Acessibilidade / Reportar erro

Evolução do índice de capital humano anual para a economia brasileira: 1995-2022 CAPES - Código de Financiamento 001

Evolution of the annual human capital index for brazilian economy: 1995-2022

Resumo

Neste estudo construímos o Índice de Capital Humano (ICH) para o Brasil, cobrindo o período de 1995 a 2022. Utilizamos os microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e da PNAD Contínua, ambas disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e adaptamos para o caso brasileiro a metodologia empregada por diversas organizações internacionais, como o Bureau of Labor Statistics (BLS). O ICH captura os movimentos estruturais da qualidade da mão de obra brasileira, dada a ampla abrangência temporal dos dados, e sua derivação é compatível com a metodologia usual de decomposição do crescimento econômico. Neste sentido, empregamos o ICH no ajuste do fator trabalho utilizado no cálculo da produtividade total dos fatores (PTF). Os resultados mostram que no período de 1995 a 2022 o ICH apresentou um crescimento anual médio de 2,2%. Além disso, a inclusão do ICH influenciou a dinâmica da PTF, que registrou queda anual média de 0,9% no período analisado.

Palavras chaves:
Capital humano; Contabilidade do crescimento; PTF

Abstract

In this paper, we construct the Human Capital Index (ICH) for Brazil, covering the period from 1995 to 2022. We used microdata from National Household Sample Survey (PNAD) and PNAD Contínua, both made available by Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). We adapted the methodology used by several international organizations, such as the Bureau of Labor Statistics (BLS). The ICH captures structural movements in the quality of the Brazilian workforce, given the wide temporal range of the data, and its derivation is compatible with the usual methodology for decomposing economic growth. We thus used the ICH to adjust the labor factor in the total factor productivity (TFP) calculation. The results show that ICH presented an average annual growth of 2.2% between 1995 and 2022. In addition, the inclusion of the ICH influenced the TFP dynamics, which registered an average annual drop of 0.9% in the analyzed period.

Keywords:
Human capital; Growth accounting; TFP

1. Introdução

Ao menos desde a década de 1960, com a grande repercussão do modelo proposto por Becker (1962Becker, Gary. 1962. “Investment in human capital: a theoretical analysis.” Journal of Political Economy 70 (5), 9-49.), o termo capital humano é empregado para representar o conjunto de habilidades e conhecimentos capazes de gerar rendimentos maiores para os indivíduos. A denominação como capital, em analogia ao capital físico, reflete a ideia de que se trata de um investimento presente com recompensa futura na forma de maior renda e consumo.

Diferentemente do capital físico, no entanto, o capital humano é de natureza intangível: conhecimentos, habilidades, experiência, familiaridade com determinada atividade, desempenho cognitivo e, até mesmo, bem-estar e longevidade são propriedades imateriais. Dessa forma, sua mensuração é necessariamente mais desafiadora do que a contagem da quantidade ou do valor monetário de maquinários industriais, por exemplo. Além disso, a identificação das fontes do capital humano - isto é, dos tipos de investimento que promovem os ganhos futuros - também não é trivial.

De modo geral, diferentes noções de educação formal e experiência no trabalho foram elencadas como as principais variáveis associadas a maiores níveis de capital humano. Como consequência, elas estariam associadas a produtividades mais altas e, assim, a rendimentos salariais também maiores. Talvez a mais famosa tentativa de medir esses efeitos seja o modelo salarial de Mincer (1974Mincer, Jacob A. 1974. “Schooling, experience and earnings.” Nova York: National Bureau of Economic Research, 1-152.), que obtém estimativas para o retorno de um ano adicional de estudo e de experiência no trabalho para o salário de um trabalhador a partir de regressões lineares. Mais recentemente, trabalhos baseados em quase-experimentos ou em tratamentos randomizados controlados (RCTs) têm fornecido estimativas causais ainda mais precisas da resposta de salários e do desempenho escolar a programas e políticas específicas voltados ao desenvolvimento do capital humano.1 1 Ver Deming (2022) para uma síntese.

A despeito dos sucessivos avanços nessa literatura, porém, não há consenso quanto à forma ideal de se medir o capital humano de um indivíduo, muito menos de uma nação. De fato, o contexto específico analisado e o objetivo pretendido com o estudo podem gerar condições que tornem uma metodologia mais adequada do que outra.

Algumas instituições internacionais, como Banco Mundial, Penn World Table e Conference Board , disponibilizam séries históricas de medidas de capital humano que permitem a comparação entre os países. No entanto, a ampla abrangência dessas medidas impõe a adoção de metodologias mais simples e menos adaptadas ao contexto específico de cada país, e dependentes de um conjunto pequeno (e, assim, mais facilmente observável) de variáveis.

No âmbito nacional, pesquisadores têm buscado construir medidas de capital humano mais aderentes ao contexto brasileiro.2 2 O Banco Mundial construiu um indicador de capital humano para estimar o acúmulo de habilidades pelos indivíduos até os 18 anos em uma grande amostra de países. Em relatório recente com foco no Brasil (World Bank, 2022), o Banco Mundial estima que um brasileiro médio nascido em 2019 atingirá apenas 60% de todo o seu potencial aos 18 anos. Em particular, as últimas décadas foram marcadas por dois fenômenos importantes no mercado de trabalho brasileiro: por um lado, houve um significativo crescimento da escolarização formal entre os participantes da população ocupada; por outro, os retornos marginais da educação tiveram trajetória de queda - isto é, o aumento no salário associado aos anos adicionais de estudo está menor do que no passado. Como se considera que os salários estão associados ao nível de produtividade dos trabalhadores, tal queda nos retornos marginais pode representar uma redução no ganho de produtividade resultante do acúmulo de capital humano.3 3 Vale ressaltar que o efeito da educação sobre o nível de salário segue positivo. A queda nos retornos da educação significa que a magnitude do crescimento dos salários é que está menor do que foi no passado. Esses dois fenômenos têm efeitos contraditórios sobre a produtividade agregada da força de trabalho no Brasil, e uma medida apropriada do capital humano no país deve capturar de forma adequada esses efeitos.

Barbosa Filho et al. (2010Barbosa Filho, Fernando H., Samuel Pessôa e Fernando Veloso. 2010. Evolução da produtividade total dos fatores na economia brasileira com ênfase no capital humano - 1992-2007.” Revista Brasileira de Economia 64 (2), 91-113.) analisaram a evolução da PTF no período 1992-2007 utilizando uma medida de capital humano que permitia mensurar tanto a evolução da participação dos diversos níveis de escolaridade e experiência do trabalhador no total de horas trabalhadas como a variação em sua produtividade ao longo do tempo.

Silva et al. (2021Silva, Cristiano C., José Ronaldo de C. Souza Jr. e Tarsylla da S. de G. Oliveira. 2021. “Índice de qualidade do trabalho e suas implicações sobre a produtividade e a taxa de desocupação.” Carta de Conjuntura IPEA 51(24), 1-26.) construíram o Índice de Qualidade do Trabalho (IQT), baseado em Aaronson e Sullivan (2001Aaronson, Daniel e Daniel Sullivan. 2001. “Growth in worker quality.” Economic Perspectives -Federal Reserve Bank of Chicago 25 (4), 53-74.), para analisar as mudanças na composição da população ocupada no período de 2012 a 2020.4 4 Silva et al. (2022) apresentam estimativas do IQT desagregadas por setores econômicos. Nesse trabalho, os autores utilizaram dados da PNAD Contínua em frequência trimestral, de modo a cobrir fenômenos de natureza conjuntural, com destaque para os impactos da pandemia de Covid-19. O IQT captura o crescimento do salário (predito) médio da economia, calculado de forma a ponderar os diferentes grupos de trabalhadores conforme sua participação no total de horas trabalhadas. O salário predito é a medida empregada para representar os diferentes níveis de produtividade de trabalhadores com capital humano distinto.

No presente estudo, contribuímos para a literatura sobre capital humano no Brasil de duas formas. Primeiro, construímos uma medida de capital humano com horizonte de tempo mais longo, cobrindo anualmente o período entre 1995 e 2022. Dessa forma, construímos um indicador capaz de capturar os movimentos de médio prazo da qualidade da mão de obra brasileira (e não de natureza conjuntural de curto prazo), dada a ampla abrangência temporal dos dados utilizados. Segundo, adaptamos ao caso brasileiro a metodologia empregada por diversas organizações internacionais para mensuração do capital humano da população ocupada, a exemplo do Conference Board, do Bureau of Labor Statistics (BLS) dos Estados Unidos, do Office for National Statistics (ONS) do Reino Unido e da OCDE.

Nossa medida, que denominamos Índice de Capital Humano (ICH), tem como característica importante o fato de ser derivada de modo compatível com a metodologia usual de decomposição do crescimento econômico. Como consequência, a construção teórica do indicador fornece uma forma direta de se ajustar o fator trabalho pelo nível do capital humano e permite sua incorporação no cálculo da produtividade total dos fatores (PTF) para o Brasil.

