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Apresentação

A literatura infantil e juvenil brasileira, consolidada como gênero e expandindo-se em autores e obras, faz parte do mapa da crítica institucional e ocupa hoje um espaço importante no mercado de livros literários. É possível organizar uma história da literatura infantil e juvenil brasileira contemporânea, com autores e ilustradores representativos e um conjunto significativo de obras com estilos bem definidos e com enfoques temáticos próprios, o que revela qualidade estética e maturidade literária. A expansão dos estudos críticos sobre esse sistema literário deve muito à crítica acadêmica, realizada nas universidades, nas diversas linhas de pesquisa dos programas de pós-graduação. Nesse sentido, este número da revista Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, dedicado a estudos de literatura infantil e juvenil brasileira, representa uma contribuição significativa na tarefa de avaliar o universo da produção literária contemporânea brasileira para crianças e jovens, e de estabelecer um campo teórico adequado para discutir essa produção. Mesmo que a crítica da literatura infantil e juvenil encontre apoio nas teorias e práticas disponíveis para a crítica da literatura em geral, ela tem manifestado uma voz distinta ao procurar caminhos que atendam às categorias do objeto sobre o qual se debruça, teorizando sobre questões que dizem respeito à especificidade do gênero.

No artigo “Literatura infantil contemporânea: o passado (revestido) bate à porta”, as autoras abordam uma forte tendência na literatura infantil brasileira contemporânea que é a do reconto, da tradição folclórica revisitada. As análises de A arca de Noé, Ruth Rocha, de As cocadas, Cora Coralina, e de Lebre que é lebre não mia, Celso Sisto, incidem sobre a especificidade da literatura infantil que se realiza no diálogo entre elementos textuais e pictóricos - formato, ilustração, texto, diagramação -, facetas que mantêm cada qual a sua função, mas juntas formam a unidade da obra. O texto de Ruth Rocha promove um reconto da história bíblica; o conto de Cora Coralina é atualizado por meio da ilustração de Alê Abreu, uma narrativa de memória recontada por duas linguagens - verbal e visual; o livro de Celso Sisto promove o reconto de quatro histórias do folclore africano, nas quais palavra e ilustração interagem produzindo novos sentidos.

Já em “Alice ainda mora aqui: narrativa juvenil contemporânea”, a autora aborda questões relativas ao tema da identidade, recorrente naliteratura juvenil brasileira contemporânea, valendo-se da análise das obras Alice no espelho (SM, 2005), de Laura Bergallo, e A maldição do olhar (Biruta, 2008), de Jorge Miguel Marinho. Ao revisitar o clássico de Lewis Carroll, as obras colocam no centro do debate questões que afligem e oprimem os jovens na construção da própria identidade.

No artigo “Floresta de símbolos: bicho e poesia para crianças e adultos inteligentes”, o autor se aprofunda na dimensão lírica e estética da poesia para crianças no Brasil, em que a presença de animais e o diálogo com a tradição das fábulas, sem a moral, possibilitam a percepção de uma infância revisitada. Tomando como paradigma da representação animal os poetas Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes, em Arca de Noé, e José dos Santos, em Rimas da Floresta, Augusto da Silva Junior afirma que, por meio da palavra e da imagem do bicho, esses poetas propõem que a infância, bem precioso para a humanidade, seja preservada.

Uma das grandes dificuldades da literatura infantil e juvenil é a questão do narrador. Em termos literários, a obra fracassa quando não consegue construir pontos de vista em que os leitores, crianças e jovens se reconheçam, deixandosobressairavisãodo escritor adulto, sua autoridade, influência e ideologia. No artigo “O mundo nas mãos do adolescente: entre Apolo e Dioniso, entre o eros e o caos”, a autora se detém sobre esse dilema na literatura infantil e juvenil, em que os episódios são narrados por um adulto que se coloca na ótica de uma personagem jovem. Para tanto, seleciona como corpus da análise a obra de Sérgio Klein, Poderosa 1: diário de uma garota que tinha o mundo na mão, e os demais livros da série.

