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Resenha bibliográfica

Resenha bibliográfica

Christian Vonbun* * Endereço para contato: Av. Presidente Antônio Carlos, 51 – 14º andar – Centro – Rio de Janeiro – RJ. CEP 20020-010.

Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do IPEA. E-mail: christian.vonbun@ipea.gov.br

Paula, Luiz Fernando de; Ferreira, Léo da Rocha; Assis, Milton (orgs.), Perspectivas para a economia brasileira – A inserção internacional e políticas públicas. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2006, 409p.

A ocasião dos 75 anos de existência da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) motivou o lançamento do livro Perspectivas para a Economia Brasileira – Inserção Internacional e Políticas Públicas. A publicação expõe e retrata a produção acadêmica dos professores da instituição, apontando desafios e soluções para os problemas econômicos brasileiros. Trata-se de uma coletânea de artigos sobre temas diversos, adotando diferentes metodologias, mas em geral analisando as questões com profundidade. A obra, de 17 capítulos, é marcada pela variedade de opiniões e divide-se em quatro partes: comércio internacional; restrições macroeconômicas e finanças internacionais; políticas públicas e agrícolas e avaliação de políticas sociais. Seu aspecto mais interessante é a abrangência temática, rara em publicações recentes do gênero.

O primeiro capítulo, de Honório Kume, faz uma análise pormenorizada das perspectivas das negociações comerciais entre os EUA e o Mercosul, visando à criação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). No artigo são identificados os grupos de produtos nos quais cada bloco possui vantagens comparativas e mensura seu grau de vantagem ou desvantagem em cada um deles. A análise mostrou forte complementaridade setorial, portanto um importante potencial de criação de comércio e de relevantes aumentos de bem-estar para ambos. Todavia, os EUA apresentam vantagens comparativas em mais produtos (29,6% do total) que o Mercosul (15,8%). O elevado diferencial indica possíveis dificuldades de se obter um equilíbrio nas negociações EUA/Mercosul. O estudo da estrutura tarifária e de quotas das duas regiões possibilitou uma comparação com os resultados sobre vantagens comparativas para identificar os produtos de interesse de ambas as regiões. No caso do Mercosul, foram identificados 524 produtos com potencial de significativo incremento das exportações aos EUA, cujos produtos de interesse são mais numerosos: 3.291 produtos. O estágio em que se encontravam as negociações beneficiava os EUA, pois suas concessões tarifárias em produtos sensíveis ao Mercosul eram tímidas. O autor conclui que o método de negociação acordado dificulta a obtenção de um resultado equilibrado nas negociações. O texto é bastante elucidativo e ajuda a explicar por que, apesar do potencial benefício mútuo, ainda não se conseguiu chegar a um acordo.

O capítulo seguinte, de Octávio Tourinho e Honório Kume, utiliza um modelo de equilíbrio geral computável (CGE)1 1 Sigla em inglês, que significa Computable General Equilibrium, ou Equilíbrio Geral Computável. para avaliar o impacto, sobre produto, contas externas, consumo e, especialmente, diversos setores da economia, da adoção de acordos comerciais com o NAFTA (North American Free-Trade Agreement) e com a União Européia (UE), tomando como base as características da economia brasileira em 1998. O modelo, desenvolvido em conjunto pelo BNDES e pelo IPEA, constitui uma análise complementar à do capítulo anterior, de equilíbrio parcial. O impacto sobre o produto foi pequeno para ambos os acordos, mas, em parte, esta conclusão deriva da hipótese de pleno emprego. Além disso, aumentaria o consumo e o déficit da balança comercial, com crescimento tanto das exportações quanto das importações. Se os impactos agregados foram parecidos, os setoriais diferiram, com impactos diferentes sobre setores distintos. A soma dos dois acordos isoladamente geraria benefício similar ao da adoção simultânea dos dois acordos. Isto implica que eles são complementares, não substitutos, podendo assim ser assinados em paralelo. As conclusões deste capítulo apontam na mesma direção do capítulo anterior, o que corrobora a tese de que a assinatura desses acordos representa uma oportunidade de relevantes ganhos de bem-estar potenciais para as economias brasileira e do Mercosul.

