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Circuitos da propaganda oficiosa: Amaral Netto comemora os 150 anos da Independência (1972) * * Este artigo resulta de pesquisa de pós-doutorado, realizada com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), sob supervisão do prof. dr. Eduardo Morettin. Título do projeto: Audiovisual e Sesquicentenário da Independência (1972): circulação de imagens da nação na encruzilhada da modernização autoritária . Processo FAPESP nº 2021/07062-8.

Circuits of unofficial propaganda: Amaral Netto celebrates the 150 years of Independence (1972)

Circuitos de la propaganda extraoficial: Amaral Netto celebra los 150 años de la Independencia (1972)

Resumo

Um único filme pode revelar muito sobre as relações simbióticas entre os setores civis e a ditadura instaurada com o Golpe de 1964. O artigo faz um estudo de caso de Brasil ano 150 , curta-metragem documental de Amaral Netto comemorando o Sesquicentenário da Independência (1972). O objetivo é rastrear um circuito da propaganda oficiosa aglutinado em torno dessa película. O método, do campo história e audiovisual, articula análise fílmica imanente e fontes extrafílmicas sobre a trajetória do objeto, incluindo o arquivamento, a produção, a censura e a circulação. Conclui-se que esse curta-metragem testemunha uma “modernização” da velha cavação cinematográfica para um colaboracionismo audiovisual mais estruturado.

Palavras-chave:
Ditadura; Audiovisual; Cavação; Colaboracionismo; Amaral Netto; Sesquicentenário

Abstract

A single film can reveal much about the symbiotic relationships between civilian sectors and the dictatorship established with the 1964 coup. This case study investigates Brazil year 150 , a documentary short film by Amaral Netto celebrating the sesquicentennial of Independence (1972). It traces a circuit of unofficial propaganda gathered around this film. Rooted in history and audiovisual studies, it combines immanent film analysis with extra-filmic sources detailing the object’s trajectory, including archiving, production, censorship, and circulation. In conclusion, this short film witnesses a “modernization” of the old cinematic “cavação” (commissioned films) for a more structured audiovisual collaborationism.

Keywords:
Dictatorship; Audiovisual; Cavação; Collaborationism; Amaral Netto; Sesquicentennial

Resumen

Una sola película puede revelar mucho sobre las relaciones simbióticas entre los sectores civiles y la dictadura instaurada con el Golpe de 1964. Este artículo realiza un estudio de caso de Brasil año 150 , un cortometraje documental de Amaral Netto que celebra el Sesquicentenario de la Independencia (1972). Su objetivo es rastrear un circuito de propaganda extraoficial reunido alrededor de esta película. El método del campo de la historia y del audiovisual articula análisis fílmico inmanente y fuentes primarias extrafílmicas sobre la trayectoria del objeto, que incluye el archivado, la producción, la censura y la circulación. Se concluye que este cortometraje testimonia una “modernización” de la antigua “ cavação ” cinematográfica (películas por encargo) hacia un colaboracionismo audiovisual más estructurado.

Palabras clave:
Dictadura; Audiovisual; Cavação; Colaboracionismo; Amaral Netto; Sesquicentenario

Introdução: da “cavação” ao colaboracionismo audiovisual

O filme analisado neste artigo tem uma trajetória reveladora das relações simbióticas entre setores da sociedade civil e ditadura (1964-1985). Trata-se de Brasil ano 150 (Amaral Netto, 1972 BRASIL ano 150. Direção geral: Amaral Netto. Produção e supervisão: Cleuton Sampaio. Roteiro: Amaral Netto. Direção de fotografia: José Roberto Couto, Chucho Narvaez, Umberto Borges e Anely Durão. Direção de arte: Cleomar Pinheiro. Documentação e arquivo: Gabriel Chaves de Mello, Inácia Lopes e Fábio Barone. Narração: Célio Moreira, Américo Vilhena, Maria José Ferreira e Jogral da Escola de Aplicação da UEG. Adaptação cinematográfica: Persin Perrin Produções. Com a equipe de Amaral Netto, o Repórter, Rede Globo de Televisão. Rio de Janeiro: Plantel, 1972. (16 min), color. Disponível em: http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_RJANRIO_NS/0/FIL/0225/BR_RJANRIO_NS_0_FIL_0225_d0001de0001.mp4 . Acesso em: 3 abr. 2024.
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, 16 min, color.), curta-metragem documental em homenagem ao Sesquicentenário da Independência, produzido pela Plantel Editora e Publicidade S.A. com a equipe do programa Amaral Netto, o Repórter , da Rede Globo (Brasil…, 1972 BRASIL ano 150. Direção geral: Amaral Netto. Produção e supervisão: Cleuton Sampaio. Roteiro: Amaral Netto. Direção de fotografia: José Roberto Couto, Chucho Narvaez, Umberto Borges e Anely Durão. Direção de arte: Cleomar Pinheiro. Documentação e arquivo: Gabriel Chaves de Mello, Inácia Lopes e Fábio Barone. Narração: Célio Moreira, Américo Vilhena, Maria José Ferreira e Jogral da Escola de Aplicação da UEG. Adaptação cinematográfica: Persin Perrin Produções. Com a equipe de Amaral Netto, o Repórter, Rede Globo de Televisão. Rio de Janeiro: Plantel, 1972. (16 min), color. Disponível em: http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_RJANRIO_NS/0/FIL/0225/BR_RJANRIO_NS_0_FIL_0225_d0001de0001.mp4 . Acesso em: 3 abr. 2024.
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). 1 1 Uma cópia digitalizada do filme está disponível no Sistema de Informações do Arquivo Nacional (Sian), sob notação BR RJANRIO NS.0.FIL.225. Ver endereço eletrônico direto para o arquivo digital na lista de referências. A direção geral de Brasil ano 150 é de Amaral Netto, jornalista, político e empresário notório pela colaboração com a ditadura instaurada no Brasil com o Golpe de 1964. Mas dizer isso sobre este indivíduo ainda é pouco. 2 2 Para um panorama da trajetória e da produção de Amaral Netto, ver a tese de Katia Iracema Krause ( 2016 ). A questão vai além de alinhamentos pessoais e oportunismos circunstanciais. O objetivo aqui é reconstituir a trajetória desse curta-metragem para desvendar, nesse percurso, um circuito de agentes civis com profundas conexões (ideológicas, econômicas) com a modernização conservadora e autoritária 3 3 Emprega-se aqui o conceito de modernização conservadora e autoritária com base na discussão sobre o tema promovida por Rodrigo Patto Sá Motta ( 2014 ). Segundo a formulação desse historiador, o conceito é frutífero para se compreender paradoxos e contradições do regime que emergem da conjugação de impulsos modernizantes, conservadores e autoritários, dentro de uma cultura política que tende a conciliações, acomodações e personalismos. Nas palavras de Motta ( 2014: local. 240): “Observando o quadro geral, pode-se dizer que o propósito modernizador se concentrava na perspectiva econômica e administrativa, com vistas ao crescimento, à aceleração da industrialização e à melhoria da máquina estatal. Já o projeto autoritário-conservador se pautava em manter os segmentos subalternos excluídos, especialmente como atores políticos, bem como em combater as ideias e os agentes da esquerda — por vezes, qualquer tipo de vanguarda — nos campos da política e da cultura, defendendo valores tradicionais como pátria, família e religião, incluindo a moral cristã”. Por sua vez, Carlos Fico ( 2017: 25-31), em balanço historiográfico, apresenta um ponto de vista crítico divergente quanto ao uso da noção de modernização conservadora para se pensar a última ditadura brasileira. fomentada pelos militares.

Vale esclarecer: Brasil ano 150 não foi uma edição corrente do programa televisivo Amaral Netto, o Repórter, exibido entre 1968 e 1985, inicialmente na TV Tupi, em 1968, e, a partir de 1969, na Globo (Krause, 2016KRAUSE, Katia Iracema. O Brasil de Amaral Netto, o Repórter (1968-1985). 2016. 411 f. Tese (Doutorado em História Social) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, 2016. ). Foi uma produção especial, comemorativa, embora realizada pela mesma Plantel de Amaral Netto “com a equipe” do programa, conforme se lê nos créditos de abertura.

O filme se encerra estampando na tela o logotipo oficial do Sesquicentenário da Independência do Brasil, criado pelo designer Aloísio Magalhães, cujo efeito gráfico tridimensional conecta os anos de 1822 e 1972. Em um primeiro olhar, a impressão é que o curta-metragem de Amaral Netto quis dar expressão audiovisual ao logotipo. Seu dispositivo básico é este: imagens fixas e em movimento vão cotejando os avanços de diversos setores econômicos, entre o passado da Independência (quando tudo era incipiente) e o presente de 1972 (quando tudo se desenvolvia). A locução apresenta dados do “milagre” econômico, intercalando uma voz over masculina solene e um jogral declamado por vozes jovens. A trilha sonora estabelece uma série de contrastes entre música de concerto (do passado) e canções populares (daquele momento).

