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PERSPECTIVAS SOBRE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR: PONTOS DE PARTIDA E DE CHEGADA1 1 Editora-Chefe participante do processo de avaliação por pares aberta: Suzana dos Santos Gomes.

PERSPECTIVES ON CONTINUING TRAINING FOR HIGHER EDUCATION TEACHERS: STARTING AND ENDING POINTS

PERSPECTIVAS SOBRE LA FORMACIÓN CONTINUA DEL DOCENTE DE EDUCACIÓN SUPERIOR: PUNTOS DE PARTIDA Y DE LLEGADA

INTRODUÇÃO

Discutir a respeito das perspectivas sobre formação continuada de professores do ensino superior, nos dias de hoje, não é uma tarefa fácil, apesar da mesma ter sido anunciada desde a LDB 9.394/96 (BRASIL, 1996BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Seção 1, n. 248, p. 27833-27841. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm >. Acesso em: 24 de jan. 2022.
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). Cabe destacar que essa sinalização para a formação continuada vem sendo investigada por uma série de estudos e pesquisas, que discutem, em especial, suas concepções, desafios e possibilidades.

Nesta perspectiva, Gatti (2003GATTI, Bernadete A. Formação Continuada de Professores: a questão psicossocial. Cadernos de Pesquisa, n. 119, p. 191-204, julho/2003. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/cp/a/ZvqbCbK3qV6kNR54KvQ4Cwr/?format=pdf⟨=pt >. Acesso em: 22 jul. 2019.
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) indica que há muitos programas de formação, que têm como concepções uma formação continuada que visa a “mudanças cognitivas, de práticas, de posturas” (p. 192), mas com o foco nos aspectos cognitivos individuais. Como indica a autora (2003, p. 192), esses programas se mostram “ineficazes”, pois ao centralizar o foco nas informações ou nos conhecimentos transmitidos (ou a transmitir) acabam esbarrando em problemas que dizem respeito às “representações sociais” e à “cultura de grupos” (p. 192). Concordamos com Gatti (2003), porque nem sempre um conjunto de conhecimentos e/ou informações daria conta da complexidade que envolve a formação continuada de professores, cuja dinâmica sociopsicológica vivenciada por eles assume, para além das relações com o conhecimento, “[...] relações entre conhecimento, valores, atitudes e ações” (p. 197).

Ao tratar da formação continuada, Libâneo (2004LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. Goiânia: Alternativa, 2004.) considera que esta formação é uma condição necessária no processo formativo ao longo da carreira profissional. Para este autor (2004), a formação continuada é um prolongamento da formação inicial e tem por finalidade o aperfeiçoamento profissional teórico-prático no próprio contexto de trabalho para além do exercício profissional.

Já Cunha (2013CUNHA, Maria Isabel. O tema da formação de professores: trajetórias e tendências do campo na pesquisa e na ação. Educ. Pesqui., v. 39, n.3, p.609-625, 2013. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1517-97022013005000014>. Acesso em: 2 jul. 2019.
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, p. 612) declara que a formação continuada “acompanha o tempo profissional dos professores”, tem “formatos e duração diferenciados”, e assume a “perspectiva da formação como um processo”. Neste sentido, pode inserir-se em programas institucionais ou ter origem em iniciativas particulares, considerando que “as universidades e as escolas são as principais agências mobilizadoras dessa formação” (p. 612). Entretanto, continua a autora, é necessário “reconhecer o espaço de trabalho como lugar de formação” (p. 620). O que implica “[...] pesquisar o docente em seu contexto de atuação, em que é reconhecido como produtor de saberes...” (CUNHA, 2013CUNHA, Maria Isabel. O tema da formação de professores: trajetórias e tendências do campo na pesquisa e na ação. Educ. Pesqui., v. 39, n.3, p.609-625, 2013. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1517-97022013005000014>. Acesso em: 2 jul. 2019.
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, p. 621).

