Open-access Implantação de estratégia de rateio para identificação do custo em clínica multidisciplinar

RESUMO

Objetivo  Apresentar a implantação de uma estratégia de rateio proporcional às áreas produtivas de uma clínica multidisciplinar, definindo valores mínimos a serem repassados mensalmente aos profissionais de saúde que as ocupam.

Métodos  Estudo da estrutura da clínica, no qual foi definida, em metros quadrados, a área de ocupação de cada serviço. Em seguida, o custo foi rateado, alocando um valor a cada sala, proporcional ao espaço ocupado.

Resultados  A implantação do rateio possibilitou aos gestores da clínica estudada visualizar o custo de cada sala, fornecendo uma base de valor para formação de um valor mínimo necessário a ser repassado mensalmente para cada profissional, como forma de pagamento pelo aluguel de utilização de suas instalações.

Conclusão  Minimizou-se o risco de prejuízo da clínica pela variação de sua produtividade, bem como ficaram claras as condições de repasse no momento de contratação do aluguel pelos profissionais, promovendo maior confiança e segurança na relação contratual.

Gestão em Saúde; Custos e análise de custo; Alocação de custos; Instituições de assistência ambulatorial/economia; Estratégias

ABSTRACT

Objective  To present the implementation of an apportionment strategy proportional to the productive areas of a multidisciplinary clinic, defining the minimum values to be passed monthly to health professionals who work there.

Methods  A study of the clinic structure was carried out, in which the area of occupation of each service was defined. Later the cost was prorated, allocating a value to each room, proportional to the space occupied.

Results  The apportionment implementation allowed the clinic managers to visualize the cost of each room, providing a value base for formation of a minimum amount necessary to be passed monthly to each professional, as a form of payment for rent of using their facilities.

Conclusion  The risk of financial loss of the clinic was minimized due to variation of its productivity, as well as the conditions of transference at the time of hiring by professionals were clear, promoting greater confidence and safety in contract relations.

Health Management; Costs and cost analysis; Cost allocation; Ambulatory care facilities/economics; Strategies

INTRODUÇÃO

Nos últimos 30 anos, a administração debruçou-se sobre o desenvolvimento e o aprimoramento das teorias de custos. Já no início do século XX, Taylor e Ford foram perspicazes ao apontarem a importância do aumento da produtividade do trabalhador e da redução de poros do trabalho.1 Inicialmente, os administradores profissionais focaram no aumento da produtividade via inovação tecnológica, derivando daí o rápido desenvolvimento da cibernética e das ciências computacionais.2 No entanto, com a crise do petróleo e a reestruturação da cadeia produtiva nas décadas de 1970 e 1980,3 ficou evidente a necessidade de aumentar a produtividade do trabalhador por meio da redução de custos.

Entende-se por custo um “gasto relativo a bem ou serviço utilizado na produção de outros bens ou serviços”.4 Para Nascimento,5 “custo é o somatório dos bens e serviços consumidos ou utilizados na produção de novos bens ou serviços, traduzidos em unidades monetárias”. Para Abbas,6 “custo representa o valor dos bens e serviços consumidos na produção de outros bens ou serviços”. Primeiramente, foram as indústrias que passaram pelo processo de apuração de custos, seguidas pelo agronegócio e, finalmente, pelo setor de serviços. Ainda que na atualidade as grandes organizações tenham o custo direto e indireto de seus processos de trabalho apurados, em empresas familiares isto ainda não é regra e tem se expandido aos poucos.

A clínica objeto de estudo deste relato está situada no município de Arapiraca (AL), reconhecido como principal cidade do interior do Estado. Em 2016, contava com aproximadamente 220 mil habitantes e destacava-se como importante centro comercial da região agreste, onde localizava-se a segunda região metropolitana mais importante do Estado, composta por 20 municípios, da qual era referência, influenciando diretamente uma população de aproximadamente meio milhão de habitantes.

A clínica ficava no centro da cidade, local de fácil acesso a transportes públicos e com concentração de comércios. Sua estrutura era composta por diversos serviços, desde consultórios médicos a salas para exame de audiometria, coleta de exames laboratoriais, procedimentos, fisioterapia e realização de exames de ultrasonografia.

A clínica foi criada com a intenção de atender a demanda de pacientes que não possuíam planos de saúde e nem poder aquisitivo para pagamento de procedimentos particulares, embora tivessem condições financeiras para arcar com com valores mais acessíveis, realizando inclusive pagamento imediato. Este tipo de negócio tem se mostrado bem competitivo na região e despertado o interesse dos profissionais de saúde, que requerem um ambiente confortável e seguro para atendimento de seus pacientes, sem a necessidade de montar um consultório particular. Para tal, fazem parcerias com clínicas que apresentam este perfil para prestarem seus serviços.