Essa é apenas uma descrição preliminar do curta-metragem, um ponto de partida fílmico para o enunciado da hipótese global do artigo: a velha tradição cinematográfica da “cavação” (produção laudatória por interesse econômico) ganhou novo impulso durante o chamado “milagre” econômico. Nos anos 1970, em plena ditadura, a prática da cavação adquiriu outro grau e se “industrializou”, integrando-se aos esforços de dinamização dos meios e mercados de comunicação e bens culturais. Se, desde o primeiro cinema, a cavação foi uma prática voltada ao sustento do negócio de certos produtores (Freire, 2022FREIRE, Rafael de Luna. O negócio do filme: a distribuição cinematográfica no Brasil, 1907-1915. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna, 2022.: 59; Galvão, 1975GALVÃO, Maria Rita. Crônica do cinema paulistano. São Paulo: Ática, 1975.: 51-52); na modernização conservadora e autoritária (Motta, 2014MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o Regime Militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. ), ela atingia a condição de um colaboracionismo audiovisual articulado em um circuito implicado (Rothberg, 2019ROTHBERG, Michael. The Implicated Subject: Beyond Victims and Perpetrators. Stanford, CA: Stanford University Press, 2019. ) 4 4 A ideia de circuito implicado inspira-se livremente na noção de sujeito implicado formulada por Michael Rothberg ( 2019 ). Nas palavras do autor: “Os sujeitos implicados ocupam posições alinhadas com o poder e o privilégio sem serem eles próprios agentes diretos do dano; eles contribuem, habitam, herdam ou se beneficiam de regimes de dominação, mas não originam ou controlam tais regimes. Um sujeito implicado não é nem uma vítima nem um perpetrador, mas sim um participante em histórias e formações sociais que geram as posições de vítima e perpetrador” (Rothberg, 2019: 1, tradução nossa). na sustentação simbólica do regime ditatorial . O estudo em escala micro do filme Brasil ano 150 revelará alguns dos vetores concretos dessa inflexão na escala macro (Ginzburg, 2007GINZBURG, Carlo. Micro-história: duas ou três coisas que sei a respeito. In: GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 249-279. ).

A hipótese exposta cruza dois debates historiográficos de campos diferentes. O tópico clássico da “cavação” vem da historiografia do cinema brasileiro. Jean-Claude Bernardet ( 2009BERNARDET, Jean-Claude. Cinema brasileiro: propostas para uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.: 37-44), em seu Cinema brasileiro: propostas para uma história , publicado originalmente em 1979, já dedicava um capítulo ao cinema de cavação. Segundo Bernardet ( 2009BERNARDET, Jean-Claude. Cinema brasileiro: propostas para uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.: 43), “de modo geral, esses cinegrafistas [cavadores] eram malvistos, eles tinham é que descolar a grana, qualquer trambique valia, e o filme resultante nem sempre era lá uma maravilha. Às vezes nem filme havia”. O autor enxergava uma continuidade da prática nos anos 1970, momento no qual escrevia: “E essa situação prossegue hoje: quantos cineastas, para se sustentar, e quantas produtoras de longas-metragens não se voltam para o filme de publicidade ou o documentário institucional?” (Bernardet, 2009BERNARDET, Jean-Claude. Cinema brasileiro: propostas para uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.: 43). Segundo José Inácio de Melo Souza ( 2003SOUZA, José Inácio de Melo. Trabalhando com cinejornais: relato de uma experiência. História: Questões e Debates, Curitiba, n. 38, p. 43-62, 2003. DOI: 10.5380/his.v38i0.2714.
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: 45), a expressão “cavação” é dos anos 1920 e designava películas que promoviam pessoas, governos ou empresas, tendo sido resgatada por Maria Rita Galvão ( 1975GALVÃO, Maria Rita. Crônica do cinema paulistano. São Paulo: Ática, 1975. ) em Crônica do cinema paulistano , de 1975. À luz da hipótese acima esboçada, é significativo que o tema da cavação tenha ganhado impulso na historiografia do cinema brasileiro justamente na década de 1970.

Já o segundo debate do cruzamento historiográfico proposto vem dos estudos da ditadura brasileira: a pauta dos “colaboracionismos” civis com o regime autoritário. A discussão remonta às revisões historiográficas da Segunda Guerra Mundial, feitas sobretudo na França, quanto aos mitos da resistência e aos tabus da colaboração (Rousso, 1990ROUSSO, Henri. Le Syndrome de Vichy: de 1944 à nos jours. Paris: Seuil, 1990. ). Dentro do campo da historiografia do Regime de 1964, não é uma coincidência que os principais trabalhos sobre o Sesquicentenário da Independência (Cordeiro, 2015CORDEIRO, Janaina Martins. A Ditadura em tempos de milagre: comemorações, orgulho e consentimento. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015. ) e sobre Amaral Netto (Krause, 2016KRAUSE, Katia Iracema. O Brasil de Amaral Netto, o Repórter (1968-1985). 2016. 411 f. Tese (Doutorado em História Social) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, 2016. ) tenham sido desenvolvidos no Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), sob orientação, respectivamente, de Daniel Aarão Reis Filho e Denise Rollemberg. Esses dois historiadores têm empreendido uma revisão crítica do período autoritário e sua memória, questionando a ênfase no tópico da resistência como uma forma de apagamento de um complexo espectro de colaborações, cumplicidades e ambivalências de setores sociais perante o autoritarismo (Reis Filho, 2014REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil: do Golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. ; Rollemberg; Quadrat, 2011ROLLEMBERG, Denise; QUADRAT, Samantha (org.). A construção social dos regimes autoritários: Brasil e América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. v. 2. ). Seguem essa linha de revisão tanto a pesquisa de Janaina Martins Cordeiro ( 2015CORDEIRO, Janaina Martins. A Ditadura em tempos de milagre: comemorações, orgulho e consentimento. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015. ) sobre os festejos dos 150 anos da Independência quanto a tese de Katia Iracema Krause ( 2016KRAUSE, Katia Iracema. O Brasil de Amaral Netto, o Repórter (1968-1985). 2016. 411 f. Tese (Doutorado em História Social) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, 2016. ) sobre o programa televisivo de Amaral Netto.

Eis as duas frentes historiográficas com as quais a hipótese deste artigo está dialogando. Cabe ainda, nesta introdução, resumir os princípios metodológicos que guiam aquilo que se lerá nas páginas seguintes. A análise do filme de Amaral Netto levará em conta os recursos da linguagem audiovisual mobilizados na construção de seu discurso. Esses são alguns dos eixos básicos da interdisciplinaridade entre história e audiovisual: fontes audiovisuais não são meras “ilustrações” do passado; elas devem ser analisadas a partir de seus canais de expressão áudio e visuais específicos (Morettin, 2007MORETTIN, Eduardo. O cinema como fonte histórica na obra de Marc Ferro. In: CAPELATO, Maria Helena; MORETTIN, Eduardo; NAPOLITANO, Marcos; SALIBA, Elias Thomé (org.). História e cinema. São Paulo: Alameda, 2007. p. 40-64. ; Napolitano, 2006NAPOLITANO, Marcos. A história depois do papel. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2006. p. 235-289. ). Essa análise fílmica imanente, estético-narrativa, será articulada a um conjunto levantado de fontes textuais correlatas, mais especificamente, vestígios documentais extrafílmicos que permitem uma reconstituição da trajetória de produção, censura e circulação de Brasil ano 150 . Trata-se de ir além da representação patente, ou latente, nas imagens, encarando o curta-metragem como um artefato cultural concretamente inserido em um circuito de práticas, instituições e agentes daquela conjuntura histórica (Lindeperg, 2007LINDEPERG, Sylvie. “Nuit et brouillard”: un film dans l’histoire. Paris: Odile Jacob, 2007. ; Meneses, 2012MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. História e imagem: iconografia/iconologia e além. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (org.). Novos domínios da história. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 243-262. ).

A argumentação tem quatro movimentos. Em primeiro lugar, o relato do trabalho no arquivo audiovisual, repassando uma série de pistas e visionamentos que levaram à hipótese sobre o caráter oficioso de Brasil ano 150 . Depois, a seção dedicada à análise fílmica, decodificando o esforço estilístico do curta-metragem para encontrar uma inventividade conservadora condizente com a celebração da modernização autoritária. Em terceiro, o exame do processo de censura do filme e de notícias levantadas na imprensa permite uma reflexão em torno da esfera da produção, na porosidade entre o oficioso e o oficial. Por fim, lidando com registros da circulação de Brasil ano 150 , realiza-se o mapeamento de uma rede de instituições militares e civis que se empenharam para ampliar o alcance de sua mensagem laudatória do “milagre”.

Neste aniversário de sessenta anos do Golpe de 1964, a pergunta aqui colocada ao passado volta-se para nosso presente: Quais são os porta-vozes, os meios de expressão e as práticas culturais que tentam reeditar aquele patriotismo entusiasta do regime autoritário?

O trabalho no arquivo: rastros e rolos levam à hipótese do filme oficioso

Existe um universo enorme de arquivos audiovisuais do período ditatorial que ainda precisa ser explorado. Em geral, quando se fala da necessidade de abrir os arquivos da ditadura, o que vem à mente são documentos em papel, textuais. Contudo, repousa nos acervos uma infinidade de rolos com registros fílmicos daquela conjuntura. O que falta, nesse caso, não é abrir os arquivos, mas descobri-los. A questão vai além de uma história do audiovisual entre 1964 e 1985. Trata-se, antes, de repensar as histórias do autoritarismo no Brasil a partir dessa iconosfera em película.

