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Brava gente brasileira e o “Brasil 500”: o espetáculo do descobrimento

Brava gente brasileira and the “Brasil 500”: the spectacle of the discovery

Resumo

Tendo por base os estudos de Diana Taylor, Anthony Pagden e Jean Starobinski, este ensaio analisa a forma como o filme Brava gente brasileira dramatiza alguns dos

conflitos presentes na reencenação da descoberta durante os festejos do “Brasil 500”. O propósito é refletir sobre alguns dos intertextos envolvidos no processo de construção de um sentido de brasilidade.

Palavras-chave:
cinema; nação; Lúcia Murat

Abstract

Based on studies of Diana Taylor, Anthony Pagden and Jean Starobinski, this essay examines how the film Brava gente brasileira, dramatizes some of the conflicts present in the reenactment of the discovery during the celebrations of the “Brazil 500.” The purpose is to reflect on some of intertexts involved in the process of building a sense of Brazilianness.

Key words:
cinema; nation; Lúcia Murat

Nada é mais necessário do que rever, renovar, suspeitar sem tréguas as imagens e os mitos que nelas se encarnam inseparáveis da nossa relação com a pátria que fomos, somos, seremos e de que essas imagens e mitos são a metalinguagem onde todos os nossos discursos se inscrevem.

Lourenço

Como tão bem adverte Sheila Schvartzman (2003SCHVARTZMAN, Sheila (2003). “As encenações da história”. História. v. 22. n. 1, p. 165-82., p. 165), O descobrimento do Brasil, de Humberto Mauro, lançado em 1937, consagrou definitivamente a história como um dos temas recorrentes do cinema nacional. O que se verifica ao longo dos anos é uma diversidade na forma como são reconstituídos os eventos do passado. Na época da ditadura militar, por exemplo, a encenação de eventos históricos serviu muitas vezes de alegoria para criticar as arbitrariedades dos militares. Nos anos 1990, por outro lado, com o fim da Embrafilme e do Concine, a opção por uma abordagem histórica visava atrair investimentos de empresas interessadas na “imagem mercadológica que a obra” poderia agregar à empresa que a financiava (Schvartzman, 2003, p. 166)1 1 A Embrafilme foi uma empresa de economia mista criada durante a ditadura militar e que tinha como função financiar, divulgar e comercializar filmes no território nacional e interna- cional. A empresa foi extinta em 1990, provocando uma crise no cinema nacional que teve que procurar outras formas de financiamento. O Concine, também criado durante a ditadura, se preocupava com a legislação. . Essas diferentes abordagens têm usualmente implicado a presença de um tom solene e a preocupação com uma reconstituição cuidadosa do passado ou a opção por uma leitura mais crítica, debochada ou irônica (id., p. 174)2 2 Para ilustrar essas diversas abordagens, Schvartzman cita Independência ou morte (1997) e Mauá, o imperador e o rei (1999) como exemplos e filmes preocupados em manter certa fidelida- de histórica e Carlota Joaquina – a princesa do Brasil (ou mesmo Caramuru – a invenção do Brasil [2001]) como filmes marcados por um viés mais irônico e debochado. .

Esse viés histórico ganha um novo significado quando nos aproximamos do ano 2000 - data em que se comemoraram oficialmente os 500 anos do descobrimento do Brasil3 3 Tendo por base o Catálogo Cinema Brasileiro 90, Schvartzman explica que “num universo de 33 filmes, oito foram de tema histórico” (181). . De fato, o que se observa a partir da segunda metade dos anos 1990 é o contínuo envolvimento dos mais variados setores da sociedade na luta por definir os significados a serem atribuídos a esse evento. Entre estes, depara-se com o lançamento do filme Brava gente brasileira, de Lúcia Murat, em 2000. Apesar da excelente repercussão junto à crítica nacional e internacional, o filme não teve uma boa bilheteria no Brasil. Uma coprodução Brasil e Portugal, o filme tem por base um evento histórico. Brava gente brasileira enfoca a tensa relação entre portugueses e guaicurus na região do Pantanal matogrossense no ano de 1778. Tendo por base os estudos de Diana Taylor, Anthony Pagden e Jean Starobinski, este ensaio analisa a forma como o filme dramatiza alguns dos conflitos e antinomias presentes na produção de espaços de subalternidade e diferença. Do mesmo modo, o ensaio retoma a reencenação da descoberta durante os festejos do “Brasil 500” para verificar a maneira como esses diversos cenários se interligam e contrapõem. O propósito é refletir sobre alguns dos intertextos envolvidos no processo de construção da identidade nacional e de um sentido de brasilidade.

O espetáculo do “Brasil 500”

A partir da segunda metade dos anos 1990, tanto no Brasil como em Portugal, vários seminários, palestras, exposições, shows, reportagens e livros foram organizados e/ou publicados com o intuito de celebrar ou questionar alguns dos marcos do que se convencionou chamar de história nacional. O contínuo bombardeio de informação nos mais diversos meios de comunicação fez com que o evento viesse ocupar, pouco a pouco, o centro das atenções. Nesse contexto, a festa se transformou, por um lado, num espaço de ritualização de certa leitura do passado; por outro, na possibilidade de renovação de olhares.

A complexidade no processo de reencenação do drama colonial resulta do fato de que esses “scenarios frame and activate social dramas”, reavivando estereótipos, mitos e preconceitos que fazem parte do imaginário de uma sociedade (Taylor, 1997TAYLOR, Diana (1997). “Gendering the National ‘Self’”. In: Disappearing acts: Spectacles of Gender and Nationalism in Argentina’s “Dirty War”. Durham: Duke University Press. p. 29-58., p. 28). De fato, como defende Diana Taylor em seu estudo sobre performance, os espetáculos públicos funcionam como lócus de construção de uma identidade coletiva, uma vez que “(i)ndividual and state formation take place, in part, in the visual sphere through a complicated play of looks; looking, being looked at, identification, recognition, mimicry” (id., p. 30). Isso significa dizer que os espetáculos servem para criar e reforçar uma tradição que, segundo Eric Hobsbawm, envolve, entre outras coisas, a tentativa de impor uma leitura hegemônica que, embora calcada na experiência de um segmento, procura se instituir como representativa de toda a comunidade. A contínua repetição dessa “tradição inventada” visa reforçar uma série de práticas, símbolos e conceitos intimamente imbricados na formação de uma noção de coesão, pertencimento e continuidade entre o passado, o presente e o futuro (id., p. 4).