Desde a fundação, os gestores estabeleceram como forma para pagamento pelo uso da estrutura da clínica um percentual do valor do atendimento realizado pelo profissional. Este valor era utilizado pelos gestores da clínica para pagamento dos custos para funcionamento da estrutura. Entretanto, à medida que a clínica iniciou suas atividades, percebeu-se que o valor repassado, proveniente dos atendimentos, era insuficiente para suprir os custos da clínica, além de ser muito variável, pois dependia diretamente do volume de atendimento de cada profissional.

Em saúde, não é incomum o pagamento por produção − até mesmo o Sistema Único de Saúde (SUS) já o fez logo após sua implementação.7 Este sistema de pagamentos apresenta a clara desvantagem de produzir risco moral e reduzir o incentivo ao empresário, uma vez que a produção não está diretamente sob seu controle. No caso da clínica em questão, os retornos médicos às consultas clínicas podem conjecturar risco moral, pois não são tarifadas, o que faz com que o paciente tenha um incentivo a retornar mais frequentemente do que necessário, aumentando, desta maneira, o custo da clínica.

Com o intuito de corrigir o problema, foi adotada a implantação de um modelo de rateio considerando os metros quadrados de ocupação de cada serviço. A clínica foi dividida em áreas denominadas produtivas e as demais chamadas áreas de apoio. Foi realizado o levantamento dos custos totais da clínica do período de um semestre e, com base nestes valores, chegou-se ao valor médio mensal dos custos da clínica, que foi utilizado como um valor inicial para negociação com os profissionais que alugam as salas, após a divisão do valor proporcionalmente à área utilizada pelos diversos serviços instalados na clínica.

OBJETIVO

Apresentar a implantação de uma estratégia de rateio proporcional às áreas produtivas de uma clínica multidisciplinar, definindo valores mínimos a serem repassados mensalmente aos profissionais de saúde que as ocupam.

MÉTODOS

As estratégias de pesquisa utilizadas para realização deste trabalho foram: pesquisa bibliográfica, com revisão de literatura para fundamentação teórica dos conceitos; e pesquisa-ação, definida como “um tipo de investigação participante que tem como característica peculiar o propósito de ação planejada sobre os problemas detectados”.8

Ao avaliar o retorno financeiro que os profissionais repassavam por seu volume de atendimento para pagamento da estrutura, os gestores perceberam que os valores não supriam os custos da clínica, sendo necessário encontrar uma forma de definir um valor para cada espaço, de forma a garantir à clínica o recebimento de um valor mínimo para pagamento de seus custos, eliminando a possibilidade de prejuízos.

Assim, foi realizado o levantamento dos custos e despesas da clínica, com o objetivo de compor o custo total e identificar o valor a ser rateado entre os setores. Foram considerados os custos e despesas, fixos e variáveis, tanto diretos como indiretos. Como existe uma pequena variação do valor do custo total em meses diferentes, foi determinado o valor deste custo utilizando como base a média dos custos do semestre anterior, ou seja, o custo estimado, definindo como “fixado com base em valores realizados do exercício anterior e quantitativos de produção e vendas estabelecidos”.5

O custo de produção do serviço foi determinado pelo método de custeio por absorção, que imputa ao produto final ou à produção todos seus custos variáveis diretos somados aos custos indiretos e fixos.5 Dada a natureza intangível dos serviços, o método de custeio por absorção pareceu mais adequado.9 O método de alocação de custos utilizado foi o método direto, que tem como característica a alocação dos custos diretamente aos serviços operacionais, ignorando os serviços prestados por um departamento a outro.10 A utilização do metro quadrado como unidade para alocação de custos em rateios é, em geral, adotada como critério para rateio do valor do aluguel entre os ocupantes de um prédio e o rateio por hora utilizado para alocar custos de mão de obra.5

Nesta composição, os custos de infraestrutura e despesas fixas, como valor do aluguel do prédio, contratos dos serviços terceirizados de segurança e serviços de informática, dentre outros, foram considerados para compor o rateio por metro quadrado. Os custos e as despesas variáveis, como as contas de água, energia elétrica, telefone e as despesas de materiais de escritório e materiais de limpeza, dentre outras, compuseram o rateio por hora de ocupação. Ainda considerando os custos variáveis, estão as despesas com pessoal, que deve ser rateada por hora de utilização da estrutura.4,11 Os valores de depreciação dos equipamentos médicos foram alocados apenas às salas nas quais eles estavam localizados. Com a formação de um histórico de 6 meses do custo total da clínica, foi calculada a média destes custos, com o intuito de identificar um valor médio de custos que serviu como base para o rateio. Vale ressaltar que este trabalho não detalhou as contas que compunham estes custos, pois seu objetivo principal foi apresentar o rateio.