Saltar direto para a análise fílmica significaria ocultar uma dimensão importantíssima da pesquisa que embasou este artigo. Seria silenciar sobre todo um labor no arquivo audiovisual, entre rastros encontrados e rolos visionados. Um bastidor de hesitações e achados que não costuma entrar nos resultados submetidos para publicação. Esta seção traz uma espécie de “diário de pesquisa”, relatando os meandros enfrentados até o acesso ao filme. O caminho descrito é tortuoso, mas foi nessas idas e vindas que se começou a suspeitar que esse curta-metragem oficioso de Amaral Netto teria sido chancelado pela Comissão Executiva Central do Sesquicentenário da Independência do Brasil (CEC), órgão oficial que organizou os festejos.

No relatório da CEC publicado em 1972, além da descrição das iniciativas do calendário de comemorações, existem instruções sobre o acervo acumulado pela comissão e entregue ao Arquivo Nacional. Nessas instruções, consta que o armário 3 continha “um exemplar dos filmes alusivos ao Sesquicentenário” (Corrêa, 1972CORRÊA, Antonio Jorge. As comemorações do Sesquicentenário. Rio de Janeiro: CEC, 1972. (Biblioteca do Sesquicentenário).: 108). No Sistema de Informações do Arquivo Nacional (Sian), porém, não há registro da existência de itens filmográficos no fundo depositado pela CEC (notação BR RJANRIO 1J). A Divisão de Processamento Técnico de Documentos Audiovisuais e Sonoros (Didas) do Arquivo Nacional complementou, após consulta, que não foram recolhidos itens fílmicos no fundo BR RJANRIO 1J. Durante os visionamentos ali realizados, a pesquisa coletou, com um servidor mais experiente que participou da montagem da Seção de Filmes, o relatório de atividades do ano de 1983 daquela unidade. No Relatório janeiro 83 , está listado o filme Brasil ano 150: Sesquicentenário da Independência; produzido por Plantel, Amaral Netto e Rede Globo de Televisão; especificações: 1 cópia de 16 mm; colorido; 1000 pés. Ou seja, ficou registrado que esse título já estava no Arquivo Nacional durante a organização da Seção de Filmes, entre 1982 e 1983 (Molinari Júnior, 1983MOLINARI JÚNIOR, Clóvis. Relatório janeiro [19]83. Rio de Janeiro: Seção de Filmes; Arquivo Nacional, fev. 1983. Arquivo Nacional (Rio de Janeiro); Seção de Filmes. ). Essa presença precoce do título de Amaral Netto na Seção de Filmes levou à primeira conjectura de que essa cópia em 16 mm que consta no relatório de atividades da seção de 1983 poderia ser um “exemplar” depositado pela CEC no Arquivo Nacional em 1972, e que hoje não está no fundo BR RJANRIO 1J.

Essa linha de investigação ajudava a dirimir algumas dúvidas. Foi com esse olhar que a pesquisa se voltou novamente para o capítulo 5, “Publicações e materiais”, do relatório da CEC. Ali consta um “filme Brasil 150 anos” entre os materiais que a”Comissão fez distribuir, também, em todo o território nacional”. Na planilha elaborada sistematizando o levantamento prévio do corpus audiovisual desta pesquisa, constavam duas entradas: uma para o Brasil ano 150 de Amaral Netto; e outra para um tal Brasil 150 anos , conforme grafado no relatório da CEC (Corrêa, 1972CORRÊA, Antonio Jorge. As comemorações do Sesquicentenário. Rio de Janeiro: CEC, 1972. (Biblioteca do Sesquicentenário).: 108-109). Durante o trabalho de campo no Arquivo Nacional, surgiu a pergunta: Seriam o mesmo filme, só com o título invertido?

Um item cadastrado no Sian trazia o nome tal qual grafado no relatório da CEC de 1972: Brasil 150 anos . Tratava-se do rolo em 16 mm com notação BR RJANRIO TS.0.FIL.13, do fundo Superintendência do Desenvolvimento da Região Centro-Oeste (Sudeco). O visionamento de películas em mesa enroladeira tem suas peculiaridades práticas: o acesso às imagens é feito fotograma a fotograma, em mesa de luz, sem movimento e sem banda sonora. Para dificultar, o reconhecimento das imagens foi mais penoso porque o rolo estava de fim, ou seja, não havia sido rebobinado e, com isso, o visionamento foi feito com o filme de trás para frente. Terminado o trabalho, veio a constatação: a grafia do título de fato estava trocada na ficha cadastral e o rolo registrado como Brasil 150 anos era o mesmo Brasil ano 150 de Amaral Netto. Era muito provável que um lapso similar houvesse ocorrido no momento da redação do relatório de 1972 da CEC (Corrêa, 1972CORRÊA, Antonio Jorge. As comemorações do Sesquicentenário. Rio de Janeiro: CEC, 1972. (Biblioteca do Sesquicentenário).: 109).

Outro rolo do mesmo curta-metragem estava cadastrado no Sian com um terceiro título: Sesquicentenário: Amaral Neto [sic]. Nesse caso, tratava-se do rolo, dessa vez em 35 mm, com notação BR RJANRIO U3.0.FIL, DCT.46, do fundo Secretaria de Imprensa e Divulgação da Presidência da República. Já sem surpresa, o visionamento em mesa enroladeira constatou que aquela era mais uma cópia de Brasil ano 150 .

Outro rolo entrou nessa equação, agora cadastrado devidamente no Sian como Brasil ano 150 . Com notação BR RJANRIO NS.0.FIL.225, em 35 mm, pertence ao fundo filmográfico da Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP). Não é nada banal a questão da digitalização de películas para a produção de cópias de acesso para pesquisadores, sobretudo quando se considera os elevados custos daquele serviço. Ao menos em relação a esse filme, a pesquisa teve bastante sorte: já existia uma cópia escaneada em alta qualidade desse rolo do fundo da DCDP. Bastou uma solicitação, prontamente atendida pela equipe filmográfica do Arquivo Nacional, para que a cópia digital fosse disponibilizada no Sian.

A conjectura que surgiu no início do trabalho de campo ganhou força: primeiro, porque os títulos divergentes nos rolos remontavam sempre ao mesmo filme de Amaral Netto; segundo, porque essa recorrência de cópias do curta-metragem em diferentes fundos do Arquivo Nacional, em distintas bitolas, poderia ser um testemunho involuntário daquele esforço de distribuição pela CEC, “em todo o território nacional”, das trinta cópias de 16 mm; das vinte cópias de 35 mm; além das cinco cópias de 16 mm em francês; e das cinco cópias de 16 mm em inglês, conforme consta no capítulo 5 do relatório oficial da comissão (Corrêa, 1972CORRÊA, Antonio Jorge. As comemorações do Sesquicentenário. Rio de Janeiro: CEC, 1972. (Biblioteca do Sesquicentenário).: 109).

Em um último visionamento, a coincidência não se confirmou, revelando o caráter “especial” do curta-metragem objeto deste artigo. Faltava esclarecer se Brasil ano 150 era ou não uma edição corrente do programa televisivo Amaral Netto, o Repórter . A resposta negativa também demandou trabalho de arquivo por haver uma pista traiçoeira nos créditos de abertura de Brasil ano 150 , nos quais se lê que o curta-metragem havia sido realizado “com a equipe de Amaral Netto, o Repórter , Rede Globo de Televisão, Brasil”. Outra pista em falso: a trilha sonora dos créditos de abertura de Brasil ano 150 usa o mesmo tema da vinheta característica do programa televisivo. O esclarecimento pôde ser feito, primeiro, pela consulta à relação dos programas depositados no fundo da Plantel (BR RJANRIO JT) no Arquivo Nacional; depois, pelo visionamento em mesa enroladeira do rolo com o negativo em 16 mm, em preto e branco, da edição 153 de Amaral Netto, o Repórter, intitulada “Sesquicentenário: Independência”, transmitida pela Globo em 22 de julho de 1972, como consta na mencionada relação dos programas. O visionamento, dessa vez, verificou que as imagens daquela edição do programa não correspondiam às de Brasil ano 150.

Resumindo essa história labiríntica: foi nas idas e vindas entre rastros escritos e visionamentos de películas que a pesquisa começou a desconfiar que Brasil ano 150 poderia ser algo mais do que um filme de produção privada, da Plantel de Amaral Netto, como sempre vocalizando o discurso do regime. Poderia haver ali um exemplo concreto das conexões entre setores civis e militares durante a ditadura: uma iniciativa audiovisual de uma produtora privada sendo encampada pela comissão oficial do Sesquicentenário instituída pelo Estado autoritário. A documentação textual correlata levantada na sequência dos trabalhos provaria que essa desconfiança era acertada. E não só isso: essas fontes encontradas revelariam que, além da relação bilateral entre Plantel e CEC, o filme de Amaral Netto funcionou como um elemento aglutinador de mais atores e entidades civis. Como se verá, Brasil ano 150 mobilizou um circuito de propaganda oficiosa naquele contexto de efeméride.

