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Circulação da literatura brasileira na Espanha

Circulation of Brazilian literature in Spain

Circulación de la literatura brasileña en España

Resumo

Com base em pesquisa realizada na Universidade de Barcelona, o texto trata da circulação e da possível e desejada inserção da literatura brasileira na Espanha, dando destaque para os três tipos de circulação observados: aquela que se dá plenamente na língua de chegada, estando disponível em redes de bibliotecas públicas, no ensino universitário e nas livrarias para o grande público, como é o caso de Clarice Lispector, plenamente inserida no sistema literário espanhol; aquela mais comercial, portanto, pontual e nem sempre alcançando inserção plena, sendo constatado, no artigo, o caso de Martha Batalha; e, por último, aquela que podemos chamar de circulação pela rede de afetos formada por tradutores e leitores específicos, que é a situação da poesia contemporânea, principalmente.

Palavras-chave:
literatura brasileira; circulação internacional; inserção

Abstract

Based on research carried out at the University of Barcelona, the text deals with the circulation and the possible and desired insertion of Brazilian literature in Spain, highlighting the three types of circulation observed: that which takes place fully in the target language, being available in public library networks, in university teaching and in bookstores for the general public, as is the case of Clarice Lispector, fully inserted into the Spanish literary system; the more commercial one, therefore, punctual and not always reaching a full insertion, as evidenced in the article by the case of Martha Batalha; and finally, that which we can call circulation through the network of affections formed by translators and specific readers, which is the case of contemporary poetry, mainly.

Keywords:
Brazilian literature; international circulation; insertion

Resumen

Basándose en una investigación realizada en la Universidad de Barcelona, el texto aborda la circulación y la posible y deseada inserción de la literatura brasileña en España, destacando los tres tipos de circulación observados: aquella que ocurre plenamente en el idioma receptor, estando disponible en redes de bibliotecas públicas, en la enseñanza universitaria y en librerías para el público en general, como es el caso de Clarice Lispector, totalmente insertada en el sistema literario español; la circulación más comercial, por lo tanto, puntual y no siempre alcanzando una plena inserción, como se evidencia en el artículo por el caso de Martha Batalha; y, finalmente, lo que podemos llamar circulación a través de la red de afectos formada por traductores y lectores específicos, que es el caso de la poesía contemporánea, principalmente.

Palabras clave:
literatura brasileña; circulación internacional; inserción

Ao observar o documento "Bolsas concedidas e obras apoiadas 2011-2019" no site da Fundação Biblioteca Nacional (FBN, 2018), percebemos que, dos 920 livros publicados com seu apoio, 80 são de editoras espanholas, 72 de argentinas e 24 do México. Também foram concedidas 16 bolsas para o Chile, sete para o Uruguai1 1 Analiso a Coleção Boca a Boca, realizada em parceria entre as editoras Yaugurú e Grua com o apoio da FBN, em Magri (2016). , oito para a Colômbia, quatro para o Peru, três para o Equador e duas para a Costa Rica.

Sabe-se, no entanto, que a tradução da literatura brasileira para a língua espanhola vai muito além do edital de apoio da FBN, como registram vários textos que se ocupam dessa recepção, como "A literatura brasileira na América espanhola", de Ligia Vassalo (2011)VASSALO, Ligia (2011). A literatura brasileira na América espanhola: sua recepção. Revista Eletrónica Celpcyro, v. 2. Disponível em: http://www.celpcyro.org.br/joomla/index.php?option=com_content&view=article&Itemid=0&id=908. Acesso em: 21 set. 2021.
http://www.celpcyro.org.br/joomla/index....
, e "A estética brasileira na Espanha", de Lucilene Machado Garcia Arf (2011)GARCIA ARF, Lucilene Machado (2011). A estética brasileira na Espanha: transformações a partir dos anos 80. Raído, Dourados, v. 5, n. 10, p. 27-36., que atestam um interesse permanente desde os anos 1990, especialmente por Clarice Lispector, Machado de Assis, Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto. Mas como se daria no momento atual (mais precisamente em 2022) a circulação da literatura brasileira na Espanha? Os livros publicados com o apoio da FBN estariam disponíveis nas livrarias e bibliotecas? Algum leitor especializado se ocuparia da literatura brasileira nas universidades?

Passei alguns meses em Barcelona, onde entrevistei alguns agentes fundamentais para a circulação da literatura brasileira por lá, como Aníbal Cristobo, poeta, tradutor e editor que viveu no Brasil nos anos 1990. O catálogo de sua editora, a Kriller71 Ediciones, tem um expressivo número de autores brasileiros, como Ana Martins Marques, Angélica Freitas, Marcos Siscar, Carlito Azevedo, Marília Garcia, Ricardo Domeneck, Luca Argel, André Sant’Anna e Manoel Ricardo de Lima, a maioria traduzida por ele. Também entrevistei Josep Domenèch Ponsatí, poeta e principal tradutor de autores brasileiros para o catalão, desde Clarice Lispector até poetas e prosadores contemporâneos como Armando Freitas Filho e Daniel Galera; Elena Losada, professora de literatura portuguesa na Universidade de Barcelona e principal tradutora de Clarice Lispector, tendo traduzido 15 dos 18 livros da Biblioteca Clarice Lispector da prestigiosa editora Siruela, incluindo a coletânea de cartas Minhas queridas (Queridas mías), que ganhou o prêmio de tradução Giovanni Pontiero, e também Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, entre outros; e, por fim, Carmen Villarino Pardo, professora de literatura brasileira na Universidade de Santiago de Compostela e principal pesquisadora da circulação da literatura brasileira no exterior. Eles me ajudaram a responder às perguntas com as quais fui armada.

Ao entrar nas livrarias de Barcelona, a primeira coisa que salta à vista é que a obra de Clarice Lispector circula muito bem na língua espanhola: em todas elas (Laie, Casa del Livro, La Central, Lata Peinada — especializada em literatura latino-americana —, Finestres) estava sempre em destaque algum de seus livros, às vezes mais de um. Encontrei quase todos os livros que foram publicados com o apoio da FBN e muitos outros que foram traduzidos sem nenhum tipo de apoio. Mas a presença constante de todos os livros de Clarice e o destaque dado a eles me levaram a procurar saber se a autora estaria disponível também na rede de bibliotecas da Catalunha, que conta com mais de 200 bibliotecas públicas instaladas em bairros e que funcionam como verdadeiros centros de cultura. Surpreendentemente, todos os seus livros estão disponíveis, muitos deles em mais de uma edição e os principais títulos nas duas línguas: tanto em espanhol quanto em catalão. Um quadro com a relação dos empréstimos, ou seja, do fluxo de leitura de cada um deles, me fez concluir que Clarice Lispector é a única escritora brasileira que está de fato inserida no sistema literário da Espanha. Ou seja, é lida e considerada uma autora que está entre os escritores que um leitor culto deve conhecer (Figura 1).

Figura 1
Empréstimos de livros de Clarice Lispector na rede de bibliotecas da Catalunha, desde 2009, quando o sistema foi implantado.

Os títulos destacados são os com o maior número de empréstimos. O mais lido é o infantil A vida íntima de Laura, presente no maior número de bibliotecas. Em segundo lugar está Perto do coração selvagem, em tradução para o espanhol de Basilio Losada, um dos primeiros tradutores de Lispector na Espanha2 2 "Fiz a tradução, na Espanha, do primeiro livro de Clarice Lispector [1920-1977], Perto do coração selvagem. Até meados dos anos 1990, ela também era desconhecida entre leitores, editores e críticos espanhóis. Hoje, a autora é a mais editada e reconhecida, do mundo literário brasileiro, aqui" (Queiroz, 2019). e pai de Elena Losada, de quem falaremos adiante ao comentar sua entrevista e tradutora também do volume de crônicas que está entre os três mais lidos nas bibliotecas. A hora da estrela é o quarto mais lido, seguido de um volume que reúne A hora da estrela e Água viva em catalão, traduzidos por Josep Domenèch Ponsatí.

Por sempre ter considerado Machado de Assis nosso autor mais internacionalizado3 3 O número 25 da revista Machado de Assis em Linha dá um bom panorama da tradução de Machado pelo mundo. Remeto também à entrevista com Moema Salgado e Fábio Lima da FBN: "A nossa estatística nos últimos anos aponta que os principais [autores traduzidos no exterior] são os clássicos: Machado de Assis, Clarice Lispector e Jorge Amado para as bolsas de tradução" (Rissardo; Magri, 2015). Consultar ainda: Loio (2011). , fiz uma pesquisa para saber o número de empréstimos de seus livros e surpreendi-me com o resultado, em comparação com Clarice Lispector. O alienista foi o livro mais procurado, na sua versão adaptada, didática, com 652 empréstimos, distribuídos por 241 bibliotecas; também L'alienista, em catalão, com 134 empréstimos em 18 bibliotecas, e em espanhol, com 60 empréstimos em quatro bibliotecas, seguido de Memórias póstumas de Brás Cubas, em catalão, com 80 empréstimos em 17 bibliotecas, e El senyor Casmurro, com 35 empréstimos em 16 bibliotecas, também em catalão.

Machado de Assis circula na literatura espanhola — Dom Casmurro, O alienista, Memórias póstumas de Brás Cubas estão disponíveis em quase todas as livrarias, ainda que sem nenhum destaque —, mas não está inserido na cultura espanhola, conforme demonstra a Figura 2 quando colocado em comparação com a Figura 1, com os empréstimos de Clarice Lispector, ou mesmo pela presença/ausência dos seus livros nas livrarias.

Figura 2
Empréstimos de livros de Machado de Assis na rede de bibliotecas da Catalunha, desde 2009, quando o sistema foi implantado.

Quando escrevo esses dois termos, circulação e inserção, estou apoiando-me em dois pesquisadores fundamentais para a minha pesquisa: Max Hidalgo Nácher e Silviano Santiago.

