Open-access Entre-alteridades que pulsam: o motivo do olhar nas narrativas de Clarice Lispector

Between pulsating inter-alterities: the motif of the gaze in Clarice Lispector’s narratives

Entre-alteridades palpitantes: el motivo de la mirada en las narrativas de Clarice Lispector

Resumo

O presente artigo baseia-se na hipótese de que é possível reconhecer nas narrativas claricianas uma espécie de consciência anímica, que refletiria a ideia da crença em mais de um mundo ou natureza, oculta sob os mantos da civilização/domesticação humana. Os seres não humanos, sobretudo os animais, ganham nas prosas de Clarice Lispector um lugar de perspectiva que os definem na relação com o outro e com o mundo. Conforme esse pressuposto, o artigo dedica-se à análise de algumas passagens em contos de Clarice, com especial atenção ao conto “Amor”, dando ênfase ao olhar e ao motivo do olhar nas narrativas, na busca pela compreensão — anímica — dessas relações entre as personagens. A partir do momento em que ousam olhar o mundo não apenas como um constructo civilizacional dito humano, tais personagens, humanas e inumanas, ampliam seu olhar para aquilo que é diferença, lançando-se ao mistério da alteridade.

Palavras-chave: Clarice Lispector; animismo; alteridade

Abstract

This article is based on the hypothesis that it is possible to recognize in Clarice Lispector’s narratives a kind of soul consciousness, reflecting the belief in multiple worlds or natures hidden under the cloaks of human civilization/domestication. Non-human beings, especially animals, gain in Clarice Lispector’s prose that defines them in their relationship with others and with the world. According to this assumption, the article focuses on analyzing certain passages in Clarice’s short stories, with special attention to the story “Love,” emphasizing the gaze and the reason for the gaze in the narratives and the search for an understanding — psychic — of these relationships between the characters. From the moment they dare to look at the world not only as a so-called human civilizational construct, these characters broaden their perspective on what is difference, delving into the mystery of otherness.

Keywords: Clarice Lispector; animism; otherness

Resumen

Este artículo parte de la hipótesis de que es posible reconocer en las narraciones de Clarice Lispector una especie de conciencia anímica, que reflejaría la creencia en múltiples mundos o naturalezas, ocultos bajo los mantos de la civilización/domesticación humana. En la prosa de Lispector, los seres no humanos, especialmente los animales, ocupan un lugar de perspectiva que define su relación con los demás y con el mundo. Partiendo de este supuesto, el artículo analiza algunas pasajes en los cuentos de Clarice, con especial atención al cuento “Amor”, enfocándose en la mirada y en el motivo de la mirada en las narraciones, para buscar una comprensión — anímica — de las relaciones entre los personajes. Desde el momento en que se atreven a mirar el mundo no solo como una construcción civilizatoria humana, estos personajes, humanos y no humanos, amplían su visión hacia lo diferente, aventurándose en el misterio de la alteridad.

Palabras-clave: Clarice Lispector; animismo; alteridad

INTRODUÇÃO

Comecemos, in media res, com um excerto do conto “Tentação”, de Clarice Lispector (2016, p. 314, grifo nosso):

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva. Na rua vazia as pedras vibravam de calor — a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos.

Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo. Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro.

A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se olhavam.

O olhar trocado entre uma menina e um cachorro, ruivos, em uma tarde ardente em Grajaú, é o leitmotiv com que abrimos este artigo, cujo principal objetivo é acompanhar a encenação de olhares entre humanos e não humanos (animais, coisas e forças da natureza) no conto “Amor”, de Clarice Lispector (2016), com base na premissa de que esse é um encontro entre alteridades que se enfrentam e se estranham, sem que seja estabelecida entre ambas — que se constroem como intencionalidades pulsantes — nenhuma hierarquia que privilegie o Homo sapiens.

Incorporamos os argumentos de Alexandre Nodari (2021), que reconhece nas narrativas claricianas uma espécie de consciência animista, entendida como uma crença na coexistência de múltiplos mundos ou naturezas, muitas vezes obscurecida pelas civilização e domesticação humanas. Essa ocultação atribui ao Homo sapiens papel central na construção de um mundo que, embora seja concebido como domesticado pela objetividade, ainda pulsa com intenção e subjetividade para aqueles que refinam o seu olhar.

No contexto das discussões contemporâneas em torno do animismo, ele aparece como um modo de articulação da objetificação da natureza. O animismo postula o caráter social das relações humanas e não humanas presente no intervalo entre a natureza e a cultura, questionando os limites das noções de humanidade. Ao contrário do mundo ocidental, nos mundos ameríndios, essencialmente anímicos, o substrato dos seres vivos, em vez de ser o natural (físico-químico), é o substrato humano (cultural), ou antropomorfo. Toda forma de ser possui dimensão humana. É possível afirmar, por exemplo, que, para a ontologia anímica presente entre os povos ameríndios, o que para nós são os seres da natureza (vegetais, animais, ambiente, território) são também sujeitos. Mas não sujeitos porque humanos, mas também humanos porque sujeitos, isto é, “a cultura é a natureza mesma do sujeito” (Castro, 2002). Tal dimensão, no entanto, é geralmente invisível para os outros grupos, e a visibilidade do ser gente depende, então, do ponto de vista assumido. O olhar define os mundos.

Assim ocorre nas narrativas de Clarice Lispector, e o trecho supracitado é exemplar. Menina e cachorro, “metades” que se encontram em Grajaú, olham-se e reconhecem-se como copertencentes naquela tarde sufocante, “no meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança vermelha” (Lispector, 2016, p. 314), declara o narrador. E continua: “Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se com urgência, com encabulamento, surpreendidos” (Lispector, 2016, p. 314).

A comunicação estabelecida entre menina e cachorro é muda, mas efetiva e pungente, sem assimetrias ontológicas, o que vai se repetir em diversas outras narrativas da autora, configurando um motivo, aquele dado pela troca de olhares entre o humano e o não humano, como forma de apreensão e cognição das alteridades radicais1.

Tal troca de olhares encapsula a essência da narrativa clariciana. Nesse encontro não há distinção hierárquica entre as duas formas de vida; ambas são dotadas de uma agência subjetiva que transcende as categorias convencionais de humano e não humano. A comunicação silenciosa, mas profundamente significativa, reflete uma consciência animista que permeia as obras de Clarice Lispector, sugerindo uma visão de mundo em que todas as formas de vida compartilham uma mesma essência vital. As personagens reconhecem-se como copertencentes naquele momento fugaz, encontrando conforto e entendimento mútuo sem a necessidade de palavras, pois a razão do olhar é suficiente para expressar seus desejos, necessidades e emoções mais profundas.

Assim, o encontro entre a menina ruiva e o cachorro ruivo em “Tentação” pode ser pensado como um microcosmo das interações entre humanos e não humanos em suas narrativas, destacando a igualdade de status e a interdependência. Nesse contexto, o encontro entre a menina e o cachorro não é apenas mera coincidência, mas sim um momento de comunhão entre duas entidades animadas por uma intencionalidade compartilhada.