Análise fílmica: a inventividade conservadora celebra a modernização autoritária

Antes de falar sobre as descobertas contidas nas fontes textuais, chega o momento de realizar a análise fílmica. Afinal, o trabalho no arquivo audiovisual tinha como principal objetivo acessar as imagens e os sons de Brasil ano 150 . O que se vê e escuta nesse curta-metragem? A pergunta é mais complicada do que parece, e por alguns motivos. De saída, porque filmes desse tipo, porta-vozes do poder e, pior, de um poder ditatorial, costumam ser objeto de desprezo por parte de pesquisadores (Bernardet, 2009BERNARDET, Jean-Claude. Cinema brasileiro: propostas para uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.: 37-44; Souza, 2003SOUZA, José Inácio de Melo. Trabalhando com cinejornais: relato de uma experiência. História: Questões e Debates, Curitiba, n. 38, p. 43-62, 2003. DOI: 10.5380/his.v38i0.2714.
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: 44-46). Ao lado da má vontade ideológica, entra em jogo a valoração estética. Pois, salvo exceções, essa produção laudatória do poder costuma ser estilisticamente tediosa. Tais posturas são compreensíveis no âmbito dos engajamentos e gostos individuais. Porém, acarretam uma miopia no campo de estudos de história e audiovisual: essas tantas imagens são simplesmente ignoradas ou, quando muito, cola-se sobre elas a etiqueta da “chapa-branca”, o que significa não olhar seriamente para elas. Como se todas expressassem sempre a mesma coisa e da mesma forma, como se a cultura conservadora e autoritária não merecesse atenção crítica.

Na descrição do filme adiantada na introdução, fez-se uma analogia entre, de um lado, o logotipo oficial do Sesquicentenário conectando os anos 1822 e 1972, e, de outro, o dispositivo fílmico básico de Brasil ano 150 , cujas sequências vão cotejando os pioneiros do passado fundacional e a “modernização” naquele presente ditatorial. Cabe agora levar a análise fílmica para além da etiqueta, ou melhor, do logotipo oficial.

A forma de Brasil ano 150 se empenha para dar uma roupagem audiovisual inventiva, colorida, ao elogio conservador do “progresso” do país. Tais são alguns dos recursos cinematográficos empregados nesse esforço de criatividade conservadora: as colagens justapondo imagens fixas das duas temporalidades, saltando da tradição iconográfica nacional para as fotografias, então atuais, de obras e indústrias; a voz over masculina expondo dados estatísticos, impostada e solene, intercalada com um jogral de vozes jovens recitando versos — com rimas risíveis do tipo: “D. Pedro e Graham Bell não sonhavam com a Embratel”; a alternância entre música de concerto sóbria e canções populares de exaltação patriótica. É tentador interromper a análise diante da constatação do malogro de tais pretensões inventivas. Desdenhar desse filme é fácil. Porém, no lugar de rir de sua limitação estética, talvez seja mais frutífero refletir acerca desse meio de caminho entre o velho e o novo no qual as imagens ficam presas. Em Brasil ano 150 , o jogo das temporalidades queria ostentar, pelo contraste com o passado, os “avanços” da ditadura. Mas a fórmula acabou enredada na ambivalência da modernização conservadora e autoritária (Motta, 2014MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o Regime Militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. ).

A moldura narrativa do curta-metragem reitera a dinâmica do cotejamento entre passado e presente. A sequência de abertura, antes da vinheta com os créditos iniciais, é composta por uma série de inserções da iconografia fundacional ilustrando a narração, em voz over, da viagem de Cabral, do “Descobrimento”, da Primeira Missa, da Carta de Caminha, do ciclo do pau-brasil. As imagens fixas, sejam pinturas históricas ou fotografias, são reenquadradas de modo a gerar certo efeito de animação. São imagens reconhecíveis, ícones de certa memória difundida da chegada dos colonizadores, reproduções de pinturas de Aurélio de Figueiredo, Oscar Pereira da Silva, Pedro Peres e Victor Meirelles. A trilha incidental acompanha a solenidade de tom religioso da voz over nessa parte inicial, predominando a música de concerto e coral. No final do filme, na outra ponta da moldura narrativa, o tom é outro, festivo, embalado pela “Marcha do Sesquicentenário da Independência do Brasil”, canção composta por Miguel Gustavo, o mesmo de “Pra frente, Brasil”, música-tema da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1970.

No interior dessa moldura geral do filme, cada sequência vai reiterando a mesma lógica. O fluxo dos paralelos entre o passado e o presente é organizado pelos setores econômicos abordados: construção naval; navegação comercial; siderurgia; transporte ferroviário; transporte rodoviário; indústria automobilística; aviação; geração de eletricidade; telecomunicações; setor habitacional; exploração de petróleo; exportações. Essas sequências também mostram principalmente imagens fixas, agora predominando o encadeamento de fotografias em relação às inserções iconográficas. É como se o(a) expectador(a) estivesse diante da projeção de uma apresentação de diapositivos, ou de um álbum do “desenvolvimento” do país. Nesse sentido, vale a pena fazer menção a outro produto da Plantel celebrando o Sesquicentenário, pois sinaliza certa intertextualidade entre as realizações da produtora naquele contexto específico: em 7 de setembro de 1972, a Plantel de Amaral Netto publicou, em O Globo, um encarte especial denominado Jornal da Independência . Das páginas 1 a 11, o “jornal” traz notícias da Independência, como se os fatos estivessem ocorrendo a quente, como se o(a) leitor(a) houvesse voltado no tempo. Já as páginas 12 a 16 do encarte mudam a estratégia de comunicação. Sob o título “Brasil 150 anos depois” (grafado nessa ordem), vê-se uma seleção de fotografias acompanhadas de textos curtos com dados estatísticos celebrando o “ritmo do progresso” (Jornal…, 1972 JORNAL da Independência. O Globo, Rio de Janeiro, [encarte extra], 7 set. 1972. Disponível em: https://oglobo.globo.com/acervo . Acesso em: 13 dez. 2023.
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; Krause, 2016KRAUSE, Katia Iracema. O Brasil de Amaral Netto, o Repórter (1968-1985). 2016. 411 f. Tese (Doutorado em História Social) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, 2016.: 24). Algumas fotografias coincidem com as inseridas no curta-metragem; outras, claramente, fazem parte de uma mesma série fotográfica, registrando, com ligeiras variações nas tomadas, as mesmas situações vistas nas imagens fixas do filme. A comparação entre Brasil ano 150 e a seção “Brasil 150 anos depois” do encarte de O Globo dá indícios de que o curta-metragem pode ter sido feito com material fotográfico reaproveitado da produtora Plantel. De fato, chama a atenção, na edição do filme, a constatação de que são pouquíssimas as imagens em movimento. Todas um tanto genéricas, que igualmente poderiam ser registros reciclados.

Nessas sequências dos setores econômicos, outro aspecto merece ser destacado. Existe um jogo retórico entre a nomeação e a vagueza nos enunciados acerca do “progresso” brasileiro. A nomeação fica circunscrita ao século XIX, os pioneiros de cada área vão sendo sempre mencionados e figurados em retratos: Cabral, Martim Afonso, d. João VI, Irineu Evangelista de Souza, Mariano Procópio, Santos Dumont, d. Pedro I, d. Pedro II, Monteiro Lobato. No salto para o presente, contudo, ninguém é nomeado. Nem ditadores, nem ministros, nem empresários, nem mesmo a autodenominada “Revolução”. A vagueza se camufla na precisão dos dados estatísticos, na declamação de números e porcentagens dos feitos econômicos. Em resumo: se o passado é dos pioneiros, o presente é estatístico, tecnocrata. Sequer o marco cronológico do “avanço” é fixado em 1964: os dados apresentados pela voz over dizem respeito a “este ano”, ou aos “últimos três anos”, ou a “hoje”, ou aos “últimos cinco anos”, ou à “última década”, ou aos “últimos seis anos” etc. É claro que essa variação tem alguma relação com os recortes dos levantamentos estatísticos disponíveis para comparação. Entretanto, essa oscilação dos marcos cronológicos não deixa de reforçar o efeito de vagueza que, no limite, faz do “milagre” um fato sem entes interessados. Como se a modernização conservadora e autoritária (Motta, 2014MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o Regime Militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. ) fosse uma dádiva do presente, e não um projeto com seus arquitetos de mão firme e, não menos importante, seus beneficiários.