Com base em Barthes (1964, p. 616 apud Hidalgo Nácher, 2019bHIDALGO NÁCHER, Max (2019b). Modelos y problemas en el estudio de la circulación de la teoría literaria (I): Candido (1959), Haroldo de Campos (1989) y el secuestro del Barroco. Revista Landa, v. 7, n. 2, p. 219-249., p. 228), "je ne sais trop ce qu'est une ‘influence’; à mon sens, ce qui se transmet, ce ne sont pas des ‘idées’, mais des ‘langages’, c'est-à-dire des formes que l'on peut remplir différemment; c'est pourquoi la notion de circulation me paraît plus juste que celle d’influence", mas também em Pierre Bourdieu, em "Les conditions sociales de la circulation internationale des idées", Max Hidalgo Nácher (2019bHIDALGO NÁCHER, Max (2019b). Modelos y problemas en el estudio de la circulación de la teoría literaria (I): Candido (1959), Haroldo de Campos (1989) y el secuestro del Barroco. Revista Landa, v. 7, n. 2, p. 219-249.) toma como questão o deslocamento da ideia de culturas fortes × culturas fracas, que animou os estudos de literatura comparada e fundou a historiografia brasileira, para pensar as linhas de forças nas quais se medem, se roçam, disputam as trocas culturais, numa ideia de circulação. Não mais influência ou recepção, o estudo da circulação faria perceber os efeitos localizados das leituras e produções — no seu caso, da teoria.

O termo é apropriado para pensar a problemática da circulação desigual das literaturas e do pensamento crítico nas diferentes línguas (mais nacionais, mais continentais ou mais imperiais, como se queira pensar a questão) e os correspondentes protagonismos ou apagamentos que se dão em decorrência do modo de pensá-las. Esse é o ponto central das discussões em torno da literatura comparada hoje. Ainda, no importante dossiê da revista Landa "Circulaciones de la teoría en América Latina", Max Hidalgo Nácher (2019aHIDALGO NÁCHER, Max (2019a). Circulaciones de la teoría en América Latina. Revista Landa, v. 7, n. 2, p. 147-157.) propõe que "estudiar la teoría desde el punto de vista de la circulación implica concebirla como un objeto móvil que, en sus desplazamientos, no es posible acotar desde un único discurso o disciplina", o que abre o estudo da teoria para "pensar las especificidades de los contextos latinoamericanos de producción crítica y teórica en lengua castellana y portuguesa", procedendo a "una triangulación que, sin necesidad de reducirlo a un "origen", permite sacarlo de un espacio autónomo o autotélico, poniéndolo a circular" (Hidalgo Nácher, 2019aHIDALGO NÁCHER, Max (2019a). Circulaciones de la teoría en América Latina. Revista Landa, v. 7, n. 2, p. 147-157., p. 147).

Ademais da originalidade de seu olhar, que inclui o Brasil, a língua portuguesa, no problema de pesquisa, coisa praticamente inédita, a contar pelos muitos estudos sobre a problemática levantada desde A república mundial das letras, de Pascale Casanova (2002)CASANOVA, Pascale (2002). República mundial das letras. Tradução: Marina Appenzeller. São Paulo: Estação Liberdade. e as diversas respostas de estudiosos da América Latina, que deixam o Brasil de fora, Max Hidalgo Nácher (2021)HIDALGO NÁCHER, Max (2021). Os discursos críticos: anacronismo, contemporaneidade e diferença. In: MAGRI, Ieda; CHARBEL, Felipe; GUTIERREZ, Rafael (org.). Leituras do contemporâneo: literatura e crítica no Brasil e na Argentina. Belo Horizonte: Relicário. p. 105-124. também propõe, com a ideia de circulação, outro olhar para situar a discussão, indo além do campo da literatura comparada, sugerindo uma transdisciplinaridade ou indisciplinaridade.

Em "Os discursos críticos: anacronismo, contemporaneidade e diferença", o teórico, ao analisar a circulação da teoria francesa na Espanha, no Brasil e na Argentina, de maneira especial o papel que Haroldo de Campos tem nessa ponte Brasil–França, chega à conclusão:

Como sujeito latino-americano, [Haroldo] está excluído da cena do contemporâneo [na França]. Quer dizer, aparece como invisível. E uma mostra disso é que, salvo contadas exceções, nem seus textos nem seu nome aparecem citados por seus pares. Haroldo se inclui, de fato, em uma cena que não o inclui (Hidalgo Nácher, 2021HIDALGO NÁCHER, Max (2021). Os discursos críticos: anacronismo, contemporaneidade e diferença. In: MAGRI, Ieda; CHARBEL, Felipe; GUTIERREZ, Rafael (org.). Leituras do contemporâneo: literatura e crítica no Brasil e na Argentina. Belo Horizonte: Relicário. p. 105-124., p. 113).

Essa sua afirmação final me leva ao coração do problema que surge quando se discute o contexto da internacionalização da literatura brasileira, cujo debate público mais recente se deu entre 2011 e 2014, reavivando um pouco o enorme trabalho de divulgação de Haroldo de Campos nas décadas de 1950 a 80.

Silviano Santiago ataca o problema na sua coluna quinzenal no caderno "Sabático", do jornal O Estado de S. Paulo, cujos textos foram depois reunidos no livro Aos sábados pela manhã, de 2013, propondo que para que a internacionalização de nossa literatura se dê de fato seria preciso sair do paradigma da formação, com o qual se pensou a literatura brasileira no século XX, e entrar num novo paradigma, o da inserção. Em "Formação e inserção", ele diz:

Ao se elevar à condição de paradigma, "formação" funda e estrutura no século XX brasileiro os múltiplos saberes confessionais, artísticos e científicos que compartilham — a despeito de suas especificidades e apesar de versar sobre objetos diferentes — determinadas formas ou características gerais do nosso ser e estar em desenvolvimento (Santiago, 2013SANTIAGO, Silviano (2013). Aos sábados pela manhã. Sobre autores & livros. Organização de Fred Coelho. Rio de Janeiro: Rocco., p. 259).

Com base nessa premissa, Silviano Santiago (2013SANTIAGO, Silviano (2013). Aos sábados pela manhã. Sobre autores & livros. Organização de Fred Coelho. Rio de Janeiro: Rocco.) mostra como os possíveis significados que lhe emprestam os vários comentadores críticos, também conhecidos como intérpretes do Brasil, servem de maneiras distintas à moldagem do também leitor/intelectual em formação. O que lhe interessa é a detecção de "um feixe de discursos afins e complementares" que serviram à automodelagem tanto de "Brasil" como de "brasileiro", mas que, quando o discurso colonial cede a uma nova força discursiva, a pós-colonial, exige que se investiguem os "efeitos pragmáticos de linguagem" que o sustentaram. Essa passagem, em termos de crítica e autocrítica, diz o autor, mostra a necessidade de substituir o velho paradigma da formação, que teria perdido efeito, nem tanto porque o processo de formação estaria concluído, mas porque as estratégias precisam ser remodeladas continuamente. Como diz Silviano Santiago (2013SANTIAGO, Silviano (2013). Aos sábados pela manhã. Sobre autores & livros. Organização de Fred Coelho. Rio de Janeiro: Rocco., p. 261), almeja-se "corrigir a órbita liberal, onde os discursos de formação, necessariamente identitários, estiveram sendo produzidos e por onde circulavam em infração".

O apelo ao novo paradigma, o da inserção, vem de Hélio Oiticica, de seu texto de 1973, "Brasil diarreia": "Faz-se urgente dar uma posição à inserção da linguagem-Brasil em contexto universal" (Oiticica, 1973, p. 147-152). Quando se pensa em Oiticica, pensa-se também em tropicalismo e em modernismo, as duas "vanguardas" que colocaram o Brasil "para fora de si mesmo", que o projetaram internacionalmente. O texto de Oiticica de que fala Silviano Santiago (2013SANTIAGO, Silviano (2013). Aos sábados pela manhã. Sobre autores & livros. Organização de Fred Coelho. Rio de Janeiro: Rocco.) foi encomendado por Ferreira Gullar, que esperava um texto que funcionasse no paradigma da identidade, que discutisse "o problema do Brasil", e os dois brigaram porque Oiticica, que estava em Nova York nos anos 1970, percebeu antes de Gullar que a cultura brasileira precisava sair do Brasil e entrar na lógica da internacionalização/mundialização, num debate mais amplo, menos centrado no nacional.

Em outros textos, como em "Tenho duas mãos e o sentimento do mundo" (Santiago, 2014SANTIAGO, Silviano (2014). Tenho duas mãos e o sentimento do mundo. In: SCHØLLHAMMER, Karl Erik; KRIEGER OLINTO, Heidrun (org.). Cenários contemporâneos da escrita. Rio de Janeiro: 7 Letras. p. 14-21.), é a esse momento e ao campo das artes que Silviano recorre para pensar uma linguagem-Brasil cosmopolita, reconhecendo que poderia, sem prejuízo de sua argumentação, remontar também aos modernistas, o que sugere que podemos traçar alguns momentos nos quais a problemática da internacionalização é mais forte entre os discursos nacionais: as décadas de 1920 e 30, do modernismo e das primeiras vanguardas, e as décadas de 1950/60, das segundas vanguardas, que ecoam no grande trabalho de Haroldo de Campos e dos concretos, sempre lembrando, como diz Haroldo, que há que se medir a literatura nacional com a mesma régua que se mede a outra4 4 Diz Haroldo de Campos em "A explosão dos gêneros literários na América Latina": "O crítico latino-americano, sobretudo no atual momento de emergência de nossas literaturas para o cenário mundial, não pode ter duas almas, uma para considerar o legado europeu, outra para encarar o caso particular de sua literatura. Deve situar-se diante de ambos com uma mesma consciência e um mesmo rigor, e somente dessa atitude exemplarmente radical pode resultar o reexame da nossa historiografia literária, que nem por ser relativamente recente está livre dos clichês da sensibilidade, da repetição irrefletida e monótona de julgamentos preconcebidos, que não resistem a uma análise instrumentada" (Campos, 1979, p. 287). , saindo de uma ideia de dependência ou mesmo de infância, que o paradigma da formação evoca, já que estaríamos ainda e sempre no caminho de nos "formar", em fase adulta, alcançando a altura das outras (nações do primeiro mundo, literaturas, economias etc.).

A partir, então, de Oiticica, Silviano Santiago (2013SANTIAGO, Silviano (2013). Aos sábados pela manhã. Sobre autores & livros. Organização de Fred Coelho. Rio de Janeiro: Rocco., p. 262) conclui pela "colocação de valores num contexto universal", já que "inserir a linguagem Brasil em contexto universal traduz a vontade de situar um problema que se alienaria fosse ele local, pois problemas locais — se se fragmentam quando expostos a uma problemática universal — não significam nada". Conhecendo-se o trabalho de Silviano Santiago desde seu pensamento sobre o entrelugar da literatura latino-americana, pode-se muito bem relativizar o uso que faz fundamentado em Oiticica do vocábulo universal, que, ao ser transposto para uma "linguagem sua", será traduzido por cosmopolita.