O sucesso dessas performances como a elaborada em torno do “Brasil 500” depende da forma ritualizada como os diversos atores se amoldam aos scripts preestabelecidos e internalizados. Na realidade, essas performances nunca conseguem alcançar o “sucesso” desejado, por isso a necessidade de contínuas reiterações. Esse “insucesso” pode ser explicado pelo fato dessas performances estarem sempre marcadas não só pela tensão em decorrência da coexistência de discursos e práticas intervencionistas, mas também pela própria incapacidade de se reproduzirem dado seu caráter instável e relacional. Como tão bem adverte Judith Butler, toda performance em maior ou menor grau afirma, refuta, suplementa e interpela práticas que procuram mediatizar a forma como o indivíduo percebe a si mesmo e ao mundo que o rodeia. Isso decorre do fato de que “(t)he reach of their significability cannot be controlled by the one who utters or writes, since such productions are not owned by the one who utters them. They continue to signify in spite of their authors, and sometimes against their authors’ most precious intentions” (Butler, 1993BUTLER, Judith (1993). Bodies that Matter. New York: Routledge., p. 241). Além disso, a forma e o grau de participação bem como o significado a ser atribuído a essas performances “depend on our different, often conflictual, locations and histories” (Mohanty, 1991MOHANTY, Chandra Talpade (1991). “Cartographies of Struggle: Third World Women and the Politics of Feminism”. In: Third World Women and the Politics of Feminism. Ed. Chandra Talpade Mohanty, Ann Russo, Lourdes Torres. Bloomington: Indiana University Press. p. 1-47., p. 5).

É por isso que a cena colonial que ressurge na grande festa do ‘Brasil 500’é forçada a um constante, tenso e, algumas vezes, violento processo de negociação e atualização para melhor se adequar aos novos contextos, interesses e agentes sociais; movimento esse que decorre do entrechoque de uma postura oficial com perspectivas que se recusam a se alinhar a uma leitura que se apoie numa estrutura ahistórica e monolítica. Antes de analisar o filme e o a reencenação da descoberta, no entanto, é necessário conhecer um pouco dos bastidores do filme e da história dos guaicurus.

Os guaicurus e brava gente brasileira

No making-of, a diretora Lúcia Murat conta que a ideia do filme veio da leitura de um relatório militar que continha quatro ou cinco linhas sobre um evento ocorrido no Forte Coimbra em 1778. O material lhe foi entregue no final dos anos 1980 para produzir um documentário. Em 1997, Murat começou uma pesquisa que deu origem ao filme. A parca referência a esse episódio pode ser detectada quando fazemos uma pesquisa na literatura produzida em torno do Forte Coimbra. Alguns historiadores, como o coronel Annibal Barreto, nem sequer citam o episódio em seus estudos sobre as fortificações do Brasil. Embora o ensaio de Augusto Fausto de Souza, publicado na Revista do Instituto Histórico Brasileiro em 1885SOUZA, Augusto Fausto de (1885). “Fortificações no Brasil”. Revista do Instituto Histórico Brasileiro 48.71, p. 5-140., se preocupe em dar pormenores sobre a história do forte, em uma linha e meia o autor comenta sobre o ataque ao forte praticado pelos guaicurus em 1777, descrevendo-o como um ato marcado por atrocidades. Nada mais é dito sobre o evento. Em seu livro Subsídios para a história marítima do Brasil, Carlos Miguez Garrido (1940GARRIDO, Carlos Miguez (1940). “Fortificações do Brasil”. In: Subsídios para a história marítima do Brasil. v. 3. Rio de Janeiro: Imprensa Naval., p. 160) também cita um ataque dos guaicurus em 1791, quando 54 homens foram mortos. Em seu livro Para além dos bandeirantes, Raul Silveira de Mello (1968MELLO, Raul Silveira de (1968). Para além dos bandeirantes. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército., p. 68), considerado um dos principais historiadores do forte Coimbra, se reporta ao comportamento traiçoeiro dos indígenas que enviaram suas mulheres para barganhar seus produtos com os portugueses e que, como “espertas Dalilas gentias”, seduziram os 54 soldados que foram trucidados pelos indígenas. Como se pode perceber, nenhuma referência é feita ao massacre praticado anteriormente pelos portugueses. Talvez essa constante omissão possa ser explicada pelo fato desses historiadores, embora pertencendo a épocas diferentes, estarem ligados de uma forma ou outra às forças armadas, legitimando uma “versão oficial” que se alinha à visão do colonizador em relação ao Outro (o indígena).

Essas várias omissões do violento contato entre portugueses e guaicurus em 1778 ilustram algumas das tensões presentes na construção da memória coletiva. Benedict Anderson alerta para o papel crucial representado pelo binômio memória/esquecimento no processo de escrita da nação. A necessidade de articular novos quadros de memória pode nos ajudar a compreender a preocupação da diretora em desnudar as estruturas de poder envolvidas nesse processo de escrita. O objetivo de criar uma estética de resistência que promova novas leituras, no entanto, mostra-se uma tarefa extremamente complexa como a própria Lúcia Murat coloca em diversos momentos no making-of. O medo de “desvirtuar” os valores e a cultura dos guaicurus fez com que ela fizesse constantes mudanças no roteiro. Além disso, ao optar por usar os próprios indígenas para representarem os guaicurus, a equipe se confontrou com a necessidade de fazer mudanças a fim de dar maior liberdade de criação aos indígenas. Estes são dados importantes para melhor entender a proposta da diretora em dramatizar (e vivenciar no plano da produção do filme) o encontro entre diferentes culturas. Podese assim dizer que um ingrediente a mais na composição do filme foi o desejo de eliminar o “filtro branco” que poderia interferir na forma de contar o encontro entre os dois povos.

Embora a diretora continuamente reforce a natureza ficcional do filme, pode-se perceber em diversos momentos a preocupação em trazer elementos da cultura e da história dos guaicurus. Segundo vários viajantes e antropólogos, os guaicurus (ou Índios Cavaleiros) viviam na margem oriental do rio Paraguai (Ferreira, 1974FERREIRA, Alexandre Rodrigues (1974). “Memória sobre os gentios Guaikuru”. In: Viagem filosófica pelas capitanias do Grão Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. Brasília: Conselho Federal de Cultura. p. 75-83., p. 78)4 4 Os guaicurus foram os primeiros indígenas a aprenderem a montar a cavalo na América Latina. Essa habilidade foi estratégica na luta contra outros povos indígenas, portugueses e espanhóis. . Os guaicurus eram tidos como um povo guerreiro e arrogante, pois acreditavam que estavam predestinados a governar todos os povos (Lévi-Strauss, 1961LÉVI-STRAUSS, Claude (1961). “The Caduveo”. In: A World on the Wane. Trad. John Russell. London: Hutchinson, p. 131-80., p. 162, 164). Vários viajantes e antropólogos fazem referência à beleza do povo guaicuru como é o caso do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira que esteve nessa região no final do século XVIII:

