Open-access Erros de medicação em unidades de pronto atendimento: prontuário eletrônico, barreira eficaz?

RESUMO

Objetivo:  Comparar os erros de medicações de duas unidades de pronto atendimento que possuíam prontuário eletrônico aos de duas unidades que possuíam prontuário convencional manual em uma mesma instituição.

Métodos:  Estudo transversal, retrospectivo, descritivo, que comparou a incidência de erros de medicações e sua classificação, segundo o National Coordinating Council for Medication Error Reporting and Prevention, associado ao uso do prontuário eletrônico e do convencional, em unidades de pronto atendimento de uma mesma instituição por um ano.

Resultados:  Foram observados 88 eventos por milhão de oportunidades nas unidades com prontuário eletrônico e 164 por milhão de oportunidades nas unidades com prontuário convencional. Houve mais erros de medicações nas unidades com prontuário convencional − em 9 das 14 categorias da National Coordinating Council for Medication Error Reporting and Prevention analisadas.

Conclusão:  Com a utilização do prontuário eletrônico, as unidades de pronto atendimento apresentaram menores índices de erros de medicações, contribuindo para melhoria continuada na segurança do paciente.

Descritores: Erros de medicação; Redução do dano; Sistemas computadorizados de registros médicos; Prescrição eletrônica; Serviços médicos de emergência

ABSTRACT

Objective:  To compare medication errors in two emergency departments with electronic medical record, to two departments that had conventional handwritten records at the same organization.

Methods:  A cross-sectional, retrospective, descriptive, comparative study of medication errors and their classification, according to the National Coordinating Council for Medication Error Reporting and Prevention, associated with the use of electronic and conventional medical records, in emergency departments of the same organization, during one year.

Results:  There were 88 events per million opportunities in the departments with electronic medical record and 164 events per million opportunities in the units with conventional medical records. There were more medication errors when using conventional medical record – in 9 of 14 categories of the National Coordinating Council for Medication Error Reporting and Prevention.

Conclusion:  The emergency departments using electronic medical records presented lower levels of medication errors, and contributed to a continuous improvement in patients´ safety.

Keywords: Medication errors; Harm reduction; Medical records systems, computerized; Electronic prescribing; Emergency medical services

INTRODUÇÃO

O erro de medicação (EM), de acordo com o National Coordinating Council for Medication Error Reporting and Prevention (NCC MERP), é o uso equivocado ou mesmo a não administração de uma medicação que tenha por resultado o dano ao paciente (independente da gravidade).(1)

Os eventos podem estar ligados à prática profissional, aos produtos para o cuidado à saúde, aos procedimentos médicos e, finalmente, aos sistemas de prescrição. Pode haver erros em itens da prescrição, na comunicação da prescrição, no rótulo do produto, na embalagem e nomenclatura da medicação, na composição, na distribuição, na administração, na educação dos profissionais e na supervisão do uso da medicação.(1)

Conforme divulgado pelo Center of Disease Control and Prevention (CDC), somente nos Estados Unidos, em 2012, os eventos relacionados ao EM foram responsáveis por mais de 700 mil atendimentos de emergência e 120 mil internações, com gasto estimado de mais de US$ 3,5 bilhões, dos quais cerca de 40,0% foram eventos evitáveis.(2) Com o desenvolvimento de novas medicações e com o envelhecimento da população, esses números podem crescer ainda mais.(2,3)

A utilização do Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP) atua como ferramenta de apoio à administração de medicamentos. Há hipótese de que o PEP atue na prevenção de falhas, com potencial de checagem de todo processo, desde a inserção de um item na prescrição até sua administração. Qualquer sistema que aumente a fiscalização e checagem de cada um desses passos tem o potencial de melhora na segurança do paciente, independente da complexidade da solução tecnológica adotada nesse processo.(47)

Estudos avaliaram o uso de prescrições eletrônicas com o intuito de minimizar EM, tendo sido realizados em diversos ambientes hospitalares, porém a maioria envolveu metodologias não controlados ou usou grupo controle não equivalente à casuística analisada.(810) Nosso hospital possui quatro unidades de pronto atendimento (UPAs) separadas fisicamente, que nos permitiram desenvolver um estudo clínico controlado.