Karl Erik Schøllhammer (2016)SCHØLLHAMMER, Karl Erik (2016). La literatura brasileña contemporánea y su crítica. Cuadernos de Literatura, v. 20, n. 40, p. 204-214. https://doi.org/10.11144/Javeriana.cl20-40.lbcc
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, atento à proposição de Silviano Santiago, assim coloca a questão na cena da literatura no seu mais recente impulso de internacionalização:

Brasil disputa su lugar en el mundo desde hace mucho tiempo y viene compitiendo para posicionarse en los rankings de los índices económicos y ganar influencia política en las esferas globalizadas diplomáticas y de prestigio internacional. Sin embargo, no son esos los índices de la competitividad internacional que buscamos en la literatura y en las artes contemporáneas, sino algo más cercano a lo que Silviano Santiago llama "inserción del lenguaje-Brasil en el mundo" y que considera la episteme del siglo XXI de manera diferente del concepto de formación que predominó en el siglo XX brasileño y que se expresó en obras fundacionales como Formación de la literatura brasileña […]. Así, "buscamos un lenguaje" es un lenguaje literario capaz de ofrecer una visibilidad de la esfera global en un decir que trae las marcas materiales e indicadoras de la experiencia específica de quien vive en estas tierras (Schøllhammer, 2016SCHØLLHAMMER, Karl Erik (2016). La literatura brasileña contemporánea y su crítica. Cuadernos de Literatura, v. 20, n. 40, p. 204-214. https://doi.org/10.11144/Javeriana.cl20-40.lbcc
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, p. 207).

Uma das mais importantes pesquisadoras sobre a produção de uma "marca-Brasil" nas últimas décadas, Carmen Villarino Pardo (2014)VILLARINO PARDO, María del Carmen (2014). Imagem e(m) exportação: exibição e negócio nas feiras internacionais do livro – o caso do Brasil. In: BARBERENA, Ricardo; CARNEIRO, Vinícus (org.). Das luzes às soleiras: perspectivas críticas na literatura brasileira contemporânea. Porto Alegre: Luminara. p. 57-83. assim situa o problema ao se buscar essa "visibilidad de la esfera global" da qual fala Schøllhammer (2016)SCHØLLHAMMER, Karl Erik (2016). La literatura brasileña contemporánea y su crítica. Cuadernos de Literatura, v. 20, n. 40, p. 204-214. https://doi.org/10.11144/Javeriana.cl20-40.lbcc
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:

Ao final de 2012, a Agência Brasileira de Promoção, Exportações e Investimentos (Apex Brasil) encomendou uma pesquisa sobre percepção da imagem do Brasil em dezesseis países considerados estratégicos […]. Dos resultados obtidos, observa-se que o país ainda aparece habitualmente ligado à imagem de produtor agrícola e "pouco reconhecido como país fornecedor de bens de alto valor agregado" (Apex, 2014). Daí a percepção para alguns dos responsáveis pela Agência de que era necessário criar uma marca que unificasse os diferentes Brasis percebidos no exterior e que transmitisse a ideia de um "Brasil que exporta e atrai investimentos, gera negócios e constrói valor" (Villarino Pardo, 2014VILLARINO PARDO, María del Carmen (2014). Imagem e(m) exportação: exibição e negócio nas feiras internacionais do livro – o caso do Brasil. In: BARBERENA, Ricardo; CARNEIRO, Vinícus (org.). Das luzes às soleiras: perspectivas críticas na literatura brasileira contemporânea. Porto Alegre: Luminara. p. 57-83., p. 65).

Foi depois dessa pesquisa que se criou o Brasil Beyond, pensado como uma marca para mostrar um Brasil mais diverso, mesmo na perspectiva das artes e das letras. Carmen Villarino Pardo (2018)VILLARINO PARDO, María del Carmen (2018). Las ferias internacionales del libro y la condición de invitado de honor: Un escaparate (también) para la promoción de la lectura en el exterior? Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, n. 55, p. 161-176. https://doi.org/10.1590/10.1590/2316-4018559
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fez também um estudo de caso da participação do Brasil no Salão do Livro de Paris, de 2015, quando a marca já estava em funcionamento:

Brasil aprovechó su oportunidad en las ferias internacionales del libro de Fráncfort (2013) y Bolonia (2014) para presentar una imagen que se sintetizaba en un mismo slogan: "Brazil in every Word", y que fue adaptado en el SLP como "Le Brésil dans chaque mot" y "Brésil, un pays plein de voix". La imagen de marca país vehiculada a través de estos eventos (Villarino Pardo, 2014VILLARINO PARDO, María del Carmen (2014). Imagem e(m) exportação: exibição e negócio nas feiras internacionais do livro – o caso do Brasil. In: BARBERENA, Ricardo; CARNEIRO, Vinícus (org.). Das luzes às soleiras: perspectivas críticas na literatura brasileira contemporânea. Porto Alegre: Luminara. p. 57-83.) encontró en esa síntesis un modo de explicar su diversidad cultural, conscientes quienes organizan estos homenajes del escaparate mediático que implican (Villarino Pardo, 2018VILLARINO PARDO, María del Carmen (2018). Las ferias internacionales del libro y la condición de invitado de honor: Un escaparate (también) para la promoción de la lectura en el exterior? Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, n. 55, p. 161-176. https://doi.org/10.1590/10.1590/2316-4018559
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, p. 160).

Estudos recentes no campo da literatura comparada questionam uma pretensa universalidade como simplesmente uma europalidade, que deu ensejo a muitos mal-entendidos quanto à colocação dos valores muitas vezes tomados como não localizados erigindo a ideia do universal como neutro, quando seriam localizados e justificados pela ideia da Europa como centro de produção dos saberes e das medidas de "modernidade" e "atualidade" na produção do valor estético. Caberia perguntar, por exemplo, qual é o papel da Espanha em relação à própria Europa.

Franco Moretti (2000)MORETTI, Franco (2000). Conjectures on world literature. New Left Review 1., em seus estudos que buscam repensar a literatura comparada numa proposição já bastante discutida hoje de literatura mundial "una e desigual", fazia uma leitura em termos de centro e periferia onde Alemanha-França-Inglaterra seria o "centro", e todo o resto da Europa, periferia. Também Pascale Casanova (2002)CASANOVA, Pascale (2002). República mundial das letras. Tradução: Marina Appenzeller. São Paulo: Estação Liberdade., ainda que numa visão em que Paris aparece como centro absoluto em determinado período para dar lugar a movimentos que deslocam o centro para Frankfurt e Barcelona ou Nova York em outros, deixa patente o lugar secundário de países como Espanha e Portugal na modernidade europeia5 5 Discuto essa questão em Magri (2019). .

A INSERÇÃO DE CLARICE LISPECTOR NA LITERATURA ESPANHOLA

Ao investigar o estado da literatura brasileira na Espanha, penso, então, em termos de circulação numa acepção horizontal, de presença fluida da literatura brasileira na "indústria da língua" (Ludmer, 2013LUDMER, Josefina (2013). Aqui, América Latina: uma especulação. Tradução: Rômulo Monte Alto. Belo Horizonte: Editora UFMG.) espanhola e que poderia ser mapeada pelas traduções e publicações, pelos paratextos, pelo comentário etc., e em termos de inserção, de mais difícil apreensão, como a penetração de uma literatura na outra. Se, como afirma David Damrosch (2003DAMROSCH, David (2003). What is World Literature? Princeton: Princeton UP., p. 4), "uma obra só tem vida efetiva enquanto literatura mundial quando e onde for ativamente presente num sistema literário diferente daquele da sua cultura original", só há algo internacionalizado quando há comentário, há verdadeira recepção, inserção, e não apenas circulação pontual.

Aqui estou reduzindo muito o conceito de circulação tal qual é usado por Max Hidalgo Nácher, que prevê todos os efeitos da circulação por meio da entrada de um texto de uma cultura na outra, em seu caso na circulação da teoria francesa. Uso-o para pensar a colocação em disponibilidade da literatura brasileira (ou seja, a tradução e a difusão) distinguindo esse percurso do efeito real de apropriação dessa literatura, a da língua original, pela da chegada, no caso a de língua espanhola. Uso o termo, enfim, para melhor distinguir um efeito do outro, pois entendo que existe uma diferença fundamental entre circular — no sentido, então, de colocar à disposição dos leitores — e, de fato, gerar discussão, leitura autônoma do público comum ou mesmo leituras dirigidas que fazem parte de currículos universitários, de bibliotecas públicas ou escolares.

Assim, podemos dizer com segurança que Clarice Lispector está ativamente presente, inserida, no sistema literário mundial, já que é fácil perceber que o mesmo que ocorre hoje na Espanha ocorreu antes na França e nos Estados Unidos, como demonstra o artigo "Clarice Lispector no século XXI na Espanha: um diagnóstico dos processos de construção de sua imagem nos campos editorial e acadêmico-científico", de Carla Renata Luz de Souza (2014)LUZ DE SOUZA, Carla Renata (2014). Clarice Lispector no século XXI na Espanha: um diagnóstico dos processos de construção de sua imagem nos campos editorial e acadêmico-científico. Revista de Filología Románica, v. 2, n. 31, p. 189-206. https://doi.org/10.5209/rev_RFRM.2014.v31.n2.51072
https://doi.org/10.5209/rev_RFRM.2014.v3...
, cuja pesquisa de mestrado foi orientada por Carmen Villarino Pardo6 6 A quem agradeço a gentileza do envio do texto. : "Traduzida em 14 línguas e em 16 países será através do interesse da crítica, escritora e feminista argelina Hélène Cixous, com a publicação de Vivre l'orange na editora Des femmes, em 1979, que Lispector ganhará projeção internacional" (Luz de Souza, 2014LUZ DE SOUZA, Carla Renata (2014). Clarice Lispector no século XXI na Espanha: um diagnóstico dos processos de construção de sua imagem nos campos editorial e acadêmico-científico. Revista de Filología Románica, v. 2, n. 31, p. 189-206. https://doi.org/10.5209/rev_RFRM.2014.v31.n2.51072
https://doi.org/10.5209/rev_RFRM.2014.v3...
, p. 191) e, por essa vitrine especializadíssima — a Des femmes é uma editora especializada em escrita de mulheres —, vai ganhando o mundo.