As mulheres são geralmente bem feitas, de pé pequeno e delicado. O mais comum é andarem nuas, cobrindo com pequenas tangas tão somente as partes vergonhosas. Outras andam enfaixadas com um grande pano de algodão listrado, que lhes cobre o corpo, desde os peitos até meia perna. (id., p. 80)

Divididos em castas, os nobres tinham escravos que eram responsáveis “pelos trabalhos grosseiros de serviço e o lavrar da terra” (Ribeiro, 1980RIBEIRO, Darcy (1980). Kadiwéu. Ensaios etológicos sobre o saber, o azar e a beleza. Petrópolis: Ed. Vozes., p. 133). Esses escravos eram constituídos de crianças e mulheres raptadas ou capturadas nas guerras contra outros povos. Vários relatos se reportam à forma afetuosa como os escravos eram tratados (id., p.133 e 135; Ferreira, 1974FERREIRA, Alexandre Rodrigues (1974). “Memória sobre os gentios Guaikuru”. In: Viagem filosófica pelas capitanias do Grão Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. Brasília: Conselho Federal de Cultura. p. 75-83., p. 81).

Entre os vários rituais e práticas descritas pelos antropólogos que viveram por algum tempo com os guaicurus, muitos citam o aborto e o infanticídio como uma prática comum entre as mulheres (Lévi-Strauss, 1961, p. 162)5 5 Guido Boggiani viveu com os guaicurus no final do século XIX; Claude Lévi-Strauss esteve entre os guaicurus em 1937 e Darcy Ribeiro na década de 1940. . O luto era vivenciado através de lágrimas e demonstrações de tristeza como o corte do cabelo. Além de enterrar o morto com muitos de seus objetos pessoais, seu cavalo era sacrificado para que pudesse acompanhar o dono no outro mundo (Ribeiro, 1980RIBEIRO, Darcy (1980). Kadiwéu. Ensaios etológicos sobre o saber, o azar e a beleza. Petrópolis: Ed. Vozes., p. 189; Ferreira, 1974FERREIRA, Alexandre Rodrigues (1974). “Memória sobre os gentios Guaikuru”. In: Viagem filosófica pelas capitanias do Grão Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. Brasília: Conselho Federal de Cultura. p. 75-83., p. 83). Todavia, o que mais impressionou os antropólogos foi a forma elaborada como os guaicurus pintavam seus corpos (Ribeiro, 1980, p. 132; Boggiani, 1975BOGGIANI, Guido (1975). Os Caduveos. São Paulo: Edusp/Livraria Itatiaia Editora., p. 87; Ferreira, 1974, p. 79). Claude Lévi-Strauss (1961, p. 168 e 176) argumenta que o hábito de tirar os pelos do rosto e pintar o corpo servia para diferenciá-los dos animais; concluindo que a forma distinta como se conjugavam os diversos desenhos funcionava como uma marca de status.

Um ponto que chama a atenção no texto de Ferreira (1974FERREIRA, Alexandre Rodrigues (1974). “Memória sobre os gentios Guaikuru”. In: Viagem filosófica pelas capitanias do Grão Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. Brasília: Conselho Federal de Cultura. p. 75-83., p. 76)6 6 Em outros livros, o nome do sargento-mor é Marcelino Rodrigues de Campos (Barreto, 1958, p. 297). Carlos Miguez Garrido se refere a Marcelino Rodrigues de Campos como um major (1940, p. 160). é a referência à violência sofrida pelos guaicurus por parte dos portugueses. No caso, ele alude a um incidente ocorrido em janeiro de 1778 quando o sargento-mor Marcelino Rodrigues Camponês e 54 praças iludiram algumas indígenas que foram assassinadas sem que o comandante da guarnição interferisse. O autor comenta que, depois do massacre, os indígenas se tornaram arredios e houve algumas mortes. Algo muito próximo do que o filme de Murat relata. Enfim, tidos por muitos como o maior obstáculo à colonização nessa região, os kadiuéus são os últimos remanescentes dos guaicurus (Ribeiro, 1980RIBEIRO, Darcy (1980). Kadiwéu. Ensaios etológicos sobre o saber, o azar e a beleza. Petrópolis: Ed. Vozes., p. 149)7 7 Darcy Ribeiro argumenta que, durante o ciclo do ouro em Cuiabá, os guaicurus aliados aos payaguás mataram cerca de quatro mil portugueses até fins do século XVIII. . Hoje, cerca de mil kadiuéus vivem numa reserva no Mato Grosso do Sul.

No filme, d. Diogo de Castro e Albuquerque, jovem cartógrafo e naturalista português, é enviado ao Brasil com a missão de fazer um levantamento cartográfico da região do Pantanal. No caminho para o Forte Coimbra, o grupo liderado pelo capitão Pedro se depara com um grupo de guaicurus se banhando no rio. Revoltados quando descobrem que muitas das mulheres são “homossexuais”, o capitão dá ordem para que seus comandados matem todo o grupo indígena. Depois de estuprar Anote, d. Diogo decide salvar-lhe a vida, levando-a para o forte. Inconformados com o massacre, os guaicurus procuram uma maneira de se vingar dos portugueses.

As cenas iniciais do filme são montadas a partir de tomadas que intercalam e contrapõem a vida na aldeia dos guaicurus com a viagem dos portugueses. Por um lado, o espectador se confronta com o ritual de iniciação de uma jovem guaicuru, marcado pela pintura do corpo e o presente de um cavalo selvagem dado por um jovem guaicuru apaixonado8 8 Cenas que se aproximam dos rituais descritos por antropólogos como Lévi-Strauss (1961, p. 156). . A troca de olhares entre os jovens enamorados, o sentido de comunhão experimentado pelos vários indígenas e a brincadeira entre as crianças da aldeia se distanciam da tensão e violência presentes na viagem dos portugueses. A cena em que o capitão Pedro mata um porco do mato é bem significativa, uma vez que a câmera entremeia a imagem ensanguentada e de dor do animal com o início do conflito entre o capitão e o cartógrafo português. No entanto, o momento de maior selvajaria surge aos 20 minutos do filme, quando os portugueses, após surpreenderem um grupo de indígenas se banhando no rio, decidem estuprá-las e, ao perceberem que algumas são “homossexuais,” resolvem matar todo o grupo. Não resta dúvida de que a cena do banho retoma o mito da visão do paraíso de que fala Sérgio Buarque de Holanda ao se reportar às representações edênicas do Novo Mundo que faziam parte do imaginário dos portugueses.