OBJETIVO

Analisar, de forma controlada, a administração de medicação aos pacientes das quatro unidades de pronto atendimento de uma mesma instituição, sendo que em duas delas era utilizado o Prontuário Eletrônico do Paciente e nas outras duas, o prontuário convencional manual.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo transversal, retrospectivo, observacional que comparou o EM em dois cenários de uma mesma instituição: o uso de PEP e de prontuário convencional manual. Foram analisados todos os casos notificados de EM, no período de 1 ano. O estudo foi avaliado pelo Comitê de Ética e Pesquisa institucional, número do parecer 452.994, CAAE: 20182113.7.0000.0071.

Os EM foram reportados em todas as UPA inseridas no estudo. As duas UPA que utilizavam rotineiramente o prontuário convencional foram denominadas unidades 1 e 2, e as outras duas que utilizavam PEP foram chamadas unidades 3 e 4. Essas UPA são fisicamente independentes, em diferentes regiões da cidade de São Paulo (SP), mas sob gestão, administração e coordenação de equipes semelhantes, com capacitação e orientação de protocolos organizacionais idênticos.

A similaridade da população que frequentou as quatro UPA foi pontuadas pela queixa principal do paciente na admissão da UPA e a produtividade das unidades, ou seja, pacientes por médico, enfermagem e farmacêutico da UPA.

Foram incluídos todos os casos notificados por meio do sistema eletrônico de registro de eventos do hospital e devidamente investigados pela área responsável. Foram excluídas as notificações iniciais de EM que não se confirmaram como sendo um EM na investigação da causa raiz

Para avaliar os eventos adversos comparamos o número de EM por milhão de oportunidades (DPMO). Comparamos essas ocorrências entre os dois grupos. A fase do processo em que ocorreu a falha que levou ao EM e sua gravidade foi categorizada conforme o NCC MERP(1) e é apresentada no tabela 1.

Tabela 1
Classificação do National Coordinating Council for Medication Error Reporting and Prevention (NCC MERP)

A taxa de EM foi calculada a partir da razão entre o número de EM notificados pelo total de pacientes elegíveis no período em cada instituição, multiplicando-se o valor obtido por 1 milhão, de modo que foi mensurada em DPMO. Os tipos de EM e diagnósticos foram descritos por frequência absolutas e percentagens. A comparação entre os grupos quanto às taxas de erros foi feita de forma descritiva, calculando-se o total de EM no período estudado, e de forma inferencial, comparando-se a taxa mensal de EM, em cada grupo, por meio do teste não paramétrico de Mann-Whitney.

RESULTADOS

A comprovação da similaridade entre as diferentes UPA foi pontuada por meio da análise do tipo de doença tratada em cada uma delas (Tabela 2).

Tabela 2
Perfil das unidades em relação à Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10)(11)

As unidades apresentaram o mesmo perfil de complexidade dos pacientes. A carga de trabalho por profissionais da saúde (médico, enfermagem e farmacêutico) em cada UPA é apresentada na tabela 3.

Tabela 3
Carga de trabalho por classe funcional

A unidade 2 teve maior número de pacientes atendidos no período e por farmacêutico/mês, e a unidade 4 teve maior número de pacientes por médico e por enfermagem. A distribuição dos eventos de EM notificados de acordo com a classificação NCC MERP no período de 12 meses é apresentada na tabela 4.

Tabela 4
Eventos de erro de medicação notificados, de acordo com a National Coordinating Council for Medication Error Reporting and Prevention (NCC MERP) no período de 12 meses

Observamos um maior número de EM nas unidades com prontuário convencional do que nas com PEP (33 versus 11, respectivamente). O número de pacientes atendidos em unidades com prontuário convencional foi maior que PEP.

Nas unidades que trabalhavam com prontuário convencional, o tipo de medicamento, a dose e a administração em indivíduos alérgicos foram os EM mais frequentes e, nas unidades com PEP, os EM mais comuns foram aqueles relacionados a preparo/manipulação, paciente errado, via errada e técnica de administração errada.