Viveiros de Castro (2002) argumenta que o animismo é uma forma de olhar para o mundo que reconhece a presença de subjetividade e intencionalidade não apenas nos seres humanos, mas também em outras formas de vida e entidades da natureza. Na cena descrita por Clarice Lispector (2016), a menina e o cachorro estabelecem uma comunicação silenciosa e íntima, baseada na troca de olhares e na empatia mútua. Esse encontro sugere que o cachorro não é apenas um animal inconsciente, mas sim um ser dotado de uma subjetividade própria, capaz de se comunicar e se relacionar com a menina em um nível mais profundo.

Com base na premissa da consciência anímica presente no texto clariciano, argumentamos que esse encontro é significativo, porque desafia a distinção convencional entre sujeito e objeto, destacando a igualdade de status dos dois olhares envolvidos/encontrados. A menina e o cachorro basset compartilham uma característica em comum: ambos são ruivos, uma característica que na narrativa é associada à revolta e à singularidade em uma terra de morenos. Essa semelhança reforça ainda a ideia de que não há distinção rígida entre humanos e não humanos, porém uma continuidade de identidades e experiências que transcende as categorias convencionais e questiona o isolamento metafísico do Homo sapiens, que fundaria toda uma ontologia naturista (ocidental).

Na ontologia heideggeriana, por exemplo, planta e animal são desprovidos de mundo, mas pertencem ao afluxo velado de uma envolvência, na qual estão postos pelo ser humano. A camponesa, pelo contrário, tem um mundo, porque se detém no aberto do ente (Heidegger, 1998, p. 42). Essa diferença qualitativa e fundamentalmente ontológica que distingue a pedra, o vegetal, o animal do ser humano deve ser maior ainda do que, por exemplo, a diferença qualitativa que a matéria inorgânica detém com a vida. Isso implica que o abismo entre o ser humano, centro ontológico por excelência, e o não humano, para Heidegger (1998) e para o pensamento fundado em uma ontologia naturista, seja muito mais significativo do que aquele entre a matéria morta e a matéria viva. Assim como o conceito de vida é incapaz de fundir a humanidade enquanto atributo do ser-aí com os demais vivos, o conceito de corporeidade também parece insuficiente para isso.

Na mesma medida, o olhar, como forma de estar e perceber o mundo, é também insuficiente aos seres não humanos. Assim como a vida, para uma ontologia naturista, o olhar não poderia fundar um mundo. Na ontologia anímica o olhar é a razão do mundo. Conforme essa inversão de mundos-olhares, propusemo-nos a nos debruçar em olhares presentes nas narrativas de Clarice Lispector (2016), de maneira especial no conto “Amor”.

Nodari (2021) ocupa-se desse estranhamento em Clarice Lispector, fundamentando-se no confronto com diferentes alteridades que ocorre no domínio do infamiliar, um termo que deriva do conceito alemão Das Unheimliche, cunhado por Freud. Há que se destacar que esse conceito se refere a uma sensação de estranhamento provocada por algo que era familiar, mas que deixou de sê-lo. A palavra Unheimliche vem de Heim, que significa lar, introduzindo uma noção de familiaridade, mas também é a raiz da palavra Geheimnis, que pode ser traduzida como segredo, sugerindo algo que deve permanecer oculto. Em português, Das Unheimliche já foi traduzido como O estranho e, mais recentemente, como O inquietante; em outras línguas, encontramos equivalentes como A inquietante estranheza, O inquietante familiar, O sinistro, O ominoso, O perturbador, entre outros. Tais percepções sobre o infamiliar colocam o termo em um contexto ambivalente de inquietude e familiaridade ao mesmo tempo, não podendo ser pensado de forma dissociada. Curioso é que a palavra infamiliar aparece três vezes no livro, não sem razão intitulado Laços de família, de 1960:

De sua parte, Laços de família parece apontar para a radicalização de um duplo movimento presente desde o início na ficção clariciana: por um lado, os laços familiares, socialmente familiarizados, aparecem não só para unir, como também para prender, enlaçar, servindo como instrumentos de domesticação que alocam cada um em seu lugar; e, por outro, nas margens do familiar, nas bordas dos laços do domesticado, começam a aflorar cada vez mais uma série de figuras que depois dominarão quase que por completo sua obra — “loucos”, criados, animais, espaços “naturais” domesticados na cidade, cercados por ela (jardins zoológicos ou botânicos) etc. Como uma verdadeira legião estrangeira — de sentido completamente oposto à da formação militar com esse nome —, tais figuras vão ganhando cada vez mais o centro da cena da obra de Clarice, questionando e revelando a violência das relações domesticadas e domesticantes (Nodari, 2021, p. 31-32).

A aproximação com o conceito freudiano, no entanto, deve ser feita com cautela, mantendo as distinções adequadas, como ressalta o próprio Nodari (2021). Enquanto Freud fala de “crenças anímicas infantis” que teriam sido reprimidas e superadas pelo processo civilizatório, Nodari (2021) fala, com base na prosa de ficção de Clarice Lispector, sobre a (re)emergência da percepção do animismo, da existência de mais de um mundo ou natureza, que o processo de domesticação e familiarização teria ocultado. Nesse contexto, o infamiliar na obra de Clarice Lispector é a atmosfera do encontro sobrenatural entre mundos ou naturezas, um argumento que dialoga com as discussões levantadas pelo debate contemporâneo a respeito do animismo conforme uma importante categoria: a sobrenatureza.

Por sobrenatureza, entende-se o não reconhecimento da tradicional distinção entre natureza e cultura pelas culturas ameríndias, esse lugar híbrido, amorfo, onde ambos os domínios se confundem e predomina o sobrenatural, e as metamorfoses podem acontecer. Espaço em que as leis da causalidade das ciências modernas não vigoram e que por isso é entendido como pertencente ao mundo da cultura.

O conceito de sobrenatureza nos mundos anímicos é codependente da noção de perspectivismo defendida por Viveiros de Castro (2002), que o toma como um importante aspecto das culturas ameríndias do Novo Mundo. Também Bruno Latour (2004) contribui para pensarmos a noção de sobrenatureza pelo animismo, uma vez que ela é fundamental em sua abordagem para compreender a relação entre humanos e não humanos, bem como as interações entre natureza e cultura.

De acordo com o argumento de que a modernidade ocidental segrega de maneira artificial o mundo natural do mundo humano, criando uma dicotomia entre esses dois domínios, a sobrenatureza, para Latour (2004), é uma maneira de transcender essa dicotomia, reconhecendo que não existe uma separação rígida entre natureza e cultura. Em vez disso, o autor propõe uma visão em que humanos e não humanos coexistem e se influenciam mutuamente, formando uma rede complexa de relações. Essa visão desafia as concepções tradicionais de natureza como algo apartado dos seres humanos e subordinado a eles e enfatiza a necessidade de reconhecer e respeitar a agência e a autonomia de outros seres.

