Acessibilidade / Reportar erro

HISTÓRIA DO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DA TIRIRICA (RJ) E DAS PERCEPÇÕES SOBRE O SEU PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO

History of the Serra da Tiririca State Park (RJ) and of the Perceptions about its Institutionalization Process

Historia del Parque Estadual Serra da Tiririca (RJ) y las percepciones sobre su proceso de institucionalización

RESUMO

Sob a perspectiva da História Ambiental, o artigo analisa as relações sociais para a conservação ambiental no tempo e no espaço do Parque Estadual da Serra da Tiririca. A história da institucionalização do Parque foi analisada utilizando pesquisa documental e entrevistas. Há visões positivas, relacionadas à mobilização política e vigilância social, no processo de governança do território. A ineficiência legal e administrativa determinou sua precária institucionalização. Para que o Parque seja gerenciado efetivamente, de maneira que os erros do passado não se perpetuem, o passivo histórico deve ser contextualizado.

PALAVRAS-CHAVE:
Manejo; Parque; Relações sociedade e ambiente

ABSTRACT

In the perspective of Environmental History, this article analyzes the social relations for environmental conservation in time and space of the Serra da Tiririca State Park. The story of the institutionalization of the Park was analyzed by using documental research and interviews. There are positive views, related to political mobilization and social surveillance in the territory management process. Legal and administrative inefficiency determined its precarious institutionalization. For the effective management of the Park, so that the mistakes of the past are not perpetuated, the historical passive has to be contextualized.

KEYWORDS:
Management; Park; Society and environment relations

RESUMEN

Desde la perspectiva de la Historia Ambiental, este artículo analiza las relaciones sociales para la conservación ambiental en el tiempo y espacio en el Parque Estadual Serra da Tiririca. La historia de la institucionalización del Parque se analizó mediante investigaciones documentales y entrevistas. Hay visiones positivas, relacionadas con la movilización política y la vigilancia social, en el proceso de gobernanza territorial. La ineficiencia jurídica y administrativa llevó a su precaria institucionalización. Para una gestión eficaz del Parque que no perpetuara los errores del pasado, es necesaria una contextualización del pasivo histórico.

PALABRAS CLAVE:
Gestión; Parque; Relaciones sociedad y medio ambiente

INTRODUÇÃO

As unidades de conservação podem ser analisadas pela perspectiva histórica da dinâmica social no espaço geográfico (Pimentel; Magro, 2011aPIMENTEL, D. S.; MAGRO, T. C.; SILVA FILHO, D. F. Imagens da Conservação: em busca do apoio público para a gestão de Unidades de Conservação. Teoria & Sociedade, Belo Horizonte, v. 19, p. 144-168, 2011.; Ropper, 2000RÖPER, M. A difícil arte do planejamento participativo: a implementação da APA Estadual da Chapada dos Guimarães como exemplo de institucionalização territorial. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO, 2., Campo Grande, 2000. Anais […]. Campo Grande: Rede Nacional Pró-Unidade de Conservação, 2000. p. 69-78. 2 v.). Assim, as dimensões territorial, estabelecida juridicamente, institucional, relacionada à gestão, e simbólicas, emanadas da percepção e ação das pessoas, são importantes para a compreensão da história do processo de institucionalização das áreas protegidas (Pimentel; Magro, 2011bPIMENTEL, D. S.; MAGRO, T. C. Múltiplos olhares, muitas imagens: o manejo de parques com base na complexidade social. GEOgraphia, Niterói, v. 13, n. 26, p. 92-113, 2011b.). Deve-se considerar também que os parques, uma categoria icônica de unidade de conservação (UC), cuja história de preservação da natureza em territórios protegidos remonta ao século XIX (Pimentel; Magro; Silva Filho, 2011PIMENTEL, D. S.; MAGRO, T. C.; SILVA FILHO, D. F. Imagens da Conservação: em busca do apoio público para a gestão de Unidades de Conservação. Teoria & Sociedade, Belo Horizonte, v. 19, p. 144-168, 2011.), ocupam também uma esfera conceitual que assume um referencial de natureza (Watson, 2000WATSON, A. E. Wilderness use in the year 2000: societal changes that influence human relationships with wilderness. USDA forest service proceedings RMRS, Washington, v. 4, p. 53-60, 2000.). Logo, eles devem ser analisados sob o prisma da construção social da natureza (West; Igoe; Brockington, 2006WEST, P.; IGOE, J.; BROCKINGTON, D. Parks and people: the social impact of protected areas. Annual Review of Anthropology, Palo Alto, v. 35, p. 251-277, 2006.).

O Parque Estadual da Serra da Tiririca (Peset) é uma unidade de conservação de Proteção Integral e tem por objetivo básico a preservação da natureza, sendo permitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais. Como um parque, uma das categorias de manejo estabelecidas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação, sua gestão almeja a preservação de ecossistemas de relevância ecológica e beleza cênica passível de atrair e sustentar diferentes formas de visitação (Brasil, 2000BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Lei nº 9.985 de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, p. 1, 19 jul. 2000.). Para além da preservação da natureza, o Parque representa a complexidade dos estudos de conservação, que pode ser verificada por diferentes fenômenos sociais, históricos e biológicos relacionados à interdisciplinaridade das questões socioambientais materializadas no processo de gestão dos parques (Pimentel; Magro, 2011aPIMENTEL, D. S.; MAGRO, T. C.; SILVA FILHO, D. F. Imagens da Conservação: em busca do apoio público para a gestão de Unidades de Conservação. Teoria & Sociedade, Belo Horizonte, v. 19, p. 144-168, 2011., 2011bPIMENTEL, D. S.; MAGRO, T. C. Múltiplos olhares, muitas imagens: o manejo de parques com base na complexidade social. GEOgraphia, Niterói, v. 13, n. 26, p. 92-113, 2011b.).

O Peset separa os municípios de Maricá e Niterói, no estado do Rio de Janeiro. Constitui-se geologicamente por um complexo cristalino que penetra na face continental quase de maneira perpendicular à linha da costa. Uma de suas feições características são as “ilhas” de afloramentos rochosos que se destacam da região de várzea circundante. Todo o conjunto abriga, ainda, os sistemas lagunares de Piratininga e Itaipu (no município de Niterói) e Maricá (no município de Maricá) (Grael et al., 1995GRAEL, A. S. et al. Plano de conservação e interpretação ambiental da trilha do Alto Mourão, Parque Estadual da Serra da Tiririca. In: CONGRESSO DE DEFESA AMBIENTAL. 4., 1995, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995. p. 218-231.; Instituto Estadual do Ambiente, 2015INSTITUTO ESTADUAL DO AMBIENTE. Plano de manejo do Parque Estadual da Serra da Tiririca. Rio de Janeiro: Inea, 2015.). O Parque é um importante remanescente de Mata Atlântica, apresentando grande número de endemismos e espécies raras. Desempenha, além disso, a importante função ecossistêmica de manutenção das nascentes da região (Instituto Estadual do Ambiente, 2015INSTITUTO ESTADUAL DO AMBIENTE. Plano de manejo do Parque Estadual da Serra da Tiririca. Rio de Janeiro: Inea, 2015.: 8)

A região do Peset caracteriza-se por uma rica história socioambiental (Monteiro de Barros et al., 2003MONTEIRO DE BARROS, A. A. et al. Aspectos Ambientais e legais da Conservação do Córrego dos Colibris no Parque Estadual da Serra da Tiririca. In: SIMPÓSIO DE ÁREAS PROTEGIDAS: CONSERVAÇÃO NO ÂMBITO DO CONE SUL, 2., 2003, Pelotas, Anais […]. Pelotas: Laboratório de Manejo e Conservação Ambiental, 2003. p. 390-397. 1 v.). O próprio nome da serra está relacionado à passagem de tropeiros por um caminho cheio de tiriricas, também utilizado por Darwin em abril de 1832, como registrado em O diário do Beagle (Darwin (1809-1882), 2008DARWIN, C. O diário do Beagle. Curitiba: UFPR, 2008.: 70): “Depois de passarmos por algum terreno cultivado entramos em uma floresta, que, na grandiosidade de todas suas partes, não podia ser superada […]”.