A intenção de resgatar o conflito e a violência característicos do contato entre as duas culturas, no entanto, já se anunciava em cenas anteriores. Pode-se citar, por exemplo, o momento em que o capitão Pedro chama um dos batedores indígenas de “animal” e obriga-o a beber contra sua vontade. Essa relação de força também se faz presente na forma como Pedro se refere a um código de masculinidade quando d. Diogo se recusa, num primeiro momento, a participar do estupro das indígenas. Por parte dos indígenas, depara-se com cenas que reproduzem o ritual do enterro descrito por viajantes e antropólogos; todavia, a ênfase recai na dor pela perda da jovem guaicuru e no sentimento de revolta. Sem dúvida, ao interpor cenas de violência e de dor, o filme procura problematizar noções tradicionais de civilização e barbárie.

Nesse sentido, pode-se dizer que o filme se alinha a alguns dos pressupostos traçados por vários intelectuais que têm refletido sobre algumas das contradições presentes no uso da palavra civilização. Como mostra Jean Starobinski em seu estudo, se a palavra civilização não se desenvolveu de forma unívoca, não resta dúvida de que se tornou um vetor importante na constituição de binarismos que marcaram uma leitura evolutiva da humanidade. Através da análise de uma série de textos, Starobinski aponta para a estreita relação que se estabelece entre a palavra civilização e as ideias de aperfeiçoamento, progresso e polimento. Essa percepção fez com que a palavra passasse a ser vista como um valor incontestável, transformando-se num critério de julgamento:

For those who answer its call it [civilization] becomes grounds for praise, or, conversely, it can serve as a basis for denunciation: all that is not civilization, all that resists or threatens civilization, is monstrous, absolute evil. As rhetoric heats up it becomes legitimate to ask for the supreme sacrifice in the name of civilization. This means that the service or defense of civilization can in certain circumstances justify the recourse of violence. (Starobinski, 1993STAROBINSKI, Jean (1993). Blessings in disguide, or, the morality of evil. Cambridge: Polity Press., p. 18)

Como se pode perceber, a palavra civilização remete necessariamente a seu oposto, a barbárie. Em seu estudo sobre a evolução do termo “bárbaro”, John Pagden (1999PAGDEN, Anthony (1999). “Introduction” e “The Image of the Barbarian”. In: The Fall of Natural Man. Cambridge: Cambridge U.P, 1999. 1-9, 15-56., p. 188) mostra como o termo tem sido utilizado para definir o Outro - uma prática que remonta à Grécia antiga. Segundo o autor, os vários debates em torno do Novo Mundo e de seus habitantes teve como efeito a delimitação de uma distinção entre o normal (o “civilizado”) e o anormal (o “bárbaro”). Logicamente, os guaicurus pertenciam ao segundo grupo.

Essa questão é retomada no filme quando se examina uma sequência de cenas que procuram reproduzir cenários que aludem às práticas de conversão. No primeiro caso, o espectador se confronta com a forma rude e violenta como Pedro tenta “catequizar” o menino branco escravo de Anote. A tentativa de reproduzir o processo de colonização fica clara pela forma como o menino repete as palavras sem compreender realmente seu significado. Em outro momento, o menino é severamente punido por tentar moldar a cruz de prata como os indígenas artesões faziam em sua aldeia. Quando finalmente o menino tenta fugir e atira em Antonio, Pedro o mata batendo com sua cabeça no chão. Essas cenas estão entrecortadas por um diálogo entre o padre, o comandante do forte e d. Diogo. No caso, eles se referem às cenas chocantes quando da chegada do padre em que os guaicurus deixaram na frente do forte as mãos cortadas dos soldados que acompanhavam o padre. Ao contrário do que se poderia pensar num primeiro momento, o comandante informa que esse hábito veio do contato dos indígenas com os portugueses; mesmo assim, o padre classifica os indígenas como “selvagens” e “demônios”.

Segundo Pagden (1999PAGDEN, Anthony (1999). “Introduction” e “The Image of the Barbarian”. In: The Fall of Natural Man. Cambridge: Cambridge U.P, 1999. 1-9, 15-56., p. 190), a relação entre o “normal” e o “anormal” se estabeleceu a partir da vigência de uma noção de continuidade (a crença em uma essência humana comum a todos) marcada por uma política missionário-assimilatória, ou pela predominância de uma noção de contiguidade (a ênfase nos conflitos e nas diferenças) que implicava a adoção de uma política de extermínio do Outro. Nos dois modelos, no entanto, prepondera a centralidade dos valores europeus como o parâmetro a ser seguido. Isso implica a demarcação de um espaço de inferioridade a todos aqueles que “neither subscribed to European religious views, nor lived their lives according to European social norms” (id., p. 24). É essa noção de uma civilização única e superior que justificava o domínio de um povo sobre o outro que o filme questiona ao expor as práticas usadas pelo colonizador para tentar converter (“humanizar”) ou demonizar (aniquilar) o Outro. De fato, o embate que se trava entre d. Diogo e Pedro sobre a forma como lidar com os indígenas deve ser analisado a partir dessas duas posturas. Como antropólogo, d. Diogo percebe os indígenas como um objeto de estudo, enquanto Pedro só se preocupa em explorá-los ou destruí-los.

Outro elemento que vem entrecortar essas cenas são as idas de d. Diogo e Anote a uma lagoa. Antes de nos determos mais especificamente nessas cenas, é preciso chamar a atenção para a forma como a relação entre d. Diogo e Anote vai sendo construída ao longo do filme. No forte, por exemplo, a câmera passeia pelo corpo de Anote, forçando o espectador a assumir o olhar do português. Nas cenas na lagoa, o filme procura reproduzir cenas do encontro entre as duas culturas aqui marcado pelo espanto de Anote quando d. Diogo lhe mostra um espelho e pela tentativa de aprender/ensinar alguns vocábulos. A diferença entre culturas surge pela forma como Anote se refere ao hábito dos guaicurus de rasparem os pelos do rosto para se diferenciarem dos animais (Lévi-Strauss, 1961, p. 176). Quando voltam para o forte, D. Diogo é energicamente repreendido pelo comandante por ter o rosto pintado.