Já mais recentemente, no mundo anglófono a recepção do trabalho de Clarice Lispector — e a partir disso, a construção da sua imagem como escritora — recebeu novo impulso com a publicação da celebrada, tanto pela crítica quanto pela mídia, biografia da brasileira elaborada pelo norte-americano Benjamin Moser (Why This World: A Biography of Clarice Lispector. Oxford University Press, 2009). E com a publicação de novas traduções de quatro romances (Perto do Coração Selvagem, A Paixão segundo G.H., Um Sopro de Vida e Água Viva) para o inglês, coordenadas pelo seu biógrafo e publicadas em 2012 pelas editoras New Directions Publishing (USA) e Penguin Classics (Reino Unido) (Luz de Souza, 2014LUZ DE SOUZA, Carla Renata (2014). Clarice Lispector no século XXI na Espanha: um diagnóstico dos processos de construção de sua imagem nos campos editorial e acadêmico-científico. Revista de Filología Románica, v. 2, n. 31, p. 189-206. https://doi.org/10.5209/rev_RFRM.2014.v31.n2.51072
https://doi.org/10.5209/rev_RFRM.2014.v3...
, p. 191).

A tese de Lucilene Machado Garcia Arf (2013GARCIA ARF, Lucilene Machado (2013). Entre abanicos e castanholas: recepção de Clarice Lispector na Espanha. 354f. Tese (Doutorado) – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho". Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/106333. Acesso em: 20 nov. 2022.
http://hdl.handle.net/11449/106333...
), Entre abanicos e castanholas: recepção de Clarice Lispector na Espanha, demonstra que "Clarice Lispector teve seu primeiro texto publicado na Espanha em 1965 [na revista Triunfo] mas apenas nos anos 90 sua obra é reconhecida pelo público espanhol e passa a fazer parte do repertório de leituras do país europeu, contando com um grupo fiel de leitores" (Garcia Arf, 2013GARCIA ARF, Lucilene Machado (2013). Entre abanicos e castanholas: recepção de Clarice Lispector na Espanha. 354f. Tese (Doutorado) – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho". Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/106333. Acesso em: 20 nov. 2022.
http://hdl.handle.net/11449/106333...
, p. 22). Foi com a criação da Biblioteca Clarice Lispector, já nos anos 2000, da editora Siruela, que ganhou lugar cativo no sistema literário espanhol.

Elena Losada, em entrevista inédita feita por ocasião da escrita deste artigo, diz:

Eu diria que chegou o tempo da Clarice, há uns dez, quinze anos. Clarice Lispector entrou na Espanha não como escritora brasileira, mas como escritora mulher, pela mão do feminismo francês. A partir do sucesso em certos círculos feministas, começou a atrair atenção de um público majoritariamente feminino. Isso também eu devo dizer. Claramente feminino. Por outro lado, há um público que atende ao prestígio do selo editorial e pensa: "Olha, se esta editora propõe isto, não deve ser mau". O selo editorial de prestígio tem alguma coisa a dizer aqui também. E depois, aos poucos, foi se criando um núcleo de afeiçoados a Clarice Lispector que já não é mínimo. Quer dizer, já tem um nome. Mesmo os meus alunos do primeiro ano, que não reagem para nada ao nome de Guimarães Rosa, não reagem para nada nem sequer ao do Jorge Amado, que já passou o tempo dele… E alguns deles leram algum conto da Clarice Lispector. O que quer dizer claramente que é um fenômeno interessante o que está se produzindo aqui (Losada, 2022LOSADA, Elena (2022). Elena Losada: entrevista [8 dez. 2022]. Entrevistadora: Ieda Magri. Barcelona.).

Uma das provas mais contundentes de que Clarice entrou na chamada literatura mundial é o comentário que aparece entre as páginas do mais recente romance de Vila Matas (2022VILA MATAS (2022). Montevideo. Barcelona: Seix Barral., p. 47-48, tradução livre), Montevideo:

"Escritores franceses" são por exemplo Clarice Lispector, Julien Gracq. Ida Vitalie e Felisberto Hernández, Felipe Polleri e Harry Mathews, Madeleine Moore e Conde de Lautréamont./ Ou Jean-Yves Jouannais, que, no seu caso particular, como no de Moore e Gracq, é, além disso, francês de nascimento e, portanto, se se quiser, duplamente francês, ainda que não tenha certeza de que alguém possa ser duplamente francês, porque a soma é impossível: ou se é um escritor verdadeiro (e então se é francês mesmo quando se é norueguês) ou não se é: o caso, sem ir mais longe, de Deus quando escreve, que está muito longe de ser francês.

O único outro autor brasileiro citado por Vila Matas (2022)VILA MATAS (2022). Montevideo. Barcelona: Seix Barral. é Carlos Drummond de Andrade, para dizer que Antonio Tabucchi gostava dele: "Recuerdo que le gustaba Drummond de Andrade, el poeta brasileño que veía el mistério del más allá como si fuera sólo un viejo palácio helado" (Vila Matas, 2022VILA MATAS (2022). Montevideo. Barcelona: Seix Barral., p. 55). Não o coloca, porém, na lista dos "escritores franceses", ou seja, dos excelentes escritores, cuja nacionalidade não importa.

De fato, Clarice Lispector desde as primeiras traduções passou de escritora brasileira para escritora de literatura de mulher e, nos últimos anos, escritora, sem adjetivo pátrio ou de gênero. Basilio Losada assim a apresenta no prefácio a Cerca del corazón salvaje:

Na literatura brasileira, tão próxima da oralidade, tão vinculada a uma realidade sociológica e ao mesmo tempo tão livre, tão criativa, tão desinibida, a obra de Clarice Lispector se destaca por suas características insólitas. Muito longe da oralidade e do folclorismo, toda sua obra se assenta numa investigação da linguagem, das relações humanas e, sobretudo, na análise minuciosa da alma feminina. Não acredito que haja em nenhuma literatura do nosso tempo um exemplo tão perfeito de literatura de mulher, e quem sabe ninguém chegou a uma precisão, às vezes inclusive obsessiva mas sempre plausível, das possibilidades da palavra como manifestação de mundos interiores. / Se poderia pensar que esta ruptura com a tradição colorista [de cor local?] da literatura brasileira — pensemos em José Lins do Rego, em Jorge Amado — se deve à origem de Clarice Lispector (Losada, 2002LOUSADA, Basilio (2002). Introdução. In: LISPECTOR, Clarice (2002). Cerca del corazón salvaje. Tradução: Basilio Losada. Madri: Siruela. p. 9-13., p. 9, grifos meus).

Para Losada (2002)LOUSADA, Basilio (2002). Introdução. In: LISPECTOR, Clarice (2002). Cerca del corazón salvaje. Tradução: Basilio Losada. Madri: Siruela. p. 9-13., ela se distingue por não ser brasileira, por ter nascido na Ucrânia e por ser judia, ou seja, por sua origem. Talvez seu peculiar modo de escrever tenha mais a ver com sua abertura a um cosmopolitismo, próprio de seu desdém pela identidade nacional, apostando em outras buscas identitárias, mais afinadas com a linguagem e com a fronteira entre o humano e o animal, como já assinalaram críticos como Gabriel Giorgi e Nora Catelli, entre outros. Com base em Benedito Nunes, apresentado como "um crítico português", o texto de Losada (2002LOUSADA, Basilio (2002). Introdução. In: LISPECTOR, Clarice (2002). Cerca del corazón salvaje. Tradução: Basilio Losada. Madri: Siruela. p. 9-13., p. 11) aposta na língua como "elemento central de sua obra": "A obra de Clarice se centra toda na palavra: a palavra entranhada no espírito de mulher". E mulher judia, o que também a aproxima de Franz Kafka. E conclui:

A partir de sua morte, em 1977, a obra de Clarice obteve reconhecimento universal. O reconhecimento relativo que pode obter uma literatura como a brasileira, imensa e sugestiva quem sabe como nenhuma outra de nosso tempo, mas que não tem entrada nos circuitos do mundo editorial, quem sabe por essa mesma peculiaridade (Losada, 2002LOUSADA, Basilio (2002). Introdução. In: LISPECTOR, Clarice (2002). Cerca del corazón salvaje. Tradução: Basilio Losada. Madri: Siruela. p. 9-13., p. 12).

Nas entrevistas que fiz, incluí duas perguntas específicas sobre Clarice: uma sobre se consideram a autora inserida ou não na cultura literária espanhola, e outra sobre a que se deve essa inserção. Os entrevistados concluíram que sua circulação e recente inserção têm sim a ver com um modo mais cosmopolita de escrever, deixando para trás as marcas de um Brasil exótico ou folclórico como aparecia principalmente em Jorge Amado, que teve grande circulação internacional em seu tempo e ainda a tem hoje em dia, embora menos vigorosa que a de Clarice.

MARTHA BATALHA: UM DESTAQUE QUE SUBLINHA, OUTRA VEZ, A MARCA TERRITORIAL

A resposta de que a literatura que circula melhor internacionalmente hoje seria a mais cosmopolita, no modelo Clarice Lispector, encontra seu contraponto no destaque oferecido ao livro de Martha Batalha Um castillo em Ipanema, nas cadeias de livrarias Laie.

Publicado pela Seix Barral, editora de grande alcance comercial, o livro já tem uma boa trajetória internacional, tendo sido editado também em Portugal. O que mais chama atenção no que diz respeito a esse artigo é que o livro foi publicado no Brasil em 2018 com o título Nunca houve um castelo. O mesmo livro, quando publicado tanto em Portugal como na Espanha, passa a ser Um castillo en Ipanema, localizando a saga familiar e prometendo um romance histórico que mostra o Brasil dos anos 1960. Ou seja, o que pode interessar comercialmente não é o apagamento do cenário, mas, ao contrário, o sublinhado dele. Martha Batalha parece interessar mais como escritora brasileira do que como cidadã do mundo, embora viva nos Estados Unidos: a sua escrita é vendida como bem localizada. Imagino que o destaque na livraria venha por Ipanema do título.