Após a formação do custo total, foi realizada uma análise da estrutura física da clínica, que foi dividida em áreas de apoio e áreas produtivas. Constituíram as áreas de apoio: duas salas de espera e dois banheiros para clientes; área para funcionários, composta por vestiários, banheiros e copa; área administrativa, composta por almoxarifado e sala da administração; área para guardar materiais de limpeza e para descarte de lixo. Foram definidas como áreas produtivas: oito consultórios; sala de ultrassonografia; sala de fisioterapia; sala de audiometria; sala de coleta para laboratório; e sala de procedimentos (utilizada para curativos e pequenos procedimentos cirúrgicos). Dentre os oito consultórios, um era específico para atendimento da equipe de psicologia.

Após o reconhecimento da estrutura física, foi avaliado o espaço físico que cada setor ocupava, por meio do estudo da planta baixa do prédio. Foi realizada a medida de cada sala produtiva em metros quadrados. Como próxima etapa, por meio do método direto de alocação de custos, foi calculado o valor de cada sala, com base no custo total da clínica, identificado anteriormente. A área de apoio não foi considerada para alocação dos custos, já que eram áreas comuns, utilizadas pelos clientes e funcionários da clínica de forma geral, devendo ser absorvida pelos setores produtivos, pois faziam parte da estrutura composta para prover seu atendimento. Assim, foi elaborada uma planilha que apresentou a área total da clínica e sua divisão entre as demais áreas, bem como seu percentual de representatividade em relação à área total. Com base nesta divisão, foi rateado o valor do custo total da clínica, atribuindo a cada setor o valor de custo da sala, considerando o percentual de área ocupada na clínica.

RESULTADOS

A avaliação da planta baixa do prédio e a divisão das áreas por metro quadrado permitiram identificar que a área de apoio ocupava 204,46m2, que representavam 62% da área total de estrutura física da clínica. Os demais 123,06m2 compunham o restante da área da clínica e representavam 48% da área denominada produtiva, sobre a qual foi aplicado o rateio (a área de apoio foi entendida como parte da estrutura alugada para atendimento).

Ao realizar a divisão das áreas, percebeu-se que a maioria das salas possuía 10m2 em média − ou 3% quando considerou sua representatividade em relação à área total da clínica. Tomando que somente as áreas produtivas eram relevantes para o cálculo do rateio, sua representatividade passou a 9% da área. As menores áreas estavam alocadas no consultório da psicologia e na sala de procedimento.

Interessante notar a importância das áreas de apoio na estrutura da clínica − neste caso 62% da área total construída (Tabela 1). Tal fato não ocorre somente em clínicas multidisciplinares e pode ser extrapolado para muitos segmentos do setor de serviços. Os serviços são basicamente caracterizados pela indivisibilidade entre consumo e produção, vez que ambos ocorrem simultaneamente. Porém, para que isto seja possível, é preciso haver uma estrutura física que permita a execução do serviço, sendo esta a principal função da área de apoio.

Tabela 1
Rateio por metro quadrado de área produtiva em clínica multidisciplinar

Na apresentação da alocação dos custos rateados por hora de produção, identificou-se que o valor total dos custos de serviços (R$ 22.653,33) representou um montante 127% superior ao valor total dos custos rateados por metro quadrado (R$ 9.960,00) (Tabela 2).

Tabela 2
Rateio por hora de produção

Quando voltamos nossa atenção para o rateio dos custos indiretos por área produtiva, observamos como valor mínimo R$ 1.106,34 e como valor máximo R$ 3.162,56 (Tabela 2).

Já o valor de custo das salas variou entre R$ 2.300,00 e R$ 4.600,00 por mês (Tabela 3). Ao detalhar ainda mais este cálculo, foram encontrados os valores por dia e por hora, facilitando os cálculos para apresentação de valores aos profissionais interessados em alugar os espaços para prestar seus serviços, já que os mesmos costumavam alugar as salas por hora de atendimento.

