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Histórias de índios entre assimilação e resistência: O rastro do jaguar

Indian stories of assimilation and resistance: O rastro do Jaguar

Resumo

O artigo analisa a representação do índio na literatura brasileira contemporânea, a partir da leitura de O rastro do jaguar (2009), primeiro romance do jornalista Murilo Carvalho. A obra inscreve-se numa linha ficcional de questionamento da formação histórica da nação. A análise destaca a opção por recuperar a memória histórica de dois povos indígenas, os botocudos e os guarani, confrontando os projetos divergentes das nações indígenas e da nação brasileira.

Palavras-chave:
literatura brasileira contemporânea; alteridade; índio; nação

Abstract

This article analyses the Indian representation in contemporary Brazilian literature, from O rastro do Jaguar (2009), first romance of the journalist Murilo Carvalho. This work is inserted in the fictional line of questioning of the historical formation of the country. The analysis emphasizes the option to recover historical memory of two indigenous peoples, the Botocudos and the Guarani, confronting the divergent projects of indigenous nations and Brazilian nation.

Key words:
contemporary Brazilian literature; otherness; indian; nation

Durante quase cinco séculos, os índios foram pensados como seres efêmeros, em transição: transição para a cristandade, a civilização, a assimilação, o desaparecimento. Hoje se sabe que as sociedades indígenas são parte de nosso futuro e não só de nosso passado.

Manuela Carneiro da Cunha

A contribuição inovadora do primeiro romance do jornalista Murilo Carvalho à literatura brasileira contemporânea, O rastro do jaguar, agraciado com o prêmio Leya 2008, deve-se à escolha temática em revisitar aspectos da história dos índios no Brasil. A obra inscreve-se numa linha ficcional de questionamento da formação histórica da nação, optando por recuperar a memória histórica de povos indígenas, normalmente ignorada nas diversas tentativas de interpretação do país, seja devido ao desconhecimento da mesma, apesar dos esforços recentes de historiadores brasileiros que se dedicam ao assunto, seja pela preponderância de uma visão etnocêntrica que considera os povos indígenas como “sociedades ‘frias’, sem história”, visão contra a qual Manuela Carneiro da Cunha se insurge (Cunha, 1992CUNHA, Maria Manuela (Org.) (1992). A história dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal de Cultura/Fapesp. p. 413-30., p. 11). Assume, dessa forma, uma função ética ao restituir parte do passado histórico dos índios no Brasil, esforçando-se por desvelar uma visão de mundo que continua a nos interpelar no tempo presente.

Entrelaçando a história da formação da nação brasileira com as das nações indígenas, Murilo Carvalho expõe as relações de força que determinam a construção de projetos identitários antagônicos. A opção pelo gênero do romance histórico, colocando em cena a Guerra do Paraguai, confere uma dimensão continental ao embate dos povos indígenas, ao representar os conflitos que opõem os Guarani - que ocupavam os territórios colonizados por portugueses e espanhóis no sul do continente - aos Estados-nações sul-americanos emergentes (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai). Além da Guerra do Paraguai, o romance enfoca outras guerras que a versão oficial da história ignora, mas que foram determinantes no processo de deslocamento, assimilação e destruição de povos indígenas, como os conflitos que opõem os Guarani aos colonos e gaúchos do vale de Iguariaçá e as batalhas travadas pelos Botocudos, no vale do Jequitinhonha, vítimas da violência da expansão da ocupação territorial, desde os primórdios da colonização.

A figuração do contato entre os universos do branco e do índio está assentada no choque entre duas sociedades humanas que possuem sistemas culturais e práticas sociais diversas. Mas se a obra reconhece o direito às especificidades de cada uma dessas sociedades, ela toma posição em favor dos povos indígenas, vítimas da ideologia do progresso e do olhar etnocêntrico característicos do modelo ocidental que busca integrá-los à força ou exterminá-los, recusando-se a reconhecer a autonomia e a alteridade da cultura desses povos. Para se contrapor ao discurso unitário dos colonizadores e das elites brasileiras que procederam a uma confiscação da história dos povos indígenas, a narrativa reescreve parte dessa história relacionando-a com aspectos fundamentais do seu sistema de valores, adotando uma visada simultaneamente histórica e antropológica. Esse tipo de procedimento torna palpáveis as interrelações que se estabelecem entre a cosmogonia dos índios e suas escolhas históricas, como se pode observar, por exemplo, através do mito guarani da “Terra sem Mal”.