Um dado importante, contudo, é a cena de sexo entre d. Diogo e Anote. Indiferente aos desejos de d. Diogo, Anote não permite que ele a beije na boca. Da mesma forma, é ela que abre a possibilidade para o encontro sexual entre os dois. O que chama a atenção é que até este momento a relação entre os dois foi sempre marcada pelos olhares cobiçosos de d. Diogo e a postura fria e altiva de Anote. O desenlace final surge quando d. Diogo descobre que Anote matou o recém-nascido; ele bate nela e a expulsa do forte, puxando-a pelos cabelos e chamando-a de “animal” e “selvagem”9 9 Um comportamento que também se faz presente nos escritos de antropólogos e viajantes que tentaram compreender esse hábito a partir de costumes dos colonizadores. Alexandre Rodrigues Ferreira (1974, p. 80), por exemplo, argumenta que o infanticídio resulta da forma como “insensíveis mães” sufocam “as emoções do amor materno” ao se lembrarem das “mor- tificações de pari-los e criá-los”. . Para marcar as diferentes lógicas que governam os dois personagens, a cena é construída de forma a colocar uma porta entre os dois personagens como a marcar os mundos distintos a que pertencem. Outro dado interessante é que d. Diogo, ao contrário de outros momentos, retira o pano que cobre o corpo de Anote para marcar seu estágio de “não civilizada”.

Ao traçar características que aproximam e distinguem Anote de uma longa tradição de Pocahontas e Iracemas, Kiley Guyton (2005GUYTON, Kiley (2005). “Lúcia Murat’s Brave New Land as an Anti-Foundational Fiction”. In: Ciberletras: Revista de Crítica Literaria y de Cultura. n. 14. http://www.lehman.cuny.edu/ciberletras/v14.html
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, p. 4) aponta para o desenvolvimento de uma relação afetiva entre os dois personagens. Todavia, duas cenas anteriores parecem apontar para uma leitura alternativa. Primeiro, é interessante observar que, na cena do massacre, o espectador só assiste ao estupro praticado por d. Diogo - uma imagem que fica registrada na mente do espectador e que, mais tarde, pode servir de contraponto a uma leitura mais romântica da relação entre os dois personagens. Segundo, em uma das idas para a lagoa, Anote e o menino se encontram em uma escadaria e ela comenta algo com o menino. Os dois riem e cada um segue o seu caminho. A partir desse momento, o relacionamento entre Pedro e o menino, Anote e d. Diogo ganha um novo contorno. O menino tenta fugir e Anote se torna mais receptiva em relação a d. Diogo. Por último, ao matar o recém-nascido, fruto de sua relação com d. Diogo, simbolicamente o filme aponta para a impossibilidade em se alinhar a uma postura romântica que procurava oferecer à nação uma identidade miscigenada como é o caso da história de Iracema, de José de Alencar. Todos esses fatores me levam a levantar a hipótese de que, em vez de falarmos no nascimento de uma relação afetiva entre os dois personagens, talvez devêssemos ver essa aproximação como uma estratégia para ludibriar o colonizador, questionando, assim, mitos pertencentes ao imaginário da nação.

Outros elementos podem reforçar a tese de que o filme procura dar mais autonomia para os indígenas. Para ilustrar esse ponto, deve-se retornar à tomada subsequente ao massacre. Tão logo a aldeia sabe do ocorrido, depara-se com um ritual muito semelhante ao descrito por antropólogos e viajantes quando da morte de um membro da aldeia. O filme resgata a dor e a revolta com que os indígenas se preparam para enterrar a jovem guaicuru envolvida no rito de puberdade no início do filme. As tomadas subsequentes focalizam numa reunião entre os chefes da tribo, no ritual de iniciação do jovem guaicuru apaixonado e na forma como os guaicurus atacam o padre e sua comitiva.

O momento mais interessante, contudo, vem no final do filme quando os guaicurus preparam o seu “cavalo de Tróia”10 10 Termo usado por Murat no making-of. . No caso, conscientes da fraqueza dos colonizadores no que se refere ao sexo/mulheres, os guaicurus fingem querer um tratado de paz que é selado pelo oferecimento de suas mulheres. Estas entram no forte, mantêm relações sexuais com os colonizadores e, num momento de descuido, permitem o ingresso dos indígenas que matam a todos, com exceção de d. Diogo, que consegue escapar. Todavia, a invasão ao forte é precedida pelo abandono da aldeia indígena que é queimada - uma estratégia, talvez, que vise dificultar qualquer tentativa de retaliação por parte dos portugueses. No final, os indígenas cortam as orelhas dos colonizadores mortos, num claro retorno aos seus costumes. É interessante observar como a noite é povoada pelo ruído do gozo masculino entrecortado pelo grito agudo dos pássaros misturado ao silvo das flechas. Logo, se algo chama a atenção na reconstituição ficcional desse embate, é a forma como a diretora procura atribuir aos indígenas a capacidade estratégica normalmente ausente da representação dos indígenas.

Um momento em que se pode deparar com alguns dos estereótipos na percepção do Outro surge na conversa entre Pedro, d. Diogo e o comandante do forte. Pedro é categórico em reafirmar seu desejo de “ter um filho com sangue limpo”, o que é definido como um filho branco e cristão, apesar da bisavó indígena de Pedro. O comandante, por outro lado, se diz conformado com sua sorte, pois sabe que não poderá retornar a Portugal por causa de sua família indígena. Ao se referirem ao hábito do aborto ou infanticídio entre as indígenas, Pedro e o comandante reproduzem algumas das impressões presentes nos textos de antropólogos e viajantes que procuravam explicar essa prática pelo trabalho que as crianças davam à mãe ou por uma questão de vaidade da indígena que não queria “estragar” o seu corpo (Ferreira, 1974FERREIRA, Alexandre Rodrigues (1974). “Memória sobre os gentios Guaikuru”. In: Viagem filosófica pelas capitanias do Grão Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. Brasília: Conselho Federal de Cultura. p. 75-83., p. 80; Lévi-Strauss, 1961, p. 162). Esses vários personagens, na realidade, reproduzem em seus diálogos alguns dos estereótipos e preconceitos que, desde o tempo colonial, têm condicionado a percepção do indígena. Trata-se de uma prática que, como adverte Walter Mignolo (2000MIGNOLO, Walter (2000). “Globalization, Mundialización: Civilizing Processes and the Relocation of Languages and Knowledges”. In: Local Histories/ Global Designs: Coloniality, Subaltern Knowledges, and Border Thinking. Princeton: Princeton University Press. p. 278-311., p. 283), ao converter as diferenças em “diferenças de valores”, faz com que as hierarquias sirvam para definir e demarcar fronteiras dentro e fora da nação.