Em 1991, é sancionado o decreto de criação do Parque sem, entretanto, haver a definição dos seus limites, o que só aconteceu em 2007. Acreditou-se que as demarcações poderiam ser implantadas de forma participativa, na onda do movimento popular que o demandara. Porém, a ausência de perímetro por 16 anos criou um vácuo legal, em que forças especulativas e interesses privados atuaram (Vallejo, 2005VALLEJO, L. R. Políticas públicas e conservação ambiental: territorialidades em conflito nos Parques Estaduais da Ilha Grande, da Serra da Tiririca e do Desengano (RJ). 2005. Tese (Doutorado em Geociências) - Instituto de Geociências, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005.; Simon, 2003SIMON, A. V. S . Conflitos na conservação da natureza: o caso do Parque Estadual da Serra da Tiririca. 2003. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais) - Instituto de Geociências, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2003.).

Segundo Worster (1991WORSTER, D. Para fazer história Ambiental. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 198-215, 1991.), a história ambiental agrega o conhecimento sobre as diferentes percepções que emanam das relações entre os seres humanos e o ambiente. Já Hughes (2006HUGHES, D. J. What is environmental history? Cambridge: Polity Press, 2006.) considera igualmente importante buscar a história do pensamento humano sobre o mundo natural e os caminhos em que certos padrões comportamentais motivaram ações que afetam o ambiente. Nesse nicho histórico e social, o Peset abraça os atributos propostos por Freitas (2005FREITAS, I. A. História de uma floresta, geografia de seus habitantes. In: Oliveira, r. r. (org.). As marcas do homem na floresta: história ambiental de um trecho urbano de Mata Atlântica. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2005. p. 37-50.) para a intersecção entre esses pontos de vista, já que abrangem três conjuntos de questões relacionadas aos atributos biológicos e ecológicos da área, com o domínio socioeconômico das relações sociais, modos de produção, instituições e política e com as percepções e valores atribuídos aos parques pelos indivíduos. Essa avaliação enquadra-se, portanto, na perspectiva da História Ambiental quando analisa as relações sociais também influenciadas pelo mote ambiental, e sublinha o

tipo de interação mais intangível e exclusivamente humano, puramente mental ou intelectual, no qual percepções, valores éticos, leis, mitos e outras estruturas de significação se tornam parte do diálogo de um indivíduo ou de um grupo, com a natureza (Worster, 1991WORSTER, D. Para fazer história Ambiental. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 198-215, 1991.: 5).

Como Worster (1991WORSTER, D. Para fazer história Ambiental. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 198-215, 1991.: 15) muito bem coloca, “O historiador ambiental tem que enfrentar o formidável desafio de examinar as ideias como agentes ecológicos”. Assim, transcendendo as dimensões físicas e ecológicas, o plano de manejo do Peset destaca também o seu grande valor histórico, científico, educacional, cultural e turístico. O documento pontua ainda que o Parque representa um potencial centro disseminador do ideal da conservação em áreas protegidas, bem como da compreensão de sua importância pela sociedade, devido a sua proximidade com grandes centros urbanos - por ser o primeiro caso de parque criado pela vontade popular no estado do Rio de Janeiro e por ser um local importante para o desenvolvimento de atividades ecoturísticas e educativas (Instituto Estadual do Ambiente, 2015INSTITUTO ESTADUAL DO AMBIENTE. Plano de manejo do Parque Estadual da Serra da Tiririca. Rio de Janeiro: Inea, 2015.: 8). Assim, pretende-se analisar as relações sociais entre diferentes atores locais e supralocais com o Peset sob as três esferas de sua inserção regional.

METODOLOGIA

A pesquisa qualitativa foi a base metodológica para este estudo, considerando que a investigação da complexa realidade social, formada por fenômenos qualitativos, depende da manifestação das subjetividades do pesquisador e a busca do conhecimento da realidade através de sua descrição e os significados para as pessoas (Triviños, 1987TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.; Pereira, 2001PEREIRA, J. C. R. Análise de dados qualitativos: estratégias metodológicas para as ciências da saúde, humanas e sociais. 3. ed. São Paulo: Edusp, 2001.).

Para atingir a esfera simbólica do processo de regionalização do Peset, foram evidenciadas as percepções dos atores locais no processo de sua criação e administração. Nesse caso, a História Oral fornece um bom arcabouço conceitual para os objetivos da pesquisa, uma vez que permite o conhecimento e aprofundamento sobre a realidade local, particularmente os processos históricos relacionados à institucionalização do Parque, que são obtidos por conversas e permitem a construção de uma visão mais concreta da trajetória socioambiental, como percebida por atores locais (Cassab; Ruscheinsky, 2004CASSAB, L. A.; RUSCHEINSKY, A. Indivíduo e Ambiente: a metodologia de pesquisa da História Oral. Biblos, Rio Grande, n. 16, p. 7-24, 2004.). Nesse sentido, “a riqueza da pesquisa com esta metodologia está na ênfase e importância atribuída ao sujeito da história, construtor de seu destino, entre possibilidades e limites” (Cassab; Ruscheinsky, 2004CASSAB, L. A.; RUSCHEINSKY, A. Indivíduo e Ambiente: a metodologia de pesquisa da História Oral. Biblos, Rio Grande, n. 16, p. 7-24, 2004.: 25), o que coaduna com os preceitos da pesquisa em história ambiental.

A abordagem se deu por meio de entrevistas semiestruturadas com os atores principais nas relações com o Peset. Para garantir sigilo de suas identidades, os atores são citados no com nomes fictícios, bem como sua relação com o Parque. Todos declararam anuência para as entrevistas, que aconteceram entre o período de março a agosto de 2007. Apenas três atores foram entrevistados após a definição dos limites definitivos do Peset, em setembro daquele ano: Sandro (político), Yan (visitante) e Zito (visitante). Alguns atores preferiram responder por escrito ao questionário. As entrevistas foram transcritas e constituíram o corpus documental analisado e referenciado aqui como.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A ESFERA TERRITORIAL DO PESET: AS PRÁTICAS SOCIAIS CONFIGURANDO O ESPAÇO FÍSICO E CONCEITUAL

O Peset foi criado em 1991 sob os auspícios de uma grande mobilização de grupos sociais da região: ambientalistas que, individualmente ou com a constituição de organizações não governamentais (ONGs) e associações de moradores, atuaram técnica e politicamente para que a região do Maciço da Serra da Tiririca fosse conservada, pela constituição de um Parque Estadual. Porém, alguns erros cometidos causaram problemas para a institucionalização desse espaço, e a percepção das pessoas sobre o processo ficou marcada por imagens tanto positivas como negativas, que ainda influenciam na gestão da unidade de conservação (Pimentel; Magro, 2011aPIMENTEL, D. S.; MAGRO, T. C.; SILVA FILHO, D. F. Imagens da Conservação: em busca do apoio público para a gestão de Unidades de Conservação. Teoria & Sociedade, Belo Horizonte, v. 19, p. 144-168, 2011.). “A criação do Peset é paradoxal. Ela é ao mesmo tempo auspiciosa, por ser fruto da mobilização popular, e aviltante, por conta da incompetência do poder público em efetivamente implantá-la e geri-la” (João, ambientalista).

Nesse sentido, cabe aqui avaliar a percepção sobre a história do Peset e da Serra da Tiririca. Apenas três atores, Paula (professora universitária), Renam (membro de associação de moradores) e Flávio (gestor), relacionaram a história do Parque com a história de ocupação da região. A primeira demarca bem o início do processo de criação do Parque, quando começa também a sua história pessoal de relacionamento com a UC; o segundo nasceu no local e descende dos primeiros ocupantes da Fazenda do Engenho do Mato; e o terceiro enfatiza a sua relação afetiva com o “lugar”. Assim, pode-se considerar que uma relação mais emocional com o espaço das referências pessoais (Tuan, 1980TUAN, Y. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: Difel, 1980., 1983TUAN, Y . Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel , 1983.) teria permitido uma avaliação mais aprofundada da história do Peset, bem como incentivado uma maior atuação política desses atores: “[…] a história do Parque em si, ela começa com […] pessoas que se importavam com a conservação […]” (Paula). Além disso, “[…] contar a história do Parque é contar a história da comunidade da Serra da Tiririca” (Renam). Observa-se, ainda, uma intensa relação afetiva desses atores com Parque: “[…] faz parte da minha história pessoal, eu tenho um grande amor por ele” (Flávio).