Por outro lado, quando se trata das concepções, é preciso também assinalar os desafios a serem enfrentados na formação continuada. Algumas pesquisas, como as de Gatti (2003GATTI, Bernadete A. Formação Continuada de Professores: a questão psicossocial. Cadernos de Pesquisa, n. 119, p. 191-204, julho/2003. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/cp/a/ZvqbCbK3qV6kNR54KvQ4Cwr/?format=pdf⟨=pt >. Acesso em: 22 jul. 2019.
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), Cunha (2013CUNHA, Maria Isabel. O tema da formação de professores: trajetórias e tendências do campo na pesquisa e na ação. Educ. Pesqui., v. 39, n.3, p.609-625, 2013. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1517-97022013005000014>. Acesso em: 2 jul. 2019.
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) e Abdalla (2017ABDALLA, Maria de Fátima Barbosa. Formação, profissionalidade e representações profissionais dos professores: concepções em jogo. Revista de Educação PUC-Camp., Campinas, v. 22, n, 2, p. 171-189, maio/ago. 2017. Disponível em: <Disponível em: https://periodicos.puccampinas.edu.br/reveducacao/article/view/3636 >. Acesso em: 06 mar. 2020.
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) apontam para uma tendência conservadora e liberal nos programas de formação que se desenvolvem no Brasil, e levam em conta que, muitas vezes, esses programas estão desarticulados com as realidades do cotidiano escolar. Para Abdalla (2017ABDALLA, Maria de Fátima Barbosa. Formação, profissionalidade e representações profissionais dos professores: concepções em jogo. Revista de Educação PUC-Camp., Campinas, v. 22, n, 2, p. 171-189, maio/ago. 2017. Disponível em: <Disponível em: https://periodicos.puccampinas.edu.br/reveducacao/article/view/3636 >. Acesso em: 06 mar. 2020.
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, p. 172), será preciso “[...] repensar as lógicas e as práticas de formação, que articulem as situações formativas e os contextos de trabalho, de modo que os professores se impliquem na realidade educativa para interrogá-la constantemente...”.

Ainda, Gatti (2008GATTI, Bernadete A. Análise da política públicas para formação continuada no Brasil, na última década. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, Anped, v. 13, n. 37, p. 57-70, jan./abr. 2008. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/vBFnySRRBJFSNFQ7gthybkH/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 03 out. 2022.
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, p. 57) destaca que há outros desafios a serem enfrentados por muitos cursos de formação continuada, que são de natureza diversificada e que “[...] se associam a processos de educação a distância, que vão do formato totalmente virtual, via internet, até o semipresencial com materiais impressos”. Isso mostra a importância de se acompanhar esses programas que, muitas vezes, intencionam inovações educacionais e mudanças em posturas e formas de agir para se enfrentar as práticas pedagógicas, mas, por vezes, não conseguem “em função de complexos processos não apenas cognitivos, mas, socioafetivo e culturais” (GATTI, 2003GATTI, Bernadete A. Formação Continuada de Professores: a questão psicossocial. Cadernos de Pesquisa, n. 119, p. 191-204, julho/2003. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/cp/a/ZvqbCbK3qV6kNR54KvQ4Cwr/?format=pdf⟨=pt >. Acesso em: 22 jul. 2019.
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, p. 192).

Diante disso, será preciso levar em conta, como explicita Gatti (2008GATTI, Bernadete A. Análise da política públicas para formação continuada no Brasil, na última década. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, Anped, v. 13, n. 37, p. 57-70, jan./abr. 2008. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/vBFnySRRBJFSNFQ7gthybkH/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 03 out. 2022.
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), que há um “universo extremamente heterogêneo”, quando se implementam ações, em especial, “no âmbito da extensão ou da pós-graduação lato sensu” (p. 58). A autora comenta, ainda, que há também pontos críticos em muitos desses cursos, tais como: os aspectos de infraestrutura; falhas no apoio alimentar e de locomoção; problemas com alguns tutores e/ou professores; dificuldades em torno de articular teoria e prática; e “a preocupação com os formadores que atuam nesses cursos” (GATTI, 2008GATTI, Bernadete A. Análise da política públicas para formação continuada no Brasil, na última década. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, Anped, v. 13, n. 37, p. 57-70, jan./abr. 2008. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/vBFnySRRBJFSNFQ7gthybkH/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 03 out. 2022.
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, p. 66).

Apesar das diferentes concepções, dos desafios a serem enfrentados, há, também, muitas possibilidades que devem ser anunciadas, ao tratar da formação continuada. Nesta perspectiva, Gatti (2008GATTI, Bernadete A. Análise da política públicas para formação continuada no Brasil, na última década. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, Anped, v. 13, n. 37, p. 57-70, jan./abr. 2008. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/vBFnySRRBJFSNFQ7gthybkH/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 03 out. 2022.
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, p. 66) indica que há avanços na formação continuada por parte de iniciativas públicas, e enumera alguns indicadores, como: a oferta gratuita para os docentes em formação; o material impresso, vídeos, dentre outros recursos, que são avaliados positivamente; a oportunidade de trocas com os pares nos momentos presenciais; a baixíssima evasão; e as melhoras na aprendizagem dos alunos.

Tudo isso nos leva a pensar sobre a importância de se refletir a respeito de novas concepções, desafios e possiblidades de formação continuada, cujos programas e/ou cursos possam levar em conta não só mudanças nas concepções liberais e conservadoras, mas, sobretudo, que possibilitem promover a articulação urgente e necessária com o contexto de formação e de atuação profissional e com as necessidades/perspectivas daqueles que estão em processos formativos. E é, nesta direção, que compreendemos e analisamos a pesquisa que fundamenta esta resenha avaliativa e que se denomina “A Formação Continuada dos Professores do Ensino Superior: formação e prática pedagógica”.