Mas o romance não se detém exclusivamente na cosmogonia indígena, pelo contrário, percorre também elementos da cosmogonia cristã, explorando as convergências possíveis. Pretende com isso chamar a atenção para os arquétipos partilhados pela humanidade, para além das expressões particulares que eles possam assumir em determinadas culturas. Assim, o profetismo bíblico judaico-cristão é colocado em paralelo com o profetismo religioso dos Guarani, para lembrar que na base dos mitos da Terra Prometida e da Terra sem Males existe uma experiência comum de luta pela posse da terra, partilhada por povos condenados à errância pelas estruturas violentas de dominação. A palavra profética, anunciando o destino trágico do homem ou prometendo-lhe a salvação, perpassa a obra. As referências à exterminação avivam a memória de tempos imemoriais, estabelecendo relações entre profecia e história. Este aspecto constitui um dos eixos estruturadores da narrativa na medida em que possibilita articular os elementos da diégese ao discurso reflexivo do narrador que vai costurando as relações entre passado, presente e futuro ao tempo em que introduz uma perspectiva metadiscursiva que interroga o processo de construção do sentido pela linguagem.

O fio da memória, os tempos da história

Tomando como ponto de partida os profetas representados por Aleijadinho no ádrio da Igreja de Matosinhos, em Congonhas do Campo, o narrador transforma-os em leitmotiv para a construção do texto romanesco num complexo processo de interpenetração de histórias, espaços e tempos:

Caminho devagar entre estes meus velhos conhecidos; leio nas mãos de Nahum dura profecia: a condenação de Nínive, a destruição da Assíria, reinos perdidos que a história engoliria - o fim do medo, o fim do incompreendido. Expono Ninivem Maneat quae poena relapsam, evertendam aio funditus Assyriam. Era necessário reduzir a Assíria a pó, pisá-la e depois sacudir as sandálias para que nunca mais ousasse existir, nem sua poeira, nem sua lembrança; assim se constroem as nações: sobre os escombros de outras nações derridas; assim, nesta América, os impérios e repúblicas se multiplicaram sobre os restos destruídos de tantos índios. Os botocudos foram apenas mais um povo esmagado para que a nação brasileira surgisse, e sua destruição pequeno incidente na engrenagem da história. Sua memória aos poucos desaparecerá no magma denso do povo renovado, mescla de sangue de vitoriosos e derrotados. (Carvalho, 2009CARVALHO, Murilo. (2009). O rastro do jaguar. São Paulo: Leya., p. 157)

Ao reinterpretar a cosmogonia cristã, a obra empenha-se em mostrar as ligações intrínsecas que a mesma mantém com as tradições pagãs presentes no imaginário popular. Nesse sentido, o reaproveitamento temático da ópera de Wagner, Tannhäuser, “duro mito do homem puro que é obrigado a lutar contra a mais fera das paixões” (id., p. 117), é bastante significativo de um projeto literário que se alimenta de uma aura romântica. O título do primeiro capítulo do romance, “O coro dos peregrinos”, faz alusão à abertura da ópera que evoca a marcha dos peregrinos a caminho de Roma, aproximando-a da marcha dos Guarani a caminho da “Terra sem Mal”. A ficção realiza um amplo diálogo com as produções literária e musical do século XIX, brasileira e europeia, em particular no que diz respeito ao reaproveitamento dos mitos e lendas populares para a fundação de uma cultura nacional. Esse procedimento fica evidenciado nas referências à ópera Tannhäuser de Wagner e à tradição indigenista brasileira, revisitada através dos poemas de Gonçalves Dias que encenam o massacre e a resistência dos índios. Mesclando cultura popular e erudita, mitos da cultura ocidental e indígena, relatos de viagem ao Brasil, como os de Saint’Hilaire, confrontando imagens do Velho e do Novo Mundo, o romance se constrói como um palimpsesto numa reescrita incessante de múltiplos e diversos textos com o fim de interrogar o sentido da relação entre o homem e o mundo, para além das fronteiras culturais, espaciais e temporais.

A vertente historicista da obra inspira-se na tradição romântico-realista do romance histórico do século XIX, atualizando-a através de estratégias ficcionais de recuperação da memória histórica que problematizam o modo de contar a história, abrindo espaço para atores sociais indígenas e seus movimentos de resistência. O autor dedica quatro anos para escrever as mais de quinhentas páginas dessa narrativa, apoiando-se num amplo trabalho de pesquisa. Enquanto repórter, Murilo Carvalho possui uma larga experiência das questões indígenas no Brasil dos últimos trinta anos. Opta, no entanto, por distanciar-se da atualidade dos fatos e ancorar a história ficcional no século XIX, período crucial para a constituição dos Estados-nações sul-americanos, com ênfase nas consequências desse processo para as populações indígenas. A perspectiva histórico-memorialística assumida pela obra, reveladora de episódios expulsos da história oficial, introduz, no presente, novas versões do passado que possibilitam melhor compreensão das sociedades indígenas de agora. Ao assumir a tarefa de desvelar essa história ocultada, o romance inaugura uma forma de representação do índio enquanto sujeito histórico, retirando-o da esfera exclusivamente mítica para introduzí-lo na “nossa” história, projetando um novo lugar para a alteridade ameríndia no imaginário social brasileiro.