O terceiro capítulo, de Léo da Rocha Ferreira, se inicia com uma breve revisão bibliográfica acerca dos regimes cambiais. Em razão de sua abrangência, contudo, perde um pouco de profundidade. É seguido por uma nova revisão bibliográfica acerca da história das políticas cambiais brasileiras. Logo após descreve a evolução da taxa de câmbio no Brasil no período entre 1980 e 2003. As principais conclusões do texto são de que o regime de câmbio flutuante é mais indicado, pois reduz a vulnerabilidade externa da economia e que a abertura comercial e a liberalização cambial tornaram a economia brasileira mais integrada à economia mundial, muito embora este tema tenha sido pouco explorado.

A segunda parte do livro é voltada às questões macroeconômicas e às finanças internacionais, ressaltando mais uma vez a diversidade de temas abordados pela obra. O quarto capítulo, escrito por Miguel Bruno, faz um interessante exame dos determinantes do investimento produtivo no Brasil, desde 1941 a 2003. Para este período, o autor conclui que os lucros foram significativamente associados aos investimentos, havendo dupla causalidade. Contudo, no período entre 1991 e 2003, os lucros perdem a capacidade de explicar o investimento e o endividamento externo, identificado como um dos propulsores do investimento entre 1966 e 1980. Observou-se que o aumento do endividamento externo teria causado queda na taxa de investimento, um resultado relevante e surpreendente, pois é contrário à teoria mais aceita na literatura. Entretanto, como esse período coincide com o da liberalização da conta de capitais, o autor apressou-se em imputar à abertura desta conta a responsabilidade por esta inversão de sinal. Ao mesmo tempo que faltou uma explicação convincente do porquê de os lucros terem deixado de influir no investimento, o autor não considerou que o período foi bastante conturbado e marcado por crises cambiais, por um plano de estabilização que implicou queda do investimento público e aumento da dívida e da despoupança públicas. Não obstante, os resultados são interessantes e instigam mais pesquisas acerca da importação de poupança.

Dando prosseguimento à análise das restrições macroeconômicas e das finanças internacionais, o quinto capítulo visita o tema das crises cambiais que assolaram o mundo e o Brasil, especialmente nos anos 1990. Milton Assis estuda a crise russa, que teria provocado o contágio que levou à quebra da paridade cambial brasileira em janeiro de 1999. Após abrangente revisão bibliográfica, realizou-se um estudo econométrico cross-section, com vistas a testar a hipótese de que os países com fracos fundamentos seriam mais susceptíveis a crises ou ao contágio. Seu modelo de mínimos quadrados ordinários não rejeitou as hipóteses de que os países com altas reservas, sistema bancário saudável e câmbio adequado teriam menores chances de serem atingidos por crises monetárias. Além disso, países com altas reservas também se mostraram mais resistentes a crises, independentemente dos fundamentos. Finalmente, nações com sistema financeiro saudável e câmbio adequado também seriam mais resistentes. Governos com suficientes reservas contrabalançariam a fuga de capitais com a venda desses ativos, prescindindo da adequação dos demais fundamentos. Países com sistema financeiro minimamente líquido resistiriam melhor a políticas monetária e fiscal contracionistas, utilizadas para frear a saída de divisas, enquanto que os com câmbio adequado atrairiam menos pressões especulativas, conclui Assis.

O sexto capítulo, de Aléxis Toríbio Dantas e Luiz Fernando Cerqueira, toma uma posição bastante crítica e propositiva no que se refere à política econômica. Descreve a política macroeconômica pós-Real e reúne elementos de censura à sua condução, apresentando boa parte das sugestões da heterodoxia no Brasil. A principal questão abordada foi a expansão da vulnerabilidade externa, devido a uma suposta ausência de disciplina do fluxo de divisas. Além disso, ressaltaram-se o aumento no coeficiente de importações e a ausência de mudanças significativas na composição da pauta de exportações. O texto conclui que o fluxo de capitais reduz a liberdade da política macroeconômica e aponta como antídoto a adoção de controles de capitais. Sugere, ademais, a adoção de políticas de fomento tecnológico para sofisticar os produtos vendidos ao exterior. Seria desejável que a argumentação fosse mais fundamentada, seja pela utilização de dados mais atualizados, seja pelo uso de métodos robustos de avaliação e estimação.

