínio dos envolvidos diretamente com as atividades de ensino e aprendizagem.

A falta de oportunidade de diálogo e interação entre os professores, bem como a carência de reuniões pedagógicas com a participação de todos eles, também são empecilhos destacados nas respostas. Mesmo considerando que uma das metas da instituição é instaurar pautas de estudo e discussão pedagógica nas rotinas dos cursos, no posicionamento apresentado pelos professores, é revelado que a realização de encontros e reuniões pedagógicas com o envolvimento de todos os professores não ocorre frequentemente. Nesse contexto, eles teriam a oportunidade de se conhecerem, de compartilhar seus planos e linhas de estudo, de traçar metas conjuntas e de propor melhorias das atividades acadêmicas, inclusive com a proposição de estratégias inovadoras.

Em relação à importância desse diálogo, novamente se ressalta o exposto por Fazenda (2002b), segundo o qual a construção de uma didática interdisciplinar se fundamenta na possibilidade da efetivação de trocas intersubjetivas. A comunicação entre os professores envolvidos pode ser um diferencial para o sucesso do desenvolvimento de atividades interdisciplinares.

A própria cultura e formação tradicional dos professores também foi citada como um dos obstáculos para a prática interdisciplinar no âmbito do curso. Trata-se de uma realidade e um desafio a ser enfrentado. O desconhecimento acerca da metodologia interdisciplinar bem como a insegurança de alguns professores em relação ao tema, verificados no decorrer das entrevistas, retratam o quanto é necessário que esse assunto faça parte de propostas de aperfeiçoamento e capacitação docente.

A composição, organização e formatação atual do PPC, juntamente com a estrutura curricular, pelo ponto de vista dos professores, também não contribuem para o desenvolvimento da interdisciplinaridade, como já analisado em outro tópico da entrevista (Quadro 11).

Quadro 17
Sugestões dos professores para que a interdisciplinaridade se desenvolva no curso

O levantamento de sugestões que visem contribuir para o desenvolvimento de práticas interdisciplinares no âmbito do curso foi o alvo desta questão. Neste ponto, a maioria dos professores reconhece a necessidade de reformulação do PPC e de sua Estrutura Curricular, bem como o empreendimento de ações de capacitação e aperfeiçoamento voltadas ao tema interdisciplinaridade, além da necessidade de investimentos em estrutura física que facilitem e colaborem para o desenvolvimento de atividades interdisciplinares.

Além disso, destacou-se a necessidade de desenvolvimento de ações que visem estimular o interesse dos professores pelo tema, bem como a interação entre esses profissionais, de modo a estabelecer diálogos e constantes discussões sobre aspectos pedagógicos de desenvolvimento de práticas interdisciplinares. De acordo com as sugestões recebidas, esse estímulo e diálogo estão ligados a uma gestão que busque meios de proceder ao constante incentivo a essas práticas, sendo necessárias ações que envolvam a realização de reuniões para tratar do tema, desenvolvimento de projetos interdisciplinares, além da formação de núcleos de trabalho docente.

APRESENTAÇÃO DE PROPOSTAS E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em resposta à questão principal da pesquisa, considerando a análise dos dados decorrentes dos procedimentos metodológicos realizados, foi verificado que, de um modo geral, no contexto do curso, não é adotada metodologia interdisciplinar conforme previsto nas diretrizes e princípios norteadores dos BIs.

Com base nesses dados e de acordo com o exposto por autores como Lenoir (1998), Japiassu (1976), Coimbra (2000), Fazenda (2010), Fortunato e Confortin (2013), Tosta (2011), Almeida (2010) e Morin (2003), que abordam a temática interdisciplinaridade no contexto educacional, aqui são apresentadas propostas e discussões que preveem contribuir para que as ações realizadas no âmbito dos BIs sejam direcionadas à difusão da interdisciplinaridade no contexto do seu processo de ensino e aprendizagem.

Conforme apresentado, na realização da pesquisa documental, através da análise do Projeto Pedagógico do Curso - PPC - e de sua respectiva Estrutura Curricular, verificou-se que esses documentos não dispõem de elementos que promovam a visão e a previsão de um trabalho interdisciplinar, carecendo de reformulação. Esta constatação é reforçada quando se considera o fato de que a maioria dos professores não visualiza uma proposta de trabalho interdisciplinar efetiva tomando como referência tais documentos (Quadro11).