Os demais atores contam a história do Peset a partir da mobilização popular pela sua criação, evidenciando uma gradação de um conhecimento maior, que pode ser relacionado àqueles que participaram mais ativamente na sua criação ou defesa, até o desconhecimento sobre a história do Parque, demonstrado primordialmente pelas percepções de visitantes e usuários, exemplificadas na fala de Yan: “Não sei contar a história do Peset, pois a única informação que tive foi que a Serra tinha virado Parque […]”.

Na perspectiva dos membros desse movimento ambientalista, pontua-se a mobilização popular nos seus primórdios (1986) com o Clube de Conservação da Natureza e Exploração Suçuarana (Cnes), que realizava caminhadas e excursões orientadas pelo biólogo Jorge Antônio Pontes, seguido pela formação, em 1989, da Frente de Defesa da Serra da Tiririca, coalizão de ONGs e associações comunitárias. O Movimento Cidadania Ecológica (MCE), então, atuou mais tecnicamente na elaboração do projeto de criação do Peset, posteriormente encaminhado à Câmara Estadual (Simon 2003SIMON, A. V. S . Conflitos na conservação da natureza: o caso do Parque Estadual da Serra da Tiririca. 2003. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais) - Instituto de Geociências, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2003.; Vallejo, 2005VALLEJO, L. R. Políticas públicas e conservação ambiental: territorialidades em conflito nos Parques Estaduais da Ilha Grande, da Serra da Tiririca e do Desengano (RJ). 2005. Tese (Doutorado em Geociências) - Instituto de Geociências, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005.). Em análise, atores que participaram da mobilização popular pela criação do Parque ocupavam, naquele momento, cargos chave na administração estadual. Além disso, esse movimento também pode ser configurado como uma reação à atuação de interesses privados sobre as terras da região.

Empresas imobiliárias atuavam na área do bairro do Engenho do Mato desde a década de 1930, com a formação de loteamentos, parcialmente desapropriados em um plano de reforma agrária de 1962. Em 1945, há a proposição de desenvolvimento de um loteamento sobre o sistema lagunar e registros arqueológicos de sambaquis da Duna Grande e Pequena. A partir de 1970, altera-se drasticamente o regime hídrico das Lagoas da região com dragagem, aterros, canais e fixação da barra da Lagoa de Itaipu. No ano de 1987, uma empresa imobiliária tenta parcelar uma área do Córrego dos Colibris. Esta acaba por promover uma mobilização popular, e o Procurador João Batista Petersen impetra uma Ação Civil Pública, a primeira no Brasil, contra a loteadora e a Prefeitura Municipal de Niterói (Grael et al., 1995GRAEL, A. S. et al. Plano de conservação e interpretação ambiental da trilha do Alto Mourão, Parque Estadual da Serra da Tiririca. In: CONGRESSO DE DEFESA AMBIENTAL. 4., 1995, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995. p. 218-231.; Monteiro de Barros et al., 2003MONTEIRO DE BARROS, A. A. et al. Aspectos Ambientais e legais da Conservação do Córrego dos Colibris no Parque Estadual da Serra da Tiririca. In: SIMPÓSIO DE ÁREAS PROTEGIDAS: CONSERVAÇÃO NO ÂMBITO DO CONE SUL, 2., 2003, Pelotas, Anais […]. Pelotas: Laboratório de Manejo e Conservação Ambiental, 2003. p. 390-397. 1 v.; Simon, 2001SIMON, A. V. S. Aspectos socioambientais e jurídicos do Parque Estadual da Serra da Tiririca. Plúrima, Niterói, v. 24, n. 5, p. 9-52, 2001.).

Surge então a proposta de criação do Parque, em um ambiente político favorável relacionado aos preparativos da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a Rio 92, que acelerou a tramitação do seu projeto de criação na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A ocupação de postos na administração ambiental do Estado por membros desse movimento também foi muito importante no processo. Podem-se identificar, então, aspectos locais que captaram o imaginário desse movimento, já que é constantemente destacado que a “[…] região estava seriamente ameaçada por loteamentos e por atividades que degradavam o ambiente […]” (Mário, professor universitário). Essa percepção é relacionada à visão de ação do movimento popular que considerava o “caráter público do meio ambiente”: “O Parque é desta época […], com pessoas certas no lugar certo […], como ele veio de baixo para cima, ele é de um apelo popular […]” (Andréia, gestora).

Considerando ainda a fala inicial de João, que também expressa o pensamento do movimento ambientalista local, a atuação ineficiente do Instituto Estadual de Florestas (IEF), órgão gestor da UC na época,1 1 Em 2009 é instituído o Instituto Estadual do Ambiente com a fusão de três órgãos: Fundação Estadual de Engenharia de Meio Ambiente; Superintendência Estadual de Rios e Lagoas; e Instituto Estadual de Florestas. amplificou a imagem da UC como um “parque de papel”. Essa percepção negativa foi principalmente catalisada pelos 16 anos de indefinição dos limites do Parque, pois se destacam as observações de que seria “[…] um parque que já nasceu errado, sem os limites definidos […], isso gerou uma confusão muito grande…” (Cláudio, gestor), também relacionadas à percepção de que “O poder público não sabe trabalhar a participação […]. Esse Parque, inclusive, não teve em nenhum momento a participação do governo […]. Ele começou diferente e enfrentou problemas por ser um Parque diferente […]. Esse passivo foi deixado […]” (Andréia).

O Parque foi criado em 1991 sem os limites definidos. Somente em 1993 os limites da “área de estudos” para a demarcação do perímetro definitivo são instituídos como “zona provisória de uso especial”. Para tal, constituiu-se a Comissão Pró Parque Estadual da Serra da Tiririca, que não alcançou o objetivo de uma definição democrática desses limites. Em 1999, o IEF se mobiliza para compor uma segunda Comissão, estabelecida com protestos de manipulação e falta de transparência (Vallejo, 2005VALLEJO, L. R. Políticas públicas e conservação ambiental: territorialidades em conflito nos Parques Estaduais da Ilha Grande, da Serra da Tiririca e do Desengano (RJ). 2005. Tese (Doutorado em Geociências) - Instituto de Geociências, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005.). Em 2001, os trabalhos são encerrados e a proposta de novos limites é aprovada, mas somente em 2006 o projeto de lei (PL) dos novos limites, baseado no parecer da segunda Comissão, é apresentado na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Sua sanção ocorre apenas em setembro de 2007, depois de muita discussão, em que foram retiradas áreas de loteamentos e incluídas emendas para assegurar os direitos das populações tradicionais que ficaram dentro do Parque. Esse lado da história também catalisou a sua imagem de conflito, como nos diz Breno (gestor): “[…] a pior coisa que aconteceu neste tempo todo, e que acirrou o conflito foi não ter implantado o Parque […], ter levado mais de 10 anos para demarcar, isso é um erro que o IEF cometeu e que agora está pagando o preço.” Essa imagem é relacionada primordialmente à demora do IEF em demarcar definitivamente o Parque frente aos interesses da especulação imobiliária: “A Diretoria do IEF precisa estar mais atuante na articulação política contra a liberação de áreas de floresta para a especulação imobiliária […]. Há grilagem de terras públicas e ocupações ilegais no perímetro do Parque […]” (Hélio, gestor).