Outro ponto relevante do índice proposto é sua construção a partir de microdados em nível individual, em oposição ao uso de medidas agregadas (a exemplo da média de anos de estudo da população). Isso garante maior fidedignidade do ICH ao capturar as mudanças de composição da população ocupada e permite que se atribua elevada granularidade na definição dos heterogêneos tipos de trabalho considerados. Mais ainda, embora neste trabalho tenhamos restrito nossa atenção ao indicador em nível nacional, a metodologia do ICH pode ser aplicada de forma desagregada conforme a área de interesse - por exemplo, a nível regional e setorial.

Além desta introdução, este trabalho é composto por outras seis seções. Na segunda seção apresentamos uma revisão da metodologia de mensuração do capital humano, discutindo as principais dificuldades envolvidas na construção dos indicadores. Na terceira seção, apresentamos a derivação teórica do índice ICH e a metodologia empírica para seu cálculo. A quarta seção descreve a base de dados, a construção da amostra e algumas estatísticas descritivas. Na quinta seção, apresentamos a evolução do ICH entre 1995 e 2022 e o comparamos com medidas utilizadas por algumas instituições internacionais. A sexta seção traz uma aplicação importante do ICH, qual seja, sua incorporação à estimação da PTF. Novamente, comparamos o desempenho do ICH com indicadores utilizados por instituições internacionais. A sétima seção apresenta as considerações finais do estudo.

2. Discussão teórica das medidas de capital humano

A pesquisa em capital humano se dedica à compreensão de como habilidades e competências são desenvolvidas e influenciam o desempenho econômico dos indivíduos. Enquanto importante insumo para o crescimento da atividade econômica e do desenvolvimento de um país, o fator trabalho não é um elemento homogêneo: indivíduos com diferentes níveis de habilidade e conhecimento apresentam produtividades distintas, e isso se traduz tanto em sua contribuição efetiva para a produção, quanto em remunerações diferentes.

Deming (2022Deming, David J. 2022. “Four facts about human capital.” NBER Working Paper 30149, 1-28.) sintetiza em quatro fatos estilizados o estado do conhecimento desenvolvido pela literatura de capital humano: (i) níveis distintos de capital humano explicam uma grande parcela das diferenças nos retornos do trabalho, tanto internamente a um país quanto na comparação entre países; (ii) investimentos em capital humano durante a infância e no início da vida adulta geram retornos econômicos expressivos; (iii) a tecnologia de produção de habilidades fundamentais - como alfabetização e matemática básica - é bem conhecida. A quantidade de recursos disponíveis é que se mostra a principal restrição à expansão dessas iniciativas; e (iv) ainda não há clareza sobre como se dá o desenvolvimento de habilidades mais sofisticadas, tais como resolução de problemas, tomada de decisão e trabalho em equipe, ainda que essas habilidades tenham crescente valor econômico.

Abraham e Mallatt (2022Abraham, Katharine G. e Justine Mallatt. 2022. “Measuring human capital.” NBER Working Paper 30136, 1-27.) fornecem uma taxonomia para as diferentes formas de mensuração do capital humano que as classifica em três grupos: abordagem dos indicadores, abordagem da renda e abordagem dos custos. A abordagem dos indicadores tenta capturar o investimento (ou o estoque) de capital humano de um país usando medidas como anos médios de estudo, proporção escolarizada da população, taxa de alfabetização, etc. De maneira geral, trabalhos desse tipo adotam alguns indicadores como proxy do capital humano, e podem combinar esses indicadores em um índice síntese. Essa é a estratégia mais comumente adotada na literatura e nas estatísticas divulgadas por órgãos internacionais.

A abordagem da renda mede o investimento em capital humano a partir do valor presente esperado da renda futura incremental que pode ser atribuída à escolarização presente. Proposta por Jorgenson e Fraumeni (1989Jorgenson, Dale W. e Barbara M. Fraumeni. 1989. “The accumulation of human and nonhuman capital.” In The measurement of saving, investment, and wealth, editado por R. Lipsey e H. Tice, 227-81. Chicago: University of Chicago Press., 1992a, 1992b), essa estratégia adapta ao problema da mensuração do capital humano a ideia de que, em um mercado com informação completa e sem fricções, o preço de um ativo é dado pelo valor presente dos retornos futuros que ele gera. Assim, os investimentos em educação formal são avaliados com base em projeções do valor que irão agregar aos ganhos futuros. Essa abordagem tem como vantagem o fato de expressar o valor do capital humano em termos monetários, a mesma unidade de medida convencionalmente adotada para o capital físico e o produto, o que facilita sua integração com as Contas Nacionais. Dois importantes exemplos dessa abordagem são fornecidos no Changing Wealth of Nations (CWON), do Banco Mundial, e no Inclusive Wealth Report (IWR), das Nações Unidas (Liu et al., 2022Liu, Gang, Barbara M. Fraumeni e Shunsuke Managi. 2022. “Human capital growth.” NBER Working Paper 30035, 1-49.).

Por fim, a abordagem dos custos computa o investimento em capital humano a partir do valor gasto (pelas famílias e pelos governos) em atividades relacionadas à educação. Essa abordagem consiste em medir os níveis nominais de gastos em educação ao longo do tempo, convertê-los em termos reais e usar tais medidas para construir estimativas da depreciação e do estoque do capital educacional. Pode considerar também o uso de recursos na forma de tempo e não apenas gastos monetários. É uma abordagem relativamente menos adotada, talvez pela dificuldade de se obter os dados necessários para a construção de uma medida dessa natureza em ampla escala.

Neste artigo nos concentraremos em medidas de capital humano do grupo dos indicadores. Mesmo limitados a essa categoria, porém, ainda há significativa diversidade de metodologias possíveis. De forma geral, os trabalhos costumam partir de uma formulação teórica para a função de produção nacional, em que o fator trabalho entra como componente. A noção de capital humano é então incorporada com a modificação da hipótese de homogeneidade do fator trabalho, isto é, considerando-se explicitamente que há tipos diferentes de trabalho, cada um com produtividade marginal distinta.

Uma decisão metodológica que se coloca, portanto, é a definição de quantos e quais serão os tipos diferentes de fator trabalho considerados. Conforme discute Zoghi (2010Zoghi, Cindy. 2010. “Measuring labor composition: a comparison of alternate methodologies.” Em Labor in the New Economy, editado por Katharine G. Abraham, James R. Spletzer e Michael Harper, 457-85. Chicago: University of Chicago Press.), o ideal seria considerar cada trabalhador individual como um tipo particular de insumo trabalho com sua própria medida de capital humano. Claramente, no entanto, essa não é uma estratégia factível. Na prática, os trabalhadores são agregados em grupos com níveis de capital humano - e, portanto, produtividades - semelhantes.

A esse respeito, três questões se colocam: (i) Quais características utilizar para classificar os indivíduos em um mesmo grupo de capital humano? (ii) Qual a quantidade ideal de grupos, isto é, qual o grau de precisão da representatividade de cada grupo no nível de capital humano dos seus membros? (iii) Como medir a produtividade de um indivíduo ou grupo?

Em relação a este último ponto, a dificuldade está no fato de que produtividade ou qualidade do trabalho são características não-observáveis. Para enfrentar esse problema, parte significativa da literatura utiliza o resultado de que, em mercados competitivos para os fatores de produção, há uma equiparação entre produtividade marginal e salário. Ainda que a equiparação perfeita entre salário e produtividade marginal dificilmente se concretize na prática, as duas variáveis estão suficientemente relacionadas para que tal hipótese simplificadora forneça uma forma factível de se mensurar uma boa aproximação da produtividade do trabalho.5 5 Entre os fatores que podem gerar um descasamento entre o salário e a produtividade marginal estão a existência de fricções no processo de search and match entre os trabalhadores e a existência de diferentes níveis de poder de barganha entre as duas partes na determinação do salário (Mertz, 1995; Andolfatto, 1996). Assim, diversos índices de capital humano têm como um de seus componentes alguma estimação de salários preditos como medida da produtividade de cada grupo de trabalhadores, a exemplo de Aaronson e Sullivan (2001Aaronson, Daniel e Daniel Sullivan. 2001. “Growth in worker quality.” Economic Perspectives -Federal Reserve Bank of Chicago 25 (4), 53-74.), Barbosa Filho et al. (2010Barbosa Filho, Fernando H., Samuel Pessôa e Fernando Veloso. 2010. Evolução da produtividade total dos fatores na economia brasileira com ênfase no capital humano - 1992-2007.” Revista Brasileira de Economia 64 (2), 91-113.), Silva et al. (2021Silva, Cristiano C., José Ronaldo de C. Souza Jr. e Tarsylla da S. de G. Oliveira. 2021. “Índice de qualidade do trabalho e suas implicações sobre a produtividade e a taxa de desocupação.” Carta de Conjuntura IPEA 51(24), 1-26.), Bosler et al. (2016Bosler, Canyon, Mary C. Daly, John G. Fernald e Bart Hobjin. 2016. “The outlook for U.S. labor-quality growth.” NBER Working Paper 22555, 1-69.) e Stewart (2022Stewart, Jay. 2022. “Why was US labor productivity growth so high during the COVID-19 pandemic? The role of labor composition.” International Productivity Monitor 42 (Spring), 87-103.).

A escolha de quais variáveis compõem a predição de salários é motivada pelos pontos (i) e (ii): um conjunto de trabalhadores tem aproximadamente o mesmo nível de capital humano se eles são semelhantes nas características que explicam produtividade - e, portanto, que devem compor a predição dos salários.