O capítulo seguinte, de José W. Rossi, expõe um modelo para a previsão de trajetórias da dívida pública, com base nas taxas de juros, no crescimento da arrecadação, no estoque inicial da dívida pública e na variação das despesas primárias do setor público. O modelo, que prima pela simplicidade e oferece resultados intuitivos, admite simulações sobre duas medidas parecidas, mas diferentes, da dívida pública: a trajetória da dívida pública em relação às receitas e em relação ao PIB. Em ambos os casos, os resultados foram similares para o Brasil. Isto se dá principalmente devido à alta carga tributária, considerada excessiva e com poucas possibilidades de expansão. A partir da simulação com os dados contemporâneos da economia brasileira, o estudo constatou que o superávit primário, então de 4,2% do PIB, seria suficiente para manter estável a relação dívida/PIB.

O oitavo capítulo, de Elcyon Lima e Brisne Céspedes, é voltado às previsões de inflação, medida pelo IPCA amplo, do IBGE, objetivando comparar a capacidade preditiva da pesquisa Focus, do Banco Central do Brasil (BCB), bem como das previsões divulgadas pelo Banco para a inflação. Para tal, essas previsões foram comparadas à inflação observada e confrontadas com as estimativas de modelos facilmente computáveis. Para horizontes maiores de três meses, não houve evidência de que o mercado fornece previsões mais acuradas, em comparação com as desses modelos simples. Isto depõe contra a credibilidade das informações contidas na pesquisa, podendo sugerir que ela não retrata propriamente as expectativas do mercado. O mesmo ocorreu, surpreendentemente, inclusive ao se testar a eficiência dos 5 melhores previsores do mercado (Top 5). O desempenho das previsões do próprio BCB foram superiores às desses modelos para um horizonte de até quatro meses, mas sua acurácia para prazos mais longos não foi considerada razoável. Contudo, os autores colocam que o Banco Central fornece essas previsões com base em taxas de juros constantes ou de acordo com as expectativas de mercado, não com sua verdadeira previsão. Assim, esses exercícios não implicam que o Banco Central seja por demais impreciso no cálculo da inflação futura, apenas indica que não usa os cenários mais prováveis. O artigo toca em um tema controverso e complexo, permitindo chegar-se à conclusão de que o mercado poderia estar tentando manipular ou influenciar o comportamento do Banco Central.

O nono capítulo, escrito por Luiz Fernando de Paula e Maria Beatriz Leme Marques, faz um detalhado apanhado da história da consolidação dos bancos no Brasil, enfocando o período pós-Real. Após boa revisão bibliográfica da literatura internacional e um histórico sobre a consolidação bancária no mundo, o texto estabelece as forças motivadoras da consolidação do setor no Brasil, desde a privatização dos bancos estaduais, passando pela crise de 1995/96, pelo PROER e pela abertura ao capital estrangeiro, até chegar à onda de fusões e aquisições liderada pelos três maiores bancos brasileiros, em reação ao avanço dos estrangeiros. Concluiu-se que o Brasil acompanhou tendências comuns às consolidações bancárias em países desenvolvidos e emergentes, destacando-se o aumento da concentração bancária. O processo consistiu, inicialmente, em uma resposta à fragilização dos bancos devido à implantação do plano de estabilização, bem como o resultado de medidas governamentais para reestruturar o sistema e a flexibilização da entrada de estrangeiros. Destaca-se a reação dos bancos nacionais, sob a forma de um relevante processo de fusões e aquisições, que reforçou suas posições no mercado. Didático e bem documentado, o capítulo oferece uma boa iniciação aos interessados no tema.

O décimo capítulo abre a terceira parte do livro, que trata de políticas públicas e agrícolas. Escrito por Thompson Almeida Andrade, que foi recentemente Conselheiro do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), consiste em um estudo de caso do cálculo2 2 Na verdade, não se trata propriamente de um estudo de caso, mas da descrição do cálculo efetuado com vistas à tomada de decisão, pelo CADE, do processo em questão. da multa aplicada pelo CADE contra a White Martins, em um caso de açambarcamento de matérias-primas no mercado de CO2 industrial. A empresa tornou-se ré no processo em razão de um contrato firmado com a fornecedora de insumos Ultraféril S.A., o qual estabelecia que a última estaria impedida de vender matéria-prima excedente a outro demandante. A prática, considerada lesiva ao mercado, seria passível de multa, cujo valor deveria ser igual ou superior ao malefício causado ao mercado, acarretando a necessidade de se determinar este prejuízo. Assim, com base nas possíveis elasticidades-preço da demanda de CO2 e na quantidade açambarcada de matéria-prima e a partir uma função de produção, calculou-se o montante do produto que deixou de ser ofertado e seu preço estimado de mercado. Esses números, confrontados com o custo aproximado de produção, determinam o lucro adicional que a empresa teria auferido por meio da prática. O resultado obtido baseou o cálculo da multa. O capítulo fornece uma sucinta e objetiva amostra da metodologia de determinação dos valores das penalidades aplicadas pelo CADE. Contudo, a ausência de estimativas econométricas da elasticidade-preço da demanda, não obstante às dificuldades em fazê-las, decepciona um pouco.