A questão dos limites tornou-se um exemplo da ineficiência do Poder Público na gestão desse patrimônio ambiental. O próprio IEF, ainda em 2008, tratava-a de forma tangencial e contraditória. Em seu site da internet (Instituto Estadual de Florestas, 2008INSTITUTO ESTADUAL DE FLORESTAS. Disponível em: Disponível em: http://www.ief.rj.gov.br . Acesso em: 11 set. 2008.
http://www.ief.rj.gov.br...
), acessado em 11 de dezembro daquele ano, esses limites eram considerados como “área potencial” de 2400 ha. No mesmo site, a notícia sob a manchete “Parque da Tiririca tem limites definidos pela ALERJ”, de 16 de agosto de 2007, afirma que a área do Parque foi reduzida em 5,3%, passando de 2.195 ha para 2.077 ha, com a aprovação dos limites definitivos estabelecidos pela Lei nº 5.079 de 3 de setembro de 2007 (Rio de Janeiro, 2007RIO DE JANEIRO (Estado). Lei nº 5079 de 03 de setembro de 2007. Dispõe sobre o perímetro definitivo do Parque Estadual da Serra da Tiririca, criado pela Lei Estadual nº 1.901/91, localizado entre os Municípios de Niterói e Maricá. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro : Rio de Janeiro, 4 set. 2007.).

Em relação a essa área (sem a inclusão da orla da Lagoa de Itaipu no Parque), verifica-se uma questão que é mais semântica (e propagandística) do que territorial. Ora, não considerando o Morro das Andorinhas (que possui 100,4 ha, não computados nos limites em estudo), que foi incluído nos limites definitivos, a perda em relação à área original proposta pelo Decreto de 1993 (considerando que essa era mesmo de 2.195 ha) chega a 218,4 ha, quase 10%. Ponderando que os limites em estudo abrangiam uma área de 2.400 ha, a perda para os loteamento e condomínios no entorno do Peset chegou a 423,4 ha, representando aproximadamente 17% de redução em relação à área provisória de 1993). Essa observação traz um grande simbolismo sobre o território do Parque, mais ligado às suas relações com a sociedade do que com argumentos biológicos e ecológicos. Convém observar que a anexação do fragmento florestal do Morro das Andorinhas, apesar pequeno e fracamente conectado ao Parque, foi considerada uma vitória do movimento ambientalista. Porém, essa conquista foi “diluída” pela retirada de áreas na definição dos seus limites definitivos.

Voltando a 2004, o Ministério Público Federal propôs uma Ação Civil Pública tendo como réu principal a Prefeitura Municipal de Niterói. A sentença, prolatada em 2006, estabeleceu como Área de Preservação Permanente todo o entorno da Laguna de Itaipu, bem como recomendou a criação de uma UC de Proteção Integral (IEF-RJ, 2007). Além disso, proibiu a emissão de licenças para imóveis novos numa faixa de 30 m ao redor da Lagoa, no entanto, essa decisão foi anulada dia 10 de julho de 2008 (Alencar, 2008bALENCAR, E. Área é discutida na justiça desde 2006. Na troca de ações, última decisão é desse mês. O Globo , Caderno Globo Niterói, Niterói, p. 19, 20 jul. 2008b.). Nesse mesmo ano, o Conselho Comunitário da Região Oceânica (Ccron) aliou-se ao IEF para viabilizar a proposta de anexação de áreas do entorno da Lagoa de Itaipu, incluindo alguns sítios arqueológicos. O processo tramitou rápido e foi sancionado em 16 de abril de 2008 pela assinatura do Decreto Estadual nº 41.266 (Rio de Janeiro, 2008RIO DE JANEIRO (Estado). Decreto nº 41.266 de 16 de abril de 2008. Dispõe sobre a ampliação do perímetro definitivo do Parque Estadual da Serra da Tiririca, localizado nos Municípios de Niterói e Maricá. CCRONotícias, Niterói, v. 5, n. 17, p. 6, jun./jul. 2008.). Assim, um fragmento de 181 ha foi acrescido ao Peset. Porém, duas empresas imobiliárias protocolaram um documento no IEF pedindo a revogação do Decreto. O advogado da empresa alegou a inconstitucionalidade do documento, argumentando que

O Parque da Serra da Tiririca teve seus limites definitivos decretados há mais de dez anos. Não faz o menor sentido estenderem o Parque até a praia de Itaipu. A Pinto de Almeida é a grande prejudicada nessa história. Temos projetos aprovados pela prefeitura (Alencar, 2008ALENCAR, E. Construtoras questionam decreto de Cabral. Pinto de Almeida e Soter Engenharia pedem no IEF revogação de lei que amplia Parque da Tiririca. O Globo, Caderno Globo Niterói, Niterói, p. 19, 20 jul. 2008a.: 19).

Essa história se arrasta até 2010, quando o decreto de anexação é derrubado e rapidamente substituído pelo Decreto nº 42.355 que alterou a definição da Faixa Marginal de Proteção da Laguna de Itaipu (Rio de Janeiro, 2010RIO DE JANEIRO (Estado). Decreto nº 42.355 de 16 de março de 2010. Altera o projeto de alinhamento de orla e a faixa marginal de proteção (FMP) da Laguna de Itaipu, no Município de Niterói e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro : Rio de Janeiro, ano XXXVI, n. 049, parte I. p. 13-16, 17 mar. 2010.). Esse é um exemplo claro do embate que há entre os agentes imobiliários e o movimento popular que defende o Peset. Houve ainda uma retificação na lei de instituição dos limites definitivos (Rio de Janeiro, 2008RIO DE JANEIRO (Estado). Decreto nº 41.266 de 16 de abril de 2008. Dispõe sobre a ampliação do perímetro definitivo do Parque Estadual da Serra da Tiririca, localizado nos Municípios de Niterói e Maricá. CCRONotícias, Niterói, v. 5, n. 17, p. 6, jun./jul. 2008.), que foi contestada por não seguir o trâmite legislativo. Sendo assim, somente em 2011 a ampliação do Parque foi publicada em Diário Oficial, com a inclusão do Núcleo Restinga e Duna de Itaipu, que abrange o sítio arqueológico Duna Grande, situado junto à praia de Itaipu. O Parque também foi ampliado pelo Decreto Estadual nº 43.913, de 29 de outubro de 2012, com a inclusão de 1.241 ha, correspondentes ao núcleo Darcy Ribeiro, insular e Morro da Peça. Os limites atuais contam com uma área de 3.493 ha (Instituto Estadual do Ambiente, 2015INSTITUTO ESTADUAL DO AMBIENTE. Plano de manejo do Parque Estadual da Serra da Tiririca. Rio de Janeiro: Inea, 2015.).

Voltando às considerações sobre a administração do Estado, os pontos nodais destacados são a total falta de estrutura no órgão ambiental, a burocracia que emperra as ações, a falta de planejamento e articulação delas e a ausência de uma política para as UCs sob a sua jurisdição. Além disso, a cultura da administração estadual era pouco afeita a estimular a participação popular. A ação fiscalizadora nos frágeis limites do Parque foi percebida como uma retaliação pelas comunidades mais pobres e não incluídas nas discussões sobre a sua criação:

“[…] eu acho que o central do IEF é uma cabeça grande e que dá muito pouco para a área de operação […]” (Eva, gestora).

“Diante desse cenário adverso […], o IEF/RJ, desaparelhado técnica e operacionalmente […]” (Hélio).

“[…] onde proliferam os cargos comissionados, as indicações de amigos […], muitas vezes fomos vítimas de pessoas […] preparadas para atuar de maneira a oprimir e cumprir o papel imposto por alguém, de discriminar e criminalizar as comunidades […]” (Renam).

Segundo Sandro (político), “O maior problema a ser equacionado refere-se à pressão urbana, ao crescimento desordenado registrado nos dois municípios, Niterói e Maricá. Isso determina a necessidade de integração do IEF com as administrações municipais”. Assim é identificado outro problema na administração do Peset, que foge ao escopo direto do seu administrador e refere-se mais à necessidade de uma política ambiental para o Estado. Os embates entre as diferentes esferas do poder sobre o território do Parque foram principalmente relacionados às Prefeituras de Niterói e Maricá, criticadas de maneira semelhante à própria administração central: “Toda vez que o prefeito vai fazer um plano diretor […] exclui o Parque […]. Como é que o prefeito vê este Parque? Um Parque que não arrecada IPTU, só serve para dizer não aos licenciamentos que ele tanto quer […]” (Andréia).