Para a aproximação com a prosa clariciana, é importante compreender alguns aspectos do animismo, aqui representado pelo perspectivismo ameríndio. Ouçamos Viveiros de Castro (2007, p. 8):

A noção de que o mundo é povoado por um número indefinidamente grande (de direito, indeterminado) de espécies de seres dotados de consciência e cultura. Isso está associado à ideia de que a forma manifesta de cada espécie é um envoltório (uma roupa) a esconder uma forma interna humana, normalmente visível aos olhos da própria espécie ou de certos seres transespecíficos (os xamãs). Essa forma interna é o espírito do animal: uma intencionalidade ou subjetividade formalmente idêntica à consciência humana, materializável, digamos assim, em um esquema corporal humano oculto sob a máscara animal.

O que de fato é novo nessa cosmologia animal é a assunção de que “cada uma dessas espécies é dotada de um ponto de vista singular, ou melhor, é constituída como um ponto de vista singular” (Castro, 2007, p. 8). Cada espécie de ser, incluindo a nossa, vê a si mesma como humana e vê os elementos-chave de seu ambiente como objetos culturalmente construídos, por exemplo, o sangue dos animais que as onças matam é visto por elas como cerveja de mandioca. Por outro lado, os animais não veem os humanos como humanos, e sim como animais de presa, por exemplo, as onças veem os humanos como porcos-do-mato. Essa visada que encena perspectivas múltiplas e autoexcludentes — afinal, ao mesmo tempo que a onça vê o humano como caça, o humano a vê como presa — inspira a interpretação de Nodari (2021) acerca da prosa de Clarice Lispector, que aponta certo perspectivismo anímico combinado a um monismo de fundo, que configura aquilo que Gnutzmann e Ferreira (2020) chamam de “o motivo do olhar”: “Trata-se, de fato, de um encontro no sentido forte, na medida em que esse outro não apenas é olhado pelo sujeito, pelas personagens de Clarice, mas olha de volta: esse outro não é apenas objeto do olhar alheio, mas sujeito da ação de ver” (Nodari, 2021, p. 36). Há, nas narrativas de Clarice Lispector (2016), a problematização dessa assimetria configuradora dos olhares entre humanos e não humanos que é tomada como óbvia pelo pensamento ocidental, o qual entenderá que o olhar não humano não tem intencionalidade — não “cria mundos”.

Para Stengers (2018), a noção de sobrenatureza pode desafiar a visão tradicional de uma separação rígida entre humanos e não humanos e entre natureza e cultura. Se no contexto do animismo os seres não humanos são vistos como tendo agência, subjetividade e participação ativa no mundo, em vez de serem simplesmente objetos passivos de exploração humana, a autora sugere que, a um olhar curioso sobre o que se chamou de sobrenatureza, compartilha essa perspectiva, reconhecendo a presença de múltiplas formas de vida e inteligência no mundo, além da humana. Segundo ela, a questão surge de uma definição problemática da natureza, ou do natural, considerado aquilo que a ciência ou a racionalidade eventualmente são capazes de explicar. Por sua vez, ao sobrenatural resta tudo aquilo que pode desafiar as explicações científicas de forma significativa e prejudicial.

Portanto, de acordo com Stengers (2018), a sobrenatureza e o animismo oferecem uma abordagem mais inclusiva e respeitosa em relação ao dito mundo natural, aqui encarado como agente, convidando-nos a repensar nossas relações com todos os seres vivos e a reconhecer suas importância e dignidade intrínsecas. O convite da autora para reativar o animismo se sustenta então não em sua eficácia, mas em sua capacidade de recuperar agenciamentos que provocam transformações metamórficas e atuam diretamente nas nossas habilidades de afetar e ser afetado, de “honrar a criação de conexões” (Stengers, 2018).

Ao levantar uma proposição cosmopolítica, Stengers (2018) fornece-nos reflexões acerca de outras formas de percepção do mundo pautadas na ontologia naturista e nas relações por que o perpassam. O político ultrapassaria as fronteiras da humanidade estabelecida pelos ideais ocidentais, alargando os limites do conhecimento para além das fronteiras da ciência moderna, ancorando-se na pluralidade e na legitimidade de formas outras de se relacionar e de perceber a vida. A noção de uma unidade envolvendo a crença em um único cosmos e um mundo comum, formativa do pensamento ocidental, acaba desconsiderando a multiplicidade existente, sempre colocando os parâmetros dominantes na posição de englobantes e suficientes.

Nessa mesma direção, Ailton Krenak (2020) interpela uma pretensa universalidade que tenta, a todo momento, alocar ideias aparentemente similares em lugares de proximidade, desconsiderando suas diferenças. Nesse sentido, o animismo aparece como crítica cosmopolítica também em seu pensamento. Para o pensador indígena, reduzir a humanidade apenas ao Homo sapiens retira os direitos de sobrevivências dos demais seres, tornando legítima a sua destruição, afinal, enxergando por esse ponto de vista, eles estão ali apenas para servir de recursos à casta superior de humanidade, aqueles que estão incluídos na cartilha dos direitos humanos (Krenak, 2020, p. 10).

Com base nessa ideia de humanidade superior, em que os rios, as florestas e os demais seres fazem parte de uma camada sub-humana, a poluição dos rios e o desmatamento das florestas tornam-se aceitável. Krenak (2019) também sublinha o aspecto de “a queda do céu”, de apresentar outra forma de vida, uma forma na qual os sujeitos estão em uma relação de respeito, horizontalizada e demarcada pelas subjetividades e pelas diferenças, assim respeitadas (Krenak, 2019, p. 25).

Em consonância com tais pensamentos anímicos, Marco Antônio Valentim (2018) denuncia o isolamento metafísico do ser humano, que é base para a ontologia naturista, como eco e etnocida, uma vez que reduz à categoria sobrenatureza aquela realidade que não se consegue capturar. Buscando aproximar a ideia de sobrenatureza anímica das narrativas de Clarice Lispector (2016), tomemos o pensamento de Viveiros de Castro utilizado por Valentim (2018, p. 28): “O sobrenatural não é o imaginário, não é o que acontece em outro mundo; o sobrenatural é aquilo que quase-acontece em nosso mundo, ou melhor, ao nosso mundo, transformando-o em um quase-outro mundo”. Tal provocação parece refletir o aspecto anímico/sobrenatural que aparece nas narrativas claricianas: o momento do quase-acontecer, ou “a hora perigosa da tarde”, descrita no conto “Amor”, aquele momento em que o olhar desconcerta e desorganiza o cotidiano. O lugar do quase-outro, que antecede a epifania e que leva ao encontro e ao desvelar de alteridades radicais, mais-que-humanas, como veremos.