Tabela 3
Custo de sala por hora de utilização

DISCUSSÃO

Na área de saúde, a análise de custos torna-se complexa, devido à diversidade de tipos de paciente, atendimento, abordagem ou mesmo tratamento a ser adotado para cada paciente, que varia de acordo com idade, sexo e condições básicas de saúde.12

Havia a ideia de que os profissionais, ao trabalharem por produção, teriam o interesse em atender muitos pacientes, aumentando seu ganho e, consequentemente, o repasse do percentual destinado à clínica. Entretanto, esta realidade não se confirmou na clínica em estudo, pois os profissionais atendiam em diversos lugares e, como não existia um valor mínimo a ser repassado, percebeu-se não haver preocupação por parte dos profissionais quando não tinha demanda na clínica, já que os mesmos não teriam de repassar à mesma qualquer valor relacionado ao período em que a sala ocupada ficaria ociosa, podendo então dedicar-se a outras atividades.

Dentre os resultados encontrados neste estudo, a grande diferença de valor entre o os custos rateados por hora de produção e os custos por metros quadrados pode ser atribuída ao fato de o custo de pagamento da folha de funcionários compor o valor superior, pois o custo de pagamento da folha representava 46% do valor do custo total da clínica. Esta relação com o alto valor do pagamento dos profissionais pode ser observada em pesquisa de comparação de custos entre duas modalidades de unidades de saúde para cuidados com recém-nascidos realizada por Entringer et al.,13 que identificaram representatividade de 77 e 78% do pagamento de funcionários sobre os custos identificados para os serviços prestados.

No rateio dos custos indiretos por área produtiva, o maior valor foi praticamente o dobro do custo médio e só se justificou pela decisão administrativa do dono da clínica em manter um consultório maior para si mesmo, a despeito da oneração que isto pudesse causar.

Os valores encontrados neste estudo permitiram aos gestores da clínica identificar se os valores calculados como percentual a ser repassado de cada procedimento realizado para o pagamento do aluguel das salas era suficiente para pagamento dos custos da clínica e, assim, manter sua sobrevivência e longevidade. Entretanto as salas precisam ter sua ocupação bastante satisfatória para que gerem um volume de atendimentos suficientes para prover o custo, ou alternativamente o profissional deve se responsabilizar pelo custo do aluguel do espaço, mesmo quando o repasse for menor.

Assim, estas informações forneceram aos gestores maior clareza e argumentos no momento de definição e apresentação das obrigações financeiras dos profissionais, pois, independentemente de sua produção, o profissional contratante tem o conhecimento de uma quantia mínima a ser paga mensalmente, e a clínica, por sua vez, tem a segurança de receber um valor que possibilite se manter em funcionamento e sem prejuízos oriundos da variabilidade do atendimento do profissional de saúde contratante.

CONCLUSÃO

A implantação do rateio apresentado neste artigo possibilitou aos gestores de uma clínica multidisciplinar visualizar o custo de cada sala, fornecendo uma base de valor para formação de um valor mínimo necessário a ser repassado mensalmente para cada profissional, como forma de pagamento pelo aluguel de utilização de suas instalações.

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  • 3 Marques RM. A proteção social e o mundo do trabalho. RAE. 1998;38(1):93-4.
  • 4 Martins E. Contabilidade de custos. 9a ed. São Paulo: Atlas; 2003.
  • 5 Nascimento JM. Custos: planejamento, controle, gestão na economia globalizada. 2a ed. São Paulo: Atlas; 2001.
  • 6 Abbas K. Gestão de custos em organizações hospitalares [tese]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 2001.
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    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/introducao_gestao_custos_saude.pdf
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  • 11 Leone GS. Curso de contabilidade de custos: livro de exercícios. 2a ed. São Paulo: Atlas; 2000.
  • 12 Ferreira LN. Custos logísticos hospitalares: um estudo empírico [Internet]. In: IX Congresso Internacional de Custos; 2005 Nov 28-30; Florianópolis (SC); 2005 [citado 2017 Fev 25]. Disponível em: https://anaiscbc.emnuvens.com.br/anais/article/viewFile/1971/1971
    » https://anaiscbc.emnuvens.com.br/anais/article/viewFile/1971/1971
  • 13 Entringer AP, Gomes MA, Pinto M, Caetano R, Magluta C, Lamy ZC. [Cost analysis of hospital care for newborns at risk: comparison of an Intermediate Neonatal Care Unit and a Kangaroo Unit]. Cad Saude Publica. 2013;29(6): 1205-16. Portuguese.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2016
  • Aceito
    12 Jan 2017
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