Para isso, a partir do parecer elaborado e de um debate ao vivo com os autores do texto, que desvelou uma experiência única de reflexividade e de aprendizagem, decidimos que faríamos uma nova análise do texto. Agora, sob uma perspectiva hermenêutica e à luz de Gadamer (2011GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: complemento e índice. 6. ed. Tradução Ênio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2011.) e de Bauman (2022BAUMAN, Zygmunt. Hermenêutica e ciência social: abordagens da compreensão. Tradução Fernando Santos. São Paulo: Editora Unesp, 2022.), a fim de reorientar os diferentes momentos de compreensão e de reflexão a respeito das ideias discutidas e apreendidas das leituras e da compreensão que pudemos ter do texto e do debate que foi realizado com seus autores.

Sendo assim, sob a ótica das contribuições de Gadamer (2011GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: complemento e índice. 6. ed. Tradução Ênio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 566), buscamos demonstrar os “momentos de compreensão” do texto, desde o título dado pelos autores, que nos fez pensar também sobre qual seria a “questão hermenêutica”, que iria trazer à tona a “linguagem dos fatos” (p. 263). Explicitando melhor, para Gadamer (2011GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: complemento e índice. 6. ed. Tradução Ênio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 263), é a “questão hermenêutica” que “[...] busca saber quais são as perguntas a que respondem esses fatos e quais são os fatos que começariam a mostrar-se se fossem feitas outras perguntas” (p. 263).

Diante disso, compreendemos as palavras de Gadamer (2011GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: complemento e índice. 6. ed. Tradução Ênio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 263), quando diz: “a hermenêutica deveria legitimar primeiro a significação desses fatos e com isso as consequências que se derivam da persistência dos mesmos” (p. 263). O que significa que, a partir de uma dinâmica dialógica com os autores, procuramos assumir uma postura gadameriana; ou seja, tendo como guia uma “experiência hermenêutica” (p. 516) ou uma “experiência de sentido”. Para Gadamer (2011GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: complemento e índice. 6. ed. Tradução Ênio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 428), trata-se de um “[...] sentido interrogativo que não espera uma determinada resposta, mas que sugere uma direção do perguntar”.

Nesta perspectiva, alguns questionamentos vieram à tona: o que os autores entendem a respeito da formação continuada de professores do Ensino Superior? Quais as concepções que fundamentam o texto como um todo? Qual o cenário/contexto de discussão que está sendo proposto? Qual é o objeto de análise deste estudo? Qual o objetivo central da pesquisa? Quais as perspectivas de análise? O texto dá conta de fornecer elementos que contribuam para a compreensão/interpretação da temática proposta?

Sem dúvida, essas perguntas possibilitaram construir relações de sentido com as colocações dos autores e a forma como apresentaram o texto, que se compõe de seções bem articuladas e que estruturam e organizam as ideias de forma consistente e pertinente à temática proposta.

No sentido de revisitar o texto, observamos mais uma vez que, logo de início, os autores discutem o contexto de formação de professores nas últimas décadas, indicando a expansão do ensino superior no Brasil, em especial, da educação a distância. Problematizam questões em torno do acesso e da expansão, situando a heterogeneidade dos estudantes, tendo em vista as suas diferenças sociais, o tipo de formação e o que esperam da universidade atual.

Mais adiante, em relação à formação didático-pedagógica dos professores no ensino superior, os autores, por meio de diferentes e atuais referenciais teóricos, apresentam, dentre outras, as seguintes concepções: a) a formação continuada não exige dos professores uma formação contínua no sentido de priorizar os aspectos didático-pedagógicos; b) a dimensão histórica e a dinâmica social não podem ser desconsideradas na formação de professores, e, neste sentido, há necessidade de se levar em conta as trajetórias formativas e as tendências no campo da pesquisa e da ação (CUNHA, 2013CUNHA, Maria Isabel. O tema da formação de professores: trajetórias e tendências do campo na pesquisa e na ação. Educ. Pesqui., v. 39, n.3, p.609-625, 2013. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1517-97022013005000014>. Acesso em: 2 jul. 2019.
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); c) a importância de se tratar da docência como atividade complexa que reivindica uma formação cuidadosa e comprometida com as condições do exercício do magistério; d) a necessidade de o docente aprender sobre o fazer pedagógico e todos os aspectos sociais envolvidos na docência; e e) a necessidade de uma formação pedagógica que possibilite desenvolver um processo de reflexão sobre a própria ação, na direção de se (re) construir a identidade e os saberes da docência (MELO; CAMPOS, 2019MELO, Geovana Ferreira; CAMPOS, Vanessa T. Bueno. Pedagogia universitária: por uma política institucional de desenvolvimento docente. Cad. Pesqui., v.49, n.173, p.44-63, 2019. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/198053145897>. Acesso em: 5 out. 2020.
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).