Zoghi (2010Zoghi, Cindy. 2010. “Measuring labor composition: a comparison of alternate methodologies.” Em Labor in the New Economy, editado por Katharine G. Abraham, James R. Spletzer e Michael Harper, 457-85. Chicago: University of Chicago Press.) discorre a respeito de uma série de fatores que estão associados empiricamente a diferenciais de salário, e discute quais deles potencialmente refletem diferenças de produtividade. A autora argumenta que, entre as variáveis ligadas a diferenciais de salário, educação e experiência (ou idade) são as que melhor refletem níveis distintos de produtividade, citando gênero e, com menos importância, tipo de ocupação e setor de atividade como explicações adicionais.

Assim, segundo Zoghi (2010Zoghi, Cindy. 2010. “Measuring labor composition: a comparison of alternate methodologies.” Em Labor in the New Economy, editado por Katharine G. Abraham, James R. Spletzer e Michael Harper, 457-85. Chicago: University of Chicago Press.), um conjunto de trabalhadores será agrupado em um mesmo nível de capital humano se todos compartilharem o mesmo nível educacional, experiência e gênero - e, desse modo, terão o mesmo salário predito (a estimativa de produtividade) a partir dessas características. Aaronson e Sullivan (2001Aaronson, Daniel e Daniel Sullivan. 2001. “Growth in worker quality.” Economic Perspectives -Federal Reserve Bank of Chicago 25 (4), 53-74.) e Silva et al. (2021Silva, Cristiano C., José Ronaldo de C. Souza Jr. e Tarsylla da S. de G. Oliveira. 2021. “Índice de qualidade do trabalho e suas implicações sobre a produtividade e a taxa de desocupação.” Carta de Conjuntura IPEA 51(24), 1-26.) utilizam o mesmo conjunto de características na classificação dos trabalhadores.

Bosler et al. (2016Bosler, Canyon, Mary C. Daly, John G. Fernald e Bart Hobjin. 2016. “The outlook for U.S. labor-quality growth.” NBER Working Paper 22555, 1-69.) argumentam que há um trade-off entre os pontos (i) e (ii) na escolha das variáveis explicativas da produtividade - ou seja, das características que definem os grupos com diferentes níveis de capital humano. Ao se considerar uma lista mais ampla de características, o R² das estimações (quanto da diferença de produtividade as características consideradas conseguem explicar) será mais alto. No entanto, isso leva a um número maior de tipos particulares de trabalhadores (menor grau de agregação), cada um com uma quantidade menor de membros. Em consequência, a precisão das estimativas será inferior (maior o erro-padrão dos coeficientes associados a cada grupo), já que há menos graus de liberdade.

Entre os índices que compartilham a ideia de que salários refletem produtividades e que classificam os trabalhadores em grupos com base em características semelhantes, a forma funcional específica do índice agregado pode diferir. De modo geral, há duas linhas de propostas. De um lado, há os trabalhos que calculam a evolução da qualidade do trabalho como um índice ponderado para o crescimento das horas trabalhadas pela população ocupada. Nesse caso, cada grupo com nível de capital humano distinto recebe um peso de acordo com sua produtividade (o salário predito), e mudanças na composição do total de horas entre os grupos com capital humano diferente afetam o índice agregado.6 6 De forma mais precisa, como veremos, a ponderação de cada grupo é dada pela sua participação no total de pagamentos ao fator trabalho, isto é, a fração do grupo na massa salarial total (predita ou observada). A ideia é que uma hora de trabalho mais produtiva contribui mais para o fator trabalho agregado do que uma hora menos produtiva. Esse é o caso dos indicadores elaborados pelo Conference Board (De Vries e Erumban, 2022De Vries, Klaas, e Abdul Azeez Erumban. 2022. “Total Economy Database: a detailed guide to its sources and methods.” Acesso em 16 de maio de 2023. https://www.conference-board.org/retrievefile.cfm?filename=TED_SMDetailed_apr2022.pdf&type=subsite.
https://www.conference-board.org/retriev...
) e pelo Bureau of Labor Statistics (Zoghi, 2010Zoghi, Cindy. 2010. “Measuring labor composition: a comparison of alternate methodologies.” Em Labor in the New Economy, editado por Katharine G. Abraham, James R. Spletzer e Michael Harper, 457-85. Chicago: University of Chicago Press.; Stewart, 2022Stewart, Jay. 2022. “Why was US labor productivity growth so high during the COVID-19 pandemic? The role of labor composition.” International Productivity Monitor 42 (Spring), 87-103.; BLS, 2023).

A outra abordagem constrói uma medida de capital humano com base na variação de uma média ponderada dos diferentes salários preditos e, nesse caso, os pesos são dados pela participação das horas trabalhadas de cada grupo com nível distinto de capital humano no total de horas trabalhadas da população ocupada. Aaronson e Sullivan (2001Aaronson, Daniel e Daniel Sullivan. 2001. “Growth in worker quality.” Economic Perspectives -Federal Reserve Bank of Chicago 25 (4), 53-74.), Bosler et al. (2016Bosler, Canyon, Mary C. Daly, John G. Fernald e Bart Hobjin. 2016. “The outlook for U.S. labor-quality growth.” NBER Working Paper 22555, 1-69.), Barbosa Filho et al. (2010Barbosa Filho, Fernando H., Samuel Pessôa e Fernando Veloso. 2010. Evolução da produtividade total dos fatores na economia brasileira com ênfase no capital humano - 1992-2007.” Revista Brasileira de Economia 64 (2), 91-113.) e Silva et al. (2021Silva, Cristiano C., José Ronaldo de C. Souza Jr. e Tarsylla da S. de G. Oliveira. 2021. “Índice de qualidade do trabalho e suas implicações sobre a produtividade e a taxa de desocupação.” Carta de Conjuntura IPEA 51(24), 1-26.) são exemplos de trabalhos que empregam essa abordagem.

Em síntese, as duas estratégias são agregações alternativas para as características de cada grupo, isto é, de cada nível de capital humano: a primeira estratégia toma a média das horas trabalhadas, com ponderação pela produtividade (salários), enquanto a segunda estratégia toma a média das produtividades (salários), ponderando pela participação nas horas trabalhadas.

Por fim, uma questão metodológica adicional diz respeito aos retornos estimados, isto é, aos coeficientes associados às características dos trabalhadores que se traduzem em maior produtividade - notadamente educação. Alguns índices trabalham com valores fixos para os parâmetros dos retornos, como é o caso da Penn World Table (PWT). Por outro lado, os índices construídos a partir de microdados de modo geral atualizam os coeficientes, usando a amostra mais recente para estimar novamente a regressão de salários.7 7 Botev et al. (2019) destacam que a ocorrência de uma grande variação ao longo do tempo nos retornos da educação é fenômeno observado em diversos países. Eles argumentam que admitir tal variação de retornos nas estimativas de capital humano é fundamental para que essas medidas capturem adequadamente a evolução da produtividade da mão de obra.

3. Metodologia

Nesta seção, descrevemos o cálculo do Índice de Capital Humano (ICH), em frequência anual, usando dados brasileiros. Seguimos a metodologia adotada por diversas instituições internacionais, a exemplo do Bureau of Labor Statistics (Estados Unidos), do Office for National Statistics (Reino Unido) e do Conference Board. Essa metodologia também é a recomendada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em seu manual de produtividade.8 8 Ver OCDE (2001). De modo geral, seguimos o método descrito em Zoghi (2010Zoghi, Cindy. 2010. “Measuring labor composition: a comparison of alternate methodologies.” Em Labor in the New Economy, editado por Katharine G. Abraham, James R. Spletzer e Michael Harper, 457-85. Chicago: University of Chicago Press.), que detalha a mensuração da qualidade do trabalho pelo BLS para os Estados Unidos, também fazendo uso de microdados obtidos a partir de pesquisas amostrais do mercado de trabalho. No entanto, adaptações são necessárias ao caso brasileiro, que são relatadas a seguir.9 9 Uma apresentação mais aprofundada da metodologia está presente em Bosler et al. (2016).