Com relação ao processo de acompanhamento e discussão do PPC, percebe-se que não é uma prática do curso promover reuniões que contem com a participação de todos os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. As informações manifestadas pelos alunos (Gráfico 5) e professores (Quadro 10) em torno do debate que pressupõe a elaboração, reformulação e atualização do PPC confirmam o exposto.

Diante desse fato e atendo-se ao papel de condutor de ações previsto para o referido documento, propõe-se que sejam constantemente realizadas reuniões contando com a participação de professores, outros profissionais envolvidos no processo de organização do ensino (Pedagogos, Técnicos em Assuntos Educacionais, entre outros) e alunos, com o intuito de promover seu estudo e discussão, com foco em sua atualização e reformulação, de modo a aproximar a composição de seu conteúdo aos objetivos previstos para os BIs.

É recomendado que a Coordenação do curso, diante do importante papel que desempenha frente à gestão das atividades acadêmicas, disponibilize espaços e momentos para essas discussões, atuando como articuladora e organizadora na implantação do PPC. Além de possibilitar uma avaliação e possível reformulação desse documento com a participação coletiva, essa ação proporciona a oportunidade de que sejam disseminados o diálogo e a interação entre os professores, o que pode contribuir para o desenvolvimento de práticas interdisciplinares.

Com base no estudo de campo, a conclusão sobre a falta de caracterização da interdisciplinaridade no curso também é notória. Em análise às respostas dos alunos ao questionário, verifica-se que eles raramente ou nunca foram submetidos a atividades e/ou avaliações que envolvem a interação e integração entre duas ou mais disciplinas (Gráficos 1 e 2). Este fato também se consolida pelas informações dos professores entrevistados, quando mais de 75% deles afirmam não preverem a articulação e interação das atividades e conteúdos ligados às suas disciplinas com outras do curso. (Quadro 12).

Ressalta-se que cabe à Coordenação, juntamente com o Colegiado de Curso, a gestão didático-pedagógica, e ao Núcleo Docente Estruturante - NDE -, a corresponsabilidade pela elaboração, implementação, atualização e consolidação do PPC. Sendo assim, é preciso que estes procedam à realização de reuniões para tratar da interdisciplinaridade no âmbito do BC&T e que façam a previsão de ações que visem promover a disseminação dessa metodologia entre os professores, além de prever formas de incentivar as práticas relacionadas ao tema.

Em relação à previsão de avaliações interdisciplinares como metodologia a ser desenvolvida pelo professor, verifica-se que esta não está claramente contemplada no PPC analisado e não permeia a prática da maioria dos professores do curso, o que pode ser comprovado com a análise das respostas dos alunos (Gráfico 2) e dos professores (Quadro 12).

Dessa forma, recomenda-se que seja revista a metodologia de avaliação dos alunos, de modo a promover sua adequação ao processo de ensino e aprendizagem interdisciplinar. É preciso que seja incluída no PPC a previsão de acompanhamento do rendimento do aluno, com base, também, na interação e integração entre disciplinas, de modo a garantir um processo avaliativo que seja capaz de mensurar conhecimentos, competências e habilidades adquiridas em outros espaços e contextos e que seja respaldado na não fragmentação do conhecimento.

A necessidade de previsão de avaliações interdisciplinares no PPC assenta-se na coerência entre a forma como se trabalha e a forma como se avalia. A organização dessas avaliações deve sempre ser resultante de discussões entre os professores responsáveis pelas disciplinas envolvidas, que, nesse contexto, definem suas estratégias e critérios.

Em relação à Estrutura Curricular, recomenda-se que as disciplinas obrigatórias que compõem o curso sejam apresentadas de forma clara nos seis eixos de conhecimento previstos para o BC&T: Representação e simulação; Estrutura da matéria; Processos de transformação da matéria; Energia; Ciclo da Vida e Comunicação, Linguagens, Informação, Humanidades, e que essa divisão fique nitidamente exposta no PPC. A divisão das disciplinas por eixos permite maior facilidade de previsão de estratégias interdisciplinares.

A formação de uma comissão no âmbito de cada um desses eixos também deve ser considerada, com o objetivo de proceder à elaboração de estratégias que visem ao desenvolvimento da prática interdisciplinar entre esses eixos e entre as disciplinas que os compõem, e desses com as disciplinas de ‘Livre Escolha’ e de ‘Opção Limitada’ oferecidas pelo curso.