OLHARES QUE SE CRUZAM

A coletânea de contos Laços de Família — para nos mantermos em um título que dialoga com a hipótese de Nodari (2021) quanto ao aspecto anímico presente em Clarice Lispector — é pródiga em narrativas em que a encenação de olhares se impõe como um desafio existencial. Podemos citar “Amor”, “A imitação da rosa”, “O crime do professor de matemática”, “O búfalo”, “A menor mulher do mundo”2 e até o enigmático “Uma galinha”. Faremos um breve comentário sobre algumas dessas narrativas para depois passar à leitura mais detida do conto “Amor”, que nos direcionará à argumentação principal deste artigo.

Pela ordem de aparecimento na coletânea Laços de família, o conto “Uma galinha” é o terceiro e tem como protagonista uma simples galinha, aliás, protagonista de outros contos, como “Uma história de tanto amor” e o excelente, e enigmático, “O ovo e a galinha”3. O enredo versa sobre a fuga de uma galinha, que seria almoço de uma família, pela janela e a perseguição esbaforida empreendida pelo pacato pai, instado sobre a necessidade dupla de “fazer esporadicamente algum esporte e almoçar” (Lispector, 2016, p. 156). Sobre seu processo de criação, Clarice Lispector (1999, p. 239, grifo nosso) assim diz:

“Uma galinha” foi escrito em cerca de meia hora. Haviam me encomendado uma crônica, eu estava tentando sem tentar propriamente, e terminei não entregando; até que um dia notei que aquela era uma história inteiramente redonda, e senti com que amor a escrevera. Vi também que escrevera um conto, e que ali estava o gosto que sempre tivera por bichos, uma das formas acessíveis de gente.

A afirmação de que os bichos são “uma das formas acessíveis de gente” é curiosa, e totalmente anímica, corroborando ainda mais com a aproximação entre as narrativas claricianas e o animismo. Já sobre sua relação com os animais, que povoam sua obra de forma ostensiva, Clarice Lispector (2018, p. 347, grifos nossos) declara na crônica “Bichos I”:

Mas às vezes me arrepio vendo um bicho. Sim, às vezes sinto o mudo grito ancestral dentro de mim quando estou com eles: parece que não sei mais quem é o animal, se eu ou o bicho, e me confundo toda, fico ao que parece com medo de encarar meus próprios instintos abafados que, diante do bicho, sou obrigada a assumir, exigentes como são, que se há de fazer, pobre de nós. Conheci uma mulher que humanizava os bichos, conversando com eles, emprestando-lhes suas próprias características. Mas eu não humanizo os bichos, acho que é uma ofensa — há de respeitar-lhes a natureza — eu é que me animalizo. Não é difícil, vem simplesmente, é só não lutar contra, é só entregar-se. Mas, indo bem mais fundo, chego muito pensativa à conclusão de que não existe nada mais difícil que entregar-se totalmente. Essa dificuldade é uma das dores humanas.

De início há a afirmação de uma espécie de confusão entre o humano e o animal, para a seguir refletir sobre as dificuldades humanas em “se animalizar” — aparentemente afirmações paradoxais que ora chamam atenção para a tênue linha divisória entre esses âmbitos distintos, ora falam da dificuldade de “entregar-se” à animalidade latente em nós, encoberta pelo verniz da civilização/domesticação. A encenação dessa entrega muitas vezes, em Clarice Lispector, é feita como uma espécie de tentação ao obscuro, e isso é bem claro no conto “Amor”, como veremos a diante.

Outras narrativas também trazem a tentação à entrega como ponto central, como é o caso de “A imitação da rosa”. Nesse conto a protagonista, Laura, recém-restabelecida de um evento de perturbação mental — evento que não é detalhado no texto, porém deixa-se entrever pelas indicações da personagem de ter estado em um local “com enfermeiras” que dela cuidavam e onde recebia periodicamente a visita constrangida do marido —, prepara-se para um jantar na casa de uma amiga juntamente com o marido. A decisão de dar à amiga as rosas que comprara pela manhã na feira é o evento deflagrador de uma crise na qual a personagem questiona a necessidade de se desfazer das rosas (belas, perfeitas e por isso perigosas como uma tentação diabólica), rosas que Laura afirma serem suas como nada antes fora. Sobre as rosas, Laura dirá: “Aquela beleza extrema incomodava. Incomodava? Era um risco” (Lispector, 1998, p. 43).

O título do conto é uma referência à obra místico-devocional A imitação de Cristo, de Thomas Kempis (século XV). Imitar a Cristo (o Deus-homem) é a “pior tentação”, é “estar perdido na luz”, porque implica recusar boa parte dos valores cultivados pela sociedade humana, como o apego à conservação da própria vida, o direito à propriedade, a abdicação de projetos pessoais, o abandono dos laços familiares, entre outros. Há uma simetria entre a imitação de Cristo e a imitação da rosa (a rosa, como o Cristo, é uma tentação para Laura). Assim, como poderíamos entender o signo rosa na economia do conto? Como símbolo da efemeridade ou da perfeição, como aparece em inúmeras tradições literárias em que a rosa é associada à beleza feminina ou então à brevidade da vida? Como elemento que nos fala daquilo que é gratuito, não necessário e inútil em oposição à contabilidade bem-comportada do nosso mundo racional e produtivo? Como tentação a uma vida mais autêntica e livre dos condicionamentos de uma sociedade patriarcal que a encaixam no papel de dona-de-casa-esposa-e-amiga “insignificante”? Talvez todas as alternativas apontadas e outras tantas mais.

As rosas, como o Cristo, apelam à perfeição e à transcendência dos limites a nós impostos por esse mesmo mundo organizado e contabilizado. Convidam (tentam, provocam) Laura a romper com uma bem-comportada rotina de dona-de-casa-tijucana (uma tentação próxima à de Ana no conto “Amor”) e aderir a uma existência pura que não se condiciona às interdições da vida humana, daí que a personagem chamará esse novo modo de existir de super-humano. Há, para o conto, a possibilidade de uma via mística de interpretação, e uma possível referência que perpassa por toda a narrativa é a luz. Nesse último trecho Laura é comparada a um vaga-lume, que tem luz própria, e essa luz parece advir daquilo que a narrativa chama de super-humanidade, algo que, na economia do conto, parece relacionar-se com certa independência física, emocional e ético-moral das expectativas que os papéis sociais exercem sobre o sujeito, entretanto essa possibilidade mística não se encontra no âmbito do sagrado transcendente, e sim em uma espécie de mística não religiosa, à moda do que nos fala Georges Bataille (1992)4.