DISCUSSÃO

A prevenção dos EM depende de processos implantados na cultura profissional e de sua monitorização, auxiliando no controle desses eventos. A metodologia mais utilizada para tal é a dos “5 certos”, modificada para “9 certos”, que tem como fundamento a checagem antes da administração: do medicamento, do paciente, da via de acesso, da dose, e da hora correta − além dos quatro itens adicionais: tempo, abordagem, validade e registros correto.(4)

Em relação à produtividade por classe funcional, o número de atendimentos em UPA que utilizavam prontuário convencional foi maior que em UPA que utilizavam PEP, ou seja, tiveram também maior possibilidade de EM, o que pode ter influenciado na sua maior ocorrência, quando comparada com PEP. Entretanto, o número de pacientes por unidade é acompanhado também por uma maior capacidade de recebê-los, com maior equipe de enfermagem para administração dos medicamentos, conforme verificado na produtividade de cada UPA. Levando em consideração que as equipes de todas as UPA foram selecionadas e preparadas da mesma forma, e que seguem os mesmos protocolos de segurança, as UPAs com PEP tiveram incidência notadamente menor de eventos, o que pode sugerir que a implementação de PEP nas outras unidades ajudaria na redução de EM.

O uso do PEP é amplamente reconhecido como componente que facilita o acesso da equipe multidisciplinar a informação do paciente, o que contribui para a melhora da comunicação entre esses profissionais, ajuda na decisão clínica e melhora a aderência ao uso de algumas medicações primordiais a certas situações clínicas.(10)

Está também relacionada à segurança do paciente, pois permite melhor qualidade de informação e maior farmacovigilância, devido à rastreabilidade permitida pelo sistema.(8) Em revisão sistemática, identificaram-se publicações que evidenciam a melhora efetiva do tempo gasto por enfermeiros para registro dos procedimentos em prontuário. Quando o equipamento fica disponível à beira do leito, o tempo é reduzido em 24,5%, porém quando centraliza numa central ficou em 23,5%.(9)

Conforme descrito em literatura, as unidades com PEP (3 e 4) demonstram índices de EM menor em relação às unidades de uso do prontuário convencional (1 e 2), apesar de estatisticamente não significativos (p=0,773), o que pode ser justificado pelo baixo número de EM, que diminuiu a relevância estatística deste dado.

Uma das ferramentas que o sistema do PEP disponibiliza é relacionada aos alertas de segurança em diferentes passos da prescrição, separação e administração da medicação, semelhante aos resultados obtidos em instituições australianas com a implementação do PEP.(8,10)

É possível perceber que os EM, quando presentes nas unidades com PEP, estão relacionados, em geral, a preparo/manipulação do medicamente, paciente errado, via errada e técnica de administração de medicamento segundo a classificação da NCC MERP,(1) que são erros relacionados à atenção do profissional de saúde com os procedimentos de administração de medicamentos.

Já nas unidades de prontuário convencional, os EM são mais frequentemente associados a medicamento errado, dose errada, história prévia de alergia, tipos de EM mais relacionados com a legibilidade de prescrição e seu preenchimento incompleto, sendo o mais crítico a ausência da informação sobre alergia a medicamentos. Esse tipo de erro pode ser bloqueado por sistema eletrônico digital gerenciado por farmacêuticos. Esses profissionais podem bloquear ou alertar que fora prescrito com via de administração ou dose errada, além notificar o prescritor do erro cometido,(12,13) exigindo a correção da prescrição antes de sua liberação. Além disso, é obrigatória a verificação de alergias e do peso do paciente, para maior segurança do processo de administração de medicação.

Neste estudo, os erros adversos relacionados ao uso de medicamentos estiveram mais presentes na faixa etária de zero a 9 anos de idade, semelhante ao evidenciado em estudo americano.(8) Não houve casos identificados de pacientes idosos, apesar de apresentar frequentemente o uso de diversas medicações e, com isso, existirem mais chances de erros.(14,15) Análises mais robustas com maior número de pacientes e eventos necessitam ser realizadas para mostrar que o PEP contribui para a melhoria continuada da segurança do paciente.

CONCLUSÃO

A utilização do Prontuário Eletrônico do Paciente nas unidades de pronto atendimento, para este estudo, esteve associada a menores índices de erros de medicações.

Referências bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    03 Out 2017
  • Aceito
    28 Dez 2018
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