O presente da narrativa situa-se na virada do século XIX para o XX. Na abertura da trama romanesca, encontramos o narrador-personagem Pereira, aos 65 anos, em Congonhas do Campo, interior de Minas Gerais, terra de sua mulher Francisca, já falecida. Recolhido num quarto de hotel, Pereira escreve suas memórias. Como no romance O enteado [El entenado] de Juan José Saer (Godet, 2010_______ (2010). “A poética da alteridade e a representação do ameríndio na ficção das Américas (Argentina, Brasil, Quebec)”. In: GODET, Rita Olivieri (Org.) Ecriture et identités dans la nouvelle fiction romanesque. Rennes: Presses Universitaires de Rennes.), o presente do narrador, homem maduro, é marcado pela reflexão e pela solidão da escrita. Através do relato, ele busca reviver suas lembranças e reinterpretar a história, tanto pessoal quanto coletiva, num constante questionamento do ato de escrever voltado para a reconstrução do passado. O plano narrativo ancorado no passado abrange basicamente a segunda metade do século XIX. Nele, Pereira, de origem portuguesa, naturalizado francês, jornalista do Le Figaro, vem ao Brasil para a cobertura da Guerra do Paraguai. Pereira viaja em companhia de seu grande amigo Pierre de Saint’Hilaire, um índio Guarani em busca de suas origens, levado para a França pelo cientista Auguste de Saint’Hilaire1 1 O botânico e explorador francês Auguste de Saint’Hilaire (1779-1853) viajou pelo Brasil, percorrendo o sul e o centro do país entre 1816 e 1822. Na sua viagem ele se fez acompanhar pelo caboclo Firmiano. O romance transforma Firmiano em personagem, reservando-lhe um outro destino. Ele irá para a França com Saint’Hilaire e se tornará uma espécie de assistente do botânico. Pierre também, segundo a trama romanesca, será levado pelo botânico. Entre as publicações do botânico destacam-se relatos que descrevem as regiões do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais que serviram de inspiração a Murilo Carvalho para a construção do seu romance: Province de S. Pedro de Rio Grande do Sul, au Brésil (1 volume, Paris, Pihan de la Forest, 1823) e Voyage dans les provinces de Rio de Janeiro et de Minas Geraes (2 volumes, Paris, Grimbert et Dorez, 1830). . Pierre, um ex-soldado de Napoleão e um músico apaixonado por Wagner, acreditava ter origens asiáticas. Descobre sua identidade indígena através de uma carta de Firmiano, índio botocudo levado para a França por Saint’Hilaire para ser seu assistente. Por sua vez, Firmiano, que nunca retornou a sua terra, deseja obter notícias de seu povo. A viagem ao Brasil se organiza então em duas etapas: a primeira inicia-se na Baía de Todos os Santos, atravessando o sertão baiano em direção ao vale do Jequitinhonha, em busca dos remanescentes dos botocudos; a segunda etapa constitui na ida para o sul, trilhando os caminhos dos Guarani, em plena Guerra do Paraguai.

A trama romanesca explora o cruzamento entre história e ficção, costurando habilmente personagens e fatos históricos com as “variações imaginativas” (Ricoeur, 1983RICOEUR, Paul (1983). Temps et récit I. Paris : Seuil/Points.) instauradas pela narrativa ficcional. Aos poucos, a narrativa de ficção vai desvelando episódios desconhecidos referentes à história dos índios e integrando-os à “grande história”, num esforço de ressignificação do passado que participa igualmente da construção da consciência do presente, no qual o leitor da obra está inserido.

Em O rastro do jaguar, Murilo Carvalho elege o gênero da autobiografia ficcional que lhe permite explorar os deslocamentos temporais e espaciais, em vários planos narrativos, cruzando experiências coletivas e suas repercussões nos itinerários individuais dos personagens. Recupera elementos da literatura de viagem na medida em que a narrativa se espacializa, explorando o Outro e o alhures, propondo simultaneamente um mergulho na paisagem interior dos personagens, para, à semelhança de Viagens na minha terra do escritor romântico português Almeida Garrett, evocar a lembrança de um romance sentimental entre Pereira e Francisca, sua mulher. Descrição, narração e reflexão dão forma aos deslocamentos físicos dos personagens, à rememoração do passado e às divagações do narrador.