Em Barcelona o livro teve destaque na imprensa. Com o título "Novedad: ‘Un castillo en Ipanema’ de Martha Batalha", o Top Cultural recomenda o livro:

Esta semana os recomendamos Un castillo en Ipanema, de Martha Batalha, una emocionante saga familiar que corre paralela a la historia política y cultural del Brasil del siglo XX, y marcada por un lugar único: un castillo a los pies de la playa de Ipanema. Un castillo en Ipanema es una saga familiar impregnada de historia y color, escrita con humor y sensibilidad, y por la que planean muchas de las cuestiones que han marcado a la sociedad brasileña en el último siglo, como la división de clases, los ideales feministas o la revolución sexual (Redacción, 2022REDACCIÓN (2022). Novedad: "Um castillo em Ipanema" de Martha Batalha. Top Cultural. Disponível em: https://topcultural.es/2022/06/27/novedad-un-castillo-en-ipanema-de-martha-batalha/. Acesso em: 29 set. 22.
https://topcultural.es/2022/06/27/noveda...
).

Em Zona de Obras há uma resenha assinada por Octavio Gómez Milián (2022)GÓMEZ MILIÁN, Octavio (2022). Apuestas. Zona de Obras. Disponível em: https://www.zonadeobras.com/apuestas/2022/07/09/martha-batalha-un-castillo-en-ipanema/. Acesso em: 29 set. 2022.
https://www.zonadeobras.com/apuestas/202...
, com o marcador "Apuesta":

Más allá del mito de la bossa nova y de los atardeceres idílicos, Martha Batalha extrae el tuétano del Siglo XX en Brasil, alimentado por una saga familiar que se entrecruza con los hitos políticos y culturales del gigante sudamericano. Batalha es una novelista que aporta una visión femenina a las letras brasileñas. Así, en su nueva novela, con la excusa de los lazos de sangre que se conforman en un castillo a los pies de la mítica playa de Ipanema, las mujeres buscan una revuelta emocional frente al hombre, amante que no comprende, en un fresco de cotidianidad que muestra y sugiere en partes iguales. Una dictadura militar, una reconstrucción social, mundiales de fútbol, la poesía de Ana Cristina Cesar, el Tropicalismo, el exilio, las crisis políticas en uno de los países con mayor sustrato y tradición de América, del mundo, es el traslado de temas universales, como la nueva sexualidad o la separación de clases, trasladado a una sociedad, la brasileña, que cambia como cambian sus mujeres generación tras generación.

Elena Méndez (2022)MÉNDEZ, Elena (2022). El toque mágico de Martha Batalha. La Voz de Galícia. Disponível em: https://www.lavozdegalicia.es/noticia/fugas/2022/07/22/toque-magico-martha-batalha/0003_202207SF22P4991.htm. Acesso em: 29 set. 2022.
https://www.lavozdegalicia.es/noticia/fu...
, em La Voz de Galícia, faz uma entrevista com Martha Batalha, que é assim apresentada:

Solo el nombre de Ipanema ya nos hace soñar. Pero si lo unimos al de Martha Batalha, la nueva estrella de las letras latinoamericanas, nuestra imaginación da un salto para ir más allá del cliché de la garota y el sol ardiente. Batalha, a la que las editoriales han vendido como el cruce perfecto entre Elena Ferrante e Isabel Allende ("es un honor ser comparada con ellas pero otros autores como Machado de Assis, Sanders o Zafón me han influido más") reivindica su propia voz y se resiste a ser encasillada como escritora para mujeres.

Todo esse destaque e a tradução quase simultânea do livro também ao catalão dão uma amostra do alcance da editora e do quanto o Brasil ainda interessa comercialmente como país exótico, como lugar idílico, ou como cenário de grandes diferenças sociais. O interesse, nesse caso, é totalmente diferente daquele suscitado por Clarice Lispector, que está disponível nas livrarias e é uma aposta também comercial — está em todas as bibliotecas e nos programas dos cursos de Letras das universidades7 7 Conforme informa Elena Losada em entrevista feita para este artigo e ainda não publicada. A Universidad Autonoma de Barcelona tem um ciclo de debates que leva o nome da escritora: No només Clarice Lispector, disponível em: https://webs.uab.cat/centrodelinguaportuguesacamoes/2017/02/07/ciclo-no-nomes-clarice-lispector/. Acesso em: 20 abr. 2024. Ainda o plano docente do professor Pere Comellas Casanova inclui Clarice Lispector e Haroldo de Campos, entre outros autores, conforme disponível em: http://grad.ub.edu/grad3/plae/AccesInformePDInfes?curs=2022&ass. Acesso em: 21 abr. 2024. . Talvez esses dois exemplos ilustrem uma diferença fundamental entre a ideia de circulação e a de inserção de uma literatura na outra. Todos os livros circulam desde que disponibilizados pela tradução ou mesmo em sua língua original, mas poucos se inserem, ou seja, se fixam na cultura de destino. Há gradações também na circulação: alguns livros circulam melhor e causam algum tipo de comentário, modulando uma duração maior na sua recepção, enquanto outros circulam e deixam de circular sem deixar nenhuma marca.

Além desses dois casos extremos, há ainda outro modo de circulação que merece destaque: aquela que se dá pelo interesse pessoal dos agentes envolvidos na tradução e divulgação do livro, o que chamo aqui — guiada pelo trabalho pioneiro de Luciana di Leone (2014)DI LEONE, Luciana (2014). Poesia e escolhas afetivas: edição e escrita na poesia contemporânea. Rio de Janeiro: Rocco. em seu livro Poesia e escolhas afetivas: edição e escrita na poesia contemporânea — de circulação pelas escolhas afetivas.

CIRCULAÇÃO PELAS ESCOLHAS AFETIVAS: ANÍBAL CRISTOBO E A KRILLER71 EDICIONES

Ainda na década de 1990, Roberto Jacoby, artista argentino conhecido do público brasileiro pelos livros de Reinaldo Laddaga, criou o projeto Bola de Nieve, essencial como arquivo da cultura de uma época. É definido como "obra, biografía y pensamiento de 1.163 artistas elegidos por artistas" e funciona do seguinte modo:

Bola de Nieve opera a través de un sistema de curaduría autogestivo: los mismos artistas eligen a sus pares. Cada persona mencionada es invitada a participar en el proyecto y podrá a su vez mencionar a sus preferidos. El proceso se repite, incorporando nombres nuevos y creciendo en cada vuelta del proceso, según la técnica sociológica conocida como "bola de nieve". Este sistema marca una diferencia con los métodos de selección y exclusión habituales, traslada el poder de recorte del campo artístico desde los galeristas, críticos y curadores hacia los productores mismos. Esta configuración atraviesa generaciones, estilos y espacios institucionales mostrando la riqueza y complejidad de las redes culturales. Por otra parte la forma reticular permite al visitante ‘navegar’ los vínculos de afinidad que enlazan a los artistas entre sí. Los artistas que se incorporan disponen de un espacio para mostrar una selección de su obra y exponer su pensamiento acerca de la situación actual del arte y su propio trabajo. Esta reflexión se organiza en torno a preguntas preestablecidas que se formulan a todos por igual (Bola de Nieve, 2022).

As perguntas são:

  1. Elija una obra que lo/la represente, descríbala haciendo referencia a su formato y materialidad, su relación con el tiempo y el espacio, su estilo y su temática; detalle su proceso de producción

  2. En líneas generales, ¿cuál sería la forma en que sugeriría leer su obra?

  3. En relación a su obra y su posición en el campo artístico nacional e internacional, ¿en qué tradición se reconoce? ¿Cuáles serían sus referentes contemporáneos? ¿Qué artistas le interesan de las generaciones anteriores y posteriores?

  4. Pensando en los últimos diez o quince años elija obras o muestras a su criterio fuertemente significativas de otros artistas de Argentina y explique por qué.

  5. ¿Cuáles son los agrupamientos o tendencias que percibe en el arte argentino de los últimos diez o quince años a partir de elementos comunes? (Bola de Nieve, 2022).

As respostas a essas perguntas são acessadas na aba "Visión del arte" e são, a meu ver, a parte mais rica da "apresentação do artista", ainda que antes dela o artista se apresente (em biografia) e apresente também certo número de suas obras (no caso de Jacoby, são oito). Há também uma aba para contatos e vínculos (que pode ser um site ou um lugar de trabalho).

O que faz funcionar o efeito bola de neve é que, logo abaixo desses dados biográficos e de visão da arte, há duas outras menções: "mencionado por" e "menciona a", o que permite perceber as filiações, associações e afinidades de cada artista. Quanto maior a amostra, o número de convidados, maior a diversidade. Além de funcionar como página do artista, ele é também "una especie de red en la que los artistas son elegidos por sus pares" (Bola de Nieve, 2022), e aí se pode ver o prestígio de Fernanda Laguna, por exemplo, que menciona duas outras artistas, mas é mencionada por nada menos que 27.

Obedecendo ao mesmo sistema, o poeta argentino Alejandro Méndez, em junho de 2006, começou a "pensar um espaço onde os poetas contemporâneos, vivos e que estivessem produzindo, tivessem um lugar de visibilidade e reunião", como conta Luciana di Leone (2014DI LEONE, Luciana (2014). Poesia e escolhas afetivas: edição e escrita na poesia contemporânea. Rio de Janeiro: Rocco., p. 129) em Poesia e escolhas afetivas: edição e escrita na poesia contemporânea. Desta maneira Luciana di Leone (2014DI LEONE, Luciana (2014). Poesia e escolhas afetivas: edição e escrita na poesia contemporânea. Rio de Janeiro: Rocco., p. 129) apresenta o blogue:

O blog resultante consiste em uma extensa lista de nomes que funcionam como diferentes entradas — no caso argentino, hoje mais de quinhentas; no brasileiro, mais de duzentas; no restante, a lista é um pouco menor, mas continua sendo ampliada, cada qual no seu ritmo. Clicando na entrada de cada nome próprio, na maioria dos casos aparece uma foto do autor, uma pequena amostra dos seus textos escolhida por ele mesmo — nunca são mais de cinco poemas —, uma minibiografia e uma "poética" onde, em poucas linhas, o autor descreve ou metaforiza o que define como a sua forma de escrever.