No capítulo subseqüente, de Ângela Penalva Santos, é discutida a elevação dos municípios à condição de entes federativos e a descentralização das políticas públicas em sua direção. O objetivo é investigar as finanças públicas dos municípios de mais de cem mil habitantes e a viabilidade de sua autonomia financeira. Para isto, é pesquisada a estrutura federativa brasileira, das responsabilidades dos municípios, do comportamento das principais receitas tributárias, das transferências aos municípios e dos programas compartilhados pelas três esferas de governo,3 3 Como o FUNDEF e o SUS, termos referentes ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e da Valorização do Magistério e ao Sistema Único de Saúde, respectivamente. seguida da avaliação da variação dos investimentos e gastos municipais. A autora considera que se transferiu demasiada responsabilidade aos municípios, criticando, ao mesmo tempo, as receitas vinculadas do FUNDEF e o ajuste fiscal imposto aos municípios pela Lei de Responsabilidade Fiscal, em conjunto com o ajuste nas contas públicas implementado pelo governo central em 1998. É identificado um impasse no federalismo brasileiro, consistindo em um contraponto entre a descentralização e o aperto fiscal, algo, no mínimo, polêmico. Outra conclusão foi a relevância da dependência dos investimentos dos municípios às receitas consideradas não-sustentáveis, em detrimento das receitas tributárias próprias. Aparentemente se apresenta um viés a favor de uma suposta necessidade de aumento das despesas e da arrecadação municipal, algo pouco compatível com o patamar atual e a expansão da carga tributária brasileira. Pouco foi discutido acerca do papel dos municípios e da recalibragem das transferências provenientes dos outros entes federativos ou da necessidade de aumentar a eficiência dos gastos. Finalmente, o texto atribui a fraca arrecadação ao mau desempenho do PIB, embora este tenha sido marginalmente inferior à média das últimas décadas.

O 12º capítulo, de Maria Beatriz David, apresenta uma discussão sobre o potencial de desenvolvimento rural, começando com uma interessante retrospectiva acerca do papel da agricultura nas economias latino-americanas, reconhecendo a importância dessas atividades e ressaltando que o setor passa a ter novas perspectivas e oportunidades de expansão por meio das novas tecnologias, especialmente a biotecnologia. Em seguida, a análise prossegue apontando possíveis temas, áreas e mecanismos que ajudem a alcançar o desenvolvimento sustentável das áreas rurais. À luz da necessidade de preservação dos recursos naturais, da incorporação de novas tecnologias aos processos produtivos e de expandir e melhorar a qualidade do emprego, a sugestão implícita é que se faça o desenvolvimento com base em serviços, especialmente de assistência técnica e pesquisa, utilizando-se, inclusive, de cooperações internacionais. Por fim, são ressaltados o dinamismo e a resiliência do complexo agroindustrial no País.

O 13º capítulo insere certa polêmica no livro, ao discutir a agricultura no cerrado brasileiro. Utilizando um modelo do mercado de terra, que diferencia a terra virgem da terra de primeira e da de segunda qualidades, Gervásio Rezende mostra por que o aumento da oferta de terras agricultáveis devido à correção do solo denominada "construção do solo", que transforma terras de 2ª em terras de 1ª, reduziu o preço das terras no cerrado, graças à expansão da oferta de terras agricultáveis. Esta redução de preços, juntamente com a melhoria da qualidade da terra em níveis comparáveis às terras do Sul e ao terreno propício à mecanização, levou à criação de vantagens comparativas na região para a produção de grãos. Todavia, o modelo tem caráter concentrador de renda, por ser muito capital-intensivo. O autor argumenta, porém, que as características do solo e os custos da mecanização inviabilizam a implantação da agricultura familiar, portanto da reforma agrária, em sua forma usual. No que tange à questão ambiental, é reconhecido que há casos de mau uso das fontes hídricas, o que demanda ação disciplinadora por parte do Estado. A sugestão é de que áreas menos propícias à agricultura sejam destinadas à criação de parques nacionais, dado o alto custo de oportunidade do uso de terras conversíveis pela agricultura. Entretanto, sua afirmação de que não se deve expandir a área preservada do cerrado é questionável, pois há que se pensar também nos custos ecológicos. É lícito pensar que a biodiversidade contida em áreas mais ou menos agricultáveis seja heterogênea. Ademais, um zoneamento engendrado apenas para a agricultura pode ter efeitos deletérios sobre os recursos hídricos e as rotas migratórias, por exemplo. Isto torna indispensáveis mais pesquisas de caráter multidisciplinar sobre o ecossistema e o potencial agrícola da região.