Como discutido na Seção 2, a incorporação de capital humano aos modelos econômicos é dada pela flexibilização da hipótese de homogeneidade do fator trabalho, L. Em vez disso, são considerados explicitamente n tipos distintos de trabalho como insumos para a função de produção. Denotando por Y o produto, A a produtividade total dos fatores, K o estoque de capital e Hi o total de horas trabalhadas pelo fator trabalho do tipo i, tem-se:

Y t = F ( A t , K t , H 1 t , , H n t ) . (1)

A função de produção pode ser aproximada a partir de uma log-linearização, de modo a explicitar a forma como variações nos insumos afetam o produto. Adotando a notação Δxt=lnln(Xt)lnln(Xt1), a log-linearização da Equação (1) resulta em:

Δ y t = ε A Δ a t + ε K Δ k t + i = 1 n ε H i Δ h i , (2)

em que

ε X = F X X Y (3)

é a elasticidade do produto em relação ao insumo X e FX representa a derivada parcial da função de produção em relação a X. Bosler et al. (2016Bosler, Canyon, Mary C. Daly, John G. Fernald e Bart Hobjin. 2016. “The outlook for U.S. labor-quality growth.” NBER Working Paper 22555, 1-69.) mostram que o componente final da Equação (2) - a contribuição dos diversos tipos de trabalho ao crescimento do produto - pode ser decomposto em duas partes: o crescimento do total de horas trabalhadas por todos os tipos de trabalhadores e a mudança na composição do total de horas entre os diversos grupos. Tal decomposição é dada por:

i = 1 n ε H i Δ h i = ( j = 1 n ε H j ) × [ Δ h + i = 1 n ( F H i H i ( j = 1 n F H j H j ) × ( Δ h i Δ h ) ) ] , (4)

em que Δht=loglog(iHit)loglog(iHi,t1) é o crescimento do total de horas. O segundo termo dentro dos colchetes mede a mudança na composição das horas trabalhadas entre os tipos de fator trabalho com produtividades distintas. A ponderação dada a cada tipo depende de sua produtividade marginal, FHi, que não é observável. Sob mercados competitivos, a produtividade marginal da hora trabalhada é igual ao seu salário (W).10 10 Como mencionado na seção anterior, a equiparação entre salário e produtividade marginal se trata de uma hipótese simplificadora comumente adotada na literatura com o objetivo de fornecer uma forma factível de se mensurar, ainda que apenas de forma aproximada, a produtividade do trabalho. Isso permite reescrever o segundo termo dentro dos colchetes na Equação (4) - o grande somatório - como:

i = 1 n W i H i ( j = 1 n W j H j ) × ( Δ h i Δ h ) , (5)

em que as derivadas parciais da função de produção em relação a cada tipo de trabalho foram substituídas pelos respectivos salários de cada tipo.

Conforme explicam Bosler et al. (2016Bosler, Canyon, Mary C. Daly, John G. Fernald e Bart Hobjin. 2016. “The outlook for U.S. labor-quality growth.” NBER Working Paper 22555, 1-69.), os efeitos de composição capturados pela Equação (5) são responsáveis por levar o crescimento do fator trabalho agregado, Δl, a ser maior ou menor do que o crescimento no total de horas trabalhadas, Δh, a depender de como a participação de grupos mais ou menos produtivos se alterar. Por isso, essa medida é uma forma de mensurar o crescimento do capital humano.

Para a implementação desse indicador, a primeira etapa consiste em estabelecer quantos e quais serão os tipos de insumo trabalho que compõem a função de produção. Classificamos cada trabalhador i em um grupo g{1,,G}, que é definido como uma das possíveis combinações distintas de escolaridade, experiência e gênero. Para obter o salário de cada grupo, Wg, estimamos, usando OLS e separadamente por gênero, a seguinte regressão de Mincer para cada ano t:11 11 Usamos os pesos amostrais das pesquisas (PNAD até 2011, PNAD Contínua a partir de 2012) para que os resultados sejam representativos da população ocupada a cada período. As tabelas com os resultados das estimações podem ser visualizadas no Anexo.

ln ( W i t ) = α t + 6 j = 2 β j t 1 [ e s c i t = j ] + γ 1 t exp e r i t + γ 2 t exp e r i t 2 + ε i t (6)

em que Wit representa o salário-hora real (a preços de setembro de 2022) do indivíduo i no ano t, 1[] é uma função indicadora que assume valor 1 quando a condição dentro dos colchetes é verdadeira (e valor 0 caso contrário), escit representa o grupo de escolaridade (anos de estudo) e experit é a experiência potencial (em anos).12 12 Zoghi (2010) fornece profunda discussão sobre a escolha de quais variáveis incluir na regressão de salários, conforme mencionado na seção anterior. Vale destacar que não se deseja incluir todas as variáveis que explicam diferenças salariais entre os indivíduos, mas sim aquelas que refletem diferenças salariais motivadas por níveis diferentes de produtividade. Procuramos seguir a especificação defendida pela autora - que se tornou a adotada pelo BLS - para garantir maior proximidade metodológica do nosso indicador e, assim, maior comparabilidade com os pares internacionais. Portanto, a regressão dada pela Equação (6) não inclui controles regionais.

A variável de escolaridade escit atribui cada indivíduo a um de 6 grupos: o grupo de referência, com menos de 1 ano de estudo (j = 1); 1 a 4 anos de estudo (j = 2); 5 a 8 anos (j = 3); 9 a 11 anos (j = 4); 12 a 15 anos (j = 5); ou 16 ou mais anos de estudo (j = 6). A variável de experiência é calculada indiretamente a partir da idade e da escolaridade do indivíduo:13 13 Corrigimos para exper it =0 quando a fórmula resulta em valor negativo.

exp e r i t = { i d a d e i t ( a n o s d e e s t u d o i t + 6 ) , s e a n o s d e e s t u d o i t 9 i d a d e i t 15, c a s o c o n t r á r i o . (7)

Tendo os coeficientes da Equação (6) estimados para cada ano e gênero, prosseguimos para o cálculo dos salários preditos de cada indivíduo na amostra. A expressão abaixo para W^its corresponde ao salário-hora real predito, de acordo com os coeficientes estimados do período s, para o indivíduo i que foi observado no ano t:

W ^ i t s = exp { α ^ s + j = 2 6 β ^ j s 1 [ e s c i t = j ] + γ ^ 1 t exp e r i t } . (8)

Seguindo Zoghi (2010Zoghi, Cindy. 2010. “Measuring labor composition: a comparison of alternate methodologies.” Em Labor in the New Economy, editado por Katharine G. Abraham, James R. Spletzer e Michael Harper, 457-85. Chicago: University of Chicago Press.), o termo exper2 não entra na predição, apenas na estimação. Vale ressaltar que indivíduos de um mesmo grupo (mesmo gênero, escolaridade e experiência) terão salários preditos iguais. Assim, o salário predito a partir dos coeficientes do período s para o grupo g é representado por W^gs.

Na medida agregada de crescimento da qualidade da força de trabalho dada na Equação (5), cada grupo é ponderado conforme sua participação na massa salarial. Tendo o salário predito de cada grupo g e ano t, calculamos:

s ^ g t = W ^ g t × H g t j W ^ j t × H j t . (9)

O termo Hgt representa o total de horas trabalhadas pelo grupo g no ano t, usando o peso amostral de expansão da pesquisa subjacente (PNAD ou PNAD Contínua). A ponderação dada ao grupo g em um dado período, s^gt, será maior conforme seu salário predito e seu total de horas trabalhadas. Desse modo, contribuem mais para o fator trabalho agregado os grupos de trabalhadores mais produtivos (maior W^) e com mais horas trabalhadas (maior H).

A derivação teórica do crescimento do capital humano supõe que, entre dois períodos, o peso de cada grupo não varia. Assim, para a implementação prática, o peso que efetivamente pondera cada grupo, pgt, é a média da participação na massa salarial predita entre os dois anos comparados, isto é:

p g t = s ^ g t + s ^ g , t 1 2 = ( W ^ g t × H g t j W ^ j t × H j t + W ^ g t 1 × H g , t 1 j W ^ j t 1 × H j , t 1 ) × 1 2 . (10)

O crescimento do fator trabalho agregado (com diferentes níveis de capital humano), Δlt,, corresponde ao termo entre colchetes na Equação (4), isto é, à variação na quantidade de horas trabalhadas por cada grupo ponderada conforme os pesos acima.14 14 Ver Bosler et al. (2016). Na prática, portanto, o crescimento do fator trabalho agregado é dado por:

Δ l t = g = 1 G ( p g t × Δ h g t ) . (11)

A variação do Índice de Capital Humano (ΔICH) é obtida pela diferença entre o crescimento do fator trabalho agregado e o crescimento do total (não ponderado) de horas trabalhadas, como na Equação (5):

Δ I C H t = Δ l t Δ h , (12)

em que Δht=In(gHgt)In(gHg,t1). Note-se que, nesse segundo termo, o número de horas trabalhadas por cada grupo é somado sem que se considere as diferenças de produtividade entre elas. Por fim, o índice ICH é obtido pelo encadeamento das variações calculadas, partindo da normalização ICHt=100 para o período inicial:15 15 A Equação (13) pode ser facilmente obtida via exponenciação e reordenamento da expressão ΔICH t = ln (ICH t ) -ln(ICH t-1 ).

I C H t = I C H t 1 × exp ( Δ I C H t ) . (13)

4. Dados e amostra

Nesta seção, descrevemos os aspectos práticos associados à construção do ICH - Índice de Capital Humano - para o Brasil. No presente estudo, empregamos os microdados trimestrais da PNAD Contínua e os microdados anuais da antiga PNAD. Apesar das pesquisas apresentarem algumas diferenças importantes, ambas são focadas em variáveis relacionadas ao mercado de trabalho e à educação, cobrindo, portanto, as dimensões necessárias para a estimação de uma medida de capital humano: rendimentos de todos os trabalhos, horas trabalhadas, escolaridade, experiência e gênero.