Por outro lado, também apontam, de acordo com Garbin e Arroio (2022GARBIN, Mônica; ARROIO, Agnaldo. From principles to practice: an online learning experience on designing at brazilian university. Revista EDaPECI - Educação a Distância e Práticas Educativas Comunicacionais e Interculturais, v.22, n.3, p.32-46, 2022. Disponível em: <https://doi.org/10.29276/redapeci.2022.22.317749.32-46>. Acesso em: 02 abr. 2023.
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) e Almeida e Pimenta (2014ALMEIDA, Maria Isabel de; PIMENTA, Selma Garrido. Pedagogia universitária: valorizando o ensino e a docência na universidade. Revista Portuguesa de Educação, v.27, n.2, p.7-31, 2014. Disponível em: <https://doi.org/10.21814/rpe.6243>. Acesso em: 08 jun. 2020.
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), dentre outros autores, para os seguintes problemas e/ou desafios a serem enfrentados na formação continuada: a) o despreparo dos profissionais de ensino superior em relação aos processos de ensino e aprendizagem; b) a não oferta ou a oferta não obrigatória de ações formativas; c) a formação como lugar secundário diante das exigências de titulação; e d) a urgência de políticas que estabeleçam diretrizes orçamentárias e organizativas para a formação pedagógica de professores/as.

Neste contexto e/ou cenário de discussão, situam a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP) como a quarta universidade pública paulista, para além da Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e a Universidade Estadual Paulista (UNESP). E como sujeitos: os facilitadores. Tais profissionais são considerados pelos autores como agentes educacionais que promovem a mediação didático-pedagógica com os estudantes da instituição.

Além disso, os autores colocam o acento no curso de especialização em Processos Didático-Pedagógicos para Modalidade a Distância, que tem duração de 24 meses e se divide em módulos com carga horária total de 960h. Tal curso acontece no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) e se desenvolve a partir de diferentes temáticas, tais como: a elaboração do material didático, as estratégias de aprendizagem, a avaliação da aprendizagem, os instrumentos avaliativos, as metodologia ativas de aprendizagem e o uso de recursos tecnológicos a distância. E, também, anunciam que a UNIFESP defende as metodologias ativas de aprendizagem em relação às práticas pedagógicas.

Para os autores, a experiência formativa dos facilitadores é objeto de análise e pesquisa, e o objetivo do texto é o de analisar as percepções dos facilitadores acerca das experiências pedagógicas vivenciadas na formação continuada de professores do ensino superior da UNIVESP. A intenção principal é a de compreender o que esses sujeitos pensam sobre si mesmos, suas aprendizagens e as suas relações com as práticas pedagógicas.

É importante destacar, ainda, que o texto centraliza as perspectivas de análise em duas categorias: o lugar dos facilitadores e a experiência pedagógica da formação, que serão comentadas nas próximas seções. Só que, para seguirmos adiante, conforme diria Bauman (2022BAUMAN, Zygmunt. Hermenêutica e ciência social: abordagens da compreensão. Tradução Fernando Santos. São Paulo: Editora Unesp, 2022., p. 324), será preciso lembrar “[...] de uma questão importantíssima: o que transforma o ‘olhar para o texto’ em compreensão é o ato de pôr o texto em contexto” (grifos do autor).

DO LUGAR DOS FACILITADORES: PERSPECTIVAS PARA A FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Para analisarmos o lugar dos facilitadores frente às perspectivas para a formação profissional, para além de Gadamer (2011GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: complemento e índice. 6. ed. Tradução Ênio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2011.), partimos, como mencionado, das ideias de Bauman (2022BAUMAN, Zygmunt. Hermenêutica e ciência social: abordagens da compreensão. Tradução Fernando Santos. São Paulo: Editora Unesp, 2022., p. 324), em especial, quando diz que: “o texto é um objeto mudo que só o ato de interpretação por meio da localização pode obrigar a falar”. É preciso rever que, para este autor, “a compreensão mais completa que se possa imaginar ainda depende do contexto e está limitada a ele” (p. 324). Neste sentido, Bauman (2022BAUMAN, Zygmunt. Hermenêutica e ciência social: abordagens da compreensão. Tradução Fernando Santos. São Paulo: Editora Unesp, 2022., p. 325) nos ajuda a pensar a respeito do “[...] verdadeiro problema (o verdadeiro motivo da nossa ansiedade) não é a estrutura predominante da compreensão teórica, mas a ausência prática de controle da situação de vida, que a interpretação mais perfeita será incapaz de corrigir” (grifos do autor).

Diante disso, buscamos compreender os possíveis significados e interpretações dos autores a respeito das percepções dos facilitadores a partir do contexto em que estão inseridos. Observamos, assim, que os participantes da pesquisa reconhecem a experiência de serem facilitadores como um processo pedagógico importante em sua formação profissional. Enxergam-se, em especial, como: “mediadores do conhecimento”, “elo entre o estudante e a universidade” e “agente educacional imprescindível para a formação dos estudantes na EaD”.