O capítulo seguinte, assinado por Paulo Cidade e Roberta Marques, apresenta uma avaliação do Planaforo (Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia), aprovado em março de 1992, objetivando: interromper o desmatamento predatório na região; recuperar áreas desmatadas e ecossistemas mais frágeis; recuperar áreas capoeiras pela implantação de culturas mais permanentes; apresentar um modelo racional de ocupação da região e melhorar a infra-estrutura econômica e o nível de vida da população. O projeto, financiado majoritariamente pelo Banco Mundial, viabilizaria investimentos da ordem de US$ 228,9 milhões. Seus resultados foram medidos por meio do acompanhamento de diversos índices econômicos, sociais e relativos ao desmatamento. Contudo, cabe ressaltar, a metodologia do estudo mostrou-se sujeita a críticas, pois computa dados agregados da região sem controles para outras causações que não o programa. Avaliou-se que o Estado teve boa evolução quanto ao PIB e ao PIB per capita, tanto em comparação com o Brasil como com a Região Norte, entre 1990 e 1999. Entretanto, houve piora na estrutura produtiva, com queda da participação da indústria e da agropecuária no PIB, e com incremento da administração pública e das atividades imobiliárias. Ocorreram melhoras na oferta de serviços essenciais, como saúde e educação, com elevação, inclusive, no IDH4 4 Índice de Desenvolvimento Humano, cuja formulação advém do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). da região, apesar de em patamares ainda baixos. Uma surpresa foi a piora da distribuição de renda, muito embora seja perceptível um aumento da renda do Estado acima da nacional. A mortalidade infantil decresceu menos rapidamente que a brasileira, tal como o acesso à saúde, o que não surpreende. O texto destaca avanços quanto ao zoneamento ambiental, embora sem reduzir o desmatamento, crescente, não obstante em desaceleração, devido à expansão do rebanho bovino e efeitos secundários da reforma agrária. A boa notícia foi a redução das queimadas entre 2000 e 2001. O fomento a produtores rurais beneficiou 14 mil famílias, apenas 25% da meta. Os autores consideram o programa bem-sucedido, especialmente quanto ao crescimento econômico e aos indicadores sociais, apesar de os dados permitirem avaliação diferente se considerarmos a inexistência de filtros para efeitos das demais variáveis econômicas que podem ter influído no desempenho do PIB estadual.

A última parte do livro contempla um tema bastante carente de estudos no Brasil: a avaliação de políticas sociais. É aberta pelo capítulo de Alexandre Marinho e Luís Otávio Façanha, que elaboram um rigoroso e pormenorizado guia para a avaliação de programas sociais, por meio de um modelo diagramático que sistematiza (o que deveria ser) o mecanismo de funcionamento e de retroalimentação de um programa social "genérico". As dimensões mais relevantes para a avaliação são os recursos utilizados – que vão desde os bens materiais aos recursos humanos e técnicas que se pretende utilizar – e os resultados, que incluem as técnicas efetivamente utilizadas, o aprendizado com o processo e seus resultados. Essas dimensões são então comparadas com os objetivos inicialmente desejados e com as best practices.5 5 O termo pode ser traduzido como as melhores práticas, pois identifica ações similares e isola as melhores metodologias. Em razão de problemas de mensuração, os quais dificultam a identificação da função que transforma recursos em resultados, é sugerido o uso da técnica da análise envoltória de dados (data envelopment analysis – DEA) para obter as fronteiras e scores de eficiência relativa. No caso de se conhecer a função de produção, os autores recomendam o uso da técnica das fronteiras estocásticas, com a vantagem de levar em consideração o fato de os resultados poderem ser sujeitos a um componente aleatório e a um componente de ineficiência, capazes de provocar desvios em relação aos níveis ótimos ou eficientes.6 6 Os autores definem efetividade, eficiência e eficácia respectivamente como: capacidade de promover resultados pretendidos; a competência de produzi-los com o menor custo possível e a taxa de retorno esperada ou requerida. É um capítulo imprescindível aos interessados no tema.