O caráter fundamentalmente espacial do romance instaura o confronto entre o ser e o estar no mundo, centrado nas figuras do viajante e do errante. O viajante, Pereira, tem uma origem e um destino, assume voluntariamente a aventura de partir; o errante, o índio, é vítima da violência das travessias impostas. Considerando as nuanças entre errância e nomadismo (Bouvet, 2006BOUVET, R.; CARPENTIER, Alejo; CHARTIER, D. (Orgs.) (2006). Nomades, voyageurs, explorateurs, déambulateurs: les modalités du parcours dans la littérature. Paris: l´Harmattan., p. 35-50), pode-se inferir que, por tradição, os índios botocudos e guarani eram nômades, de certa forma, eles “conheciam” o persurso. O nômade “segue um traçado já conhecido, ou em parte, um itinerário conservado pela memória da tribo” (id., ibid.). O romance destaca essa transformação da relação do índio ao seu meio ambiente, que passa de nômade a errante excluído, ou a sedentário nos aldeamentos forçados, vítima da política de ocupação territorial dos Estados-nações. Ao partir de Paris, com destino ao Brasil, Pierre é um viajante, mas logo essa viagem se transforma numa viagem iniciática em busca de si mesmo; quando finalmente decide incorporar-se a uma tribo Guarani e seguir o destino desse povo, transforma-se em errante, vítima, como eles, da opressão da política de expansão territorial.

A narração de Pereira rememora o processo de descoberta da nova identidade de Pierre e de sua transformação. Para isso, recorre às suas lembranças e às informações obtidas através das cartas de Pierre que ele consegue recuperar. A introdução dessas cartas na narrativa apresenta o ponto de vista de um sujeito, formado pela cultura europeia, tendo sido destituído de sua identidade de origem. A viagem ao Brasil significa para Pierre a possibilidade de conhecer e de fazer a experiência de uma vida que lhe foi roubada. À medida que a viagem avança, Pierre assimila elementos do sistema cultural dos povos indígenas. O leitor mergulha na subjetividade do processo de reelaboração identitária enunciada pelo próprio ator social. Significativo é o fato de o romance inverter o sentido da assimilação que o modelo eurocêntrico historicista impôs. O movimento de reinvenção identitária de Pierre evolui no sentido de sua adesão voluntária aos referentes culturais dos Guarani por identificar-se com o seu povo, contrastando com o processo de assimilação forçada imposta às tribos indígenas.

A guerra da nação brasileira contra os botocudos

A primeira etapa da viagem acompanha o périplo dos índios botocudos2 2 “Os Botocudos, como são mais popularmente conhecidos, pertencem ao tronco linguístico Macro-Jê (Rodrigues apud Paraiso, 1992, p. 49) sendo caçadores e coletores seminômades com uma organização social que se caracteriza pelo constante fracionamento do grupo, pela divisão natural do trabalho e por um sistema religioso centrado na figura dos espíritos encantados dos mortos (os Nanitiong) (Manizer apud Paraiso, 1992, p. 37).” “Sua denominação genérica - Botocudos [conhecidos também como Aimoré] - foi-lhes atribuída pelo uso dos batoques labiais e auriculares.” (Paraiso, 1992, p. 423). , resgatando sua história, apoiando-se, entre outros, nos relatos de Auguste de Saint’Hilaire sobre a região. Na viagem que Pereira realiza com Pierre através do sertão baiano em direção a Minas, na trilha dos botocudos, a desertificação da região os surpreende: “E os índios, onde estavam os índios, que, para nossa surpresa, pareciam ter desaparecido deste país?” (Carvalho, 2009CARVALHO, Murilo. (2009). O rastro do jaguar. São Paulo: Leya., p. 99-100). O primeiro encontro se dá com um grupo de índios migrantes, abandonados a sua própria sorte, vagando pela caatinga, fugindo da seca: “Eram as pessoas mais miseráveis que já havia visto”. A invisibilidade dá lugar à visão macabra de índios “estrangeiros aqui, em sua própria terra, onde desapareciam quietamente sob o sol.” (id., p. 110). A narrativa revela que se trata de um grupo de pankararu, um dos vários subgrupos remanescentes da família dos botocudos na região do sertão do São Francisco. A descrição do espaço e dos viventes transporta o leitor para o sertão de Rosa e de Graciliano, de vazios e de vidas secas, fazendo alusão à miscigenação que se encarregará de transformar os índios em sertanejos, Fabianos (Ramos, 1992RAMOS, Graciliano (1992). Vidas secas. 62. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Record [1938].) famintos e esfarrapados, seres historicamente mutilados, ignorantes de suas origens. A realidade contrasta brutalmente com a imagem romântica que povoava o imaginário de Pierre, alimentado pelo perfil do índio altivo, guerreiro e forte, dos poemas de Gonçalves Dias. Através das cartas escritas por Pierre, grafadas em itálico no texto do romance, a narrativa superpõe o espaço de fora, físico e social, à aventura introspectiva do personagem. Nesse processo de interiorização de sua relação com o espaço, é possível perceber a comoção que se apodera do personagem na viagem que realiza em busca de suas origens. Pierre toma consciência de que o seu devir está ligado a seres humanos condenados ao êxodo forçado, à assimilação e ao desaparecimento, pela marcha da civilização:

Diante de mim não estava apenas um grupo de homens e mulheres miseráveis; estava, sim, toda uma raça, a minha raça, desaparecendo, lentamente consumida por uma civilização incapaz de conviver com a diferença. Estavam morrendo apenas porque eram diferentes e não se prestavam a viver nas cidades imundas, que decerto são os únicos grandes símbolos de nossa civilização. (Carvalho, 2009CARVALHO, Murilo. (2009). O rastro do jaguar. São Paulo: Leya., p. 113)