Assim como no Bola de Nieve, os poetas citam outros e são citados por eles. Ao passear pelo blogue em sua versão brasileira, com curadoria de Aníbal Cristobo, tem-se uma boa amostra de que poéticas interessam a quais poetas e se poderia fazer um bom estudo da diversidade dessas poéticas, já que convivem ali Armando Freitas Filho, citado por Ponsatí no prólogo ao El libro de las semejanzas, de Ana Martins Marques, como "o cara, el rostro más visible, a mi modo de ver, de la poesia brasileña contemporánea" (Ponsatí in Martins Marques, 2019MARTINS MARQUES, Ana (2019). El libro de las semejanzas. Trad. Paula Abramo. Barcelona: Kriller71, 2019., p. 9); Chacal, lembrado como "o poeta" da geração marginal; e Ana Guadalupe, Bruna Beber, Alice Sant’Anna, despontando naquele momento. Quando clicamos no nome de Aníbal Cristobo, somos levados ao blogue da Argentina, que se chama "Las afinidades electivas — las elecciones afetivas", nomeação que deixa ainda mais clara a escolha do afeto como valor.

Como assinala di Leone (2014)DI LEONE, Luciana (2014). Poesia e escolhas afetivas: edição e escrita na poesia contemporânea. Rio de Janeiro: Rocco., o mais interessante do blogue é a montagem da antologia, feita por seus próprios participantes. Os primeiros informantes escolhidos por Aníbal Cristobo são poetas muito diferentes entre si: Armando Freitas Filho, Manoel Ricardo de Lima e Lu Menezes. Cada um deveria citar cinco outros poetas, e a única exigência era que esses poetas estivessem vivos. O blogue, o método e o fato de estar exposto o critério das escolhas afetivas foram criticados de maneira incisiva tanto no Brasil quanto em outros países. No caso do Brasil, ainda se pode acompanhar a polêmica com Felipe Fortuna que, como conta di Leone (2014)DI LEONE, Luciana (2014). Poesia e escolhas afetivas: edição e escrita na poesia contemporânea. Rio de Janeiro: Rocco., ocorreu em 2008 por ocasião do aparecimento da revista Modo de usar & Co, editada em forma de livro por Marília Garcia, Fabiano Calixto, Ricardo Domenech e Angélica Freitas.

Felipe Fortuna escreveu um artigo, publicado em 19 de janeiro de 2008 no caderno "Ideias & Livros", do Jornal do Brasil, depois enviado por e-mail a alguns contatos — via pela qual chegou às mãos do próprio Aníbal Cristobo — e, finalmente, foi postado nos blogs. O artigo fazia uma crítica sarcástica e mal-intencionada sobre a nova revista, a Modo de Usar & Co. Em primeira instância, analisava o texto do convite como se fosse uma apresentação editorial ou manifesto — que a revista faz questão de não ter —, e como se pudesse dar uma ideia acabada da revista toda. A partir daí, levantava o foco da sua crítica: a endogamia da nova publicação. De um lado, Fortuna justificava a apreciação, criticando negativamente que o comitê editorial fosse um desdobramento do comitê da Inimigo Rumor e, tomando o nome de Cristobo, expandia a crítica ao As escolhas afectivas (Di Leone, 2014DI LEONE, Luciana (2014). Poesia e escolhas afetivas: edição e escrita na poesia contemporânea. Rio de Janeiro: Rocco., p. 144-145)8 8 A polêmica pode ser acompanhada em: http://asescolhasafectivas.blogspot.com/search?q=anibal+cristobo, com acesso em: 20 abr. 2022, por meio da última resposta de Cristobo: "Cartas de amor : critica brasileira limitada: para que ninguém fique com sono: correspondência completa fortuna-cristobo de leitura inversa". .

O que interessa especificamente a este artigo é a ideia do afeto como valor tal como aparece na defesa de Aníbal Cristobo nas suas respostas à polêmica e no livro de Luciana di Leone (2014)DI LEONE, Luciana (2014). Poesia e escolhas afetivas: edição e escrita na poesia contemporânea. Rio de Janeiro: Rocco.. Foi esse o critério levado para a Kriller71 Ediciones, e é pelo esforço desse poeta e por sua defesa das escolhas afetivas que a poesia brasileira contemporânea circula na Espanha e na América Latina de fala espanhola. Não me parece que haja um apelo de mercado para que esse tipo de circulação se torne efetivo, e é o critério afetivo, de poeta para poeta, que mantém a rede para além das fronteiras nacionais.

Assim Cristobo define o "Quienes somos" na página de sua editora:

Kriller71 ediciones es un vector entrópico, autogestionado en el remolino, y fuertemente afectivo, principalmente al servicio de la edición independiente de literatura de otras latitudes. Dicho de otro modo: que corra el aire, que circulen los textos, y que el carro ande para que los melones se acomoden. Sin saber en qué ni cómo, ya llevamos diez años en esto de compartir con otrxs lectorxs textos y propuestas que nos cautivan por su singularidad. A veces somos una multitud, y otras veces sólo se oye al viento: en el fondo aspiramos a que sólo sea el catálogo quien hable. Eso sí: nunca nos fortalece la valentía, sino el placer de desarrollar nuestra legítima rareza, como quería Char (Kriller71 Ediciones, 2022a, grifo meu).

Como defende Luciana di Leone (2014DI LEONE, Luciana (2014). Poesia e escolhas afetivas: edição e escrita na poesia contemporânea. Rio de Janeiro: Rocco., p. 19),

uma importante parte dos trabalhos poéticos produzidos nas últimas duas décadas no Brasil e na Argentina se constrói explicitamente a partir de uma cena de leitura que alimenta as escolhas afetivas e alimenta a continuidade dos afetos produzidos e, ainda, explicitam essas escolhas como as que guiam os projetos.

A questão principal aqui é que os poemas citam outros poemas e poetas e dialogam com eles. Podemos dizer que são endereçados: "para o outro, meu amigo", como Luciana desenvolve ao se dedicar a pensar a produção poética de Aníbal Cristobo e Marília Garcia. Se uma forma de pensar o poema que coloca o afeto em seu centro é visível na produção contemporânea, é ainda mais fácil vê-la na rede que se aciona a fim de fazer circular o poema. Poetas-tradutores, editores ou não, são os primeiros responsáveis pela circulação da poesia brasileira no mundo de fala espanhola.

Quase todos os livros da coleção são traduzidos por Aníbal Cristobo, exceto Instanto, de Arnaldo Antunes, de 2013, com seleção e tradução de Reynaldo Jiménez e Ivana Vollaro; O útero é do tamanho de um punho, de Angélica Freitas, de 2016; e El libro de las semejanzas, de Ana Martins Marques, de 2019MARTINS MARQUES, Ana (2019). El libro de las semejanzas. Trad. Paula Abramo. Barcelona: Kriller71, 2019., traduzidos por Paula Abramo. É interessante observar a rede: Paula ganhou uma bolsa-residência do Banff Centre for Arts and Creativity em 2017 e ela mesma buscou o editor para colocar o livro de Ana Martins Marques em circulação. Aníbal, por sua vez, faz os projetos para tradução e publicação de todos os livros buscando o apoio da FBN, que apoiou todas as publicações. O ritmo dessas publicações era veloz até 2015, quando cessou e só voltou com El libro de las semejanzas, em 2019.

Na apresentação do livro Yo iba a ser Homero, de Paulo Leminski, a questão das escolhas afetivas ganha mais uma dobra:

Para un editor de poesía — que en la mayoría de los casos, como en el que nos toca, es en primer lugar un lector agradecido — poder imaginar que de algún modo ha contribuido a dar a conocer a un autor que considera valioso, y que ha conseguido que ese autor despierte algo de la atención que cree que merece, es un motivo tanto de felicidad como casi siempre de asombro. Si además hablamos de la reedición del libro de Paulo Leminski que publicamos en los inicios de Kriller71, allá por el 2013, los hechos traspasan lo estrictamente literario (si tal cosa existiera) para involucrar lo personal y afectivo; y la alegría y el orgullo se multiplican. Hace ya algún tiempo que esa edición estaba agotada, y la insistencia de algunos libreros y lectores nos ha convencido de que valía la pena reeditarlo (Cristobo in Leminsky, 2018, p. 7, grifo meu).

Na página da editora, a referência ao desejo de dar a conhecer a poesia brasileira ganha destaque:

La obra de Leminski resulta una referencia obligada para quienes busquen comprender la dinámica de la poesía brasileña de las últimas décadas. Tras años de haber estado descatalogada, se transformó en un éxito inmediato de ventas, superando los 300.000 ejemplares vendidos de su Toda Poesia (Companhia das Letras, 2013). Publicada por primera vez en España por Kriller71 en 2013 en un volumen del que ofrecemos hoy su primera reedición ampliada, la presente antología añade al prólogo de Manoel Ricardo de Lima, un epílogo de Joaquín Correa — y una buena cantidad de poemas que no habían sido incorporados en la edición previa (Kriller71 Ediciones, 2022b).

A reedição do livro já não conta com o apoio da FBN, sugerindo que os gastos com a edição devem se pagar com a venda dos livros e, portanto, dão uma pequena amostra do interesse pelo escritor na Espanha e de sua circulação. Ainda na apresentação, Aníbal menciona outras publicações:

Nos agrada imaginar que la obra de Paulo Leminski, tan excéntrica y llena de vitalidad, pueda ir ganando terreno entre los lectores españoles: también en ese sentido hemos asistido con felicidad al reciente lanzamiento de Todo me fué dado, el volumen poético de Leminski que editara Vaso Roto, en traducción de Javier Villarreal. Esperamos que otras editoriales tomen debida nota del talento y la diversidad de la obra de este bandido que sabía latín, y sigan presentándonos nuevas traducciones: materiales no faltan (Cristobo in Leminsky, 2018, p. 8).

De fato, Catatau, com tradução de Reynaldo Jiménez, pela editora de Madri Libros de la Resistencia, está disponível nas livrarias espanholas e ganha destaque na estante de algumas delas. Há duas edições circulando: a primeira, de 2014, pela Descierto Editorial, de Buenos Aires, e a segunda, de 2019, que foi "revisada y corregida, distinta a la publicada en 2014, a la que se radicaliza". A radicalização da linguagem de que fala Jiménez é assim explicada:

Dadas las innumerables provocaciones asociativas que se (y nos) permite esa translengua — cuya polirrítmica mutación rebaja, "baja", por estratos repentinos hasta el frenesismo sináptico de los étimos, saltando a la ucronia del destiempo mediante arrebatos de supervivencias de diverso signo y factor — siguió afinándoseme el alerta, durante el último lustro, respecto al espíritu — y digo bién, espíritu burlón, si no curtido genio maligno — de necesaria relectura catatáunica. Algo así como masticar los hongos silábicos, extrayendo, de haber suerte y antes paciencia, los consustanciadores alucinógenos del lenguaje (Jiménez in Leminski, 2019LEMINSKI, Paulo (2019). Catatau. Trad. e prólogo: Reynaldo Jiménez. Madri: Libros de la Resistencia., p. 9).