A compatibilização entre a antiga PNAD, que foi descontinuada em 2015, e a metodologia mais recente da PNAD Contínua (PNADC) nos permite construir uma amostra de horizonte mais longo, cobrindo anualmente o período entre 1995 e 2022. A PNAD Contínua tem abrangência mais ampla e frequência trimestral, mas foi iniciada apenas em 2012. Adotamos os dados anuais da antiga PNAD para o período entre 1995 e 2011 após uma compatibilização com a PNAD Contínua baseada em Vaz e Barreira (2021Vaz, Bruno Ottoni Eloy e Tiago Cabral Barreira. 2021. “Metodologia de Retropolação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 1992 a 2012”. Estudos Econômicos (São Paulo) 51(4), 759-82.). A partir de 2012, passamos a utilizar os dados referentes ao terceiro trimestre divulgados na PNAD Contínua.16 16 Os dados do 3º trimestre na PNAD Contínua são utilizados como representativos do ano em nossa série anual. A escolha pelo 3º trimestre se deu em razão de a coleta de dados da antiga PNAD ocorrer nessa época do ano. Assim, a transição entre as pesquisas se torna mais suave.

Uma vez que precisamos de informações sobre os salários dos indivíduos, restringimos nossa amostra à população ocupada.17 17 Essa não é uma restrição severa visto que o ICH se propõe a ser um índice da qualidade do fator trabalho ocupado, isto é, do fator de produção empregado em atividades produtivas, e não da população como um todo. Além disso, eliminamos da amostra os indivíduos com informação faltante sobre idade ou valor dos rendimentos.18 18 Em razão de um exercício com controles adicionais que não está presente nessa versão do artigo, também eliminamos da amostra observações sem informação a respeito de Raça/Cor. Essa restrição adicional implica a eliminação de apenas 227 observações no período entre 1995-2022, e os resultados praticamente não se alteram quando mantemos tais observações na amostra. Como a variável utilizada nas regressões é o salário-hora, também foram desconsiderados aqueles que apresentavam horas trabalhadas nulas em algum período. Dado que a antiga PNAD apenas reporta informações sobre rendimentos e horas habituais, também restringimos a análise com dados da PNAD Contínua a essa categoria de variáveis. Para o deflacionamento das variáveis nominais de ambas as pesquisas, o índice utilizado foi o IPCA, em razão da estabilidade de sua metodologia ao longo de todo o período da amostra.19 19 O uso dos deflatores próprios de cada pesquisa cria dificuldades na compatibilização entre elas, visto que as metodologias adotadas são distintas. Assim, houve a escolha pelo uso de um índice de preços comum em toda a amostra.

A amostra utilizada neste estudo é composta por mais de 5 milhões de observações que representam, com os pesos amostrais, cerca de 80 milhões de trabalhadores brasileiros por ano, em média, entre 1995 e 2022. A Tabela 1 sintetiza as estatísticas descritivas das variáveis utilizadas na construção do índice para os dois anos limítrofes.

Tabela 1
Estatísticas descritivas da amostra - 1995 e 2022

Observa-se que a proporção de mulheres cresceu de 38,7% para 41,8% entre os anos de 2022 e 1995. Também houve um crescimento nos anos médios de estudo da população ocupada (6,9 para 10,6), uma média de anos de experiência mais elevada (18,5 para 22,9), mas uma redução das horas médias trabalhadas (43,4 para 39,5). Além disso, o salário real aumentou de R$ 2.136 para R$ 2.519. A distribuição de salários e os histogramas de experiência e educação podem ser visualizados no Anexo C.

O Gráfico 1 mostra as mudanças na composição educacional, de gênero e de experiência da amostra entre 1995 e 2022. No período avaliado, a composição educacional do mercado de trabalho passou por expressivas mudanças. Trabalhadores com 5 a 8 anos de estudo tiveram sua participação na população ocupada caindo de 33,5% em 1995 para 16,7% em 2022. Em contrapartida, a participação daqueles com 16 anos de estudo ou mais cresceu de 6,2% para 19% no mesmo período. Aqueles com menos de 1 ano de estudo, que representavam 13,2% da população ocupada em 1995, passaram a representar apenas 3,2% em 2022.

Gráfico 1
Composição de gênero, escolaridade e experiência da amostra - 1995 e 2022

De modo geral, as participações das faixas de escolaridade mais baixas vêm decaindo ao passo que as faixas mais altas vêm crescendo. Veloso et al. (2022Veloso, Fernando, Fernando de Holanda Barbosa Filho e Paulo Peruchetti. 2022. “Impactos da educação no mercado de trabalho.” Observatório de Produtividade Regis Bonelli. Acesso em 25 de abril de 2023. https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/educacao_e_mercado_de_trabalho_03012022_-_final.pdf.
https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/fi...
) mostra que essas mudanças de composição educacional geraram importantes transformações no mercado de trabalho, impactando principalmente os níveis de informalidade e rendimento do trabalho.

Também houve uma importante mudança composicional da população ocupada em relação a níveis maiores de experiência, reflexo do envelhecimento da população. A parcela da amostra com menos de 20 anos de experiência caiu de 58,1% em 1995 para 44,0% em 2022. Por outro lado, aqueles com 30 ou mais anos de experiência aumentaram de 20,5% da amostra em 1995 para 32,9% em 2022. Em relação à composição de gênero da amostra, entre 1995 e 2022 houve um pequeno crescimento da participação feminina, que passou de 38,71% para 41,78%. Vale ressaltar que essas estatísticas foram geradas a partir da amostra construída. Elas devem ser analisadas com cautela devido ao fato de que incluímos na amostra apenas indivíduos que apresentavam informações para todas as variáveis requeridas no modelo.

5. Resultados

Esta seção apresenta a evolução do ICH de 1995 a 2022 e faz uma comparação com outros indicadores de capital humano.

5.1. Índice de Capital Humano (ICH)

A trajetória estimada para o ICH de 1995 a 2022 é apresentada no Gráfico 2.20 20 A série completa do indicador pode ser visualizada no Anexo. A série apresenta trajetória de significativo crescimento no período, assumindo um patamar 80,99 pontos superior em 2022 na comparação com 1995, o que corresponde a uma variação anual média de 2,20%.21 21 A taxa de crescimento é calculada como a diferença anual média do log.

Tal crescimento resulta de um acúmulo de anos de estudo e experiência da população ocupada e mudanças de composição em favor de grupos mais qualificados. Esse último efeito é especialmente notável em 2020, quando a pandemia de Covid-19 provocou a queda da participação relativa de grupos de menor escolaridade e experiência na população ocupada (efeito composição).

Gráfico 2
Evolução do ICH - 1995 a 2022. Brasil. (Número índice: 1995 = 100)

5.2. Comparação do ICH com outras medidas de capital humano

Com o intuito de analisar o impacto das diferenças metodológicas entre os variados esforços de mensurar a evolução do capital humano no Brasil, apresentamos a seguir a comparação do índice ICH que calculamos com algumas medidas de organizações internacionais. Tanto a Penn World Table (PWT) quanto a Total Economy Database (TED - Conference Board) fornecem as séries calculadas para o capital humano brasileiro.

A PWT possui um índice de capital humano calculado de forma bastante simples, com base na média dos anos de escolaridade da população com idade entre 15 e 75 anos, obtidos da base de dados de Barro e Lee (2013Barro, Robert. J. e Jong-Wha Lee. 2013. “A new data set of educational attainment in the world, 1950-2010.” Journal of Development Economics 104 (1), 184-98.). O índice da PWT é construído com a imposição de taxas de retorno da educação constantes ao longo do tempo e iguais entre os países, para três diferentes níveis de escolaridade, oriundos de estimações de regressões cross-section de Mincer realizadas por Psacharopoulos (1994Psacharopoulos, George. 1994. “Returns to investment in education: A global update.” World Development 22(9), 1325-43.).22 22 Ver Feenstra et al. (2015).

Por sua vez, o TED (Conference Board) adota metodologia bastante semelhante à apresentada para o ICH na seção anterior, com seu índice dado por uma versão da Equação (12). Há, no entanto, duas importantes diferenças em relação ao ICH: (i) apenas escolaridade é utilizada para caracterização dos grupos de trabalhadores; e (ii) são utilizados salários observados (e não salários preditos) para a construção da participação dos grupos na massa salarial.23 23 Ver De Vries e Erumban (2022).

Em relação a essas duas medidas, o ICH não sofre as limitações que emergem da necessidade de se calcular um mesmo índice para diversos países. Deste modo, para o ICH, conseguimos empregar categorias mais desagregadas de mão de obra, que emergem da separação de grupos baseados em escolaridade, experiência e gênero, e medimos a variação nos retornos dessas características em termos de produtividade ao longo do tempo a partir das regressões com microdados (Equação 6). O Gráfico 3 compara a trajetória do ICH com as séries de capital humano da PWT e TED (Conference Board) para o período entre 1995 e 2022.24 24 A PWT só tem dados disponíveis até 2019.

Gráfico 3
Medidas de Capital Humano - 1995 a 2022. Brasil. (Número índice: 1995 = 100)

As três séries apresentam crescimento significativo ao longo do período, mas o capital humano medido pelo ICH acumula alta maior do que os demais índices. Isso provavelmente se deve ao fato de ele ser o único entre os três a incorporar ganhos de produtividade associados ao aumento da participação de grupos com maior experiência na população ocupada, e não apenas maior escolaridade. Entre 1995 e 2019, as taxas anuais médias de crescimento do ICH, do índice da PWT e do índice do Conference Board foram, respectivamente, de 2,3%, de 2,1% e de 1,8%.25 25 Para o período entre 1995 e 2022, a taxa média de crescimento anual do ICH e do Conference Board foram, respectivamente, de 2,20% e 1,74%, como exposto na Tabela B1, no Anexo.