Nota-se que é o olhar para as rosas que deflagra essa grande crise ético-existencial de Laura, instada a uma super-humanidade de “terrível independência”, em sua “perfeição acordada” e “seu isolamento brilhante”, em que uma coisa “um dia se alastrara clara, como um câncer, a sua alma” e ela procura “um instante imitar por dentro de si as rosas”, o que “não era sequer difícil” para deixar de ser aquela mulher “marrom”, “impessoal”, “um pouco lenta”, “chatinha” e “insignificante” (Lispector, 1998, p. 39-41)5. O texto destaca o olhar de Laura para as rosas, distinguindo, na segunda vez em que ela as contempla, já decidida a dar as rosas para a amiga Carlota, os atos de olhar e ver: “E quando olhou-as, viu as rosas” (Lispector, 1998, p. 46). Olhar é visar, mirar, pôr em perspectiva, voltar-se para, tornar-se disponível para perceber algo; já ver tem relação com pôr reparo, perceber pela visão, apreender/conhecer por meio da visão. Então, está-se dizendo não apenas que Laura enquadrou as rosas em sua perspectiva de visão, mas também que reparou nelas, abrindo-se (disponibilizando-se) para apreender sua exuberante beleza e seu fascínio perigoso.

As rosas são tão perigosas que se tornam responsáveis pelo “retorno” de Laura a esse estado de super-humanidade do qual tão custosamente se mantinha distante. A observação dos dois estados da protagonista Laura — antes da crise e no momento em que ela se torna super-humana —, quando ela aparece internada em uma clínica de recuperação, nos dá pistas interessantes ao entendimento do conto. Laura em crise é, em certa medida, oposição declarada à mulher boa e previsível a quem o adjetivo “castanha” parece designar tão bem que é reiterado repetidas vezes. Agora era uma “perfeição acordada” iluminada por luz interior como um vaga-lume, tão livre de si quanto das determinações sociais que sempre zelou por cuidar. Perigosamente livre.

Outro conto que tematiza essa tentação a algo que, não obstante nos habite, é o obscuro inumano, é “O crime do professor de matemática”. Seu protagonista, como o próprio título do conto diz, é um professor de matemática que está às voltas com a empreitada de enterrar um cão encontrado morto pelas ruas da cidade que habita, mas esse gesto, aparentemente nobre, e não um crime, como o título indica, é uma espécie de ritual para livrar-se da culpa de ter abandonado o próprio cão, em outra cidade, em que antes habitara. E por que fizera isso? Aparentemente porque os limites de uma relação casual entre um homem e um cão haviam se confundindo em demasia. Veja-se por exemplo a reflexão de nosso professor:

Porque eras irredutível. E, abanando tranquilo o rabo, parecias rejeitar em silêncio o nome que eu te dera. Ah, sim, eras irredutível: eu não queria que comesses carne para que não ficasses feroz, mas pulaste um dia sobre a mesa e, entre os gritos felizes das crianças, agarraste a carne e, com uma ferocidade que não vem do que se come, me olhaste mudo e irredutível com a carne na boca. Porque, embora meu, nunca cedeste nem um pouco de teu passado e de tua natureza. E, inquieto, eu começava a compreender que não exigias de mim que eu cedesse nada da minha para te amar, e isso começava a me importunar. Era no ponto de realidade resistente das duas naturezas que esperavas que nos entendêssemos: Minha ferocidade e a tua não deveriam se trocar por doçura: era isso o que pouco a pouco me ensinavas, e era isto também que estava se tornando pesado. Não me pedindo nada, me pedias demais. De ti mesmo, exigias que fosses um cão. De mim, exigias que eu fosse um homem (Lispector, 2016, p. 244, grifos nossos).

Um cão que não se humaniza, um animal humano que não abdica disso (“o quê?”, eis a pergunta) que o faz ser de/da cultura. Duas alteridades que se encontram, se estranham (“resistem”) e se querem bem. É essa, aparentemente, a proposta do cão para o professor de matemática, mas este não parece estar pronto para um encontro dessa natureza e por isso comete o crime sem perdão possível de abandonar o cão, este que “eras todos os dias um cão que se podia abandonar” (Lispector, 2016, p. 244). O sentido que o termo homem ganha no contexto do conto parece indicar um pouco mais (ou menos) do que essa organização ético-político-moral que se equilibra entre pulsões e interditos no cimo do edifício da civilização. O que é um homem, na concepção de Clarice Lispector? Em outro livro de difícil classificação, A paixão segundo G. H., ela afirma:

O mistério do destino humano é que somos fatais, mas temos a liberdade de cumprir ou não o nosso fatal: de nós depende realizarmos nosso destino fatal. Enquanto que os seres inumanos, como a barata, realizam seu próprio ciclo completo, sem nunca errar porque eles não escolhem. Mas de mim depende de eu vir livremente a ser o que fatalmente sou. Sou dona de minha fatalidade e, se eu decidir não cumpri-la, ficarei fora de minha natureza especificamente viva. Mas se eu cumprir meu núcleo neutro e vivo, então, dentro de minha espécie, estarei sendo especificamente humana (Lispector, 1977, p. 148).

Seja o que for esse “especificamente humano”, aparentemente não está no âmbito da cultura, pois participa de nossa “natureza especificamente viva” e é algo que exige escolha e intencionalidade: “Sou dona de minha fatalidade...” (o que, paradoxalmente, se costuma entender como algo cultural e não biológico).

Um pouco mais à frente, a mesma G. H. dá mais pistas sobre esse específico humano que o aproxima do específico de outras espécies e, quiçá, de Deus, claramente em um discurso místico-panteísta que pode ser aproximado à cosmovisão animista apontada por Nodari (2021) nas narrativas de Clarice Lispector:

Ele queria que eu fosse com Ele o mundo. Ele queria a minha divindade humana, e isso tivera que começar por um despojamento inicial do humano construído. E eu dera o primeiro passo: pois pelo menos eu já sabia que ser um humano é uma sensibilização, um orgasmo da natureza. E que, só por uma anomalia da natureza, é que, em vez de sermos o Deus, assim como os outros seres O são, em vez de O sermos, nós queríamos vê-Lo. Não faria mal vê-Lo, se fossemos tão grandes quanto Ele. Uma barata é maior que eu porque sua vida se entrega tanto a Ele que ela vem do infinito e passa para o infinito sem perceber, ela nunca se descontinua (Lispector, 1977, p. 150-151, grifos nossos).

A barata, nesse raciocínio de G. H., é maior que o humano porque não é descontínua — e aqui aparece uma aproximação, intencional ou não, com o conceito de seres descontínuos de Bataille (1992), para quem o sagrado é identificado com o contínuo/indiferenciado/uno e a humanidade como marcada pelas instâncias do trabalho, dos interditos e da sexualidade culpada — e “se entrega tanto” a Deus (nota-se o marcador de intensidade, há uma medida na entrega humana, não na entrega da barata nem na de outros seres animais) que sua existência finita não é pressentida como algo que acontece no finito mundo do “agora”. Verifica-se então que há algo de terrivelmente perigoso e assustador em assumir nosso “destino fatal” de ser “o mundo com Deus”. Talvez por isso o protagonista do conto “O crime do professor de matemática” tenha dito a seu antigo cão: “Não me pedindo nada, me pedias demais. De ti mesmo, exigias que fosses um cão. De mim, exigias que eu fosse um homem” (Lispector, 2016, p. 244).