As duas edições receberam o apoio da FBN. Na edição espanhola aparece a informação de todas as obras do mesmo autor publicadas em espanhol: duas em Barcelona, sendo uma coedição Mar del Plata-Barcelona (a outra é a da Kriller71), três em Buenos Aires, duas no México, sendo uma delas pela Villarreal, que tem sede também em Madri, e uma no Peru.

Paulo Leminski, assim, passou a circular na Espanha, primeiramente pelo interesse de uma pequena editora, a Kriller71, e ganhou terreno em seguida. Dos autores brasileiros do catálogo da Kriller71, Leminski é o autor com maior visibilidade nas livrarias no momento, mas, conforme declara Aníbal Cristobo (2022)CRISTOBO, Aníbal (2022). Aníbal Cristobo: entrevista [15 dez. 2022]. Entrevistadora: Ieda Magri. Barcelona. na entrevista feita para este estudo, Um útero é do tamanho de um punho, de Angélica Freitas, foi bastante bem recebido e circulou muito na época de seu lançamento, em 2016, bem como Instanto, de Arnaldo Antunes, em 2013.

Assim como Aníbal Cristobo, a poeta e tradutora Paula Abramo, do México, faz circular a literatura brasileira pelas escolhas afetivas. Isso quer dizer que os poetas e narradores traduzidos por ela muito provavelmente não circulariam nem no México nem em outros países de língua espanhola, já que ela faz o papel de uma verdadeira agente literária, batalhando editoras que se interessem pelas suas traduções, bem como fazendo projetos bastante ousados de autores brasileiros. É o caso de sua tradução de todos os contos de Machado de Assis:

Meu primeiro impulso foi o desejo de ler esses contos com a intensidade que o exercício da tradução exige. Eu me considero, antes de mais nada, uma leitora que com certa frequência sente uns ímpetos de compartilhar as suas leituras […]. Estou fazendo essas traduções graças ao Sistema Nacional de Creadores de Arte, uma bolsa do Estado com duração de três anos. Em novembro [de 2021] vou terminar os rascunhos. Duas editoras já mostraram interesse no projeto (Abramo, 2021ABRAMO, Paula (2021). Ieda Magri e André Conforte entrevistam Paula Abramo, tradutora e poeta mexicana. Matraga, Rio de Janeiro, v. 28, n. 52, p. 192-198., p. 193).

A publicação foi ficando cada vez mais difícil, tendo em vista o volume grande de páginas, mas destaco outra vez que a circulação de um Machado inédito no México (e até no Brasil, já que não existe ainda uma reunião de todos os contos) depende do interesse e do afeto pessoal da tradutora Paula Abramo. O mesmo acontece com a lista de autores contemporâneos que ela colocou em circulação com as mesmas estratégias: gostou do que leu, traduziu e ofereceu às editoras: "Na minha experiência até agora, foi nas pequenas editoras independentes, e não nos grandes consórcios editoriais, onde mais abertura encontrei para propor livros e autores brasileiros" (Abramo, 2021ABRAMO, Paula (2021). Ieda Magri e André Conforte entrevistam Paula Abramo, tradutora e poeta mexicana. Matraga, Rio de Janeiro, v. 28, n. 52, p. 192-198., p. 195). Não foi à toa que duas das suas traduções encontraram acolhida na Kriller71 Ediciones: O livro das semelhanças, de Ana Martins Marques, e O útero é do tamanho de um punho, de Angélica Freitas. Assim como a de Aníbal Cristobo, sua contribuição é extensa: Raul Pompeia, Clarice Lispector, Luiz Ruffato, Verônica Stigger, Bruna Kalil Othero, entre outros autores ganharam alguma circulação em língua espanhola por sua iniciativa.

Contudo, na entrevista já citada anteriormente, Aníbal Cristobo deixa claro que não interessa tanto a ele que os poetas sejam brasileiros, mas que escrevam uma poesia que tenha afinidade com a poesia que ele imagina que possa interessar aos leitores do catálogo:

[Ser brasileiro ou não] Não é uma coisa que fica enfatizada, porque eu acho que o fato de os autores serem brasileiros não é uma característica literária, diferencial nesse sentido. Para mim, teria sentido essa hipótese da literatura mundial, porque eu acho que quebra o tópico de pensar "Ah, a literatura brasileira não conheço, mas deve ser uma coisa muito colorida, muito exótica, muito Carmem Miranda, sei lá". O interessante é que os autores e as autoras que publiquei — e a própria literatura que eles escrevem explica isso —, não respondem a esse possível tópico. Eu não sei se tem muitas características nacionais. Mas em relação à curadoria que foi feita, é sempre um jeito de circular materiais que primeiro geram um tipo de entusiasmo em mim como leitor, e a editora também se desdobra a partir do blog escolhas afetivas [http://asescolhasafectivas.blogspot.com], a partir da ideia de que você está compartilhando um tipo de leitura que acha interessante. No caso, quando eu vim morar aqui, percebi que tinha muita coisa que eu achava interessante e que não circulava. Então tem também essa diferença, no sentido do gosto literário que eu posso ter como latino-americano e da cena literária espanhola, que tem uma defasagem importante também […]. Então a minha ideia foi colocar na corrente a poesia — brasileira e não brasileira — que eu achava interessante e que não via editada aqui (Cristobo, 2022CRISTOBO, Aníbal (2022). Aníbal Cristobo: entrevista [15 dez. 2022]. Entrevistadora: Ieda Magri. Barcelona.).

O prólogo de Edgardo Dobry para o livro Metade da arte, de Marcos Siscar, vai nessa mesma direção:

Lo cierto és que el trabajo ensaístico de Siscar complementa y sustenta su obra poética, en la estela de Eliot y Pound, de Valéry y Auden, de Geotfried Benn e Ingebord Bachman. Ese el tronco del siglo XX que Siscar continúa en el XXI, desde su tiempo y desde su posición. Tiempo y posición particulares para un poeta brasileño: a diferencia de la América que habla castellano y de la que habla inglés, la América portuguesa solo tiene interlocutores a través de la traducción, de la apropiación, de la adaptación. Siscar le dá al portugués una textura permeable a esas voces con las que su propia reflexión dialoga, y pone a la poesia brasileña en el mapa de la contemporaneidad, sin un ápice de color local, de tropicalismo o de provincianismo nacional — esa es la ambición de la poesia: no estar destinada a su vecino y cómplice, sino a todo lector atento e interesado en escuchar. En este aspecto, la traducción de Aníbal Cristobo cumple un papel esencial: hacer que el verso castellano, tan distinto del portugués — mas plano, en cierto modo, por nuestro restringido sistema vocálico —, se impregne de la rica modulación de la poesia de Siscar. De este modo, el puente entre São Paulo y Barcelona adquiere un matiz felizmente excepcional: a diferencia de lo que es usual — que los poetas se conozcan fuera de sus países cuando son mayores, laureados y quizás muertos; es decir, en cierto modo, cuando ya es demasiado tarde —, La mitad del arte nos acerca a una voz y a una poética de plena vigencia, tan estimulante para nuestra lectura (Dobry in Siscar, 2014SISCAR, Marcos (2014). La mitad del arte. Trad.: Aníbal Cristobo. Barcelona: Kriller71., p. 9-10, grifos meus).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O pouco interesse na literatura brasileira em termos de mercado passa pelo pouco prestígio da língua portuguesa, e esse é um problema de fato no presente internacionalizado, no qual o Brasil busca ainda uma linguagem própria para sua inserção em outros mercados. Essa linguagem-Brasil não passa mais por uma questão identitária; os escritores não precisam mais pensar sobre a natureza do país ou de sua língua, o que é extremamente libertador, no entanto não vejo como pensar em apenas uma linguagem-Brasil, como fica muito claro quando analisamos a circulação da literatura brasileira na Espanha. Penso que isso vale para outros países também, como a França, de acordo com os trabalhos tanto de Agnes Rissardo (2015RISSARDO, Agnes (2015). Literatura brasileira, cidadã do mundo. In: BASTOS, Dau; PIETRANI, Anelia; OLIVEIRA NETO, Godofredo de; FARIA, Maria Lucia Guimarães de. (org.). Fórum de Literatura Brasileira Contemporânea: ensaios e entrevistas. Rio de Janeiro: EdUerj. p. 101-118.) como de Carmen Villarino Pardo (2014VILLARINO PARDO, María del Carmen (2014). Imagem e(m) exportação: exibição e negócio nas feiras internacionais do livro – o caso do Brasil. In: BARBERENA, Ricardo; CARNEIRO, Vinícus (org.). Das luzes às soleiras: perspectivas críticas na literatura brasileira contemporânea. Porto Alegre: Luminara. p. 57-83.; Carmen 2018VILLARINO PARDO, María del Carmen (2018). Las ferias internacionales del libro y la condición de invitado de honor: Un escaparate (también) para la promoción de la lectura en el exterior? Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, n. 55, p. 161-176. https://doi.org/10.1590/10.1590/2316-4018559
https://doi.org/10.1590/10.1590/2316-401...
). Por lá, circulam tanto uma literatura mais cosmopolita, que dialoga com a literatura universal (com Clarice) ou mesmo com a literatura moderna europeia (com Marcos Siscar, conforme aponta Dobry), quanto a mais localizada territorialmente, a que joga com o Brasil-fetiche (o do carnaval, da beleza natural, da bossa-nova ou do futebol) ou com o Brasil-problema (o da miséria, das favelas, da violência urbana). Nesse sentido, há muitos brasis e há várias linguagens-Brasil, uma literatura muito diversa em temas e também em formas.

Em termos de política cultural, faz falta um investimento mais sistemático em direção à marca Brasil (formas como o país pode ser representado) e em termos de linguagens-Brasil (formas de circulação cultural propriamente dita: seja literatura, seja música, seja cinema, sejam artes visuais). A circulação de Clarice Lispector (que considero plenamente inserida no sistema literário mundial) ou de livros mais pontuais como Torto arado, de Itamar Vieira Júnior, ou, antes, Barba ensopada de sangue, de Daniel Galera, sedimenta essas linguagens-Brasil dizendo o que é a literatura brasileira hoje. Sempre se pode entrar na questão da qualidade literária. Como fazer circular um nome como o de Clarice Lispector ou o de Machado de Assis se não há mais Machados nem Clarices? Penso na internacionalização da literatura latino-americana de língua espanhola por meio de Roberto Bolaño, por exemplo; ou da italiana mediante Elena Ferrante; ou da norueguesa por Karl Ove Knausgard, e assim poderíamos seguir por muitos parágrafos, elencando os grandes nomes da melhor literatura dos últimos anos e que suscitou interesse mundial.