Como se sabe, os vários debates ao longo dos séculos XVI e XVII decorreram não só da necessidade de justificar o domínio da coroa no Novo Mundo, mas também da impossibilidade de definir os habitantes do Novo Mundo a partir das categorias existentes. Essa impossibilidade fez com que os paradigmas sofressem adaptações que foram desde a apropriação da teo-ria do escravo natural de Aristóteles até a percepção do condicionamento social como um fator que poderia ajudar a compreender as diferenças de comportamento dos indivíduos (uma teoria que se baseia no conceito de ethismos de Aristóteles) (Pagden, 1999PAGDEN, Anthony (1999). “Introduction” e “The Image of the Barbarian”. In: The Fall of Natural Man. Cambridge: Cambridge U.P, 1999. 1-9, 15-56., p. 3). Em qualquer desses casos, o que se observa é a tentativa de compreender o Outro a partir das teorias existentes na época. É isso que Tzvetan Todorov (1984TODOROV, Tzvetan (1984). “Discovery”. In: The Conquest of America: The Question of the Other. New York: Harper & Row. p. 1-50., p. 17 e 21) mostra quando afirma que Colombo só “enxergava” aquilo que ilustrava uma ideia preconcebida do que ele imaginava que encontraria em suas viagens. Todorov também se reporta à complicada tentativa de comunicação entre colonizadores e indígenas. Mais uma vez, o desejo de confirmar suas crenças em relação ao Novo Mundo serviu de marco para a forma como Colombo interpretava os sinais e “dialogava” com os indígenas; no entanto, em suas cartas e diários, essa dificuldade transparece pelo modo como Colombo se contradiz em vários trechos.

O filme captura de forma magnífica essa tensão, todavia essa questão não fica restrita ao período colonial. No caso, a intenção em enfatizar a dificuldade de comunicação entre sociedades com hábitos e línguas diferentes faz com que a diretora decida por não traduzir a fala dos guaicurus. Ao optar por essa estratégia, a diretora obriga o espectador a vivenciar a tensão presente no encontro das culturas diferentes. Em outras palavras, ao compelir o espectador a se identificar com a visão dos colonizadores, o filme força o espectador a ter que decodificar a cultura do Outro, perdendo seu papel passivo. O desafio, entretanto, não termina por aí, uma vez que isso implica ter que atribuir novos significados para a lógica expansionista e civilizadora do colonizador e questionar suas ramificações em políticas neocolonizadoras. Em suma, o filme tal como os outros discursos de resistência circulando nesse momento procura instigar outras formas de olhar que se distanciam dos scripts preestabelecidos para o “grande” evento.

Essa crítica se torna mais clara no final quando a história se reporta para o tempo atual. Somente nesse momento o espectador percebe que a história é contada a partir da perspectiva de uma indígena11 11 Não foi possível trabalhar com a questão de gênero nesse ensaio, ficando o tema para outro ensaio. . No caso, depara-se com a figura de uma indígena kadiweu que, vestida com trajes brancos, tem no seu colo o livro ficcional de d. Diogo. Tendo como modelo o livro de Guido Boggiani, Viagem filosófica à capitania de Mato Grosso contém desenhos de indígenas entremeados com imagens de borboletas e onças12 12 Segundo Murat, o livro foi montado especialmente para o filme. . Sem dúvida, o “livro” segue a tradição da ficção dos cronistas e viajantes naturalistas que, muitas vezes financiados pelo Estado, procuravam catalogar novas espécies na tentativa de compreender e ordenar o Novo Mundo. Relatos que, como no caso dos guaicurus, continuamente se referiam indiscriminadamente à exuberância da vegetação, à riqueza da fauna e da flora e ao exotismo dos indígenas. Visões em que se pode encontrar a gênese de um imaginário nacional ufanista. Quanto ao tom subversivo do filme, este fica evidente pela forma como a indígena vira as folhas do livro - de trás para frente. Depois do seu canto triste, ela interliga o passado ao presente, mostrando a continuidade de um processo de destruição. Esse é o único momento em que a fala da kandiweu é traduzida. No caso, é importante observar como o final do filme contrapõe a linguagem oral à escrita, questionando o local de produção de conhecimento (Mignolo, 2000MIGNOLO, Walter (2000). “Globalization, Mundialización: Civilizing Processes and the Relocation of Languages and Knowledges”. In: Local Histories/ Global Designs: Coloniality, Subaltern Knowledges, and Border Thinking. Princeton: Princeton University Press. p. 278-311., p. 300).

E como Brava gente brasileira se inscreve no cenário do “Brasil 500”? Ora, se algo marca uma aproximação entre a festa do “Brasil 500” e o filme de Lúcia Murat é a reencenação do momento de encontro com o Outro através do olhar do colonizador. No entanto, as semelhanças terminam de certa maneira por aqui, uma vez que o filme de Murat tenta reinscrever a violência e os momentos de resistência que se tentou “esquecer” ou domesticar na encenação oficial como se discutirá a seguir.

A teatralização da “descoberta”: “Brasil 500”

O ponto alto da celebração da festa constituía a reencenação das diversas etapas da chegada de Pedro Álvares Cabral ao novo continente. O palco onde se procurou reproduzir esse fato histórico ia do município de Prado (local do primeiro contato) à Coroa Vermelha (local da primeira missa) no estado da Bahia. Para marcar a importância desses sítios históricos, o plano previa a construção de uma série de memoriais, museus e centros culturais. O objetivo de criar um Museu a Céu Aberto em que se pudesse reencenar a ficção da chegada dos portugueses fez com que o governo mandasse construir uma réplica da nau capitânia da frota de Cabral. A ideia era “reviver” o encontro pacífico entre a nau capitânia e as canoas indígenas no litoral de Cabrália e Porto Seguro13 13 No dia programado, a nau capitânia não conseguiu levantar âncora como esperado e a sole- nidade teve que ser cancelada (“Nau capitânia” 7). .

Como se pode perceber nessa breve descrição, essa grande encenação ao ar livre procurava reproduzir uma cartografia que se apoiava na narrativa histórica oficial. De fato, ao privilegiar a chegada de Cabral como o marco do nascimento do país, o evento deixava claro o seu alinhamento à visão do conquistador. Isso implica dizer que esse espetáculo público procurava reforçar a origem mítica do país, constituída a partir da visão idealizada da natureza e da existência de um povo cordial (Chauí, 2000CHAUÍ, Marilena (2000). Brasil: Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo., p. 58).

Quanto aos indígenas, mais uma vez eram relegados a um papel secundário na grande celebração do “Brasil 500”. O script lhes reservava um espaço de passividade e exotismo/comodificação. A descaracterização da aldeia dos pataxós em Coroa Vermelha (“melhorias para dar um aspecto mais agradável aos turistas”), a construção do “Pataxopping” e os cursos de marketing e gerenciamento visavam “preparar os indígenas para um contato mais profissional com os turistas” (González, 2000GONZÁLEZ, Christianne (2000). “Celebração do descobrimento muda cotidiano dos Pataxós” e “Índios ocupam lojas no Paraxopping”. Folha de S. Paulo. 27 de fevereiro, caderno 1, p. 15., p. 15). Em outras palavras, a festa funcionou como outro momento de aculturação num longo processo de perdas culturais em que os indígenas permaneciam restritos ao espaço do Outro.