As canções populares incluídas na trilha sonora, estas sim, podem ser nomeadas. Sempre demarcando o salto temporal para o presente, ouve-se: “Independência ou morte”, samba-enredo de Zé Di de 1971 para a Vai-Vai; “Eu te amo, meu Brasil”, de Dom e Ravel, de 1970; “O mundo encantado de Monteiro Lobato”, samba-enredo da Mangueira de 1967, interpretada, na versão do filme, por Jair Rodrigues; “Das 200 pra lá”, composição de João Nogueira interpretada por Eliana Pittman; “Pra frente, Brasil”, música-tema da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1970 composta por Miguel Gustavo. O uso dessas canções se intensifica na reta final do filme, aumentando o ritmo da montagem, em uma espécie de preparativo para a “apoteose” da “Marcha do Sesquicentenário da Independência do Brasil”, composição do mesmo Miguel Gustavo (Almeida, 2009ALMEIDA, Adjovanes Thadeu Silva de. O Regime Militar em festa: a comemoração do Sesquicentenário da Independência brasileira (1972). 2009. 301 f. Tese (Doutorado em História Social) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.: 81; Cordeiro, 2015CORDEIRO, Janaina Martins. A Ditadura em tempos de milagre: comemorações, orgulho e consentimento. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015.: 119) e que encerra o arco narrativo do curta-metragem. Os trechos dessas canções podem ser reconhecidos no fluxo do filme. Nem todas entraram na listagem entregue pela Plantel para avaliação da censura, junto com o roteiro de locução (Plantel Editora e Publicidade S.A., 1972PLANTEL EDITORA E PUBLICIDADE S.A. [Documentação de Brasil ano 150 encaminhada para avaliação da censura, incluindo ofício, roteiro de locução, listagem de músicas e nota fiscal]. Rio de Janeiro: Plantel, 26 jul. 1972. Arquivo Nacional (Brasília, DF); fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas; BR DFANBSB NS.CPR.CIN.FIL.16515. f. 2-12.: 11) — documento que consta no processo de Brasil ano 150 levantado no fundo da Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) do Arquivo Nacional em Brasília (BR DFANBSB NS). Não é o repertório icônico da MPB de resistência. Os graus de alinhamento com o ideário do regime são distintos, mas é curioso notar que, nessa lista incluída no processo de censura de Brasil ano 150 , as canções populares (excluídas as músicas da trilha incidental) que constam são aquelas mais diretamente vinculadas a certo cancioneiro ufanista do “milagre” (Fléchet; Napolitano, 2015FLÉCHET, Anaïs; NAPOLITANO, Marcos. Musique populaire et dictature militaire au Brésil: dynamiques contestataires et logiques de marché (1964-1985). Nuevo Mundo Mundos Nuevos, Francia, juin 2015. DOI: 10.4000/nuevomundo.68081.
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): “Eu te amo, meu Brasil”; “Das 200 pra lá”; “Pra frente, Brasil”; e, claro, a “Marcha do Sesquicentenário da Independência do Brasil” (Plantel Editora e Publicidade S.A., 1972PLANTEL EDITORA E PUBLICIDADE S.A. [Documentação de Brasil ano 150 encaminhada para avaliação da censura, incluindo ofício, roteiro de locução, listagem de músicas e nota fiscal]. Rio de Janeiro: Plantel, 26 jul. 1972. Arquivo Nacional (Brasília, DF); fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas; BR DFANBSB NS.CPR.CIN.FIL.16515. f. 2-12.: 11). São as referências culturais com as quais Brasil ano 150 estava explicitamente dialogando.

Era de se esperar que a censura aprovasse a “qualidade” do filme de Amaral Netto. Em parecer de 11 de agosto de 1972, a censora Teresa Cristina dos Reis Marra, após resumir o “desenvolvimento” brasileiro mostrado em Brasil ano 150 , setor a setor, conclui: “Abrange, assim, um todo que bem representa a realidade brasileira. É bem-feito tecnicamente (som, fotografia, sequência etc.)” (Marra, 1972MARRA, Teresa Cristina dos Reis. Parecer [de censura ao documentário Brasil ano 150]. Brasília, DF: Ministério da Justiça; Departamento de Polícia Federal; Polícia Federal de Segurança; Serviço de Censura de Diversões Públicas, 11 ago. 1972. Arquivo Nacional (Brasília, DF); fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas; BR DFANBSB NS.CPR.CIN.FIL.16515. ).

A ode ao “milagre” econômico está estampada nas imagens e nos sons do curta-metragem. Mas, quando se olha com atenção para esse filme “chapa-branca”, nota-se que há um alinhamento de outro grau em jogo. Uma sintonia que não está na superfície intencional do enunciado, um testemunho involuntário das contradições daquela conjuntura. Para o olhar da censora, Brasil ano 150 não só “bem representa a realidade brasileira”, como também era “bem-feito tecnicamente”. Afinal, pode-se acrescentar, no âmbito da fatura técnica, o curta-metragem faz um esforço de inventividade conservadora condizente com a realidade do “progresso” calcado na força da autoridade. A obra encontra uma fórmula estilística que fica no meio do caminho entre as inovações dos meios de comunicação e a tradição do documentário assertivo. Sob o elogio cristalino do “milagre”, a forma fílmica acabava revelando as ambivalências da própria modernização conservadora e autoritária (Motta, 2014MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o Regime Militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. ).

Produção e tramitação na censura: um filme na zona cinzenta entre o oficioso e o oficial

A análise fílmica deixa patente a retórica oficiosa do curta-metragem de Amaral Netto. Cabe aqui retomar a suspeita surgida nas idas e vindas do trabalho no Arquivo Nacional, entre rastros documentais e rolos com cópias de Brasil ano 150: O filme, mais do que oficioso, seria oficial? Ou seja, mais do que uma produção privada alinhada ao poder (oficiosa), teria sido uma realização direta do regime (oficial)? A documentação textual encontrada na sequência da pesquisa oferece muitas pistas nesse sentido, mas não necessariamente uma resposta definitiva.

Começando pelos papéis da tramitação do curta-metragem na censura. A Plantel, sediada no Rio de Janeiro, redige, em 26 de julho de 1972, uma espécie de ofício para encaminhar a documentação sobre o filme (roteiro de locução, listagem de músicas e nota fiscal) a Oresto Mannarino, chefe da Turma de Censura e Diversões Públicas (TCDP) da Guanabara. O documento da Plantel faz questão de esclarecer que os papéis se referiam à “nossa produção Brasil ano 150 , filme oficial da Comissão Central dos Festejos do Sesquicentenário”. E acrescenta: “Esse filme será exibido em cinemas de todo o Brasil, por iniciativa daquela Comissão Central” (Plantel Editora e Publicidade S.A., 1972PLANTEL EDITORA E PUBLICIDADE S.A. [Documentação de Brasil ano 150 encaminhada para avaliação da censura, incluindo ofício, roteiro de locução, listagem de músicas e nota fiscal]. Rio de Janeiro: Plantel, 26 jul. 1972. Arquivo Nacional (Brasília, DF); fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas; BR DFANBSB NS.CPR.CIN.FIL.16515. f. 2-12.: 2). Nessa mesma leva de materiais encaminhados pela Plantel, no cabeçalho da lista de músicas da trilha sonora, a produtora reitera: “Filme oficial da Comissão do Sesquicentenário” (Plantel Editora e Publicidade S.A., 1972PLANTEL EDITORA E PUBLICIDADE S.A. [Documentação de Brasil ano 150 encaminhada para avaliação da censura, incluindo ofício, roteiro de locução, listagem de músicas e nota fiscal]. Rio de Janeiro: Plantel, 26 jul. 1972. Arquivo Nacional (Brasília, DF); fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas; BR DFANBSB NS.CPR.CIN.FIL.16515. f. 2-12.: 11).

Paralelamente, em 25 de julho de 1972, em ofício em papel timbrado com o logotipo do Sesquicentenário, o coronel Luiz José Torres Marques, secretário da Comissão Executiva Central (CEC), reforça a solicitação feita a Oresto Mannarino, chefe da censura na Guanabara:

Incumbiu-me o Exmo. sr. general de divisão Antonio Jorge Corrêa, presidente da Comissão Executiva Central das Comemorações do Sesquicentenário da Independência do Brasil, remeter cópia do filme Brasil ano 150 a fim de que esse órgão expessa [sic] o certificado de censura para que o mesmo possa ser exibido pelos cinemas públicos do país

(Marques, 1972MARQUES, Luiz José Torres. Of. nº 666-CEC. Rio de Janeiro: Comissão Executiva Central do Sesquicentenário da Independência do Brasil, 25 jul. 1972. Arquivo Nacional (Brasília, DF); fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas; BR DFANBSB NS.CPR.CIN.FIL.16515. f. 13. ).

Diante da chancela ao filme reforçada nos dois ofícios que recebeu, Oresto Mannarino encaminha imediatamente o processo para a Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) em Brasília, via ofício de 26 de julho de 1972 (Mannarino, 1972MANNARINO, Oresto. Of. nº 313/72-TCDP/SR/GB. Rio de Janeiro: Turma de Censura e Diversões Públicas, 26 jul. 1972. Arquivo Nacional (Brasília, DF); fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas; BR DFANBSB NS.CPR.CIN.FIL.16515. f. 1. ). Quando o processo começa a tramitar em Brasília, um dos censores registra, em um formulário, a seguinte anotação manuscrita, eloquente quanto ao tratamento privilegiado recebido por Brasil ano 150 por parte das autoridades: “O filme em apreço não está sendo requerido através de formulário próprio, bem como falta o INC [Instituto Nacional de Cinema], mas como se trata de filme produzido pela Comissão dos Festejos do Sesquicentenário, sugiro seja dado andamento” ([Formulário]…, 1972[FORMULÁRIO de tramitação de Brasil ano 150 entre os setores da DCDP em Brasília]. Brasília, DF: Divisão de Censura de Diversões Públicas, 1972. Arquivo Nacional (Brasília, DF); fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas; BR DFANBSB NS.CPR.CIN.FIL.16515; f. 14. ).