A última narrativa em que nos deteremos antes de “Amor” é “O búfalo”, que nos traz uma personagem sem nome, designada somente como “a\aquela mulher”, caminhando no jardim zoológico com o curioso objetivo de “encontrar-se com o próprio ódio”: “Sem conseguir encontrar dentro de si o ponto pior de sua doença, o ponto mais doente, o ponto de ódio, ela que fora ao Jardim Zoológico para adoecer” (Lispector, 2016, p. 248). Seu olhar passeia entre as grades das jaulas e procura em vão um cúmplice para o ódio que quer sentir: o casal de leões louros, mas eles se amam em silêncio, sem notar seu desespero mudo (Lispector, 2016, p. 248); a girafa, “silencioso pássaro sem asas”, com a inocência de uma “virgem de tranças recém cortadas” (Lispector, 2016, p. 248); nos macacos nus, “felizes como ervas” (Lispector, 2016, p. 249), ensaia um desejo assassino, mas os olhos brancos do macaco, com a “doçura da doença”, lhes trazem sentimentos compassivos que não pode aceitar; o elefante, com sua “bondade de velho”, lembrava a primavera oriental e punha tudo a perder; o camelo, dedicado “à paciência de um artesanato interno”, tampouco é “seu par nesse mundo” (Lispector, 2016, p. 250); e por fim “o quati curioso lhe fazendo uma pergunta como uma criança pergunta” (Lispector, 2016, p. 252) é também um ser a quem não pode odiar. Por isso, pergunta, “implorante” (Lispector, 2016, p. 252):

Mas onde, onde encontrar o animal que lhe ensinasse a ter o seu próprio ódio? o ódio que lhe pertencia por direito mas que em dor ela não alcançava? onde aprender a odiar para não morrer de amor? E com quem? O mundo de primavera, o mundo das bestas que na primavera se cristianizam em patas que arranham mas não dói... oh não mais esse mundo! não mais esse perfume, não esse arfar cansado, não mais esse perdão em tudo o que um dia vai morrer como se fora para dar-se. Nunca o perdão, se aquela mulher perdoasse mais uma vez, uma só vez que fosse, sua vida estaria perdida — deu um gemido áspero e curto, o quati sobressaltou-se (Lispector, 2016, p. 253).

Esse animal é o búfalo negro, com quem a mulher troca um longo e misterioso olhar:

Então o búfalo voltou-se para ela. O búfalo voltou-se, imobilizou-se, e à distância encarou-a. Enfim provocado, o grande búfalo aproximou-se sem pressa. Ele se aproximava, a poeira erguia-se. A mulher esperou de braços pendidos ao longo do casaco. Devagar ele se aproximava. Ela não recuou um só passo. Até que ele chegou às grades e ali parou. Lá estavam o búfalo e a mulher, frente a frente. Ela não olhou a cara, nem a boca, nem os cornos. Olhou seus olhos. E os olhos do búfalo, os olhos olharam seus olhos. E uma palidez tão funda foi trocada que a mulher se entorpeceu dormente. De pé, em sono profundo. Olhos pequenos e vermelhos a olhavam. Os olhos do búfalo. A mulher tonteou surpreendida, lentamente meneava a cabeça. O búfalo calmo. Lentamente a mulher meneava a cabeça, espantada com o ódio com que o búfalo, tranquilo de ódio, a olhava (Lispector, 2016, p. 255-257).

É nesse conto que o motivo do olhar aparece de forma mais acentuada, na coletânea de contos Laços de família, e parece ter nascido da experiência de uma troca de olhares entre Clarice Lispector e outro animal, um tigre:

O búfalo me lembra muito vagamente um rosto que vi numa mulher ou em várias, ou em homens, em uma das mil visitas que fiz a jardins zoológicos. Nessa, um tigre olhou para mim, eu olhei para ele, ele sustentou o olhar, eu não, e vim embora até hoje. O conto nada tem a ver com tudo isso, foi escrito e deixado de lado. Um dia reli-o e senti um choque de mal-estar e horror (Borelli, 1981, p. 176).

É curioso que em ambas as situações — no evento que inspira o conto e também no próprio — é o animal que sustenta o olhar humano, em uma espécie de desafio, talvez. Desafio que é reiterado no conto “Amor”, quando não apenas os animais, mas também as plantas e vegetações do Jardim Botânico, se apresentarão como alteridades perigosas que nos convidam a um olhar não antropocêntrico.

“O MUNDO SE TORNOU DE NOVO UM MAL-ESTAR”

Fiquemos por enquanto com a afirmativa supracitada, um tanto misteriosa, avaliação do narrador do conto “Amor”, em relação aos sentimentos e às impressões paradoxais de Ana, a protagonista, após uma visão que deveria ser corriqueira, mas que a impacta de forma intranquila: um cego que mascava chicletes, “sem sofrimento, com os olhos abertos”, e que parece “sorrir e deixar de sorrir — como se ele a tivesse insultando” (Lispector, 2016, p. 147). Ana olha o cego, “e quem a visse teria a impressão de uma mulher com ódio” (Lispector, 2016, p. 149), mas esse sentimento que a perturba não é ódio, e sim piedade: “E através da piedade aparecia a Ana uma vida cheia de náusea doce, até a boca” (Lispector, 2016, p. 149).

Falaremos ainda sobre essa adjetivação paradoxal que permeia o conto “Amor”, mas por ora fiquemos no subtítulo: “O mundo se tornou de novo um mal-estar” (Lispector, 2016, p. 148). O advérbio de novo marca uma reiteração temporal: há um antes, quando o mundo era um mal-estar, um momento em que este deixa de ser mal-estar, e um agora, quando esse mal-estar que se assemelha a uma náusea (o termo é repetido várias vezes durante o conto) toma a personagem Ana, cujo olhar para o mundo era tanto de prazer intenso quanto de sofrimento espantado.

Interessa notar que é um primeiro olhar — para o cego mascando chicletes — que configura o modo paradoxal com que Ana olhará para as coisas, pessoas e animais que a cercam, como se olhar para o cego fosse o evento que deflagrasse uma crise existencial que põe sob suspeita certo modo organizado e tranquilo de viver, em que Ana sente “a raiz forte das coisas” (Lispector, 2016, p. 146), de maneira que após o encontro com o cego “estar num bonde era (fosse) um fio partido” (Lispector, 2016, p. 149). Tal crise relaciona-se com a forma novíssima como o inumano (metonimicamente representado na figura do Jardim) se apresenta à Ana e lhe causa náusea.

Ana apaziguara tão bem a vida, cuidara tanto para que esta não explodisse. Mantinha tudo em serena compreensão, separava uma pessoa da outra, as roupas eram claramente para serem usadas e podia-se escolher pelo jornal o filme da noite — tudo feito de modo a que um dia seguisse ao outro. O cotidiano vivido abafa a crise que está sempre a perigo, sempre na iminência de ocorrência. Certa forma de viver e perceber o mundo parece abafar a realidade que está sempre à espreita para se revelar. E um cego mascando goma despedaçava tudo isso, e aparece a Ana uma vida cheia de náusea doce, até a boca.