Outro fato relacionado aos pontos anteriores foi um efeito oscilante da eficiência gerencial. Os melhores exemplos são representados por períodos de maior eficácia e principalmente relacionados com a presença de pessoas do movimento ambientalista, em postos da Administração Estadual, já que “Desde que o Peset foi decretado, seu órgão gestor, o IEF-RJ passou por várias administrações, ao sabor deste ou daquele partido político” (Nélio, ambientalista).

No âmbito local da administração do Peset, os gestores se adaptaram, cada um ao seu modo, a essa precariedade institucional. Dessa maneira, alguns conseguiram construir “parcerias”, pequena ajuda de pessoas e entidades, muitas ainda remanescentes da mobilização popular que criara o Peset. Já outros não apresentavam esse perfil agregador e houve problemas com as comunidades dentro e fora do entorno. “Isso penalizou o primeiro administrador, a segunda, o terceiro […], num primeiro momento, a Secretaria da Região Oceânica […] cedeu uma mesa em sua sede […] essa parceria durou poucos meses, em face da pressão de alguns políticos locais […]” (Hélio).

O resultado geral, no entanto, foi uma visão de abandono do IEF e a percepção dos atores do movimento ambientalista de ligações escusas desse órgão, e principalmente das Prefeituras, com a especulação imobiliária, como destacado por Simon (2001SIMON, A. V. S. Aspectos socioambientais e jurídicos do Parque Estadual da Serra da Tiririca. Plúrima, Niterói, v. 24, n. 5, p. 9-52, 2001.).

No entanto, esses mesmos atores têm dificuldade em apontar os erros cometidos pelo próprio movimento, que também calçou a imagem de conflito ligada ao Parque (Simon, 2003SIMON, A. V. S . Conflitos na conservação da natureza: o caso do Parque Estadual da Serra da Tiririca. 2003. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais) - Instituto de Geociências, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2003.). Como destacado, a história de sua institucionalização é bem conhecida por aqueles que participaram diretamente da mobilização ambientalista ou foram envolvidos nesse processo por estarem dentro dos limites propostos para o Peset. Os demais não a conhecem, indicando que a participação popular não foi tão abrangente assim. Esse fato, aliado às dificuldades administrativas do IEF, mas também à pulverização do movimento ambientalista, acabou por dar espaço à ação da especulação imobiliária (Vallejo, 2005VALLEJO, L. R. Políticas públicas e conservação ambiental: territorialidades em conflito nos Parques Estaduais da Ilha Grande, da Serra da Tiririca e do Desengano (RJ). 2005. Tese (Doutorado em Geociências) - Instituto de Geociências, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005.). O movimento, bem como o órgão gestor, passam a ser vistos com desconfiança pela população não incluída nessa discussão que, a princípio, tinha interesse nela, como observado na fala de Renam: “[…] a história do Peset não começou em 1991 como afirmam alguns ambientalistas desinformados ou mesmo mal-intencionados”.

Na visão dos proprietários de imóveis mais abastados e na dos representantes das comunidades mais pobres, essa história é distorcida para um conflito entre classes sociais, cada qual situado em um extremo: […] “o Brizola deu uma ‘canetada’[…]. Era muito fácil para o governo estadual criar […] um Parque Estadual não respeitando o direito de propriedade das pessoas que […] tiveram seus direitos extirpados […]” (Xisto, empresário imobiliário). Por outro lado, “as atuações e autuações do IEF […] atenderam a critérios de classe. A maioria das multas aplicadas, e algumas casas que foram demolidas no entorno, obedeceram a critérios duvidosos, pois em relação às mansões nada foi feito” (Renam).

Renam refere-se especificamente às mansões construídas na vertente do Morro das Andorinhas voltada para o bairro de Itacoatiara, de classe média alta. Esse local provavelmente se tornará um novo símbolo dessas tensões socioambientais relacionadas ao Peset, pois na outra face do Morro encontram-se moradias de pescadores de Itaipu. Os problemas históricos relacionados ao Loteamento Jardim Fazendinha, desmembrado da antiga Fazenda do Engenho do Mato, também foram realçados pelos eventos relacionados à tramitação do PL dos limites definitivos, uma vez que áreas do Parque presentes nos “limites em estudo” e que faziam parte dessa Fazenda não foram incluídas no seu perímetro definitivo. Há também a percepção de melhorias na administração do Peset, com a construção da sede de Marica e a do Bairro de Itacoatiara, e é destacado o “pró-ativismo” da equipe do Parque.

Como o Peset fica próximo à região metropolitana do Rio de Janeiro, bem como tem esse caráter de um registro de luta socioambiental, ganha uma relevância maior na formação de uma imagem de que os parques podem representar uma ferramenta justa e democrática para a conservação. O que não pode acontecer é que as demandas e precariedades ainda existentes sejam prolongadas, distorcendo essa imagem. Ainda, “[…] o diálogo é necessário, por isso tanto a delicadeza e critério em trazer que gestor diferente, não policialesco, não do não, não da fiscalização ‘mãos ao alto’ […]” (Andréia). “[…] Daí a necessidade urgente de se promover a inserção regional do conceito de unidade de conservação. Poucos são os moradores que reconhecem seus benefícios diretos e indiretos […]” (Hélio).

Porém, quando as visões dos administradores no âmbito do IEF são analisadas, percebe-se uma tendência comercial da gestão dos parques do Estado, que representa uma visão limitada de inserção regional das UC e pode gerar problemas locais no futuro:

“Parque de terceiro mundo tem que gerar renda, tem que estar atrelado ao lazer. Se ele não tem nada para oferecer é um bando de floresta num morro cercado dizendo proibido” (Andréia).

“[…] implantado, ele vai poder gerar receita […], cria um efeito em cascata […] enfim, ele é um empreendimento tão importante como um Resort […]” (Breno, gestor).

Dourojeanni e Pádua (2006DOUROJEANNI, M. J.; PÁDUA, M. T. J. Biodiversidade: a hora decisiva. 2. ed. Curitiba: UFPR , 2007.) são contrários à visão de autofinanciamento dos Parques, pois esta fere o princípio da responsabilidade Estatal na conservação. Na sede de Itacoatiara, não há banheiros para o uso do público. Por ser um Parque periurbano, recebe diariamente usuários, moradores locais, que usam as trilhas para lazer e prática de esportes, bem como visitantes de menor poder aquisitivo que vêm em grupos familiares. Nesse sentido, o Peset possui infraestrutura precária para atender esse uso público, e a cobrança de tarifas provavelmente se configuraria em um novo foco de tensão para a administração.