Essa discussão e formatação proposta para o PPC, juntamente com sua Estrutura Curricular e, em decorrência, para as ementas das disciplinas, podem contribuir para a aproximação do curso ao cumprimento de princípios previstos para os BIs, tais como: agregar diferentes áreas do conhecimento em um mesmo núcleo, maximizando suas interações; promover uma formação integral do estudante, expondo-o aos conhecimentos científicos, característicos do estado atual da ciência, bem como a temas de origem humanística e social; promover um intenso intercâmbio interdisciplinar tanto na pesquisa como no ensino, valorizando a percepção pelo estudante como sujeito do aprendizado.

Com a realização do estudo de campo, pôde ser verificada a necessidade de que haja processos de capacitação e aperfeiçoamento dos professores relacionados à interdisciplinaridade. Alguns dos professores demonstraram a falta de uma visão formada do que seja um trabalho interdisciplinar, muitas vezes desconhecendo aspectos básicos ligados ao tema. Essa comprovação soma-se à informação de que mais de 78% deles nunca tiveram contato com metodologias interdisciplinares de atuação no processo de ensino e aprendizagem durante sua formação acadêmica (Quadro 8), e que mais de 65% deles nunca participou de atividades de capacitação voltadas para o tema (Quadro 9).

Diante disso, sugere-se a promoção de eventos como: workshops; cursos presenciais e on-line utilizando plataformas digitais; palestras e seminários destinados ao oferecimento de capacitação continuada a professores e demais profissionais envolvidos nas atividades do curso, baseados no estudo e discussão de metodologia e práticas interdisciplinares.

É importante, também, que professores e técnicos sejam incentivados a participar de eventos externos à instituição que tratem de temas relacionados às especificidades dos BIs e à interdisciplinaridade.

É sugerido que a instituição crie políticas institucionais que visem despertar o interesse dos professores, dos técnicos e dos alunos pelo tema ‘interdisciplinaridade’, servindo, inclusive, como forma de impulso para a efetivação dessas práticas. Um exemplo a ser dado é o lançamento de editais de projetos e programas que tenham como requisito a temática das ações interdisciplinares.

Ainda como proposta para a criação de estratégias de incentivo a práticas interdisciplinares, está a previsão de momentos de discussão e interação entre os professores. Um exemplo é o planejamento de um encontro no início e no término de cada semestre letivo com a intenção de que sejam discutidas as metas e objetivos do curso, bem como realizado um balanço das atividades desenvolvidas e dos resultados alcançados. Também podem ser realizadas oficinas de melhores práticas, em que os professores tenham a oportunidade de relatar as atividades interdisciplinares desenvolvidas por eles e os resultados obtidos.

Com a realização desta pesquisa, foi possível verificar que não são efetivas, no âmbito do curso, a elaboração e a execução de projetos de ensino, pesquisa e extensão interdisciplinares, de modo a abranger disciplinas dos vários eixos e diferentes áreas do conhecimento com foco na interação e integração entre esses conteúdos. Além de viabilizar a relação transformadora entre a universidade e a sociedade, esses projetos interdisciplinares podem contribuir para a formação integral do aluno, prevista no PPC, e para o cumprimento de um dos princípios dos BI que prevê a prática integrada da pesquisa e extensão articuladas ao currículo.

Por fim, o desenvolvimento da interdisciplinaridade como ação efetiva no contexto do curso tem como requisito a mudança nas formas de planejamento da composição e estruturação do PPC bem como nas atividades didático-pedagógicas utilizadas pelo professor quando em contato direto com o aluno. No caminho que liga esses dois extremos, precisam ser constantemente previstas, revistas e atualizadas estratégias que busquem o alcance dos objetivos traçados para o curso baseados no perfil esperado dos alunos.

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  • 1
    Dissertação elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Ambiente e Sociedade (PPGTAS), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).
  • 2
    De acordo com Lenoir (1998), levando-se em conta as finalidades desejadas, o ângulo de acesso ao real retido e a escolha dos objetos tratados, distinguem-se quatro campos de operacionalização da interdisciplinaridade: a interdisciplinaridade científica, a interdisciplinaridade escolar, a interdisciplinaridade profissional e a interdisciplinaridade prática.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

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