De forma espantada e perplexa, não obstante apaixonada: “E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo espantada” (Lispector, 2016, p. 146) Ana enxerga um admirável novo mundo, mundo que se encontra “em escura sofreguidão” (Lispector, 2016, p. 149). Desorientada com essa experiência, erra o ponto de descida e acaba parando em frente ao Jardim Botânico, onde entra para descansar um pouco. No momento em que entra no Jardim Botânico, este passa a ser chamado apenas de Jardim, o que não parece gratuito, pela referência imediata a outro Jardim: o Éden. O Jardim é de uma “impersonalidade soberba” (Lispector, 2016, p. 151), e nele se fazia “um trabalho secreto do qual ela [Ana] começava a se aperceber” (Lispector, 2016, p. 150). Imediatamente é estabelecida entre a protagonista, o Jardim e seus habitantes, veja-se especialmente as páginas 150 e 151, uma relação de atração e repulsa em que o nojo vem acompanhado da fascinação, talvez porque Ana recusa entregar-se ao Jardim, que mais parece um Éden demoníaco, anterior à demarcação entre o Bem e o Mal.

A narrativa estabelece oposições esquemáticas que são interessantes para o exercício de interpretação: de um lado, há a “vida de adulto” que Ana leva com sua família, uma “vida que podia ser feita pela mão do homem”, em que “caíra em um destino de mulher” e que ela vivia “como quem trabalha — com persistência, continuidade, alegria”, sentindo a “raiz firme das coisas” (Lispector, 2016, p. 146-147); de outro, em sua experiência no Jardim, ela vivencia uma “exaltação perturbada”, pois “o mundo se tornara de novo um mal-estar”, “um mundo fascinante, sombrio, onde as vitórias-régias boiavam monstruosas” e, tendo antes vislumbrado “uma vida cheia de náusea doce, até a boca” (após encontrar o cego), “seu coração se enchera da pior vontade de viver” (Lispector, 2016, p. 149-151), pois, “com uma maldade de amante, parecia aceitar que da flor saísse os mosquitos, que as vitórias-régias boiassem no escuro do lago” (Lispector, 2016, p. 151).

As oposições transformam-se em curioso paradoxo quando observamos o uso pouco convencional das caracterizações para os afetos que movem Ana. Após o banal-insólito acontecimento de ver um cego mascando chicletes, Ana experimenta por ele “uma piedade de leão” e é “expulsa de seus próprios dias”. Sente que “o que chamava de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso que olhava agora as coisas, sofrendo espantada” (Lispector, 2016, p. 145-155). No Jardim, onde “a moral era outra”, encontra um mundo cuja “crueza era tranquila”, e “Como a repulsa que precedesse uma entrega — era fascinante a mulher tinha nojo, era fascinante” (Lispector, 2016, p. 145-155). Refletindo sobre o que havia experimentado no Jardim, a “vida sadia que levara até agora pareceu-lhe um modo moralmente louco de viver” (Lispector, 2016, p. 145-155) e, assustada, percebe que “seu coração se enchera com a pior vontade de viver”, amando com nojo o que fora criado. Então constata que “era mais fácil ser um santo que uma pessoa”, pois nesse novo mundo “a piedade era tão crua como o amor ruim” (Lispector, 2016, p. 145-155).

A impressão que se tem é que as antíteses, paradoxos e oxímoros são tentativas, também presentes em diversos textos místicos, de transcender os limites do discurso, muito embora bastante conscientes de estar ainda na linguagem. A encenação de uma linguagem paradoxal é salientada por Juan Martin Velasco (2004) como própria dos místicos, apresentando-se como estratégia discursiva para comunicar uma experiência de difícil, ou impossível, verbalização positiva, que é a experiência mística. Tais proximidades discursivas entre a escrita “oblíqua” de Clarice Lispector e a mística são salientadas por Rodrigo Guimarães (2008) em artigo sobre o “romance” A paixão segundo G.H., entretanto as conclusões do autor podem ser estendidas aos demais contos em análise e, de forma geral, à boa parte da produção clariciana:

Avessa à hemorragia existencial e à construção “sentimentária” das vivências de linguagem, Clarice Lispector não permite que suas personagens se embaracem nas armadilhas de dizer o que as coisas são; apenas evocam pluralidades indefinidas das possibilidades de existir e a maneira como esses existentes nos afetam. Nesse sentido, a desmedida das coisas e dos processos de subjetivação é a “medida” do homem. No entanto, não há como negar que a distribuição da linguagem se faz sempre por cortes, como bem observou Barthes; daí a possibilidade, legítima sob certos aspectos, de situar a escritura de A paixão segundo G.H. como um percurso místico, assim como fez um dos mais abalizados críticos da obra de Clarice, Benedito Nunes (Guimarães, 2008, p. 2).

É nesse sentido que o animismo vem à tona nos escritos de Clarice Lispector, em uma clara relação com esse lugar de difícil acesso em que se encontra o sobrenatural. O eu e o outro, a menina e o cachorro, a casa e a rua, o natural e o sobrenatural, o familiar e o infamiliar, Ana e o Jardim, perfazem nessas narrativas caminhos que refletem papéis de antagonismo e de complementariedade, de repulsa e de identificação. Libertando-se do encanto obscuro que o Jardim exercia sobre ela, Ana retorna à pacata rotina em família e pergunta-se se “o que o cego desencadeara caberia em seus dias” (Lispector, 2016, p. 151). Ao final da noite doméstica pressente que naquela tarde “alguma coisa tranquila se arrebentara, e na casa toda havia um tom humorístico, triste” (Lispector, 2016, p. 151), mas ainda assim se deixa conduzir pelo paciente marido, que a “afasta do perigo de viver” (Lispector, 2016, p. 151). E o leitor sente, aqui, como se Ana estivesse recusando o mesmo convite feito a G. H., quando de seu encontro com a barata: “Ele queria que eu fosse com Ele o mundo” (Lispector, 1977, p. 150).

O animal, e aqui poderíamos também ampliar a categoria para o inumano, provoca uma espécie de deslocamento da humanidade de seu lugar de isolamento metafísico no que tange ao resto do mundo. Nesse sentido, os próprios limites dessa humanidade são colocados em jogo quando esta é colocada em relação a tudo aquilo que a circunda e a afeta, sejam os animais, sejam as plantas do Jardim, sejam as rosas de Laura; seja mesmo o vento, seja o momento do dia, seja a textura, seja a paisagem, sejam os sons do mundo. Tudo expõe a fragilidade desse limite humano em relação ao mundo. No deslocamento o mundo é outro, não mais objeto, mas encontra-se repleto de alteridades capazes de promover transformações profundas por um único movimento de olhar. No momento em que o humano olha essa alteridade impensada e, principalmente, é olhado por ela, aquele mundo ora estático e baseado no aspecto fundamental de uma ontologia naturista, se subverte e se revela como um mundo anímico e animado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo de toda sua obra, Clarice Lispector parece privilegiar o espaço de interação entre humanos e inumanos em uma prosa que reflete uma consciência anímica muito forte, que aqui buscamos apresentar. Evando Nascimento (2012), em entrevista à IHU, confere à literatura de Clarice Lispector o título de “escrita pensante”, no sentido de ser aquela que permite pensar o impensado ou o impensável de nossas culturas ocidentais, de modo especial os limites do humano e do inumano: “Ao trazer à baila universos pouco ou maltratados, como são as formas de vida dos animais, das plantas e das coisas, a literatura de Clarice sem dúvida dá sua contribuição a esse processo descolonizador geral” (Nascimento, 2012).