Depois de todas as suspeitas surgidas no trabalho de visionamento dos rolos, essa documentação da censura parecia resolver de uma vez a questão: Brasil ano 150 teria sido uma produção oficial da CEC. Entretanto, a pesquisa encontrou outra fonte, agora na imprensa, que sugeria certa cautela com essa conclusão. Trata-se de um anúncio publicado pela Plantel no Jornal do Brasil de 5 de novembro de 1972, no qual a empresa ostentava seu portfólio de clientes, passando por empresas privadas nacionais e multinacionais, autarquias e órgãos das diferentes esferas federativas, entre os quais estava a CEC ([Anúncio]…, 1972 [ANÚNCIO publicitário da Plantel Editora e Publicidade S.A.]. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 18, 5 nov. 1972. 1º Caderno. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/030015_09/249612 . Acesso em: 29 out. 2023.
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). À primeira vista, essa nova fonte parecia reforçar o caráter oficial da produção supostamente feita pela Plantel para o “cliente” CEC. Mas essa autopromoção da Plantel, enfatizando no anúncio suas relações com clientes de peso, recomendava que a documentação da censura de Brasil ano 150 fosse relida com mais calma. Nessa releitura, foi possível perceber que o termo “filme oficial” só aparece nos papéis redigidos pela própria Plantel. Ora, havia uma espécie de “carteirada” nessa insistência da Plantel no termo “oficial”, uma clara tentativa de acelerar a liberação do curta-metragem. A estratégia surtiu efeito, como se viu na sugestão manuscrita do censor para que fosse dado andamento ao processo, mesmo na falta de documentos protocolares.

É verdade que a chancela da CEC a Brasil ano 150 está documentada em várias instâncias, e outras fontes encontradas reforçarão ainda mais isso. Mas esse “apadrinhamento” do curta-metragem de Amaral Netto não faz dele, imediatamente, um filme oficial da CEC. Se houve algum contrato entre a Plantel e a CEC para essa produção audiovisual, a pesquisa não o encontrou. De todo modo, o mais interessante nesse ponto não é a certeza, mas a dúvida. E justamente porque essa zona cinzenta entre o oficioso e o oficial que paira sobre a produção de Brasil ano 150 testemunha, com eloquência, as relações porosas, fluidas, entre civis e militares naquele contexto.

Circulação: Amaral Netto aglutina militares e civis em um circuito da propaganda oficiosa

Os vínculos entre civis e militares mediados por Brasil ano 150 não se restringiram a uma relação bilateral entre a Plantel de Amaral Netto e a Comissão Executiva Central (CEC). Daí vem o interesse maior deste estudo de caso: quando chegou o momento de promover sua circulação, o filme contou com uma rede de apoio aglutinando outros atores sociais daquela conjuntura. As iniciativas de exibição do curta-metragem vão desvendando um circuito da propaganda oficiosa. Se, na imanência das imagens, prevalece a vagueza quanto aos agentes históricos do “milagre”, as fontes extrafílmicas nomeiam as pessoas e as entidades interessadas no filme e nas benesses econômicas da modernização conservadora e autoritária (Motta, 2014MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o Regime Militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. ).

Um indício desse apoio ao curta-metragem vem de antes, ainda da esfera da produção. Consta nos créditos finais de Brasil ano 150: “As companhias distribuidoras de gás liquefeito de petróleo participam das comemorações do Sesquicentenário da Independência”. Note-se que, mesmo aí, certa lógica da vagueza se mantém, porque o que está creditado não é uma empresa específica ou uma associação patronal, mas “companhias”. Fato é que houve patrocínio de empresas desse setor — e é inevitável a lembrança do justiçamento de Henning Boilesen, presidente da Ultragaz, ocorrido no ano anterior. 5 5 Henning Boilesen, executivo dinamarquês radicado no Brasil, foi o presidente da Ultragaz justiçado por grupos da luta armada — Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) e Ação Libertadora Nacional (ALN) — em abril de 1971, acusado de colaborar com o financiamento da repressão via Operação Bandeirantes (Oban), em São Paulo. É considerado um dos casos emblemáticos de envolvimento do empresariado civil com a ditadura. O documentário Cidadão Boilesen (Chaim Litewski, 2009) oferece um panorama de sua trajetória.

É no âmbito da circulação que essa rede de apoiadores do filme fica explicitada. Uma observação preliminar: a pesquisa não encontrou nenhuma fonte que indicasse uma exibição de Brasil ano 150 na grade da Globo. A documentação incluída no processo de censura só menciona a exibição do filme “em cinemas de todo o Brasil”, nos termos da produtora (Plantel Editora e Publicidade S.A., 1972PLANTEL EDITORA E PUBLICIDADE S.A. [Documentação de Brasil ano 150 encaminhada para avaliação da censura, incluindo ofício, roteiro de locução, listagem de músicas e nota fiscal]. Rio de Janeiro: Plantel, 26 jul. 1972. Arquivo Nacional (Brasília, DF); fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas; BR DFANBSB NS.CPR.CIN.FIL.16515. f. 2-12.: 2); ou “pelos cinemas públicos do país”, nas palavras do secretário da CEC (Marques, 1972MARQUES, Luiz José Torres. Of. nº 666-CEC. Rio de Janeiro: Comissão Executiva Central do Sesquicentenário da Independência do Brasil, 25 jul. 1972. Arquivo Nacional (Brasília, DF); fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas; BR DFANBSB NS.CPR.CIN.FIL.16515. f. 13. ). Foram emitidos ao todo quarenta certificados para Brasil ano 150: vinte para cópias em 16 mm e vinte para cópias em 35 mm. Em mais um indício do lugar privilegiado desse curta-metragem perante as autoridades, é curioso que, um ano depois da emissão, ninguém tinha se dado ao trabalho de retirar esses certificados na censura, conforme consta em memorando de arquivamento dos papéis, de 26 de junho de 1973 (Ministério da Justiça, 1973MINISTÉRIO DA JUSTIÇA (Brasil). Departamento de Polícia Federal. Mem. S/N, de Lincoln (SRA) para Rafael (Arquivo), assunto: Encaminhamento-faz. Brasília, DF: Departamento de Polícia Federal, 28 jun. 1973. Arquivo Nacional (Brasília, DF); fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas; BR DFANBSB NS.CPR.CIN.FIL.16515. ).

Esse tratamento especial teve desdobramentos práticos. As fontes textuais mobilizadas a seguir foram levantadas no fundo da CEC depositado no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (BR RJANRIO 1J); bem como na Hemeroteca Digital da Fundação Biblioteca Nacional. Elas permitem o mapeamento de uma rede de instituições que promoveram pré-estreias e sessões especiais de Brasil ano 150 para autoridades e empresários.

Em 10 de abril de 1972, Amaral Netto em pessoa foi apresentar seu filme no Instituto de Educação Clélia Nanci, em São Gonçalo. Na notícia sobre o evento, o dado a ser destacado é a menção a outras sessões prévias que supostamente teriam sido realizadas “no Senado, na Câmara Federal e para o presidente Médici” (Amaral…, 1972 AMARAL Netto mostrou o Brasil grande no IECN. O Fluminense, Niterói, RJ, p. 4, 11 abr. 1972. 2º Caderno. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/100439_11/7044 . Acesso em: 17 dez. 2023.
http://memoria.bn.br/docreader/100439_11...
; RJ vê…, 1972RJ vê Amazônia. O Jornal, Rio de Janeiro, 9 abr. 1972. Arquivo Nacional (Rio de Janeiro); fundo Comissão Executiva Central do Sesquicentenário da Independência do Brasil; BR RJANRIO 1J.0.0.122. ).

Iniciativas como essa ganhariam impulso em 15 de junho de 1972, quando a própria CEC promoveu uma pré-estreia do filme em Niterói. Nessa ocasião, a projeção para cerca de cinquenta autoridades militares, civis e religiosas ocorreu em uma reunião a convite do próprio general Antonio Jorge Corrêa, presidente da CEC, no auditório Paraibuna, da Polícia Militar do Estado do Rio, contando com a presença do governador fluminense, Raimundo Padilha. As notícias na imprensa informavam que o curta-metragem entraria em cartaz nos cinemas naquela mesma semana (Autoridades…, 1972AUTORIDADES viram o Brasil de Cabral a Médici na PM-RJ. O Jornal, Rio de Janeiro, 16 jun. 1972. Arquivo Nacional (Rio de Janeiro); fundo Comissão Executiva Central do Sesquicentenário da Independência do Brasil; BR RJANRIO 1J.0.0.122. ; Filme…, 1972FILME sobre o Brasil em pré-estreia na PM. O Fluminense, Niterói, RJ, 16 jun. 1972. Arquivo Nacional (Rio de Janeiro); fundo Comissão Executiva Central do Sesquicentenário da Independência do Brasil; BR RJANRIO 1J.0.0.122. ; Fluminenses…, 1972FLUMINENSES viram história do país de Cabral a Médici. O Dia, Rio de Janeiro, 16 jun. 1972. Arquivo Nacional (Rio de Janeiro); fundo Comissão Executiva Central do Sesquicentenário da Independência do Brasil; BR RJANRIO 1J.0.0.122. ; O filme…, 1972O FILME do Sesqui. Diário de Minas, Belo Horizonte, 16 jun. 1972. Arquivo Nacional (Rio de Janeiro); fundo Comissão Executiva Central do Sesquicentenário da Independência do Brasil; BR RJANRIO 1J.0.0.122. ; Padilha…, 1972PADILHA assiste palestra e filme sobre Independência. Luta Democrática, Rio de Janeiro, 17 jun. 1972. Arquivo Nacional (Rio de Janeiro); fundo Comissão Executiva Central do Sesquicentenário da Independência do Brasil; BR RJANRIO 1J.0.0.122. ).