Contudo, apesar da presença de uma série de comissões formadas por representantes de fundações, universidades, museus, bem como parlamentares e autoridades dos dois países (Brasil e Portugal), a cena colonial não se reproduziu conforme planejado. O motivo foi a presença de vários grupos dissidentes que perceberam esse espetáculo público como o momento propício para articular suas próprias leituras do Brasil. De fato, diversas entidades indígenas e organizações não governamentais se aproveitaram do espaço aberto com as comemorações para repensar criticamente o papel e a contribuição dos indígenas na construção do Brasil.

Entre estes, pode-se citar a Conferência dos Povos Indígenas que, sediada em Coroa Vermelha, questionava o mito da comunhão das raças e exigia o direito a autodeterminação e o de demarcação de suas terras. A Marcha Indígena 2000, organizada pelo Movimento de Resistência Indígena, Negra e Popular Brasil Outros 500, também visava denunciar uma prática de violência que tinha culminado na dizimação de muitos povos indígenas. Constituída por 2 mil indígenas de 200 povos das mais variadas regiões do país, a marcha se dirigiu a Porto Seguro - palco da celebração oficial (França, 2000FRANÇA, M. (2000). “Índios realizam marcha inédita para contestar o descobrimento”. Folha de S. Paulo. 9 de abril, caderno 1, p. 18., p. 18). Como não poderia deixar de ser, dado o confronto de posicionamentos, o governo reprimiu energicamente as manifestações contrárias, usando o exército para impedir a presença dos manifestantes nos sítios históricos. O resultado final foi a prisão de 141 manifestantes, várias pessoas envolvidas no confronto saíram feridas e as manchetes dos jornais no dia seguinte se concentraram na violência que marcou o embate entre os vários grupos implicados direta ou indiretamente na comemoração (Antunes, 2000ANTUNES, Laura (2000). “Barreiras da polícia impedem o acesso de milhares a Porto Seguro”. O Globo. 23 de abril, caderno 1, p. 4., p. 4).

Se retomarmos a cena em que d. Diogo é censurado pelo comandante do forte por ter permitido que Anote pintasse seu rosto, podemos interligar esses dois momentos. Essa inter-relação se estabelece quando nos reportarmos à ambiguidade que está no cerne do discurso colonial. Para Homi Bhabha, o encontro com o Outro provoca um duplo sentimento no colonizador: atração e repulsa. Essa ambivalência se inscreve a partir de uma teleologia que, por um lado, defende a possibilidade de “evolução” do Outro “under certain conditions of colonial domination and control”, enquanto que, por outro, deixa evidente uma diferenciação que nega ao colonizado “the capacities of self-government, independence, western modes of civility” (Bhabha, 1994BHABHA, Homi K. (1994): The Location of Culture. London: Routledge., p. 345). Depara-se, então, com um processo de exotização ou estereotipação do Outro no qual, como explica Bhabha:

The Black is both savage (cannibal) and yet the most obedient and dignified of servants (the bearer of food); He is the mystical, primitive, simple-minded and yet the most worldly and accomplished liar, and manipulator of social forces. In each case what is being dramatized is a separation - between races, cultures, histories, within histories - a separation between before and after that repeats obsessively the mythical moment of disjunction. (id., p. 82)

Essa mesma dinâmica se faz presente em relação aos indígenas. Uma ambivalência que se instaura em função do desejo de definir e controlar a circulação de imagens contrastantes que permitem diferenciar modos de ser e culturas que vão ocupar diferentes lugares numa escala evolutiva. A visibilidade dessa separação que nega ao indígena a capacidade de autodeterminação, independência e raciocínio justifica e legitima a “missão” dos colonizadores e do governo que atribuem a si próprios a competência de gerir e definir as necessidades e direitos dos indígenas ontem e hoje. Por isso, deve-se perceber a reedição desses cenários com uma performance de poder, pois procura justificar e legitimar as ações dos colonizadores/ governo. A sua constante repetição faz com que esses cenários sejam reconhecíveis e pareçam naturais, desvestidos de uma agenda política (Taylor, 1997TAYLOR, Diana (1997). “Gendering the National ‘Self’”. In: Disappearing acts: Spectacles of Gender and Nationalism in Argentina’s “Dirty War”. Durham: Duke University Press. p. 29-58., p. 54).

Isso nos permite compreender a reação energética do governo frente aos grupos que o presidente Fernando Henrique Cardoso, na época, classificou de “fascistas” - termo forte usado para desqualificar grupos que, segundo Cardoso, tentaram “denegrir a imagem da nação”, contribuindo para o fracasso de um espetáculo que visava sensibilizar e unificar a sociedade em torno de um mito fundacional (Ponzan, p. 10). Para alcançar tal objetivo, fez-se necessário orquestrar uma série de citações que, ao tomarem a forma de um grande espetáculo épico, procurava celebrar e reafirmar um mito de comunhão. O que se observa por parte do governo era desejo de demarcar o caráter singular do brasileiro como um povo que sabia conviver com a diferença. Uma imagem que se queria reafirmar (e se queria consumida) tanto no cenário nacional como internacional num tempo marcado por tantas incertezas e rupturas. No entanto, a reencenação dessa grande narrativa mais uma vez se estruturava a partir do apagamento ou minimização dos atos de violência e de discriminação ao longo do tempo.

Não é por acaso que, ao refletir sobre as origens da estrutura hierárquica e desigual da sociedade brasileira, Marilena Chauí aponta para a força sempre renovadora do mito fundador no imaginário nacional. Traçando uma genealogia de discursos “verdeamarelistas,” a autora se reporta ao papel de reatualização do mito fundador contido nas comemorações do “Brasil 500”14 14 Chauí (2000, p. 29, p. 57-8) argumenta que na carta de Pero Vaz de Caminha já se podem en- contrar alguns dos elementos que, nos séculos subsequentes, iriam marcar a excepcionalidade do Brasil como a grandiosidade da natureza e a cordialidade de seu povo. . Por isso, se retomarmos a discussão de Diana Taylor sobre a percepção do espetáculo público como um lócus de construção da identidade/memória coletiva, pode-se compreender a forma como foi concebida a programação do “Brasil 500”. Tal como na pintura da primeira missa no Brasil, no centro do palco e em posição destacada (superior) estavam localizados os representantes do poder, no espaço mais distante do centro do poder e em atitude de reverência, inocência e curiosidade perante os conquistadores e seu ritual religioso, os indígenas. A única diferença era que, no momento atual, os indígenas não estavam sozinhos. A sociedade brasileira como um todo foi “convidada” a se moldar a uma forma de olhar que procurava restringir seu papel ao de um espectador passivo que devia seguir rigorosamente um script pedagogica e criteriosamente traçado. Entretanto, como nos lembra Butler, os textos continuam a significar apesar de seus atores. Eu iria mais além e diria que, na realidade, não existe um texto único, mas diversas possibilidades de escrita/leitura que se entrecruzam, contradizem e competem pelo direito de articular outros significados como no caso do “Brasil 500”.