A obra contempla amplamente uma das guerras que atravessam a segunda metade do século XIX, opondo dois projetos de nações irreconciliáveis, o da nação brasileira emergente e o da nação dos botocudos:

Havia os brasileiros desejosos de construir seu país segundo o modelo herdado dos europeus; precisavam de território para instalar seus colonos, construir suas cidades, abrir estradas, implantar o que consideravam sua civilização. Havia os Botocudos, senhores daquelas terras desde tempos imemoriais, que não aceitavam o tipo de civilização que os brancos europeus julgavam adequada; não compreendiam por que deveriam deixar de viver livres pela mata, sem povoações fixas, sem que tivessem obrigatoriamente, um território delimitado. Para que cultivar roças e criar animais, se bastavam os pequenos campos de mandioca, as frutas que nasciam graciosamente nas árvores, a caça farta, os peixes do rio? De um lado, os brasileiros dispostos a enfiar alma adentro a crença cristã na salvação e no deus único; de outro, os botocudos, que não aceitavam a ideia de que existisse um criador distante das criaturas e que houvesse qualquer necessidade de esse criador vir expiar pecados que os homens, com certeza, não haviam cometido. Irreconciliáveis portanto essas duas nações. (id., p. 187)

O romance reconstitui o percurso histórico dos botocudos, lembrando que no início da colonização, eles recusaram a aproximação dos colonizadores e o aldeamento, refugiando-se cada vez mais no interior até alcançarem as florestas de Minas Gerais. A descoberta do ouro instaura outro período de grandes conflitos. Posteriormente, no século XIX, quando as minas se esgotaram, o processo de migração ao longo dos rios Doce e Jequitinhonha em direção ao mar alcançou os últimos refúgios dos botocudos (id., p. 134-135). O romance se detém nesse período de contatos belicosos que corresponde às últimas lutas de resistência travadas por alguns grupos liderados por caciques rebeldes que não aceitavam o aldeamento. Apropria-se de fatos historicamente comprovados, mas nem sempre presentes na memória3 3 “A ação dos Ottoni encontrou forte resistência no cacique Poton, dos Jiporok, que se recusou a estabelecer contato. Por sua resistência terminou por ser assassinado em Linhares”. (Paraíso, 1992, p. 418). :

O projeto de Teófilo Otoni, um político e empresário que vinha investindo pesado na implantação de colônias agrícolas na região e mesmo na construção de cidades, vilas e estradas, iria progredir facilmente agora; Manhá-Oé estava morto; os botocudos não eram mais um obstáculo. O Império ganhara e poderia embolsar seus lucros. (id., p. 224)

A história do desaparecimento dos botocudos se dá entre resistência e aldeamento. O relato evoca a assimilação forçada da grande maioria deles, o papel nefasto dos aldeamentos que contribuíram para a destruição das relações familiares e de suas tradições, a perda da língua e de referentes culturais quando se dá a integração na população regional. Por outro lado, denuncia a violência da política de expropriação das terras indígenas apoiada numa prática militarista que conduz praticamente ao extermínio dos botocudos. Do ponto de vista da narrativa, a roda da história prenuncia um futuro de derrotas para as nações indígenas, sendo que o futuro projetado pela ficção corresponde ao presente do leitor. Na guerra travada entre esses dois projetos de nações, a nação brasileira vencedora foi construída sobre os escombros de vários povos indígenas, como comprovam trabalhos da historiografia recente e a própria realidade atual. No Brasil de hoje, o que restou dos botocudos que se batiam desesperadamente pela sua autonomia?

O contato com a sociedade nacional provocou a aceleração das mudanças sociais dos grupos botocudos, levando à desagregação socioeconômica e política com graves reflexos na vida da única comunidade de botocudos reconhecida que ainda sobrevive: a dos Krenak. (Paraiso, 1992PARAISO, Maria Hilda (1992). “Os botocudos e sua trajetória histórica”. In: PATERSON, Janet M (2004). Figures de l’Autre dans le roman québécois. Québec: Editions Nota Bene., p. 425)

Os guarani entre a “grande” e as “pequenas guerras”