6. Aplicação do ICH: estimação da PTF

Nesta seção, discutimos como as diferentes medidas apresentadas anteriormente para a evolução do capital humano afetam o cômputo da produtividade total dos fatores (PTF).

6.1. PTF

A PTF é um componente usual nas funções de produção que consiste em uma medida da eficiência com que os fatores de produção são empregados conjuntamente. Considerando-se a tradicional função de produção Cobb-Douglas, temos

Y t = A t ( u t K t ) α L t 1 α , (14)

em que Yt representa o produto (valor adicionado), At é a PTF, Kt é o estoque de capital físico instalado, ut é uma medida do grau de utilização da capacidade instalada do capital, Lt é o fator trabalho e α é elasticidade do produto em relação ao capital, enquanto 1α é a elasticidade em relação ao trabalho.26 26 Uma propriedade interessante da função de produção Cobb-Douglas é que, supondo equilíbrio competitivo, o parâmetro α também representa a fração do produto Yt que é distribuída aos detentores de capital Kt, enquanto o recíproco 1-α é a medida da fração da renda distribuída como salários ao fator trabalho Lt. Essa propriedade facilita a estimação de a partir de dados das Contas Nacionais sob a ótica da renda. Por ser uma variável não-observável, a PTF é comumente obtida como resíduo a partir das medidas das demais variáveis:

A t = Y t ( u t K t ) α L t 1 α (15)

Um problema importante em se estimar a PTF de forma residual é que o valor obtido é afetado quando há erros de mensuração no produto, no capital ou no fator trabalho. Em particular, quando a medida para o fator trabalho não considera a evolução do capital humano, mudanças desse fator de produção são indiretamente capturadas como resíduo e aparecem como mudanças na PTF. De fato, isso é precisamente o que acontece no cálculo convencional da PTF, em que a variável que representa o fator trabalho Lt na Equação (15) é a quantidade agregada de horas trabalhadas,Ht.

Para contornar esse problema, incluímos o ICH na medida do fator trabalho. Como visto na seção 3, o ICH é derivado a partir de uma função de produção que considera explicitamente tipos diferentes de trabalho. Tal derivação é tal que a variação do fator trabalho agregado pode ser descrito como a soma da variação no total de horas (não ajustado) com a variação no índice ICH:

Δ l t = Δ h + Δ I C H t . (16)

Portanto, para o cômputo da PTF, a variação do capital humano ao longo do tempo pode ser incorporada ao insumo trabalho ao usarmos Lt=Ht×(ICHt100) como medida da quantidade de fator trabalho que compõe a função de produção. Isso permite mensurar a variação na qualidade da mão de obra empregada ao longo do tempo - tanto devido a fatores estruturais, como um aumento do nível geral de educação, quanto a fatores conjunturais, como mudanças na participação relativa de grupos com diferentes produtividades ao longo de ciclos econômicos. Ressalte-se que, na ausência do ICH atribuindo tais movimentos ao fator trabalho, todas essas variações seriam capturadas como mudanças na PTF.

Estimamos a PTF conforme a Equação (15) usando duas medidas diferentes do fator trabalho, Lt: a primeira é a medida convencional que considera apenas o total de horas trabalhadas, sem ajustar pela qualidade da mão-de-obra; a segunda é o fator trabalho ajustado pelo ICH. O nível real de atividade Yt é obtido das Contas Nacionais divulgadas pelo IBGE (valor adicionado). O nível de capital físico instalado Kt é calculado pelo método do inventário perpétuo, conforme implementado em Veloso et al. (2021Veloso, Fernando, Silvia Matos e Paulo Peruchetti. 2021. “Nota metodológica dos indicadores anuais de Produtividade Total dos Fatores no Brasil desde a década de 1980.” Nota técnica - Instituto Brasileiro de Economia (FGV-IBRE). Acesso em 27 de julho de 2023. https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/nota_de_construcao_dos_indicadores_-_brasil_anual_ptf_desde_1981_-_final.pdf.
https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/fi...
), também usando dados das Contas Nacionais (formação bruta de capital físico).

O deflacionamento de ambas essas séries se deu com uso do deflator próprio das Contas Nacionais divulgado pelo IBGE. A intensidade do uso do capital ut corresponde ao nível de utilização da capacidade instalada (NUCI) da indústria de transformação, que é disponibilizado na Sondagem Industrial do FGV IBRE.

O total de horas trabalhadas Ht corresponde ao somatório de horas trabalhadas em todas as ocupações na semana de referência, em termos anualizados, conforme Veloso et al. (2021Veloso, Fernando, Silvia Matos e Paulo Peruchetti. 2021. “Nota metodológica dos indicadores anuais de Produtividade Total dos Fatores no Brasil desde a década de 1980.” Nota técnica - Instituto Brasileiro de Economia (FGV-IBRE). Acesso em 27 de julho de 2023. https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/nota_de_construcao_dos_indicadores_-_brasil_anual_ptf_desde_1981_-_final.pdf.
https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/fi...
), e foi calculado com dados da PNAD (até 2011) e da PNAD Contínua (a partir de 2012). Por fim, o parâmetro α assume o valor 0,4, seguindo Gomes et al. (2003Gomes, Victor, Samuel de Abreu Pêssoa e Fernando A. Veloso. 2003. “Evolução da produtividade total dos fatores na economia brasileira: uma análise comparativa.” Pesquisa e Planejamento Econômico 33 (3), 389-434.), Barbosa Filho et al. (2010Barbosa Filho, Fernando H., Samuel Pessôa e Fernando Veloso. 2010. Evolução da produtividade total dos fatores na economia brasileira com ênfase no capital humano - 1992-2007.” Revista Brasileira de Economia 64 (2), 91-113.) e Veloso et al. (2021), e em linha com estimativas da participação dos salários na renda agregada no Brasil.

6.2. Resultados: estimativas da PTF

Apresentamos inicialmente, no Gráfico 4, a evolução das medidas de fator trabalho discutidas na seção anterior na forma de número-índice, com o ano de 1995 normalizado para 100. A linha cinza representa o fator trabalho sem ajuste, isto é, apenas o crescimento do número total de horas trabalhadas.

A comparação com a série ajustada pelo ICH revela como a série sem ajuste subestima o crescimento efetivo do fator trabalho, isto é, aquele que considera a melhora da qualidade da mão de obra empregada. Enquanto o fator trabalho sem ajuste teve crescimento anual médio de 1,31% entre 1995 e 2022, o crescimento médio ao ano do fator trabalho ajustado pelo capital humano no mesmo período foi de 3,51%.

Gráfico 4
Evolução do Fator Trabalho Ajustado e sem Ajuste - 1995 a 2022. Brasil. (Número índice: 1995 = 100)

O Gráfico 5 apresenta os resultados obtidos para a evolução da PTF entre os anos de 1995 e 2022 utilizando as duas diferentes medidas para o fator trabalho. Novamente, a linha cinza representa a medida convencional para a PTF, isto é, em que o fator trabalho não considera a evolução do capital humano, mas apenas o total de horas trabalhadas.

Segundo essa métrica, a PTF ficou relativamente estável na segunda metade da década de 1990, cresceu intensamente na década de 2000 e caiu entre 2010 e 2022 (com um transitório pico no ano da pandemia de Covid-19). No período completo entre 1995 e 2022, a PTF sem ajuste teve crescimento anual médio de 0,44%.

Comportamento bastante distinto é observado para a PTF ajustada pelo ICH. Como visto na seção anterior, o ICH cresceu consistentemente no período da amostra, capturando um significativo aumento da escolaridade e experiência da força de trabalho brasileira. Consequentemente, a medida de fator trabalho ponderada pelo ICH também cresceu no período, capturando a maior qualidade do trabalho empregado na produção (Gráfico 4).

Quando esse aumento do capital humano passa a ser incorporado no fator trabalho, a PTF não mais apresenta crescimento no período. De fato, a PTF ajustada pelo ICH sofreu uma queda de 0,88% ao ano, em média, ao longo do período analisado, sendo a redução mais intensa na última década. O contraste entre o comportamento dessas duas séries revela a importância de se levar em consideração a evolução do capital humano para o cálculo da PTF.

Gráfico 5
Evolução da PTF - 1995 a 2022. Brasil. (Número índice: 1995 = 100)

6.3. Comparação com estimativas da PTF brasileira de organizações internacionais

O Gráfico 6 compara nossa estimativa de PTF calculada usando o índice ICH como medida de capital humano para ajuste do fator trabalho com as séries de PTF da PWT e do Conference Board.

Gráfico 6
Evolução da PTF - 1995 a 2022. Brasil. (Número índice: 1995 = 100)

Verifica-se que a trajetória da nossa medida de PTF corrigida pelo nível de capital humano (ICH) é relativamente próxima da disponibilizada pela PWT. Já a medida do Conference Board tem uma queda maior em comparação com a medida baseada no ICH.