Quanto às percepções desses sujeitos sobre o lugar que exercem frente às práticas pedagógicas, os autores indicam, como resultados, a necessidade de: a) assumir uma perspectiva mais aprofundada e social do fazer pedagógico, reforçando um entendimento instrumental das atividades de aprendizagem; b) tornar as práticas pedagógicas como objeto constante de reflexão na direção de uma perspectiva crítica; c) humanizar o contato e aproximar os alunos da EaD da figura de um professor/tutor; d) problematizar a falta de identidade e de qualificação dos facilitadores como uma forma de profissionalização da categoria; e e) instituir uma legislação que valorize o trabalho pedagógico dos facilitadores no contexto do ensino superior. Esses resultados revelam, então, as perspectivas para a formação profissional dos facilitadores.

Entretanto, podemos afirmar, junto com os autores, que será preciso definir melhor o lugar dos facilitadores, reconhecendo que esses sujeitos assumem funções que são complexas e denotam fragilidades no interior da universidade. Além disso, comentam sobre a falta de condições institucionais, de remuneração e de carga horária, alegando, também, que os facilitadores dependem das circunstâncias de trabalho que são construídas ao longo do curso de formação.

Se tomarmos essas perspectivas quanto às percepções dos facilitadores, no sentido do que são, do que esperam ser e do contexto e/ou das circunstâncias que vivenciam, mas que poderiam traduzir melhores condições de trabalho e de formação profissional, recorremos, mais uma vez, a Gadamer (2011GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: complemento e índice. 6. ed. Tradução Ênio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 516), para saber se essas percepções dos facilitadores (e dos autores) poderiam ser consideradas como uma “experiência hermenêutica”. Experiência, que possa fazer compreender “as implicações ontológicas” (p. 516), que estão por detrás das falas dos facilitadores e dos registros dos autores.

Para Gadamer (2011GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: complemento e índice. 6. ed. Tradução Ênio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 516), uma “experiência hermenêutica” é aquela em que se vivencia um “jogo recíproco de acontecer e compreender” (grifos nossos), que se dá nos “jogos de linguagem de nossa experiência de mundo em geral...” (p. 516). Diante desse pensamento, é possível avaliar que os facilitadores, sujeitos da pesquisa, vivem experiências que estão condicionadas às circunstâncias e aos espaços sociais a que estão submetidos: exercem funções complexas, e, por vezes, são considerados como professores e, em outros momentos, como tutores ou aqueles que estão em diferentes momentos e lugares a depender do “jogo da vida e do trabalho” que desenvolvem como bolsistas, no cotidiano do “acontecer” e do “compreender”, conforme assinala Gadamer (2011GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: complemento e índice. 6. ed. Tradução Ênio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2011.).

Por outro lado, se refletirmos com Bauman (2022BAUMAN, Zygmunt. Hermenêutica e ciência social: abordagens da compreensão. Tradução Fernando Santos. São Paulo: Editora Unesp, 2022.), a fim de se compreender esses “jogos”, que constituem a nossa experiência de vida, seria necessário buscar o entendimento do que tem de “verdade” por detrás disso. O que exigiria apreender: “[...] um conjunto independente de regras que constituiria essa atividade como uma esfera autônoma, autossustentável e autocontrolada” (BAUMAN, 2022BAUMAN, Zygmunt. Hermenêutica e ciência social: abordagens da compreensão. Tradução Fernando Santos. São Paulo: Editora Unesp, 2022., p.326). Para o autor, “a verdade talvez seja um estado inalcançável do conhecimento, mas ela é indispensável para que o conhecimento exista” (p. 336). Neste caso, observamos que os facilitadores enunciam suas percepções e os autores anunciam e denunciam as funções desses facilitadores, que se perpetram no contexto da UNIVESP. Há um certo consenso de incompreensão ao enunciar, anunciar e denunciar a complexidade da função dos facilitadores por parte dos sujeitos participantes e dos autores, ao indicarem o lugar que ocupam no contexto da Universidade, suas dificuldades e desafios.

Tudo isso nos leva a entender, com mais clareza, as palavras de Bauman (2022BAUMAN, Zygmunt. Hermenêutica e ciência social: abordagens da compreensão. Tradução Fernando Santos. São Paulo: Editora Unesp, 2022., p. 274), ao dizer que: “Só a experiência da incompreensão é que nos torna conscientes, instantaneamente, da tarefa da compreensão” (grifos do autor). E essa afirmação de Bauman (2022BAUMAN, Zygmunt. Hermenêutica e ciência social: abordagens da compreensão. Tradução Fernando Santos. São Paulo: Editora Unesp, 2022.) nos faz refletir sobre a “experiência de incompreensão” do papel dos facilitadores, em especial, quando os autores atestam que “não há como dissociar essa condição frágil de ser facilitador do fazer pedagógico que está sendo construído no contexto institucional”; ou mesmo, quando afirmam: “Afinal, a experiência de ser facilitador e suas percepções dependem das circunstâncias de trabalho que são construídas ao longo do curso de formação”.