A ESFERA INSTITUCIONAL DO PESET: REGRAS E IMAGEM MEDIANDO A INSERÇÃO REGIONAL

A esfera institucional do Peset é marcada por ações judiciais para comprometer o poder público com a sua efetiva conservação, porém, a indefinição dos seus limites pautou a dimensão jurídica do Parque. A primeira Ação Civil Pública no Brasil foi impetrada para reverter uma tentativa de parcelamento de uma área do Peset conhecida como Córrego dos Colibris. A partir de então, devido à participação de muitos atores, a sua história é permeada por ações no âmbito Jurídico. O Parque é criado pela Lei nº 1.901, de 29 de novembro de 1991, mas seus limites provisórios só são estabelecidos pelo Decreto Estadual nº 18.598, de 19 de abril de 1993. Apenas em 14 de março de 2006 começa a tramitar o Projeto de Lei nº 3.238, sobre o perímetro definitivo, que somente é sancionado em 3 de setembro de 2007, pela Lei nº 5.079. Nesse ínterim de 16 anos, essas ações judiciais tentaram instar o Governo Estadual a efetivamente delimitar e atuar na conservação do Parque (Monteiro de Barros; Sather; Conceição, 2002MONTEIRO DE BARROS, A. A.; SATHLER, E. B; CONCEIÇÃO, M. C. F. Implantação de Unidade de Conservação postulada em juízo via ação civil pública: o caso do Parque Estadual da Serra da Tiririca. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO, 3., 2002, Fortaleza. Anais […]. Fortaleza: Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, 2002. p. 774-781. 1 v.; Rio de Janeiro, 1991RIO DE JANEIRO (Estado). Lei nº 1.901, de 29 de novembro de 1991. Dispõe sobre a criação do Parque Estadual da Serra da Tiririca e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 29 nov. 1991., 1993RIO DE JANEIRO (Estado). Decreto-Lei nº 18.598 de 19 abril de 1993. Dispõe sobre limites da área de estudos para a demarcação e do perímetro definitivo do Parque Estadual da Serra da Tiririca. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro : Rio de Janeiro, 19 abr. 1993., 2007RIO DE JANEIRO (Estado). Lei nº 5079 de 03 de setembro de 2007. Dispõe sobre o perímetro definitivo do Parque Estadual da Serra da Tiririca, criado pela Lei Estadual nº 1.901/91, localizado entre os Municípios de Niterói e Maricá. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro : Rio de Janeiro, 4 set. 2007.), conter tentativas de parcelamento do Córrego dos Colibris, tendo a Prefeitura de Niterói e empresas como rés (Monteiro de Barros et al., 2003MONTEIRO DE BARROS, A. A. et al. Aspectos Ambientais e legais da Conservação do Córrego dos Colibris no Parque Estadual da Serra da Tiririca. In: SIMPÓSIO DE ÁREAS PROTEGIDAS: CONSERVAÇÃO NO ÂMBITO DO CONE SUL, 2., 2003, Pelotas, Anais […]. Pelotas: Laboratório de Manejo e Conservação Ambiental, 2003. p. 390-397. 1 v.), conter as atividades degradadoras da Saibreira Fernandes de Oliveira e da Mineradora Inoã (Simon, 2001SIMON, A. V. S. Aspectos socioambientais e jurídicos do Parque Estadual da Serra da Tiririca. Plúrima, Niterói, v. 24, n. 5, p. 9-52, 2001.), entre outras. Essas ações criaram uma imagem de vigilância da Sociedade em relação à conservação do Parque, mas também uma visão de incompetência da gestão pública: “A Ação Civil Pública Ambiental intentada pela ONG Protetores da Floresta e as medidas judiciais obtidas ao longo da ação acabou pressionando o Estado do RJ a uma agenda mínima sobre o Peset […]” (Nélio).

No final do processo de tramitação do PL nº 3.238, duas situações ficaram patentes: uma delas relacionada às comunidades tradicionais da Serra da Tiririca, que brigaram pelo direito de permanência na área do Peset, e a outra ao loteamento Jardim Fazendinha. Com relação às populações tradicionais, dois instrumentos legais procuraram garantir o seu direito de permanência e uso em áreas do Parque. Na própria Lei 5.079, foi estabelecido um parágrafo no artigo 3º, depois de muita negociação política (Rio de Janeiro, 2007RIO DE JANEIRO (Estado). Lei nº 5079 de 03 de setembro de 2007. Dispõe sobre o perímetro definitivo do Parque Estadual da Serra da Tiririca, criado pela Lei Estadual nº 1.901/91, localizado entre os Municípios de Niterói e Maricá. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro : Rio de Janeiro, 4 set. 2007.):

Parágrafo Único - Ficam estendidos os mesmos direitos e obrigações previstas nas Leis Estaduais 2.393/1995 e 3.192/1999, às populações tradicionais residentes nas áreas retiradas dos limites de estudo estabelecidos pelo Decreto 18.598, de 01.04.1993, em conformidade com o parágrafo 1º do artigo 215 e os incisos I e II do artigo 216 da Constituição da República Federativa do Brasil (Art. 3º).

No Loteamento Jardim Fazendinha, disputas fundiárias já aconteciam desde a década de 1930, quando ocorreu a venda da Fazenda do Engenho do Mato. Essas terras foram caracterizadas por Vallejo (2005VALLEJO, L. R. Políticas públicas e conservação ambiental: territorialidades em conflito nos Parques Estaduais da Ilha Grande, da Serra da Tiririca e do Desengano (RJ). 2005. Tese (Doutorado em Geociências) - Instituto de Geociências, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005.: 208) como o “alvo do maior conflito fundiário da região”, amplificado pela criação do Peset em 1991. Dessa maneira, a imagem do conflito relacionada ao Parque também tem fundamentos históricos. Além disso, em 2006 e 2007, pressões políticas sobre os deputados conseguiram retirar os lotes do Jardim Fazendinha, muitos ainda não ocupados e com mata em regeneração, dos limites definitivos do Peset. Isso foi percebido como uma vitória da especulação imobiliária, principalmente pelas comunidades tradicionais. “No contexto da disputa por espaço político a causa se perdeu, […]. Há inúmeros interesses de agentes da especulação imobiliária sendo atendidos […]” (Hélio).

A administração do Peset, além de lidar com o passivo histórico dos conflitos fundiários locais, foi permeada por disputas políticas desde sua criação. Porém, esse processo de institucionalização do Parque também deixou a imagem positiva de que a sociedade efetivamente demandava e vigiava a UC. Essa imagem deve ser resgatada com ações que demonstrem o comprometimento estatal com o Peset.

A ESFERA SIMBÓLICA DO PESET: A IMAGEM DO PARQUE E A IMPORTÂNCIA DE SEU MANEJO

Como diz Andréia, o Peset “materializa uma forma de pensar, por isso que é um conflito também, porque essa forma de pensar é conflituosa. Com todas as dificuldades, e as brigas, para mim ele simboliza vitória.” Dessa maneira, na sua esfera simbólica, o Parque representa o bom e o ruim das relações mantidas entre as pessoas e áreas protegidas. Porém, enquanto um espaço institucionalizado, muito do ruim é relacionado aos problemas administrativos do órgão gestor e de gestores menos capazes de angariar parcerias. “[…] Porque ninguém via o Estado aqui. Tudo acontece, tudo. Ele não tinha identidade, visibilidade, não tinha estrutura física, não tinha gente […], era uma coisa largada […]. Então venha, Estado, faça a gestão” (Andréia).

Essas precariedades administrativas também afetaram a relação do Peset com os visitantes, principalmente relacionadas à falta de informação e situações prosaicas como a relatada por Kleber (empresário de ecoturismo): “O portão é fechado às 18h, independente do retorno dos visitantes. Cansei de pulá-lo”. “Eu sou meio alheio quanto a isso, o meu negócio aqui é malhar […]” (Wando, visitante).

Segundo West, Igoe e Brockington (2006WEST, P.; IGOE, J.; BROCKINGTON, D. Parks and people: the social impact of protected areas. Annual Review of Anthropology, Palo Alto, v. 35, p. 251-277, 2006.), a imagem de conflito é inerente aos parques criados por políticas de cima para baixo. O Peset, porém, com decantado apelo popular, também é relacionado ao conflito. Esse passivo social pode ser relacionado ao longo período em que o Estado não assumiu as suas atribuições de conservação. Esse atraso também catalisou relações socioambientais negativas que acabaram estimulando a imagem de “um Parque fortaleza, é um Parque do tudo é proibido […]” (Andréia); “Um Parque Estadual sem estrutura […]” (Yan, visitante); “[…] um parque de papel […]” (Breno); que também carrega “[…] o estigma […] de ser um Parque Conflito […]” (Cláudio); “[…] uma grande barganha imobiliária […]” (Flávio).