Em “Representação feminina na narrativa infantojuvenil brasileira contemporânea”, Leda Cláudia da Silva analisa a presença de personagens femininas no acervo de 53 obras que fizeram parte do Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE/2005. Na pesquisa, foi observada a relação entre a cor, o sexo das personagens e a posição social, na tentativa de traçar um perfil das personagens na literatura infantojuvenil brasileira contemporânea.

No artigo “Literatura infantil brasileira e estudos literários”, Marisa Lajolo faz um percurso histórico do cenário da literatura infantil e juvenil brasileira nas últimas décadas e dos avanços nos estudos literários dedicados à produção para crianças e jovens. Numa articulação de instituições voltadas para a difusão do livro infantil e de programas de incentivo à leitura, a autora mostra como qualitativa e quantitativamente a literatura infantil abriu um espaço de visibilidade e de interesse para o mercado editorial, impondo novos modos de ser para o gênero infantil, numa dinâmica que envolve autores, ilustradores, editores, crítica, ações políticas de fomento à leitura.

O artigo “A literatura juvenil brasileira no início do sécvulo XXI: autores, obras e tendências”, parte de dissertação de mestrado defendida na UFRGS, apresenta uma tipologia das obras juvenis brasileiras entre 2001 e 2009, selecionadas no conjunto das premiações concedidas pela FNLIJ e pela CBL. Ao traçar as principais linhas temáticas de obras juvenis publicadas no Brasil nos últimos anos, a autora destaca o amadurecimento e a consolidação do gênero nas inovações temáticas, na atuação do narrador, na caracterização das personagens, na complexidade narrativa, entre outros elementos.

Em “De (re)conto e (des)encanto: uma leitura de Fita verde no cabelo”, a autora analisa o conto de Guimarães Rosa, mostrando como o escritor recria o conto Chapeuzinho Vermelho, pelo avesso, num processo de esvaziamento do valor da experiência, do poder da imaginação e das referências simbólicas. O conto de Guimarães Rosa não pode ser classificado como literatura infantil, embora retome a velha história da tradição popular, talvez a mais conhecida e de maior sucesso entre as crianças, mas recebeu uma edição ilustrada por Roger Mello, num formato que lhe deu a configuração estética de obra infantil. Mas essa é outra questão, sobre a qual o artigo não se propõe a refletir.

No artigo “Monteiro Lobato e suas fases”, Regina Zilberman faz uma revisão histórico-crítica de cada fase da obra de Monteiro Lobato escrita para crianças, estabelecendo um paralelo entre o Lobato de Jeca Tatu e o Lobato de Narizinho. O projeto estético do escritor deu uma nova dimensão para a literatura infantil brasileira, sendo sua obra decisiva na consolidação do gênero na contemporaneidade.

Já em “Da literatura para a infância à literatura de fronteira: Agustín Fernández Paz e Lygia Bojunga”, Blanca-Ana Foig Rechou, professora da Universidade de Santiago de Compostela, apresenta um estudo comparativo entre o escritor galego e a escritora brasileira, ambos autores premiados e reconhecidos no campo da literatura infantil e juvenil. No cotejamento do projeto estético de Agustín Fernández Paz e de Lygia Bojunga, vários pontos de conexão são observados, destacando-se sobretudo a qualidade estética dos escritores e a visão de mundo voltada para a produção de uma literatura juvenil. A pesquisadora classifica a literatura juvenil como uma literatura de fronteiras que, de um lado, acena em direção à juventude, e, de outro, dá mostras de querer alcançar um público leitor mais amplo.

Como se pode perceber pelo conjunto dos artigos selecionados, a literatura infantil e juvenil brasileira contemporânea tornou-se um fenômeno cultural mais vasto que exige uma crítica multidisciplinar capaz de incorporar a tradição folclórica e a pós-modernidade, a ilustração e os meios de comunicação de massa, o imaginário coletivo, ou a recepção individual, a identidade e a multiculturalidade, a formação de leitores e a perspectiva do mercado; uma crítica capaz de fazer conexões, abrindo portas para comparações entre literaturas.

Maria Zaira Turchi

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Dec 2010
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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