Notamos, assim, o quanto os autores se implicam com essa experiência, e em que medida revelam um certo nível de incompreensão deste papel frágil dos facilitadores. Mas, por outro lado, o quanto essa experiência os tornou conscientes dessa tarefa de anunciar e denunciar a realidade vivenciada na formação continuada desses sujeitos. Com essas colocações, seguimos para a segunda perspectiva de análise.

DA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA DA FORMAÇÃO: PRÁTICAS COMPARTILHADAS

As percepções dos facilitadores sobre suas experiências pedagógicas de formação destacam, como resultados, perspectivas que se voltam para a necessidade de se compreender: a) a dinâmica de aprendizagem do ensino a distância, levando em conta a reflexão sobre as estratégias pedagógicas para lidar com as demandas sociais, intelectuais e emocionais dos estudantes; b) a promoção de espaços de partilha das práticas pedagógicas; c) as ações formativas que favoreçam as trocas de experiências e conhecimentos, além da possiblidade de se refletir sobre a construção de novas e atualizadas aprendizagens; d) o trabalho pedagógico coletivo no sentido de promover uma formação significativa do aprender e do ensinar e, nesta direção, fomentar a socialização profissional; e) o processo permanente de formação pedagógica, cujos saberes estão em constante movimento, devendo ser confrontados, revistos e interrogados ao longo do tempo; f) os espaços de vivência e convivência, de reflexão e de compartilhamento da prática pedagógica, que coloquem os estudantes em um lugar central da aprendizagem, na perspectiva das metodologias ativas, não como modismo, mas como postura ativa na construção de conhecimentos; e g) o significado da autonomia e da responsabilidade para que sejam promovidas ações conscientes, partilhadas, solidárias, criativas e críticas.

Para além dessas perspectivas, os resultados também apontam para as dificuldades existentes nas práticas pedagógicas, tais como: a) a falta de participação efetiva dos estudantes nas diferentes atividades propostas, em especial, nos encontros virtuais que se dão semanalmente; b) o problema em desenvolver as metodologias ativas no âmbito de uma lógica produtivista, tecnicista, alienada e esvaziada de conhecimento; e c) os vínculos fortes que ainda existem (e persistem) com os modelos pedagógicos tradicionais, em que os estudantes são mais passivos e não possuem espaços de maior autonomia, desenvolvimento e inovação.

Esses resultados nos fazem lembrar de um dos pensamentos de Gadamer (2011GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: complemento e índice. 6. ed. Tradução Ênio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 352), quando afirma que: “[...] o que orienta o sujeito na ação prática política é determinado a partir do próprio sujeito e de seu próprio saber”. Neste sentido, os autores, ao apresentarem as percepções dos facilitadores sobre as experiências pedagógicas, indicam o que falam, o que pensam e o que fazem em suas ações práticas e políticas. Compartilham seus saberes e analisam, discutem e compreendem a respeito da potencialidade de suas funções para a construção, desconstrução e reinvenção de outros e significativos momentos de práticas pedagógicas. Dessa forma, é importante destacar que não deixam de refletir sobre a educação como prática social, “[...] como algo necessariamente compartilhado, na medida em que os sujeitos envolvidos se influenciam mutuamente, dão conteúdo às suas experiências e engendram uma cultura intersubjetiva com as possibilidades e os riscos que daí decorrem...”, conforme Abdalla e Villas Bôas (2018ABDALLA, Maria de Fátima Barbosa; VILLAS BÔAS, Lúcia. Um olhar psicossocial para a educação. Cadernos de Pesquisa, v. 48, n. 167, p. 14-41, jan./mar. 2018. Disponível em: <Disponível em: https://publicacoes.fcc.org.br/cp/article/view/4277/pdf_1 >. Acesso em: 08 mar. 2020.
https://publicacoes.fcc.org.br/cp/articl...
, p. 18).