As relações positivas são representadas pelo apelo popular para a criação do Parque, que representa um histórico de luta social e vigilância constante. Também é um parque de relações afetivas: “Minha visão pessoal é fantástica, eu frequento o parque desde garoto […] então para mim é um refúgio de qualidade de vida, uma terapia” (Cláudio); “Eu acho que ele registra uma luta, é o registro de uma história” (Andréia). Assim, essas relações positivas com as pessoas fomentam a imagem de “[…] uma história de sucesso […]” (Breno); “[…] um sonho que se tornou realidade” (Mário) e “[…] esperança” (Eva), pois, o Peset representa um “exercício de cidadania ecológica” (Sandro) e “O caráter público do meio ambiente, para mim ele significa exatamente isso, o simbólico dele […]. A possibilidade do espalhamento do lazer, da conservação da biodiversidade que é o nosso patrimônio maior, mas para todos” (Andréia).

A conservação ambiental é o objetivo básico de todos os parques. Assim, avaliar se o Parque cumpre esse objetivo também expõe a forma como os atores o percebem. De maneira geral, poucos foram os que responderam um pragmático sim ou não ao serem questionados se o Parque efetivamente atingia seu objetivo de preservação ecossistêmica. Os aspectos positivos destacados relacionaram-se com o fato de o Parque ter conseguido conter o processo de especulação imobiliária na região, e os negativos com o conhecimento ecológico de que o Parque tem uma área pequena e não se interliga com outros fragmentos florestais na região e, mais uma vez, com os seus problemas administrativos.

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ESPAÇO EM PARQUE E AS COMUNIDADES DO ENTORNO

Embora os problemas político-administrativos tenham arranhado a imagem do Peset, observar a sua história permite o destaque dos aspectos positivos da relação entre o Parque e a sociedade. Os atores que o conhecem mais a fundo o veem com esperança e pelo menos enxergam a sua importância para conter o avanço da especulação imobiliária na região. Aqueles que não têm essa visão histórica podem ser informados por programas abrangentes de interpretação e educação ambiental.

Existe um grupo de pessoas vivendo dentro dos limites do Peset que merece uma atenção especial: as comunidades tradicionais da Serra da Tiririca. Este texto não pretende entrar no mérito da discussão sobre se essas pessoas representam uma população tradicional ou não. Castro e colaboradores (2006CASTRO, F. et al. Use and misuse of the concepts of tradition and property rights in the conservation of natural resources in the Atlantic Forest (Brazil). Ambiente e Sociedade, Campinas, v. 10, n. 1, p. 23-39, jan/jun. 2006.) consideram que as definições de comunidades tradicionais são muito fluidas para embasar as políticas de conservação, porque os critérios para delimitá-las são difíceis de estipular em sistemas sociais complexos. Esses seriam enviesados pelo contexto político. Dessa maneira, o que interessa aqui é uma discussão sobre como os atores encaram essas comunidades tradicionais, e como estimular um processo real de sua inclusão social.

O intenso processo de especulação imobiliária na região, que também prejudicou essas populações mais antigas, acabou se destacando como a principal ameaça à integridade do Parque. No entanto, a mobilização pelos limites do Parque catalisou uma reação de organização política da comunidade, enquanto um grupo afetado, mas que não estava sendo ouvido. Dessa maneira, além de conseguir algumas vitórias políticas no trâmite final do PL de delimitação do Parque, também angariou simpatias das pessoas que passaram a compreender melhor a história da região e a importância dessas comunidades:

“[…] eu tenho uma grande admiração por estas pessoas que são batalhadoras, […] eles não são os vilões, eles na verdade para mim são uns heróis […]. Então eu vejo a cultura, a conservação da cultura tradicional muito aliada com a conservação da natureza […] Acho que estas pessoas são as mais importantes para o Parque porque não interessa de quem é o Parque, de quem é a posse e sim o cuidado que a pessoa tem e essas pessoas foram as primeiras a conservar […] Estas populações tradicionais são onde se preservou […]” (Flávio).

Porém, esse assunto não se esgota nesse reconhecimento, e os caminhos que forem seguidos pela administração ambiental do Estado, no que se refere ao trato com essas comunidades, serão determinantes para o seu futuro. Isso não se dará sem controvérsias.

“Este Parque da Tiririca é um remendo […] se é comunidade, é terra de ninguém, então eles podem fazer qualquer coisa, nós não […]. Na minha concepção o Parque Estadual premia o cara que não tem valor, que não tem educação ambiental, que não tem absolutamente nada […] aí eles dizem: isso é problema social” (Xisto).

As comunidades tradicionais da Serra da Tiririca estão agora dentro dos limites do Parque. Essa situação, por definição legal do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Brasil, 2000BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Lei nº 9.985 de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, p. 1, 19 jul. 2000.), deve ser provisória e representa um passivo difícil de ser dirimido, mas que contribui com a imagem de conflitos, injustiças e ineficiência administrativa. Em relação ao Peset, a gestão oscilante foi exacerbada pela falta de vontade do Poder Público em efetivamente assumir a administração das UCs do Estado. Outra dificuldade refere-se à real vontade em conceder autonomia (Ayres; Irving, 2006AYRES, H. H. F.; IRVING, M. A. O olhar psicossocial para a gestão participativa das áreas protegidas: refletindo sobre possibilidades e desafios. In: Irving, M. A. (org.). Áreas protegidas e inclusão social: construindo novos significados. Rio de Janeiro: Fundação Bio-Rio, 2006. p. 77-90.). Para minimizar esses problemas, a gestão democrática dos parques deve ser encarada como uma política pública mais estável que não deveria sofrer abalos com as diferenças partidárias e pessoais das administrações estaduais. Essas também devem investir efetivamente na resolução dos problemas fundiários dos parques.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Peset está inserido em uma região de rica história, que baseou a feição socioambiental hoje observada. A criação do Parque em si começa de maneira promissora, demandada por mobilização de grupos sociais, configurando-se como um dos poucos casos no Brasil em que esse movimento ocorreu. Erros no decorrer do processo, como a tardia definição dos seus limites, disputas por uma vitrine política e problemas administrativos do órgão ambiental do Estado, criaram um passivo que ainda perdura na esfera simbólica do Parque. Assim, apesar de a imagem do Peset ser impregnada por visões positivas relacionadas à mobilização política pela sua criação e a vigilância da sociedade, que zela pela área, no âmbito negativo aponta-se a má administração do IEF (atual Inea), que deixou espaço para ação da especulação imobiliária e conflitos fundiários. O saldo, porém, ainda é positivo, pois os atores o consideram importante para a região, visão principalmente relacionada a sua capacidade de mitigar a expansão imobiliária desordenada sobre as áreas de floresta.

No caso do Peset, os bons desígnios conservacionistas foram minados por um vácuo institucional cujos reflexos ainda perduram. Ficam algumas lições: os parques são um instrumento democrático, pois garantem a conservação de um meio ambiente equilibrado, direito de todos os cidadãos. Isso é basal. Porém, no patamar das relações políticas, a ausência de limites por 16 anos e o aproveitamento por interesses privados das brechas criadas pela ineficiência legal e administrativa determinaram a precária institucionalização desse espaço regional e as dificuldades da inserção social da UC. Não obstante, esse passivo deve ser gerido atualmente com políticas consistentes, duradouras e democráticas, para que os erros do passado não se perpetuem e comprometam a necessária defesa da sociedade por essa e outras áreas protegidas.