Logo, se algo marca a festa do “Brasil 500,” é a coexistência de uma pluralidade de discursos que, embora relacionados, mantêm suas especificidades. Essa pluralidade pode ser ilustrada pela própria expressão “brava gente brasileira” repetida tantas vezes em jornais e revistas no período da celebração do “Brasil 500” e que é parte do hino da Independência do Brasil que foi, até 1890, o hino nacional brasileiro. O hino canta a bravura e a força dos filhos de uma jovem nação que vem se juntar ao “universo das nações”. Ironicamente, a nação descrita como uma “mãe gentil” e “berço da liberdade” ainda se estruturava a partir de um modelo escravagista e do completo descaso com o destino dos povos indígenas. Para marcar o processo de dessacralização de um dos símbolos da pátria, o título do filme vem escrito em letras minúsculas.

No entanto, não se pode negar que o filme no seu processo de dessacralização da narrativa oficial acaba reproduzindo alguns dos cenários que tenta deslocar. O jogo de cenas na primeira parte do filme que contrapõe a vida na aldeia com a viagem dos portugueses pode ilustrar esse ponto. Nessas cenas, a aldeia surge como um espaço de harmonia e inocência, retomando, por conseguinte, a imagem edênica que, presente no imaginário português, procura questionar. A única diferença é que o filme atribui ao colonizador o ônus pela destruição do “paraíso”. Para que essa visão se concretize, o filme representa os indígenas como um corpo homogêneo e sem atritos.

Pode-se dizer, assim, que o posicionamento do crítico português Eduardo Lourenço em relação aos processos de mitificação que têm marcado os vários discursos sobre o modo de ser português encontra seu equivalente na celebração do ‘Brasil 500’ e, de certa forma, no filme. A memória institucionalizada e legitimada pelo evento tenta nos oferecer uma imagem unidimensional, na qual são deixadas de lado as fissuras étnicas, de gênero e raciais. Procura-se impor uma representação constituída a partir de uma genealogia de discursos que, numa linguagem renovada, ainda persiste em nos distinguir e singularizar frente às outras nações. A imagem que nos é oferecida nessa festa não é de uma sociedade marcada por práticas autoritárias e hierárquicas, mas uma construção que se esforça por naturalizar e legitimar um certo modo de ser brasileiro. A recusa do filme em participar de cenas idealizadas pode ser percebida em simples detalhes como os dos mosquitos que persistem em “infernizar” a vida de D. Diogo. Dessa forma, o filme (tal como os indígenas em Porto Seguro) problematiza narrativas triunfalistas que estão na base das performances narrativas da nação, trazendo para o centro do palco práticas de intolerância e violência que ainda são parte das negociações em torno de direitos no Brasil atual.

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  • 1
    A Embrafilme foi uma empresa de economia mista criada durante a ditadura militar e que tinha como função financiar, divulgar e comercializar filmes no território nacional e interna- cional. A empresa foi extinta em 1990, provocando uma crise no cinema nacional que teve que procurar outras formas de financiamento. O Concine, também criado durante a ditadura, se preocupava com a legislação.
  • 2
    Para ilustrar essas diversas abordagens, Schvartzman cita Independência ou morte (1997) e Mauá, o imperador e o rei (1999) como exemplos e filmes preocupados em manter certa fidelida- de histórica e Carlota Joaquina – a princesa do Brasil (ou mesmo Caramuru – a invenção do Brasil [2001]) como filmes marcados por um viés mais irônico e debochado.
  • 3
    Tendo por base o Catálogo Cinema Brasileiro 90, Schvartzman explica que “num universo de 33 filmes, oito foram de tema histórico” (181).
  • 4
    Os guaicurus foram os primeiros indígenas a aprenderem a montar a cavalo na América Latina. Essa habilidade foi estratégica na luta contra outros povos indígenas, portugueses e espanhóis.
  • 5
    Guido Boggiani viveu com os guaicurus no final do século XIX; Claude Lévi-Strauss esteve entre os guaicurus em 1937 e Darcy Ribeiro na década de 1940.
  • 6
    Em outros livros, o nome do sargento-mor é Marcelino Rodrigues de Campos (Barreto, 1958BARRETO, Coronel Annibal (1958). “Forte de Coimbra (Paraguai)”. Fortificações do Brasil: resumo histórico. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército. p. 296-304., p. 297). Carlos Miguez Garrido se refere a Marcelino Rodrigues de Campos como um major (1940, p. 160).
  • 7
    Darcy Ribeiro argumenta que, durante o ciclo do ouro em Cuiabá, os guaicurus aliados aos payaguás mataram cerca de quatro mil portugueses até fins do século XVIII.
  • 8
    Cenas que se aproximam dos rituais descritos por antropólogos como Lévi-Strauss (1961, p. 156).
  • 9
    Um comportamento que também se faz presente nos escritos de antropólogos e viajantes que tentaram compreender esse hábito a partir de costumes dos colonizadores. Alexandre Rodrigues Ferreira (1974, p. 80), por exemplo, argumenta que o infanticídio resulta da forma como “insensíveis mães” sufocam “as emoções do amor materno” ao se lembrarem das “mor- tificações de pari-los e criá-los”.
  • 10
    Termo usado por Murat no making-of.
  • 11
    Não foi possível trabalhar com a questão de gênero nesse ensaio, ficando o tema para outro ensaio.
  • 12
    Segundo Murat, o livro foi montado especialmente para o filme.
  • 13
    No dia programado, a nau capitânia não conseguiu levantar âncora como esperado e a sole- nidade teve que ser cancelada (“Nau capitânia” 7).
  • 14
    Chauí (2000, p. 29, p. 57-8) argumenta que na carta de Pero Vaz de Caminha já se podem en- contrar alguns dos elementos que, nos séculos subsequentes, iriam marcar a excepcionalidade do Brasil como a grandiosidade da natureza e a cordialidade de seu povo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2011

Histórico

  • Recebido
    Jul 2010
  • Aceito
    Set 2010
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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