7. Considerações finais

Neste artigo, construímos para o Brasil o Índice de Capital Humano (ICH), que, ao ser derivado a partir do relaxamento da hipótese de homogeneidade do fator trabalho, é capaz de retratar a variação sofrida pela qualidade da mão de obra brasileira nas últimas décadas. A partir da consolidação da antiga PNAD com a PNAD Contínua, construímos uma amostra de ampla abrangência temporal, que cobre um período de quase trinta anos entre 1995 e 2022.

As estimativas obtidas revelam a importância do acúmulo de capital humano na forma de educação e experiência por parte dos trabalhadores brasileiros no período analisado. Entre 1995 e 2022, o ICH teve crescimento anual médio de 2,2%. Tal crescimento resulta de um acúmulo de anos de estudo e experiência da população ocupada e mudanças de composição em favor de grupos mais qualificados.

Além disso, mostramos como a estimação da produtividade total dos fatores (PTF) no Brasil é afetada pela inclusão do ICH na medida de fator trabalho. Enquanto a PTF sem ajuste teve crescimento anual médio de 0,4% entre 1995 e 2022, a medida de PTF ajustada pelo capital humano teve uma queda anual média de 0,9% durante o período.

A metodologia empregada para construção do ICH permite sua aplicação em nível mais desagregado. Desse modo, extensões naturais deste artigo passam pelo cálculo da variação do capital humano ocupado em diferentes setores de atividade econômica e em diferentes recortes regionais.

Os autores agradecem à FGV pelo apoio e incentivo à pesquisa, que, através do Fundo de Pesquisa aplicada(FPA), financiou este estudo. Os autores agradecem os comentários dos participantes do 51º Encontro Nacional de Economia(ANPEC). O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Referências

  • Aaronson, Daniel e Daniel Sullivan. 2001. “Growth in worker quality.” Economic Perspectives -Federal Reserve Bank of Chicago 25 (4), 53-74.
  • Abraham, Katharine G. e Justine Mallatt. 2022. “Measuring human capital.” NBER Working Paper 30136, 1-27.
  • Andolfatto, David. 1996. “Business cycles and labor-market search.” The American Economic Review 86 (1), 112-132.
  • Barbosa Filho, Fernando H., Samuel Pessôa e Fernando Veloso. 2010. Evolução da produtividade total dos fatores na economia brasileira com ênfase no capital humano - 1992-2007.” Revista Brasileira de Economia 64 (2), 91-113.
  • Barro, Robert. J. e Jong-Wha Lee. 2013. “A new data set of educational attainment in the world, 1950-2010.” Journal of Development Economics 104 (1), 184-98.
  • Becker, Gary. 1962. “Investment in human capital: a theoretical analysis.” Journal of Political Economy 70 (5), 9-49.
  • Bosler, Canyon, Mary C. Daly, John G. Fernald e Bart Hobjin. 2016. “The outlook for U.S. labor-quality growth.” NBER Working Paper 22555, 1-69.
  • Botev, Jarmila, Balázs Égert, Zuzana Smidova e David Turner. 2019. “A new macroeconomic measure of human capital with strong empirical links to productivity.” OECD Working Paper 1575, 1-55.
  • Bureau of Labor Statistics - BLS. 2023. “Handbook of Methods: Productivity measures - Business sector and major subsectors.” Acesso em 08 de junho de 2023. https://www.bls.gov/opub/hom/msp/concepts.htm
    » https://www.bls.gov/opub/hom/msp/concepts.htm
  • Deming, David J. 2022. “Four facts about human capital.” NBER Working Paper 30149, 1-28.
  • De Vries, Klaas, e Abdul Azeez Erumban. 2022. “Total Economy Database: a detailed guide to its sources and methods.” Acesso em 16 de maio de 2023. https://www.conference-board.org/retrievefile.cfm?filename=TED_SMDetailed_apr2022.pdf&type=subsite
    » https://www.conference-board.org/retrievefile.cfm?filename=TED_SMDetailed_apr2022.pdf&type=subsite
  • Feenstra, Robert C., Robert Inklaar e Marcel P. Timmer. 2015. “The next generation of the Penn World Table.” American Economic Review, 105 (10), 3150-82.
  • Gomes, Victor, Samuel de Abreu Pêssoa e Fernando A. Veloso. 2003. “Evolução da produtividade total dos fatores na economia brasileira: uma análise comparativa.” Pesquisa e Planejamento Econômico 33 (3), 389-434.
  • Jorgenson, Dale W. e Barbara M. Fraumeni. 1989. “The accumulation of human and nonhuman capital.” In The measurement of saving, investment, and wealth, editado por R. Lipsey e H. Tice, 227-81. Chicago: University of Chicago Press.
  • Jorgenson, Dale W. e Barbara M. Fraumeni. 1992a. “Investment in education and U.S. economic growth.” Scandinavian Journal of Economics 94 (supplement), S51-S70.
  • Jorgenson, Dale W. e Barbara M. Fraumeni. 1992b. “The output of the education sector.” Em Output measurement in the service sectors, editado por Z. Griliches, 308-38. Chicago: University of Chicago Press.
  • Liu, Gang, Barbara M. Fraumeni e Shunsuke Managi. 2022. “Human capital growth.” NBER Working Paper 30035, 1-49.
  • Mincer, Jacob A. 1974. “Schooling, experience and earnings.” Nova York: National Bureau of Economic Research, 1-152.
  • Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE. 2001. “Measuring productivity: measurement of aggregate and industry-level productivity growth.” Acesso em 23 de maio de 2023. https://www.oecd.org/sdd/productivity-stats/2352458.pdf
    » https://www.oecd.org/sdd/productivity-stats/2352458.pdf
  • Psacharopoulos, George. 1994. “Returns to investment in education: A global update.” World Development 22(9), 1325-43.
  • Silva, Cristiano C., José Ronaldo de C. Souza Jr. e Tarsylla da S. de G. Oliveira. 2021. “Índice de qualidade do trabalho e suas implicações sobre a produtividade e a taxa de desocupação.” Carta de Conjuntura IPEA 51(24), 1-26.
  • Stewart, Jay. 2022. “Why was US labor productivity growth so high during the COVID-19 pandemic? The role of labor composition.” International Productivity Monitor 42 (Spring), 87-103.
  • Vaz, Bruno Ottoni Eloy e Tiago Cabral Barreira. 2021. “Metodologia de Retropolação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 1992 a 2012”. Estudos Econômicos (São Paulo) 51(4), 759-82.
  • Veloso, Fernando, Fernando de Holanda Barbosa Filho e Paulo Peruchetti. 2022. “Impactos da educação no mercado de trabalho.” Observatório de Produtividade Regis Bonelli. Acesso em 25 de abril de 2023. https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/educacao_e_mercado_de_trabalho_03012022_-_final.pdf
    » https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/educacao_e_mercado_de_trabalho_03012022_-_final.pdf
  • Veloso, Fernando, Silvia Matos e Paulo Peruchetti. 2021. “Nota metodológica dos indicadores anuais de Produtividade Total dos Fatores no Brasil desde a década de 1980.” Nota técnica - Instituto Brasileiro de Economia (FGV-IBRE). Acesso em 27 de julho de 2023. https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/nota_de_construcao_dos_indicadores_-_brasil_anual_ptf_desde_1981_-_final.pdf
    » https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/nota_de_construcao_dos_indicadores_-_brasil_anual_ptf_desde_1981_-_final.pdf
  • Zoghi, Cindy. 2010. “Measuring labor composition: a comparison of alternate methodologies.” Em Labor in the New Economy, editado por Katharine G. Abraham, James R. Spletzer e Michael Harper, 457-85. Chicago: University of Chicago Press.
  • CAPES - Código de Financiamento 001
  • JEL Classification