Mas esse não é um problema apenas brasileiro ou mesmo da língua portuguesa no mundo. O El País de 29 de setembro de 2022 estampou a manchete: "La mediocre posición de la literatura en español en Europa. Traductores de múltiples países reclaman un canon de la creación española y ayudas que permitan mayor expansión" (González Harbour, 2022GONZÁLEZ HARBOUR, Berna (2022). La mediocre posición de la literatura em español em Europa. El País, Madri. Disponível em: https://elpais.com/cultura/2022-09-29/la-mediocre-posicion-de-la-literatura-en-espanol-en-europa.html. Acesso em: 29 set. 2022.
https://elpais.com/cultura/2022-09-29/la...
). Um dos problemas que a matéria aponta é a "humildade" do investimento. Outro, a ausência de um cânone único na língua, o que se traduz por "a literatura espanhola não tem geografia", não tem "fio condutor", como a francesa, por exemplo. Mais um: "Nos últimos 25 anos foram descobertos mais escritores franceses ou italianos que espanhóis". Ou seja, não há um grande nome que alavanque a internacionalização. Outro problema que chama especial atenção: apenas dois terços dos 70 livros em espanhol editados nos dois últimos anos por ocasião da participação da Espanha como país convidado na Feira de Frankfurt são da Espanha, os outros são de autores latino-americanos, especialmente mulheres: Samanta Schweblin e Mariana Enriquez, argentinas, fato inédito até agora. Na Holanda também é mais abundante o que vem da Colômbia, da Argentina e do México. A Espanha vai perdendo posições no ranking mundial. Segundo a matéria, em anos anteriores teria ocupado o terceiro lugar em traduções na França, agora está em quinto: depois do inglês, do japonês, do alemão e do italiano. O português nem é comentado.

Na Europa, os livros de autores brasileiros não estão entre os latino-americanos, mas na estante "Narrativa portuguesa traduzida". Esse é o exemplo mais claro de que o problema da internacionalização tem a ver com a indústria da língua, como já apontava Josefina Ludmer (2013LUDMER, Josefina (2013). Aqui, América Latina: uma especulação. Tradução: Rômulo Monte Alto. Belo Horizonte: Editora UFMG., p. 156) em Aqui, América Latina: "Em 1991 é criado o Instituto Cervantes, para promover o espanhol internacionalmente; a Real Academia se moderniza e impulsiona a Associação das Academias da Língua Espanhola, para salvaguardar a unidade do idioma; adota como lema ‘Unidade na diversidade’", com o objetivo de criar "unidade do idioma e a promoção internacional". Tanto a Real Academia Espanhola (RAE) como o Cervantes caracterizam o espanhol como "língua de encontro, instrumento de comunicação e pátria comum". Diz ainda Ludmer (2013LUDMER, Josefina (2013). Aqui, América Latina: uma especulação. Tradução: Rômulo Monte Alto. Belo Horizonte: Editora UFMG., p. 156):

Se a unidade é a primeira regra da política da língua e a primeira do império, a diversidade é a primeira regra do mercado. A RAE fala da língua com a mesma linguagem do velho império espanhol e apregoa a mesma política da emoção e da língua, como uma pátria que já não é a nacional […]. As políticas da língua são atualmente políticas econômicas da globalização, políticas imperiais e também políticas dos sentimentos (do apego).

Essa preocupação ou esse uso estratégico da língua como política de expansão não existe tão visivelmente no Brasil em conjunto com Portugal ou com os países africanos que falam a língua portuguesa. No Brasil, falta um Instituto Cervantes ou um Instituto Camões (que faz investimentos e, portanto, mais divulgação e manutenção de cursos de português de Portugal pela Europa). Há sempre a questão de se existem duas línguas ou quem sabe três línguas portuguesas. Não estou reivindicando uma língua única, homogênea, mas, ao contrário, o investimento real na divulgação tanto da língua como da literatura brasileira como política do Estado, e não dos escritores, ou da literatura. Se os autores se libertaram da necessidade de representar um país, o Estado não: ele deveria garantir, num mundo globalizado, as possibilidades primeiras de exportação da literatura brasileira com incentivos tanto para a tradução quanto para a edição e divulgação.

Ainda que recentemente tenha sido criado o Instituto Guimarães Rosa, por enquanto ele é apenas um novo nome para os centros culturais brasileiros no exterior, carecendo tanto de políticas de atuação quanto de investimento financeiro. O projeto de apoio à tradução da FBN, que tinha ganhado um impulso importante em 2011 como contrapartida à participação na Feira de Frankfurt em 2013, garantindo um investimento de 12 milhões de reais na tradução de autores brasileiros até 2020, minguou a 80 mil reais no biênio 2022-23. É como se não existisse.

Esperamos que, com a mudança no horizonte político, o país retome o investimento nas políticas públicas de promoção da cultura em geral e da literatura em seus projetos específicos para que se possa, pelo menos, voltar a falar da circulação da literatura brasileira no exterior e, quem sabe, investir em reais estratégias de inserção de grandes nomes de autores brasileiros no sistema literário mundial.

Notas

  • 1
    Analiso a Coleção Boca a Boca, realizada em parceria entre as editoras Yaugurú e Grua com o apoio da FBN, em Magri (2016)MAGRI, Ieda (2016). Sob suspeita. A literatura brasileira no Uruguai. Sinais Sociais, Rio de Janeiro, v. 11, n. 32, p. 33-59..
  • 2
    "Fiz a tradução, na Espanha, do primeiro livro de Clarice Lispector [1920-1977], Perto do coração selvagem. Até meados dos anos 1990, ela também era desconhecida entre leitores, editores e críticos espanhóis. Hoje, a autora é a mais editada e reconhecida, do mundo literário brasileiro, aqui" (Queiroz, 2019QUEIROZ, Christina (2019). Basilio Losada: mediador literário. Revista de Pesquisa Fapesp, n. 278. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/basilio-losada-mediador-literario/. Acesso em: 28 dez. 2022.
    https://revistapesquisa.fapesp.br/basili...
    ).
  • 3
    O número 25 da revista Machado de Assis em Linha dá um bom panorama da tradução de Machado pelo mundo. Remeto também à entrevista com Moema Salgado e Fábio Lima da FBN: "A nossa estatística nos últimos anos aponta que os principais [autores traduzidos no exterior] são os clássicos: Machado de Assis, Clarice Lispector e Jorge Amado para as bolsas de tradução" (Rissardo; Magri, 2015RISSARDO, Agnes; MAGRI, Ieda (2015). A literatura brasileira no exterior: Moema Salgado e Fábio Lima (FBN). Revista Z Cultural, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1. Disponível em: http://revistazcultural.pacc.ufrj.br/a-literatura-brasileira-no-exterior-moema-salgado-e-fabio-lima-fbn/. Acesso em: 15 abr. 2024.
    http://revistazcultural.pacc.ufrj.br/a-l...
    ). Consultar ainda: Loio (2011)LOIO, Leonardo (2011). Literatura brasileira no exterior: os 12 autores nacionais mais lidos no mundo. Blog da Estante Virtual. Disponível em: https://blog.estantevirtual.com.br/2011/11/21/literatura-brasileira-no-exterior-os-12-autores-nacionais-mais-lidos-no-mundo/. Acesso em: 15 abr. 2024.
    https://blog.estantevirtual.com.br/2011/...
    .
  • 4
    Diz Haroldo de Campos em "A explosão dos gêneros literários na América Latina": "O crítico latino-americano, sobretudo no atual momento de emergência de nossas literaturas para o cenário mundial, não pode ter duas almas, uma para considerar o legado europeu, outra para encarar o caso particular de sua literatura. Deve situar-se diante de ambos com uma mesma consciência e um mesmo rigor, e somente dessa atitude exemplarmente radical pode resultar o reexame da nossa historiografia literária, que nem por ser relativamente recente está livre dos clichês da sensibilidade, da repetição irrefletida e monótona de julgamentos preconcebidos, que não resistem a uma análise instrumentada" (Campos, 1979CAMPOS, Haroldo de (1979). Ruptura dos gêneros na literatura latino-americana. In: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (org.). América Latina em sua literatura. Coordenação e introdução: César Fernández Moreno. São Paulo: Perspectiva. p. 281-305., p. 287).
  • 5
    Discuto essa questão em Magri (2019MAGRI, Ieda (2019). O Brasil na América Latina: diante de uma ideia de literatura mundial. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, n. 56, p. 1-14. https://doi.org/10.1590/2316-40185621
    https://doi.org/10.1590/2316-40185621...
    ).
  • 6
    A quem agradeço a gentileza do envio do texto.
  • 7
    Conforme informa Elena Losada em entrevista feita para este artigo e ainda não publicada. A Universidad Autonoma de Barcelona tem um ciclo de debates que leva o nome da escritora: No només Clarice Lispector, disponível em: https://webs.uab.cat/centrodelinguaportuguesacamoes/2017/02/07/ciclo-no-nomes-clarice-lispector/. Acesso em: 20 abr. 2024. Ainda o plano docente do professor Pere Comellas Casanova inclui Clarice Lispector e Haroldo de Campos, entre outros autores, conforme disponível em: http://grad.ub.edu/grad3/plae/AccesInformePDInfes?curs=2022&ass. Acesso em: 21 abr. 2024.
  • 8
    A polêmica pode ser acompanhada em: http://asescolhasafectivas.blogspot.com/search?q=anibal+cristobo, com acesso em: 20 abr. 2022, por meio da última resposta de Cristobo: "Cartas de amor : critica brasileira limitada: para que ninguém fique com sono: correspondência completa fortuna-cristobo de leitura inversa".
  • Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Jovem Cientista do Nosso Estado); Universidade do Estado do Rio de Janeiro — Prociência; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (bolsa de pesquisa nível 2).

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Editora de Seção: Leila Lehnen
Editores: Paulo César Thomaz e Rejane Pivetta

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2023
  • Aceito
    16 Abr 2024
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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