A segunda etapa da viagem concentra-se na experiência da descoberta de Pierre da região onde nascera e do seu povo Guarani, tendo como pano de fundo a Guerra do Paraguai e os combates travados entre os Guarani e os gaúchos e colonos, no vale de Iguariaçá. O contexto é o da violência e dos massacres perpretados nas diversas guerras, mostrando as consequências nefastas para os índios da região, muitos deles recrutados como combatentes nos diferentes exércitos nacionais durante a Guerra do Paraguai: “uma guerra de miseráveis travava-se ali” (Carvalho, 2009CARVALHO, Murilo. (2009). O rastro do jaguar. São Paulo: Leya., p. 370). Servindo-se da documentação histórica sobre a Guerra do Paraguai, o romance constrói uma representação trágica, encenando a violência extrema, evocando o horror de batalhas, como a de Ñhu Guaçu, na qual os exércitos aliados mataram e queimaram crianças vestidas de soldados, que, no final da guerra, era o que restava das tropas paraguaias. Chama assim a atenção para o extermínio, pelas forças aliadas, do exército paraguaio, composto na sua maioria por índios e descendentes de índios guarani. Mas a novidade na representação literária da Guerra do Paraguai, deve-se sobremaneira ao destaque que a narração dá aos diversos papéis que os guarani são levados a desempenhar num contexto hostil em que eram considerados “inimigos de todos”.

Paralelamente à “grande guerra”, o romance enfoca a luta dos guarani4 4 Eis o que escreve John Manuel Monteiro sobre a representação dos Guarani na história: “Em contrapartida, longe de serem as inermes vítimas que povoam habitualmente os livros de história, os Guarani desenvolveram estratégias próprias que visavam não apenas a mera sobrevivência mas, também, a permanente recriação de sua identidade e de seu ‘modo de ser’, frente a condições progressivamente adversas.” (Cunha, 1992, p. 475). ao longo do vale de Iguariaçá para preservar suas terras e suas tradições, numa época em que o estado brasileiro adota uma política de favorecimento de ocupação do território por colonos imigrantes. O escritor ao escolher deter-se nessa “pequena guerra”, centrado no relato da vivência quotidiana do grupo, reconstitui a etno-história guarani, traçando um amplo painel do contexto no qual se deu o longo processo de desterritorialização5 5 Manuela Carneiro da Cunha (1992, p. 16) constata que “A partir de meados do século XIX, com efeito, a cobiça se desloca do trabalho para as terras indígenas”. “da poderosa nação guarani, que um dia dominara todas as vastas coxilhas do pampa.” (id., p. 253). Para falar da destruição e da dispersão dos guarani, a ficção traz à tona fatos importantes da sua história, como a guerra das Missões, recriada por um outro escritor mi-neiro, Basílio da Gama, na célebre epopeia O Uraguai (1769). Nota-se que ambas as obras projetam uma visão positiva dos índios guerreiros, fixando os atos de bravura e as descrições de batalhas. Em O rastro do jaguar, romance que pode ser lido como uma epopeia moderna sobre o embate entre civilizações, a história é revisitada segundo o ângulo de visão dos índios, o que revela um fazer literário que explora as tensões entre ficção e realidade, comprometido com uma concepção política e ética da literatura.

Ao lado de todas essas batalhas travadas entre Estados-nações sulamericanos pelo controle hegemônico do território e as que os índios guarani são obrigados a disputar sob a bandeira desses estados ou rebelando-se contra os mesmos para preservar sua sobrevivência, o romance se debruça sobre a batalha individual de Pierre, no seu tumultuado percurso de retorno às origens.

As relações com Ñezú tiraram toda a pressa de Pierre; estava tranquilo ali, com tempo para conversar e aprender o que viera aprender e encontrar o que buscava. Muitas tardes fui com ele até a cabana de Ñezú, que agora falava muito, contando histórias míticas que aos poucos iam desenhando sua cosmogonia. Pierre apenas escutava aqueles contos bastante ingênuos que definiam o mundo e a criação das coisas e das pessoas. Saint’Hilaire, quando esteve por ali, havia quarenta anos, ainda encontrara muitas aldeias guarani pelas serras e especialmente nas regiões próximas às ruínas das antigas missões jesuíticas; hoje, elas praticamente não existem mais. A guerra - não apenas aquela, contra o Paraguai, mas as dezenas de pequenos confrontos que vêm agitando a região desde o início do século passado - forçou a dispersão dos índios, que foram vendo suas terras serem tomadas por colonos, os homens sendo obrigados a trabalhar para castelhanos e brasileiros. Por isso, nos dizia Ñezú, não iríamos encontrar mais os velhos aldeamentos. Mas onde estavam os guarani? Estavam, assim como ele, cada qual no seu pé de serra, vivendo nos recantos mais distantes, fechados nos vales, escondidos em fundos de matas. Tinham medo, principalmente agora, com a grande guerra: eram considerados inimigos pelos brasileiros, pois falavam guarani, a língua principal do Paraguai; mas eram também inimigos dos paraguaios, que viam neles desertores e, se os encontravam, eram aprisionados, mortos ou incorporados ao Exército”. (id., p. 285-6)