Analisar essas questões nos levam, também, a estabelecer, mais uma vez, uma relação com Bauman (2022BAUMAN, Zygmunt. Hermenêutica e ciência social: abordagens da compreensão. Tradução Fernando Santos. São Paulo: Editora Unesp, 2022., p. 239), ao enfatizar que: “Compreender é ‘saber como seguir em frente’; o esforço intersubjetivo da compreensão mútua visa objetivamente uma aceitação recíproca de normas que acabarão guiando o comportamento das partes que participam da negociação” (grifos do autor). Com efeito, os autores entendem o sentido/significado da experiência pedagógica para os facilitadores, apesar dos muitos entraves existentes; mas, sobretudo, indicam o quanto esta experiência encoraja a reflexão sobre a docência. O que significa que tanto os facilitadores quanto os autores compreendem a importância de “saber como seguir em frente”, tal como nos ensina Bauman (2022BAUMAN, Zygmunt. Hermenêutica e ciência social: abordagens da compreensão. Tradução Fernando Santos. São Paulo: Editora Unesp, 2022., p. 239).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde a primeira leitura do texto, em questão, tínhamos considerado a temática relevante e instigante por problematizar as percepções dos facilitadores da UNIVESP com relação às suas experiências pedagógicas. Nesta perspectiva, já havíamos socializado, tanto no parecer quanto no diálogo ao vivo com os autores, que o texto traz uma série de pontos de vista diferentes e complementares sobre o objeto de estudo, que são coerentes e pertinentes à temática proposta, na medida em que inter-relacionam adequadamente a fundamentação teórica com os dados coletados na pesquisa de campo, mostrando os limites e as potencialidades da formação continuada sob o ponto de vista dos facilitadores.

Além disso, os argumentos apresentados são consistentes no adensamento das reflexões, em especial, a partir das categorias de análise anunciadas: o lugar dos facilitadores, que trata da percepção desses sujeitos a respeito de suas funções e de seu lugar na UNIVESP; e a experiência pedagógica da formação, que revela e discute impressões dos facilitadores no tocante às práticas pedagógicas no curso de formação continuada.

Tomando essas perspectivas de análise, outras questões são destacadas para melhor compreender o contexto da pesquisa, tais como: por que e como a UNIVESP defende as “metodologias ativas de aprendizado” em seu respectivo curso de formação e nas práticas pedagógicas desenvolvidas pelos facilitadores? Como se configuram as “estratégias de aprendizagem”, a “avaliação da aprendizagem”, os “instrumentos avaliativos” e a relação estabelecida com as “metodologias ativas de aprendizagem” e o “uso de recursos tecnológicos”? Como funcionam os “fóruns de discussão e as ‘web’ conferências”? Qual a relação entre “o TCC, o Projeto Integrador e as atividades de estágio”? E como os facilitadores exercem um “trabalho pedagógico integrado com professores e supervisores”? São questões que, certamente, poderão compor outros estudos e/ou pesquisas.

Nesta linha de pensamento, podemos reforçar que as considerações finais desenvolvidas pelos autores também são coerentes com as ideias registradas anteriormente, colocando em destaque, sobretudo, a complexidade das funções pedagógicas dos facilitadores e situando a importância de novos estudos sobre suas práticas no ensino superior. Oferecem, assim, um conjunto de reflexões, que precisariam ser consideradas pela Instituição investigada e por outras instituições educacionais, ao desenvolverem seus cursos de formação continuada. Dentre elas, assinalamos as que seguem: a) as novas demandas no contexto acadêmico da modalidade EaD exigem novas práticas de acompanhamento do processo de aprendizagem dos estudantes, o que leva a entender que mediar atividades pedagógicas no ensino superior é um complexo desafio educacional; b) reconhecer o lugar e as funções dos facilitadores e levar em conta suas percepções sobre o seu trabalho pedagógico, revendo, em especial, as condições institucionais, podem ser caminhos para superar os desafios enfrentados; e c) compreender que há uma complexidade na função dos facilitadores, que exige refletir, mais intensamente, sobre o sentido/significado de se desenvolver uma formação que possibilite discutir os fundamentos da pedagogia universitária, as próprias experiências formativas e as condições de exercício das práticas pedagógicas.

Para além dessas considerações, foi possível desenvolver, ainda que de forma breve, uma análise hermenêutica que levou em conta esses “momentos de compreensão”, como diria Gadamer (2011GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: complemento e índice. 6. ed. Tradução Ênio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 566), e que foram até agora definidos. Tais momentos foram fortalecidos pelo diálogo realizado com o texto, que trouxe à tona a “questão hermenêutica”, ou seja, as perguntas que foram feitas pelos autores ressignificando os “fatos” por meio das percepções dos sujeitos de pesquisa: os facilitadores da UNIVESP. Neste sentido, podemos afirmar que o texto deu conta de fornecer elementos que contribuíram para a compreensão/interpretação da temática proposta, revelando uma “experiência hermenêutica”, que se desvela em uma “experiência de sentido” para aqueles que fizeram (ou farão) a leitura do texto.