REFERÊNCIAS

  • ALENCAR, E. Construtoras questionam decreto de Cabral. Pinto de Almeida e Soter Engenharia pedem no IEF revogação de lei que amplia Parque da Tiririca. O Globo, Caderno Globo Niterói, Niterói, p. 19, 20 jul. 2008a.
  • ALENCAR, E. Área é discutida na justiça desde 2006. Na troca de ações, última decisão é desse mês. O Globo , Caderno Globo Niterói, Niterói, p. 19, 20 jul. 2008b.
  • AYRES, H. H. F.; IRVING, M. A. O olhar psicossocial para a gestão participativa das áreas protegidas: refletindo sobre possibilidades e desafios. In: Irving, M. A. (org.). Áreas protegidas e inclusão social: construindo novos significados. Rio de Janeiro: Fundação Bio-Rio, 2006. p. 77-90.
  • BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Lei nº 9.985 de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, p. 1, 19 jul. 2000.
  • CASSAB, L. A.; RUSCHEINSKY, A. Indivíduo e Ambiente: a metodologia de pesquisa da História Oral. Biblos, Rio Grande, n. 16, p. 7-24, 2004.
  • CASTRO, F. et al. Use and misuse of the concepts of tradition and property rights in the conservation of natural resources in the Atlantic Forest (Brazil). Ambiente e Sociedade, Campinas, v. 10, n. 1, p. 23-39, jan/jun. 2006.
  • DARWIN, C. O diário do Beagle. Curitiba: UFPR, 2008.
  • DIEGUES, A. C. O Mito moderno da natureza intocada. 5. ed. São Paulo: Hucitec, 2004.
  • DOUROJEANNI, M. J.; PÁDUA, M. T. J. Biodiversidade: a hora decisiva. 2. ed. Curitiba: UFPR , 2007.
  • FREITAS, I. A. História de uma floresta, geografia de seus habitantes. In: Oliveira, r. r. (org.). As marcas do homem na floresta: história ambiental de um trecho urbano de Mata Atlântica. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2005. p. 37-50.
  • GRAEL, A. S. et al. Plano de conservação e interpretação ambiental da trilha do Alto Mourão, Parque Estadual da Serra da Tiririca. In: CONGRESSO DE DEFESA AMBIENTAL. 4., 1995, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995. p. 218-231.
  • HUGHES, D. J. What is environmental history? Cambridge: Polity Press, 2006.
  • INSTITUTO ESTADUAL DE FLORESTAS. Disponível em: Disponível em: http://www.ief.rj.gov.br Acesso em: 11 set. 2008.
    » http://www.ief.rj.gov.br
  • INSTITUTO ESTADUAL DE FLORESTAS. Estudo técnico para ampliação do Parque estadual da Serra da Tiririca - Peset, com a inclusão do sistema lagunar e sítios arqueológicos da Duna Pequena e Duna Grande. Niterói: IEF, 2007.
  • INSTITUTO ESTADUAL DO AMBIENTE. Plano de manejo do Parque Estadual da Serra da Tiririca. Rio de Janeiro: Inea, 2015.
  • MONTEIRO DE BARROS, A. A.; SATHLER, E. B; CONCEIÇÃO, M. C. F. Implantação de Unidade de Conservação postulada em juízo via ação civil pública: o caso do Parque Estadual da Serra da Tiririca. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO, 3., 2002, Fortaleza. Anais […]. Fortaleza: Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, 2002. p. 774-781. 1 v.
  • MONTEIRO DE BARROS, A. A. et al. Aspectos Ambientais e legais da Conservação do Córrego dos Colibris no Parque Estadual da Serra da Tiririca. In: SIMPÓSIO DE ÁREAS PROTEGIDAS: CONSERVAÇÃO NO ÂMBITO DO CONE SUL, 2., 2003, Pelotas, Anais […]. Pelotas: Laboratório de Manejo e Conservação Ambiental, 2003. p. 390-397. 1 v.
  • MONTEIRO DE BARROS, A. A.; SEOANI, C. A. A problemática da conservação do Parque Estadual da Serra da Tiririca, Niterói/Maricá, RJ, Brasil. In: OS (DES)CAMINHOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RUMO AO SÉCULO XXI, 1., 1999, Niterói. Anais […]. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 1999. p.114-124. 1 v.
  • PEREIRA, J. C. R. Análise de dados qualitativos: estratégias metodológicas para as ciências da saúde, humanas e sociais. 3. ed. São Paulo: Edusp, 2001.
  • PIMENTEL, D. S.; MAGRO, T. C. The symbolic sphere and social representations of Serra da Tiririca State Park, Rio de Janeiro, Brazil. Sociedade & Natureza, Uberlância, v. 23, p. 275-283, 2011a.
  • PIMENTEL, D. S.; MAGRO, T. C. Múltiplos olhares, muitas imagens: o manejo de parques com base na complexidade social. GEOgraphia, Niterói, v. 13, n. 26, p. 92-113, 2011b.
  • PIMENTEL, D. S.; MAGRO, T. C.; SILVA FILHO, D. F. Imagens da Conservação: em busca do apoio público para a gestão de Unidades de Conservação. Teoria & Sociedade, Belo Horizonte, v. 19, p. 144-168, 2011.
  • RIO DE JANEIRO (Estado). Lei nº 1.901, de 29 de novembro de 1991. Dispõe sobre a criação do Parque Estadual da Serra da Tiririca e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 29 nov. 1991.
  • RIO DE JANEIRO (Estado). Decreto-Lei nº 18.598 de 19 abril de 1993. Dispõe sobre limites da área de estudos para a demarcação e do perímetro definitivo do Parque Estadual da Serra da Tiririca. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro : Rio de Janeiro, 19 abr. 1993.
  • RIO DE JANEIRO (Estado). Lei nº 5079 de 03 de setembro de 2007. Dispõe sobre o perímetro definitivo do Parque Estadual da Serra da Tiririca, criado pela Lei Estadual nº 1.901/91, localizado entre os Municípios de Niterói e Maricá. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro : Rio de Janeiro, 4 set. 2007.
  • RIO DE JANEIRO (Estado). Decreto nº 41.266 de 16 de abril de 2008. Dispõe sobre a ampliação do perímetro definitivo do Parque Estadual da Serra da Tiririca, localizado nos Municípios de Niterói e Maricá. CCRONotícias, Niterói, v. 5, n. 17, p. 6, jun./jul. 2008.
  • RIO DE JANEIRO (Estado). Decreto nº 42.355 de 16 de março de 2010. Altera o projeto de alinhamento de orla e a faixa marginal de proteção (FMP) da Laguna de Itaipu, no Município de Niterói e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro : Rio de Janeiro, ano XXXVI, n. 049, parte I. p. 13-16, 17 mar. 2010.
  • RÖPER, M. A difícil arte do planejamento participativo: a implementação da APA Estadual da Chapada dos Guimarães como exemplo de institucionalização territorial. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO, 2., Campo Grande, 2000. Anais […]. Campo Grande: Rede Nacional Pró-Unidade de Conservação, 2000. p. 69-78. 2 v.
  • SIMON, A. V. S. Aspectos socioambientais e jurídicos do Parque Estadual da Serra da Tiririca. Plúrima, Niterói, v. 24, n. 5, p. 9-52, 2001.
  • SIMON, A. V. S . Conflitos na conservação da natureza: o caso do Parque Estadual da Serra da Tiririca. 2003. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais) - Instituto de Geociências, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2003.
  • TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.
  • TUAN, Y. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: Difel, 1980.
  • TUAN, Y . Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel , 1983.
  • VALLEJO, L. R. Políticas públicas e conservação ambiental: territorialidades em conflito nos Parques Estaduais da Ilha Grande, da Serra da Tiririca e do Desengano (RJ). 2005. Tese (Doutorado em Geociências) - Instituto de Geociências, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005.
  • WATSON, A. E. Wilderness use in the year 2000: societal changes that influence human relationships with wilderness. USDA forest service proceedings RMRS, Washington, v. 4, p. 53-60, 2000.
  • WEST, P.; IGOE, J.; BROCKINGTON, D. Parks and people: the social impact of protected areas. Annual Review of Anthropology, Palo Alto, v. 35, p. 251-277, 2006.
  • WORSTER, D. Para fazer história Ambiental. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 198-215, 1991.
  • 1
    Em 2009 é instituído o Instituto Estadual do Ambiente com a fusão de três órgãos: Fundação Estadual de Engenharia de Meio Ambiente; Superintendência Estadual de Rios e Lagoas; e Instituto Estadual de Florestas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    01 Maio 2023
  • Aceito
    18 Jul 2023
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas Secretaria da Revista Estudos Históricos, Praia de Botafogo, 190, 14º andar, 22523-900 - Rio de Janeiro - RJ, Tel: (55 21) 3799-5676 / 5677 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: eh@fgv.br