Na tradição guarani, o nome do xamã da tribo, Ñezú, é uma herança que remonta a várias gerações. A busca identitária de Pierre termina se mesclando ao destino de seu povo. O contato com o grupo guarani é, para Pierre, um verdadeiro rito de passagem. Guiado pelo xamã Ñezú, ele resgata as referências identitárias que lhe tinham sido negadas. A alteridade indígena exerce uma função reveladora. O grupo atribui a Pierre um papel central a desempenhar no seio da tribo, o do profeta-guerreiro que iria conduzi-los à “Terra sem mal”. Um dos aspectos relevantes da etnohistória guarani abordado pela ficção diz respeito ao valor primordial atribuído à religião e ao profetismo. Uma das interpretações possíveis, que o romance abraça para tentar explicar a importância, para os guarani, do mito da “Terra sem mal”, estabelece relações com as migrações incessantes que lhes foram impostas pela penetração colonial e a necessidade de buscar outras terras onde pudessem sobreviver. Alguns estudiosos corroboram essa hipótese, sugerindo “um importante elo entre a constante procura de terras novas para aldeias e roças e a migração de inspiração profética.” (Monteiro, 1992MONTEIRO, John Manuel (1992). “Os Guarani e a história do Brasil meridional”. In: CUNHA, Maria Manuela (Org.). A história dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal de Cultura/Fapesp . p. 475-98., p. 482) A trama romanesca faz de Pierre “o herói esperado”, o enviado de Ñamandu, o “Jaguar azul que beberia as águas prateadas pela lua e seu urro seria a coragem das crianças que fariam a nação renascer” (Carvalho, 2009CARVALHO, Murilo. (2009). O rastro do jaguar. São Paulo: Leya., p. 308). Naquele tempo de guerras e de destruição, diante da impossibilidade de as culturas modernas compreenderem e aceitarem conviver pacificamente com os índios, Pierre, um europeu de sangue guarani, escolhe combater ao lado de seu povo, assumindo ser o símbolo da resistência à sua destruição: “Pierre tornara-se definitivamente o Jaguar” (id., p. 497). Tomando para si as referências culturais do universo dos índios guarani, investido do papel de Jaguar, Pierre afasta-se da cultura ocidental que o formou6 6 O mito do Jaguar pertencente ao universo dos povos indígenas remete o leitor para outra narrativa que explora a temática das metamorfoses identitárias, a extraordinária novela Meu tio o Iauaretê, de João Guimarães Rosa. . Face ao acirramento dos conflitos contra gaúchos e colonos no vale de Iguariaçá, o grupo de índios guarani, liderado por Pierre, vê-se diante do fato de ter de optar entre o enfrentamento ou a fuga, para tentar sobreviver sem ter de renunciar a sua visão de mundo e as suas práticas sociais. Finalmente decidem partir, mais uma vez, em busca da “Terra sem mal”.

Com a partida de Pierre juntamente com os índios guarani, Pereira perde o seu rastro. No final da narrativa, vemo-lo abandonar seu quarto, a escrita de suas memórias e seguir com mais dois amigos, à procura de Pierre. O exercício da escrita, liberta-o dos seus fantasmas e devolve-lhe o desejo de viver, trilhando as pegadas de seu amigo, num movimento de abertura ao Outro, no rastro do Jaguar, em busca da “Terra sem Mal”.

Desterritorialização, resistência, coabitação

O rastro do jaguar encena o confronto entre mundos culturais heterogêneos, representando o índio como instância de alteridade. O índio constitui o Outro em relação a um grupo de referência que se inscreve na sociedade ocidental (Paterson, 2004). Um dos méritos do romance consiste em ressaltar os percursos diferenciados e as singularidades dos povos indígenas geralmente reduzidos a um corpo homogêneo, recusando a inscrever-se num tipo de representação que tende a amalgamar suas diferenças. A narrativa representa a violenta desterritorialização das tribos indígenas, através do resgate da história dos botocudos e dos guarani. Num romance que situa a ação no século XIX, período de polarizações extremas na história do Brasil, em nível internacional e no interior do estado nacional em formação, questiona-se o modelo que direcionou esse processo, baseado na ideologia do progresso, do desenvolvimento e da civilização, ideais que orientam a política de extermínio e de assimilação das nações indígenas. Para discutir outros caminhos passíveis de garantir a sobrevivência dos índios, a obra discute a possibilidade de mediação, projetando a criação de uma grande nação indígena no interior da nação brasileira ou o reconhecimento pelo Estado da propriedade das terras habitadas pelos índios. Esses projetos são alimentados por Pierre, até o momento em que a adversidade do contexto obriga-o a encará-los como inviáveis. O que emerge como realidade é o processo de “civilização” exterminando a “barbárie” para fazer nascer a nova nação. No entanto, apesar do impacto das derrotas sofridas pelos povos indígenas, o romance não lhes nega a capacidade de autodeterminação, mostrando a resistência de grupos que continuam lutando para preservar seus próprios valores. Na figuração conflituosa do contato entre “nacionais” e índios que opõe modernidade e tradição, os índios aparecem como vítimas, visão caucionada pela história. Mas, ao intensificar as tensões entre ficção e realidade, a obra não se alinha a uma perspectiva trágica que condena o índio ao desaparecimento. Os discursos mítico e profético que a perpassam, oriundos de tradições diversas, reinserem a dimensão utópica que a história evacua, como sugere o final da narrativa romanesca.