Para finalizar, destacamos alguns pontos de partida que deram origem aos primeiros momentos de compreensão e que revelam o que estamos entendendo como “experiência hermenêutica”, de acordo com Gadamer (2011GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: complemento e índice. 6. ed. Tradução Ênio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2011.) e Bauman (2022BAUMAN, Zygmunt. Hermenêutica e ciência social: abordagens da compreensão. Tradução Fernando Santos. São Paulo: Editora Unesp, 2022.) e diante do texto analisado. São eles:

  • 1º Desenvolver a compreensão sobre a proposta temática, de modo a conhecer a sua mensagem e orientar as reflexões a partir da intencionalidade, demarcada pelo objetivo indicado, assim como pela organização textual, que desvelam o sentido do texto (a direção) e seu significado (a linguagem dos fatos);

  • 2º Assumir uma dinâmica dialógica com os autores, a partir da questão problematizadora, ou seja, da “questão hermenêutica”, geradora de ideias, perguntas, inquietações e possibilidades textuais para procurar saídas para novas questões e/ou respostas;

  • 3º Compreender o texto em seu contexto, ou seja, no cenário de discussão proposto pelos autores, na busca de entender os “jogos de linguagem” que se dão e que são vivenciados, procurando “legitimar primeiro a significação desses fatos”, mas sem deixar de olhar para “as consequências que derivam da persistência dos mesmos”, conforme afirma Gadamer (2011GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: complemento e índice. 6. ed. Tradução Ênio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 263).

Esses três pontos de partida representam uma forma de entrar neste “jogo” de compreensão textual no sentido de abrir brechas para fazer parte do esquema interpretativo, segundo Bauman (2022BAUMAN, Zygmunt. Hermenêutica e ciência social: abordagens da compreensão. Tradução Fernando Santos. São Paulo: Editora Unesp, 2022.).

Entretanto, além desses três pontos de partida, podemos mencionar, ainda, alguns pontos de chegada, também com as contribuições de Gadamer (2011GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: complemento e índice. 6. ed. Tradução Ênio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2011.) e Bauman (2022BAUMAN, Zygmunt. Hermenêutica e ciência social: abordagens da compreensão. Tradução Fernando Santos. São Paulo: Editora Unesp, 2022.). São eles:

  • 1º Entender que essa “experiência hermenêutica” pode-se denominar como experiência de sentido e/ou de compreensão; assim como uma experiência de aprendizagem e de formação, tendo em vista que ela possibilita ressignificar as práticas pedagógicas no âmbito de um curso de formação continuada e junto aos facilitadores, cujas funções são complexas, como já foi discutido, e necessitam ser melhor definidas;

  • 2º Compreender que essa experiência é permeada por um caminho de incertezas, de dúvidas, de desafios por que passam esses sujeitos investigados; ou seja, trata-se de um caminho de incompreensão, como nos ensina Bauman (2022BAUMAN, Zygmunt. Hermenêutica e ciência social: abordagens da compreensão. Tradução Fernando Santos. São Paulo: Editora Unesp, 2022.). Tal caminho nos leva a tomar consciência de nossa realidade e da tarefa que assumimos para compreendê-la; mas também da necessidade que temos sempre de superar os desafios encontrados, ou seja, “seguir em frente”; e

  • 3º Reconhecer como estão definidos os “jogos de linguagem”, as “negociações de sentido e/ou de acordo”, os “riscos das incertezas”, no sentido de compreender que este “movimento de vaivém”, de certa forma, representa o “círculo hermenêutico” gadameriano (2011). Tal círculo implica sempre uma “fusão de horizontes”; e isso significa, segundo Gadamer (2011GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: complemento e índice. 6. ed. Tradução Ênio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 132), que: “o intérprete e o texto possuem cada qual o seu próprio ‘horizonte’ e todo compreender representa uma fusão desses horizontes” (grifos nossos). Para nós, essa “fusão de horizontes” vai da proposta temática à busca da compreensão textual, da compreensão textual à interpretação subjetiva e intersubjetiva dos fatos e da história em que eles acontecem e nos envolvem.

Com efeito, esses pontos de partida e de chegada para a compreensão do texto proposto pelos autores nos fizeram repensar não só sobre as concepções, os desafios e as possibilidades de um processo de formação continuada, mas, sobretudo, a respeito da necessidade de que haja vontade política para que essa formação possa ocorrer e/ou se desenvolver, tendo como horizonte uma educação de qualidade social, que reconheça e valorize os profissionais da educação e suas práticas. Consideramos, assim, que é um direito de todos passarem por uma formação continuada que estabeleça relações mais transversais, que abra possibilidades de uma articulação entre os contextos de formação e de atuação docente, para que se tenha um exercício profissional mais coerente, consistente e autônomo.

Por fim, a nossa aposta é que este diálogo que travamos com o texto, em questão, possa contribuir com outras reflexões que invoquem pesquisas futuras na direção de aprofundar ideias em relação à formação continuada dos professores do ensino superior, suas experiências, seus saberes e práticas pedagógicas. E que tudo isso reafirme, de forma urgente, o compromisso da Educação com uma sociedade mais justa, democrática e humana.

REFERÊNCIAS

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Editado por

1
Editora-Chefe participante do processo de avaliação por pares aberta: Suzana dos Santos Gomes.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    14 Jul 2024
  • Aceito
    31 Jul 2024
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