    D24, E24, J24 e O47
  • 1
    Ver Deming (2022Deming, David J. 2022. “Four facts about human capital.” NBER Working Paper 30149, 1-28.) para uma síntese.
  • 2
    O Banco Mundial construiu um indicador de capital humano para estimar o acúmulo de habilidades pelos indivíduos até os 18 anos em uma grande amostra de países. Em relatório recente com foco no Brasil (World Bank, 2022), o Banco Mundial estima que um brasileiro médio nascido em 2019 atingirá apenas 60% de todo o seu potencial aos 18 anos.
  • 3
    Vale ressaltar que o efeito da educação sobre o nível de salário segue positivo. A queda nos retornos da educação significa que a magnitude do crescimento dos salários é que está menor do que foi no passado.
  • 4
    Silva et al. (2022) apresentam estimativas do IQT desagregadas por setores econômicos.
  • 5
    Entre os fatores que podem gerar um descasamento entre o salário e a produtividade marginal estão a existência de fricções no processo de search and match entre os trabalhadores e a existência de diferentes níveis de poder de barganha entre as duas partes na determinação do salário (Mertz, 1995; Andolfatto, 1996Andolfatto, David. 1996. “Business cycles and labor-market search.” The American Economic Review 86 (1), 112-132.).
  • 6
    De forma mais precisa, como veremos, a ponderação de cada grupo é dada pela sua participação no total de pagamentos ao fator trabalho, isto é, a fração do grupo na massa salarial total (predita ou observada).
  • 7
    Botev et al. (2019Botev, Jarmila, Balázs Égert, Zuzana Smidova e David Turner. 2019. “A new macroeconomic measure of human capital with strong empirical links to productivity.” OECD Working Paper 1575, 1-55.) destacam que a ocorrência de uma grande variação ao longo do tempo nos retornos da educação é fenômeno observado em diversos países. Eles argumentam que admitir tal variação de retornos nas estimativas de capital humano é fundamental para que essas medidas capturem adequadamente a evolução da produtividade da mão de obra.
  • 8
    Ver OCDE (2001).
  • 9
    Uma apresentação mais aprofundada da metodologia está presente em Bosler et al. (2016Bosler, Canyon, Mary C. Daly, John G. Fernald e Bart Hobjin. 2016. “The outlook for U.S. labor-quality growth.” NBER Working Paper 22555, 1-69.).
  • 10
    Como mencionado na seção anterior, a equiparação entre salário e produtividade marginal se trata de uma hipótese simplificadora comumente adotada na literatura com o objetivo de fornecer uma forma factível de se mensurar, ainda que apenas de forma aproximada, a produtividade do trabalho.
  • 11
    Usamos os pesos amostrais das pesquisas (PNAD até 2011, PNAD Contínua a partir de 2012) para que os resultados sejam representativos da população ocupada a cada período. As tabelas com os resultados das estimações podem ser visualizadas no Anexo.
  • 12
    Zoghi (2010Zoghi, Cindy. 2010. “Measuring labor composition: a comparison of alternate methodologies.” Em Labor in the New Economy, editado por Katharine G. Abraham, James R. Spletzer e Michael Harper, 457-85. Chicago: University of Chicago Press.) fornece profunda discussão sobre a escolha de quais variáveis incluir na regressão de salários, conforme mencionado na seção anterior. Vale destacar que não se deseja incluir todas as variáveis que explicam diferenças salariais entre os indivíduos, mas sim aquelas que refletem diferenças salariais motivadas por níveis diferentes de produtividade. Procuramos seguir a especificação defendida pela autora - que se tornou a adotada pelo BLS - para garantir maior proximidade metodológica do nosso indicador e, assim, maior comparabilidade com os pares internacionais. Portanto, a regressão dada pela Equação (6) não inclui controles regionais.
  • 13
    Corrigimos para exper it =0 quando a fórmula resulta em valor negativo.
  • 14
    Ver Bosler et al. (2016Bosler, Canyon, Mary C. Daly, John G. Fernald e Bart Hobjin. 2016. “The outlook for U.S. labor-quality growth.” NBER Working Paper 22555, 1-69.).
  • 15
    A Equação (13) pode ser facilmente obtida via exponenciação e reordenamento da expressão ΔICH t = ln (ICH t ) -ln(ICH t-1 ).
  • 16
    Os dados do 3º trimestre na PNAD Contínua são utilizados como representativos do ano em nossa série anual. A escolha pelo 3º trimestre se deu em razão de a coleta de dados da antiga PNAD ocorrer nessa época do ano. Assim, a transição entre as pesquisas se torna mais suave.
  • 17
    Essa não é uma restrição severa visto que o ICH se propõe a ser um índice da qualidade do fator trabalho ocupado, isto é, do fator de produção empregado em atividades produtivas, e não da população como um todo.
  • 18
    Em razão de um exercício com controles adicionais que não está presente nessa versão do artigo, também eliminamos da amostra observações sem informação a respeito de Raça/Cor. Essa restrição adicional implica a eliminação de apenas 227 observações no período entre 1995-2022, e os resultados praticamente não se alteram quando mantemos tais observações na amostra.
  • 19
    O uso dos deflatores próprios de cada pesquisa cria dificuldades na compatibilização entre elas, visto que as metodologias adotadas são distintas. Assim, houve a escolha pelo uso de um índice de preços comum em toda a amostra.
  • 20
    A série completa do indicador pode ser visualizada no Anexo.
  • 21
    A taxa de crescimento é calculada como a diferença anual média do log.
  • 22
    Ver Feenstra et al. (2015Feenstra, Robert C., Robert Inklaar e Marcel P. Timmer. 2015. “The next generation of the Penn World Table.” American Economic Review, 105 (10), 3150-82.).
  • 23
    Ver De Vries e Erumban (2022De Vries, Klaas, e Abdul Azeez Erumban. 2022. “Total Economy Database: a detailed guide to its sources and methods.” Acesso em 16 de maio de 2023. https://www.conference-board.org/retrievefile.cfm?filename=TED_SMDetailed_apr2022.pdf&type=subsite.
    https://www.conference-board.org/retriev...
    ).
  • 24
    A PWT só tem dados disponíveis até 2019.
  • 25
    Para o período entre 1995 e 2022, a taxa média de crescimento anual do ICH e do Conference Board foram, respectivamente, de 2,20% e 1,74%, como exposto na Tabela B1, no Anexo.
  • 26
    Uma propriedade interessante da função de produção Cobb-Douglas é que, supondo equilíbrio competitivo, o parâmetro α também representa a fração do produto Yt que é distribuída aos detentores de capital Kt, enquanto o recíproco 1-α é a medida da fração da renda distribuída como salários ao fator trabalho Lt. Essa propriedade facilita a estimação de a partir de dados das Contas Nacionais sob a ótica da renda.
  • 27
    Trata-se de uma aproximação. O grupo j ganha salários aproximadamente j×100% maiores do que o grupo de referência. O valor exato, no entanto, é (e β j -1)×100%. A aproximação será mais precisa quanto mais próximo de 0 for o valor de β j .

1. ANEXO A

Regressões de salários

A Tabela A1 apresenta os valores dos coeficientes estimados para os grupos de educação, a partir da Equação (6), nos anos limites da nossa amostra, 1995 e 2022, e em um ano intermediário, 2007. Os resultados revelam que os retornos da educação no Brasil têm caído ao longo dos anos. A Tabela A2 fornece os resultados completos do modelo estimado para os dois períodos limites.

As colunas A, B e C da Tabela A1 indicam o valor estimado dos coeficientes de cada grupo de escolaridade. A primeira linha para cada gênero contém o valor da constante, que corresponde ao grupo de referência - aqueles com menos de 1 ano de estudo completo. As demais linhas correspondem aos coeficientes βj^ de cada grupo de educação j. Eles podem ser interpretados como quão maiores, em termos percentuais, são os ganhos dos trabalhadores nas faixas de escolaridade descritas em relação àqueles que tem menos de um ano de estudo.27 27 Trata-se de uma aproximação. O grupo j ganha salários aproximadamente j×100% maiores do que o grupo de referência. O valor exato, no entanto, é (e β j -1)×100%. A aproximação será mais precisa quanto mais próximo de 0 for o valor de β j . . Nas colunas D, E e F, mostramos o valor da exponencial dos coeficientes. Para o grupo de referência, esse valor representa o salário-hora estimado de um trabalhador com menos de um ano de estudo completo. Para os demais grupos, exp(βj^) expressa quantas vezes cada faixa ganha a mais do que a categoria base.

A título de ilustração, observe que, em 1995, trabalhadores do sexo masculino com 12 a 15 anos de estudo tinham rendimento-hora cerca de 5 vezes maior do que aqueles com menos de um ano de estudo, para um mesmo nível de experiência. Em 2022, a razão entre o salário médio desses dois grupos caiu para aproximadamente 2,4. Tal tendência de queda está presente também nos retornos excedentes dos demais grupos de educação em relação ao grupo de referência e para as trabalhadoras mulheres. A taxa de variação dos retornos de cada grupo entre 1995 e 2022 é dada na última coluna da tabela. A faixa educacional que registrou a maior queda do retorno excedente em relação ao grupo de referência foi a de 16 anos ou mais (-60,0% entre os homens e -61,6% entre as mulheres). A discussão aprofundada dos fatores determinantes da queda dos retornos da educação está além do escopo deste trabalho. Convém ressaltar que, sendo um preço, o salário é regido pelas condições de oferta e demanda do mercado de trabalho.

Tabela A1
Coeficientes estimados das dummies de escolaridade. Variável dependente: Log do rendimento-hora.

Nesse sentido, as próprias mudanças na composição da força de trabalho em favor de grupos com maior escolaridade podem ter contribuído para a redução observada, dado o consequente aumento relativo da oferta de mão de obra mais escolarizada.

Tabela A2
Resultados das estimações. Variável dependente: logaritmo do rendimento-hora habitual. 1995 e 2022

ANEXO B

SÉRIE HISTÓRICA: CAPITAL HUMANO, FATOR TRABALHO E PTF
Tabela B1
Comparação das Medidas de Capital Humano e Fator Trabalho sem e com ajuste de capital humano. Número-índice (1995 = 100). Série Histórica Anual - 1995 a 2022.

ANEXO C

Painel C.1
Distribuição do rendimento real por hora (R$ de 2022). 1995 e 2022. Brasil.

Painel C.2
Histogramas de anos de educação e de experiência. Brasil. 1995 e 2022.

Editado por

EDITOR-CHEFE

Dante Mendes Aldrighi https://orcid.org/0000-0003-2285-5694 Professor - Department of Economics University of São Paulo (USP)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Out 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2023
  • Revisado
    07 Fev 2024
  • Aceito
    22 Fev 2024
Departamento de Economia; Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP) Av. Prof. Luciano Gualberto, 908 - FEA 01 - Cid. Universitária, CEP: 05508-010, Tel.: (55 11) 3091-5803/5947 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: estudoseconomicos@usp.br