Situando o discurso do narrador na virada do século passado, O rastro do jaguar convida o leitor a refletir sobre as relações interculturais numa outra virada de século, a atual, e que lhe diz respeito enquanto ator social, num mundo em que as diferenças culturais continuam a ser pensadas a partir de critérios que opõem a “civilização” à “barbárie”. Pensar o outro e construir uma cultura de coabitação, articulando referências heterogêneas (Ouellet, 2003OUELLET, Pierre (2003). Le soi et l’autre. L’énonciation de l’identité dans les contextes interculturels. Québec : Les Presses de l’Université Laval., p. 438), tem sido o grande desafio da história da humanidade.

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  • SAER, Juan José (1982). El entenado. Barcelona: El Aleph editores [1982].
  • 1
    O botânico e explorador francês Auguste de Saint’Hilaire (1779-1853) viajou pelo Brasil, percorrendo o sul e o centro do país entre 1816 e 1822. Na sua viagem ele se fez acompanhar pelo caboclo Firmiano. O romance transforma Firmiano em personagem, reservando-lhe um outro destino. Ele irá para a França com Saint’Hilaire e se tornará uma espécie de assistente do botânico. Pierre também, segundo a trama romanesca, será levado pelo botânico. Entre as publicações do botânico destacam-se relatos que descrevem as regiões do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais que serviram de inspiração a Murilo Carvalho para a construção do seu romance: Province de S. Pedro de Rio Grande do Sul, au Brésil (1 volume, Paris, Pihan de la Forest, 1823) e Voyage dans les provinces de Rio de Janeiro et de Minas Geraes (2 volumes, Paris, Grimbert et Dorez, 1830).
  • 2
    “Os Botocudos, como são mais popularmente conhecidos, pertencem ao tronco linguístico Macro-Jê (Rodrigues apud Paraiso, 1992PARAISO, Maria Hilda (1992). “Os botocudos e sua trajetória histórica”. In: PATERSON, Janet M (2004). Figures de l’Autre dans le roman québécois. Québec: Editions Nota Bene., p. 49) sendo caçadores e coletores seminômades com uma organização social que se caracteriza pelo constante fracionamento do grupo, pela divisão natural do trabalho e por um sistema religioso centrado na figura dos espíritos encantados dos mortos (os Nanitiong) (Manizer apud Paraiso, 1992PARAISO, Maria Hilda (1992). “Os botocudos e sua trajetória histórica”. In: PATERSON, Janet M (2004). Figures de l’Autre dans le roman québécois. Québec: Editions Nota Bene., p. 37).” “Sua denominação genérica - Botocudos [conhecidos também como Aimoré] - foi-lhes atribuída pelo uso dos batoques labiais e auriculares.” (Paraiso, 1992PARAISO, Maria Hilda (1992). “Os botocudos e sua trajetória histórica”. In: PATERSON, Janet M (2004). Figures de l’Autre dans le roman québécois. Québec: Editions Nota Bene., p. 423).
  • 3
    “A ação dos Ottoni encontrou forte resistência no cacique Poton, dos Jiporok, que se recusou a estabelecer contato. Por sua resistência terminou por ser assassinado em Linhares”. (Paraíso, 1992PARAISO, Maria Hilda (1992). “Os botocudos e sua trajetória histórica”. In: PATERSON, Janet M (2004). Figures de l’Autre dans le roman québécois. Québec: Editions Nota Bene., p. 418).
  • 4
    Eis o que escreve John Manuel Monteiro sobre a representação dos Guarani na história: “Em contrapartida, longe de serem as inermes vítimas que povoam habitualmente os livros de história, os Guarani desenvolveram estratégias próprias que visavam não apenas a mera sobrevivência mas, também, a permanente recriação de sua identidade e de seu ‘modo de ser’, frente a condições progressivamente adversas.” (Cunha, 1992CUNHA, Maria Manuela (Org.) (1992). A história dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal de Cultura/Fapesp. p. 413-30., p. 475).
  • 5
    Manuela Carneiro da Cunha (1992CUNHA, Maria Manuela (Org.) (1992). A história dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal de Cultura/Fapesp. p. 413-30., p. 16) constata que “A partir de meados do século XIX, com efeito, a cobiça se desloca do trabalho para as terras indígenas”.
  • 6
    O mito do Jaguar pertencente ao universo dos povos indígenas remete o leitor para outra narrativa que explora a temática das metamorfoses identitárias, a extraordinária novela Meu tio o Iauaretê, de João Guimarães Rosa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Dec 2010

Histórico

  • Recebido
    Fev 2010
  • Aceito
    Abr 2010
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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