O capítulo seguinte, de Alberto de Mello e Souza, trata da educação em escolas públicas de três cidades fluminenses: Duque de Caxias, Niterói e Nova Friburgo. Sua motivação é superar as limitações do SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) e fornecer análises exploratórias sobre o desempenho dos alunos. Foram aplicados testes padronizados de língua portuguesa e questionários na rede pública de ensino das cidades supracitadas e seus resultados foram estudados, principalmente, por meio de análises de regressão linear simples e múltipla. O objetivo foi explicar os diferenciais das notas dos alunos nos testes padronizados. As principais conclusões foram: as meninas tendem a tirar notas mais elevadas que os meninos; a universalização do uso de livros didáticos eleva o rendimento dos alunos; é importante o relacionamento entre professores e alunos e a pedagogia repetitiva é danosa. Quanto maior a autonomia pedagógica de uma escola, melhor seu desempenho. A repetência piora o desempenho dos alunos, mas a promoção automática também o faz. Surpreendentemente, a titulação dos professores e diretores no nível superior mostrou-se contraproducente na análise, um resultado contra-intuitivo que merece pesquisas adicionais. Todavia, cursos e especialização dos professores elevaram o rendimento dos alunos – conclui o capítulo.

O último capítulo, de autoria de Josir Gomes, Ariel Levy e Gerson Lachtermacher, também estuda a educação no Brasil. Seu objetivo é responder se há características que possam agrupar municípios brasileiros no que tange a indicadores de desempenho e de investimentos na educação, bem como se há padrões que distinguem municípios localizados em distintas regiões geográficas e se há relação entre o IDH e indicadores de desempenho e investimento em educação. A metodologia adotada é a de Mining Tools, que busca reunir dados em segmentos ou clusters. O artigo faz, inicialmente, uma revisão teórica a respeito da mineração de dados, com atenção especial às técnicas utilizadas. Os dados provêm do censo educacional do INEP, aos quais foram adicionadas informações sobre gastos com alunos por UF e seu crescimento médio entre 1996 e 2000. Os principais resultados foram a separação dos municípios em dois grupos: de um lado, os menos desenvolvidos quanto ao IDH – a maioria dos quais localizada nas regiões Norte e Nordeste –, de outro, os mais desenvolvidos e os demais municípios, em variadas faixas do índice e em diversas regiões do País. Aumentando arbitrariamente o número de divisões para 3, secionou-se o segundo grupo, mas sem correlação direta com o IDH. Assim, o indicador favorece o estudo do fator educacional nos municípios, mas não consegue per se categorizar os municípios brasileiros quanto à educação.

Apesar da falta de um fio condutor claro e de haver algumas contradições entre capítulos, o livro oferece a oportunidade de se pensar boa parte das mazelas brasileiras e de se discutir soluções para os problemas de nossa sociedade. Além do mais, retrata parte das idéias atualmente produzidas em uma das primeiras faculdades de Economia do Brasil.

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    Endereço para contato: Av. Presidente Antônio Carlos, 51 – 14º andar – Centro – Rio de Janeiro – RJ. CEP 20020-010.
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    Sigla em inglês, que significa
    Computable General Equilibrium, ou Equilíbrio Geral Computável.
  • 2
    Na verdade, não se trata propriamente de um estudo de caso, mas da descrição do cálculo efetuado com vistas à tomada de decisão, pelo CADE, do processo em questão.
  • 3
    Como o FUNDEF e o SUS, termos referentes ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e da Valorização do Magistério e ao Sistema Único de Saúde, respectivamente.
  • 4
    Índice de Desenvolvimento Humano, cuja formulação advém do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
  • 5
    O termo pode ser traduzido como as melhores práticas, pois identifica ações similares e isola as melhores metodologias.
  • 6
    Os autores definem efetividade, eficiência e eficácia respectivamente como: capacidade de promover resultados pretendidos; a competência de produzi-los com o menor custo possível e a taxa de retorno esperada ou requerida.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Ago 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2007
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