Em 22 de junho de 1972, noticia-se que o general Antonio Jorge Corrêa promoveu outra sessão de Brasil ano 150 , agora para a Marinha. Segundo a nota na imprensa, “dezenas de cópias para distribuição a todo o país” já haviam sido feitas da película, complementando: “Ainda este mês serão feitas dublagens em francês e inglês para serem entregues às nossas Embaixadas” (Informe…, 1972 INFORME JB. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 10, 22 jun. 1972. 1º Caderno. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/030015_09/237772 . Acesso em: 17 dez. 2023.
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).

Em 23 de junho de 1972, um “filme sobre o Sesquicentenário” que se encerrava com a “Marcha do Sesquicentenário da Independência do Brasil” — tudo indicando ser Brasil ano 150 — foi exibido na reunião mensal dos administradores regionais do Rio de Janeiro, ocorrida no Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial (Reunião…, 1972REUNIÃO de administradores não teve debates, mas viu filme do Sesquicentenário. Jornal do Brasil, 24 jun. 1972. Arquivo Nacional (Rio de Janeiro); fundo Comissão Executiva Central do Sesquicentenário da Independência do Brasil; BR RJANRIO 1J.0.0.122. ).

Já em 12 de julho de 1972, Amaral Netto apresentou seu filme sobre o Sesquicentenário pessoalmente em uma reunião plenária das diretorias da Federação e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP/CIESP). O encontro ocorreu na então sede da entidade no viaduto Dona Paulina, na capital paulista, “sob a presidência de seu titular, sr. Theobaldo De Nigris” (Sesquicentenário…, 1972SESQUICENTENÁRIO: filme na FIESP. Diário de São Paulo, São Paulo, 11 jul. 1972. Arquivo Nacional (Rio de Janeiro); fundo Comissão Executiva Central do Sesquicentenário da Independência do Brasil; BR RJANRIO 1J.0.0.122. ).

De Nigris assistiu e gostou do curta-metragem. Em 17 de julho de 1972, apenas cinco dias após a sessão apresentada por Amaral Netto na sede da entidade presidida por ele, De Nigris assina o seguinte ofício, em papel timbrado da FIESP/CIESP, destinado ao general Antonio Jorge Corrêa:

Temos a satisfação de cumprimentar Vossa Senhoria e, ao ensejo, permitimo-nos solicitar a doação de uma cópia do filme audiovisual realizado pelo sr. Amaral Netto sobre o Sesquicentenário da Independência, do qual tivemos a oportunidade de assistir [à] exibição em nossas entidades e muito o apreciamos.

Ponderamos que, de posse da película, teremos a oportunidade de exibi-la aos alunos e beneficiários dos departamentos regionais em São Paulo do Sesi e do Senai, assim como, através das delegacias do CIESP, aos empresários do interior e a integrantes de missões comerciais no exterior, que frequentemente visitam nossas entidades.

Outrossim, cogitamos aproveitar o filme para exibição quando de nossas visitas a outros países.

Acreditando que com o procedimento acima estaremos oferecendo significativa colaboração às comemorações do Sesquicentenário da Independência, valemo-nos do ensejo para, antecipando agradecimentos, reiterar a Vossa Senhoria as expressões do nosso alto apreço e maior consideração

(De Nigris, 1972DE NIGRIS, Theobaldo. Pres. 015139. São Paulo: Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP/CIESP), 17 jul. 1972. Arquivo Nacional (Rio de Janeiro); fundo Comissão Executiva Central do Sesquicentenário da Independência do Brasil; BR RJANRIO 1J.0.0.43. ).

Em suma, se o percurso pelo labirinto de rolos do Arquivo Nacional levou à conjectura de que a CEC, comissão oficial de organização dos festejos, teria encampado o filme oficioso de Amaral Netto. Se os papéis da censura atestam esse “apadrinhamento” da produção da Plantel pela CEC. Agora, no âmbito da circulação, as sessões de pré-estreia realizadas a convite do presidente da CEC demonstram como esse “apadrinhamento” se deu na prática. Não bastasse, o ofício da FIESP/CIESP encontrado pela pesquisa revela que essa entidade não demoraria para também adotar a produção. A CEC, de parte do Estado, e a FIESP/CIESP, de parte do empresariado civil, juntaram forças para impulsionar a circulação do filme do deputado e jornalista e empresário Amaral Netto.

A simbiose desse curta-metragem com a comemoração oficial dos 150 anos da Independência deve ser inserida em um quadro de interesses mais amplos. Amaral Netto não era um mero “cavador”. Sua figura aglutinava a comissão oficial, educadores, administradores, militares, civis, entidades patronais, além do vínculo com uma rede de televisão. A colaboração com o regime, nesse caso, não é só uma questão de oportunismo individual, ela abrange uma rede civil-militar-empresarial-cultural muito maior de sustentação da ditadura.

Cavação high-tech: novo ciclo de uma velha prática audiovisual

É nesse sentido que deve ser compreendida a hipótese da “modernização” da tradição cinematográfica da cavação naquele momento histórico. Quando se refere a essa prática nos anos 1970, Jean-Claude Bernardet ( 2009BERNARDET, Jean-Claude. Cinema brasileiro: propostas para uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.: 41) menciona três nomes centrais ainda então em atividade — Primo Carbonari, Jean Manzon e I. Rozemberg — como “simples prolongamentos” da fase do cinema silencioso de cavação devotada ao “ritual do poder”. Bernardet está discutindo o texto de Paulo Emílio Salles Gomes ( 1986GOMES, Paulo Emílio Salles. A expressão social dos filmes documentais no cinema mudo brasileiro (1898-1930). In: CALIL, Carlos Augusto; MACHADO, Maria Teresa (org.). Paulo Emílio: um intelectual na linha de frente. São Paulo: Brasiliense; Rio de Janeiro: Embrafilme, 1986. p. 323-330. ) sobre o tema publicado originalmente em 1974. 6 6 Segundo Paulo Emílio Salles Gomes ( 1986: 324-325), o berço esplêndido e o ritual do poder foram pautas predominantes do cinema documental silencioso produzido no Brasil entre 1898 e 1930. Nas palavras do autor, o “ berço esplêndido é o culto das belezas naturais do país”, ao passo que o “ ritual do poder se cristaliza naturalmente em torno do presidente da República”. Sobre o percurso intelectual da formulação dessas noções, ver Zanatto ( 2022 ). Os cinejornais entravam em franca obsolescência nos anos 1970 (Archangelo, 2015ARCHANGELO, Rodrigo. Imagens da nação: política e prosperidade nos cinejornais Notícias da Semana e Atualidades Atlântida (1956-1961). 2015. 413 f. Tese (Doutorado em História Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. ). Talvez nesse caso, sim, seja pertinente encarar a cavação como algo residual. Entretanto, naquele mesmo período, surgiam novas formas e práticas de cavação. O velho “ritual do poder” (Gomes, 1986GOMES, Paulo Emílio Salles. A expressão social dos filmes documentais no cinema mudo brasileiro (1898-1930). In: CALIL, Carlos Augusto; MACHADO, Maria Teresa (org.). Paulo Emílio: um intelectual na linha de frente. São Paulo: Brasiliense; Rio de Janeiro: Embrafilme, 1986. p. 323-330. ) se “repaginava”, os vínculos com o poder se tornavam mais complexos. Os “cavadores” não eram mais aqueles de sempre. A cavação adquiria uma inserção econômica muito maior. Não se tratava mais do produtor cinematográfico individual tentando sobreviver . A cavação se “industrializava”, tornando-se uma prática conectada a um circuito econômico-cultural colaboracionista que garantia a sobrevivência do próprio regime de força.