De fato, a ficção clariciana desvela uma narrativa que transcende os limites convencionais, adentrando em um território onde o risco e o perigo são não apenas elementos tangíveis, mas fundamentais para a compreensão mais profunda do humano. Um mergulho no âmago da existência. Dessa forma, suas personagens, ao se despojarem das barreiras que tradicionalmente as separam dos demais seres vivos, abrem espaço para uma interação mais genuína e profunda com o mundo ao seu redor. Já não se trata apenas de observar os animais e outros seres como meros objetos, mas sim de serem transformados por essa interação. Essa mudança de perspectiva, longe de ser apenas um estilo literário, é uma verdadeira revolução ontológica, que nos convida a repensar noções estáticas de mundo em favor de uma compreensão mais dinâmica e multinaturalista.

A escrita literária e filosófica de Clarice Lispector assume também um papel ético e cosmopolítico, isto é, conforme uma ética que reconheça e respeite a diversidade de perspectivas e experiências que compõem o tecido da existência. Em vez de reforçar os limites de representação da experiência moderna, a prosa clariciana busca constantemente ampliar nossos horizontes, desafiando-nos a transcender as categorias estabelecidas e a abraçar a complexidade do mundo que habitamos. Além disso, sua escrita, aqui reconhecida enquanto cosmopolítica, desafia-nos a repensar nossa relação com o ambiente natural e a reconhecer nossa interdependência com todas as formas de vida que compartilham esse planeta conosco.

As reflexões propostas por Isabelle Stengers (2018), Ailton Krenak (2019; 2020) e outros pensadores com base no animismo abrem caminho para uma profunda reavaliação das estruturas conceituais que moldam nossa relação com o mundo e seus habitantes. Ao desafiar a ideia de excepcionalidade humana presente na ontologia fundamental, base do pensamento ocidental, o animismo considera outras formas de percepção e compreensão da vida que respeitem as diversidade e pluralidade existentes. Nesses meandros, o animismo oferece uma crítica contundente à hierarquização da humanidade, que relega outros seres vivos e elementos naturais a uma posição de subalternidade e exploração.

A defesa da horizontalidade nas relações interpessoais e ambientais pode ser lida à luz da cosmopolítica, ressaltando a necessidade urgente de repensarmos práticas e valores, reconhecendo a interdependência e interconexão que caracterizam a vida no planeta, sobretudo diante do Antropoceno e da crise ambiental e climática. Ao nos inspirar a enxergar além das fronteiras artificiais que separam os seres humanos do restante da natureza, Clarice Lispector coloca-nos diante de uma desafiadora compreensão sobre a razão do olhar.

Retornamos então ao infamiliar clariciano como a atmosfera do encontro entre olhares outros. Haja vista o animismo, conhecer consiste em personificar e subjetivar ao máximo aquilo que se conhece, refletindo de forma clara uma ideia de potencialidade do mundo: todos podem ser concebidos por meio da sua subjetividade. O encontro ou o intercâmbio de olhares torna-se então um processo perigoso. Outrar-se é experimentar a perspectiva do outro enquanto alteridade radical que não abdica do direito de ser não humano, ou seja, de propor modos de cognição e inter-relação com o ecossistema em que se inserem outros que não aqueles baseados na dominação e depredação.

O mundo que renasce e que volta a ser mal-estar após a epifania no conto “Amor” é um mundo onde as coisas e os seres têm o poder de nos desafiar e confrontar e, em uma perspectiva anímica, quiçá nos devorar. Um mundo perigoso, não mais estático e à mercê da humanidade como seu olhar constituinte, mas um mundo também intencional, que age e reage diante dos olhares da alteridade.

A virada ontológica provocada pelo animismo exige de Ana uma postura diferente e um novo olhar sobre os outros e o mundo, um olhar que se lança ao ser olhado: olhar e ser olhado pela diferença. O “mundo que recomeça” após o encontro com o cego mascando chicletes é um universo repleto de intencionalidades. Nele, cada elemento tem o poder não apenas de nos desafiar, mas também de confrontar nossa própria natureza, convidando constantemente suas personagens ao perigo do tornar-se outro, enquanto simultaneamente são coibidas por limites invisíveis. O abalo de natureza ontológica que ocorre no conto pode ser lido não apenas como um evento isolado, mas como um convite à reflexão e à transformação da relação de humanos com os seres e as coisas, reconhecendo a autonomia e agência do mundo anímico.

Entre alteridades que pulsam, as personagens, humanas e inumanas, de Clarice Lispector experimentam olhar para o mundo — sendo mundo não apenas esse constructo civilizacional dito humano — com espanto e despojamento, abrindo-se para aquilo que é diferença. Outrando-se.

Notas

  • 1
    Outro exemplo significativo é dado pela narrativa A paixão segundo G. H., quando a protagonista G. H., diante da barata quase morta, afirma: “Toma o que eu vi: pois o que eu via com um constrangimento tão penoso e tão espantado e tão inocente, o que eu via era a vida me olhando” (Lispector, 1977, p. 38).
  • 2
    Na narrativa “A menor mulher do mundo”, os olhares que se esbarram e se confrontam não são entre humano e não humano, e sim entre uma diminuta aborígine (a menor mulher do mundo) e um antropólogo francês, símbolo da razão científica. O conto é extremamente interessante para se pensar as relações de poder no encontro entre alteridades civilizadas versus “primitivas”, mas por causa dos limites do artigo nos detemos nos contos em que as alteridades relacionadas são humanas e inumanas.
  • 3
    Uma curiosidade sobre esse conto é que ele foi lido no I Congresso Mundial de Bruxaria (Bogotá, Colômbia, 1975), do qual Clarice Lispector participou.
  • 4
    Por causa das limitações do artigo, não desenvolveremos essa possibilidade interpretativa, ainda que seja bastante interessante pensar nessas crises ou conflitos existenciais que marcam diversos contos claricianos, os quais terminam por culminar em uma espécie de epifania ou experiência mística.
  • 5
    Laura, antes da crise, é caracterizada como uma mulher “castanha” (cabelos, olhos, roupas), e a cor aqui tem claramente uma conotação de obscuridade e subserviência (Lispector, 1998, p. 42).

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  • Editor:
    Paulo César Thomaz

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2024
  • Aceito
    22 Jul 2024
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Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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