De fato, Brasil ano 150 é apenas um dos casos desse tipo identificáveis naquela conjuntura do Sesquicentenário da Independência. Esta pesquisa explorou outros arquivos de formatos curtos audiovisuais de não ficção (cinejornais, documentários, filmetes institucionais, telerreportagens). Partindo desses materiais, iniciou-se o mapeamento de uma série de vínculos, de natureza e graus variados, entre órgãos estatais e produtoras cinematográficas privadas atuantes nos anos 1960 e 1970. A noção de “sujeito implicado”, de Michael Rothberg ( 2019ROTHBERG, Michael. The Implicated Subject: Beyond Victims and Perpetrators. Stanford, CA: Stanford University Press, 2019. ), serve então de mote para uma proposição que articula o estudo dos casos particulares à escala macro: junto com a “modernização” do setor audiovisual naquele momento, foi se configurando um circuito audiovisual implicado na sustentação simbólica do regime. Ou seja, um circuito feito não de cineastas “autores” vindos da cultura de resistência, mas de operadores audiovisuais adesistas 7 7 Rodrigo Patto Sá Motta ( 2014 ) propõe as categorias de adesão, resistência e acomodação para se pensar as complexidades das relações entre setores intelectuais e regime. No caso do circuito audiovisual implicado , seus atores estariam no campo da adesão, situado em um grau anterior à acomodação e distante da resistência. que ofereciam seus serviços cinematográficos para o Estado autoritário. A zona nebulosa entre o oficial e o oficioso, no caso de Brasil ano 150, sugere uma ideia que merece atenção: a propaganda audiovisual oficial da ditadura não era exclusivamente estatal.

Nos estudos sobre a cultura e o cinema brasileiro dos anos 1960 e 1970, em geral, o foco é a problemática do jogo de acomodações (Motta, 2014MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o Regime Militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. ) entre artistas/intelectuais opositores e as políticas culturais fomentadas pelo Estado autoritário . 8 8 A bibliografia é vasta, indo desde os embates de época, publicados originalmente ainda na década de 1970, como Bernardet ( 2009 ), até a história cultural mais recente, que tem reavaliado a cultura de resistência do período, como Napolitano ( 2017 ). A ideia de circuito audiovisual implicado sugere que o olhar crítico se volte também para os setores alinhados ao regime, indo além do caso emblemático do longa-metragem Independência ou morte (Carlos Coimbra, 1972), também do contexto do Sesquicentenário; e isso para se compreender os formatos e os vetores da sustentação audiovisual do autoritarismo, na interface entre produtores civis e órgãos do aparato oficial.

Pois se iniciava ali um novo ciclo, da cavação high-tech — e o emprego deste anglicismo em desuso quer precisamente conotar o passado de uma tecnologia de ponta. A cavação era high-tech não só porque o tema dos filmes eram os feitos da modernização conservadora e autoritária. Isso também. Mas a ode ao progresso técnico não é exatamente a novidade dessa produção. Afinal, foram muitas as árvores derrubadas e fábricas em funcionamento mostradas pelo cinema de cavação do período silencioso, com destaque para os títulos realizados por ocasião do Centenário da Independência, em 1922 (Morettin, 2013 MORETTIN, Eduardo. O cinema e a Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil. ArtCultura, Uberlândia, MG, v. 15, n. 27, p. 145-157, jul./dez. 2013. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/29341/16234 . Acesso em: 5 nov. 2023.
https://seer.ufu.br/index.php/artcultura...
). A novidade, o que faz da cavação dos anos 1970 algo high-tech, é a escala econômica que essa prática cultural adquiriu, inserida em um ciclo de produção impulsionado pela mesma modernização conservadora e autoritária exaltada nas imagens.

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    » https://doi.org/10.1590/1980-4369e2022019.

Notas

  • *
    Este artigo resulta de pesquisa de pós-doutorado, realizada com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), sob supervisão do prof. dr. Eduardo Morettin. Título do projeto: Audiovisual e Sesquicentenário da Independência (1972): circulação de imagens da nação na encruzilhada da modernização autoritária . Processo FAPESP nº 2021/07062-8.
  • 1
    Uma cópia digitalizada do filme está disponível no Sistema de Informações do Arquivo Nacional (Sian), sob notação BR RJANRIO NS.0.FIL.225. Ver endereço eletrônico direto para o arquivo digital na lista de referências.
  • 2
    Para um panorama da trajetória e da produção de Amaral Netto, ver a tese de Katia Iracema Krause ( 2016KRAUSE, Katia Iracema. O Brasil de Amaral Netto, o Repórter (1968-1985). 2016. 411 f. Tese (Doutorado em História Social) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, 2016. ).
  • 3
    Emprega-se aqui o conceito de modernização conservadora e autoritária com base na discussão sobre o tema promovida por Rodrigo Patto Sá Motta ( 2014MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o Regime Militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. ). Segundo a formulação desse historiador, o conceito é frutífero para se compreender paradoxos e contradições do regime que emergem da conjugação de impulsos modernizantes, conservadores e autoritários, dentro de uma cultura política que tende a conciliações, acomodações e personalismos. Nas palavras de Motta ( 2014MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o Regime Militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.: local. 240): “Observando o quadro geral, pode-se dizer que o propósito modernizador se concentrava na perspectiva econômica e administrativa, com vistas ao crescimento, à aceleração da industrialização e à melhoria da máquina estatal. Já o projeto autoritário-conservador se pautava em manter os segmentos subalternos excluídos, especialmente como atores políticos, bem como em combater as ideias e os agentes da esquerda — por vezes, qualquer tipo de vanguarda — nos campos da política e da cultura, defendendo valores tradicionais como pátria, família e religião, incluindo a moral cristã”. Por sua vez, Carlos Fico ( 2017FICO, Carlos. Ditadura Militar Brasileira: aproximações teóricas e historiográficas. Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 9, n. 20, p. 5-74, jan./abr. 2017. DOI: 10.5965/2175180309202017005.
    https://doi.org/10.5965/2175180309202017...
    : 25-31), em balanço historiográfico, apresenta um ponto de vista crítico divergente quanto ao uso da noção de modernização conservadora para se pensar a última ditadura brasileira.
  • 4
    A ideia de circuito implicado inspira-se livremente na noção de sujeito implicado formulada por Michael Rothberg ( 2019ROTHBERG, Michael. The Implicated Subject: Beyond Victims and Perpetrators. Stanford, CA: Stanford University Press, 2019. ). Nas palavras do autor: “Os sujeitos implicados ocupam posições alinhadas com o poder e o privilégio sem serem eles próprios agentes diretos do dano; eles contribuem, habitam, herdam ou se beneficiam de regimes de dominação, mas não originam ou controlam tais regimes. Um sujeito implicado não é nem uma vítima nem um perpetrador, mas sim um participante em histórias e formações sociais que geram as posições de vítima e perpetrador” (Rothberg, 2019ROTHBERG, Michael. The Implicated Subject: Beyond Victims and Perpetrators. Stanford, CA: Stanford University Press, 2019.: 1, tradução nossa).
  • 5
    Henning Boilesen, executivo dinamarquês radicado no Brasil, foi o presidente da Ultragaz justiçado por grupos da luta armada — Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) e Ação Libertadora Nacional (ALN) — em abril de 1971, acusado de colaborar com o financiamento da repressão via Operação Bandeirantes (Oban), em São Paulo. É considerado um dos casos emblemáticos de envolvimento do empresariado civil com a ditadura. O documentário Cidadão Boilesen (Chaim Litewski, 2009) oferece um panorama de sua trajetória.
  • 6
    Segundo Paulo Emílio Salles Gomes ( 1986GOMES, Paulo Emílio Salles. A expressão social dos filmes documentais no cinema mudo brasileiro (1898-1930). In: CALIL, Carlos Augusto; MACHADO, Maria Teresa (org.). Paulo Emílio: um intelectual na linha de frente. São Paulo: Brasiliense; Rio de Janeiro: Embrafilme, 1986. p. 323-330.: 324-325), o berço esplêndido e o ritual do poder foram pautas predominantes do cinema documental silencioso produzido no Brasil entre 1898 e 1930. Nas palavras do autor, o “ berço esplêndido é o culto das belezas naturais do país”, ao passo que o “ ritual do poder se cristaliza naturalmente em torno do presidente da República”. Sobre o percurso intelectual da formulação dessas noções, ver Zanatto ( 2022ZANATTO, Rafael Morato. A gênese do ritual do poder e do berço esplêndido nos filmes documentais: Paulo Emílio e o século XIX. História, São Paulo, v. 41, p. 1-19, 2022. DOI: 10.1590/1980-4369e2022019.
    https://doi.org/10.1590/1980-4369e202201...
    ).
  • 7
    Rodrigo Patto Sá Motta ( 2014MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o Regime Militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. ) propõe as categorias de adesão, resistência e acomodação para se pensar as complexidades das relações entre setores intelectuais e regime. No caso do circuito audiovisual implicado , seus atores estariam no campo da adesão, situado em um grau anterior à acomodação e distante da resistência.
  • 8
    A bibliografia é vasta, indo desde os embates de época, publicados originalmente ainda na década de 1970, como Bernardet ( 2009BERNARDET, Jean-Claude. Cinema brasileiro: propostas para uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. ), até a história cultural mais recente, que tem reavaliado a cultura de resistência do período, como Napolitano ( 2017NAPOLITANO, Marcos. Coração civil: a vida cultural brasileira sob o Regime Militar (1964-1985). São Paulo: Intermeios; PPGHS, 2017. ).
  • Fonte de financiamento: Processo nº 2021/07062-8, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
  • Contribuição dos autores: Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    29 Dez 2023
  • Aceito
    20 Mar 2024
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