Resumo
Embora os mitos ainda habitem as mentes humanas, eles são revisitados e constantemente reescritos, atualizados. Pensando essas questões, o mito de Lilith foi constantemente redefinido por diferentes crenças, muitas vezes com o intuito de apagá-la ou ressignificá-la como demoníaca. Atualmente, seu mito foi ascendido do local de apagamento que a resignaram, para servir, muitas vezes, de símbolo de subversão da imagem feminina. Assim, comumente utilizada nas análises feministas como imagem de empoderamento, Lilith vem sendo reconhecida na literatura como mártir. Com isto em mente, este estudo investiga a imagem de Lilith no conto "Santa carne", de Gabriela Leal (2022), presente na obra A língua da Medusa; e no poema "As querências de Lilith", de Mika Andrade (2019), presente na Antologia erótica de poetas cearenses O olho de Lilith. Por conseguinte, por meio de uma análise comparatista, o intuito é averiguar como a narrativa de Lilith é construída na literatura contemporânea brasileira e compreender como os mecanismos de subversão da narrativa bíblica são quebrados por meio de seu corpo em ambas as produções textuais. O corpo, em ambas as obras, se mostra elemento central na subversão e na tomada de poder de Lilith, o que evidencia a necessidade de análises sobre a corporeidade da personagem. Para tanto, busquei aporte teórico em Mircea Eliade (1972, 1992); Roberto Sicuteri (1985); Barbara Black Koltuv (2017); Adam McLean (2020); e Janet Howe Gaines (2024) para estudar sobre mito feminino; e Judith Butler (1993), Rachel Soihet (2002), Simone de Beauvoir (2016) e Silvia Federici (2020; 2023) para analisar a questão feminina e de corporeidade impregnada na narrativa judaico-cristã.
Palavras-chave: corporeidade; mitos; escrita feminina; narrativa contemporânea; literatura brasileira
Abstract
Although myths still inhabit human minds, they are revisited and constantly rewritten, updated. With this in mind, the myth of Lilith has been constantly redefined by different beliefs, often with the intention of erasing her or redefining her as demonic figure. Currently, her myth has risen from the place of erasure that resigned her to often serving as a symbol of subversion of the female image. Thus, commonly used in feminist analyses as an image of empowerment, Lilith has been increasingly recognized in literature as a martyr. Bearing this in mind, this study investigated the image of Lilith in the short story "Santa carne", by Gabriela Leal (2022), in the work A língua da Medusa, and in the poem "As querências de Lilith", by Mika Andrade (2019), in the erotic anthology of Ceará poets, O Olho de Lilith. Therefore, through a comparative analysis, the aim was to investigate how Lilith's narrative is constructed in contemporary Brazilian literature and to understand how the mechanisms biblical narrative subversion are broken through her body in both textual productions. The body, in both works, appears to be a central element in Lilith's subversion and empowerment, which highlights the need for analyses of the character's corporeality. To this end, theoretical support was sought from Mircea Eliade (1972, 1992); Roberto Sicuteri (1985); Barbara Black Koltuv (2017); Adam McLean (2020); e Janet Howe Gaines (2024) for studies on female myth; and Judith Butler (1993), Rachel Soihet (2002), Simone de Beauvoir (2016) and Silvia Federici (2020; 2023) to analyze the feminine issue and corporeality permeated in the Judeo-Christian narrative.
Keywords: corporeality; Myths; Feminine writing; contemporary narrative; Brazilian literature
Resumen
Aunque los mitos todavía habitan las mentes humanas, estos son constantemente revisados, reescritos y actualizados. Pensando en estas cuestiones, el mito de Lilith ha sido constantemente redefinido por diferentes creencias, muchas veces con la intención de borrarla o redefinirla como demoníaca. Actualmente, su mito ha ascendido desde el lugar de olvido al que fue relegada para servir, muchas veces, como símbolo de subversión de la imagen femenina. Así, comúnmente utilizada en los análisis feministas como imagen de empoderamiento, Lilith ha sido reconocida en la literatura como una mártir. Teniendo esto en cuenta, este estudio investigó la imagen de Lilith en el cuento "Santa carne", de Gabriela Leal (2022), presente en la obra A língua da Medusa, y en el poema "As querências de Lilith", de Mika Andrade (2019), en la antología erótica de poetas cearenses O Olho de Lilith. Por lo tanto, a través de un análisis comparativo, ese buscó investigar cómo se construye la narrativa de Lilith en la literatura brasileña contemporánea y comprender cómo los mecanismos de subversión de la narrativa bíblica se rompen a través de su cuerpo en ambas producciones textuales. El cuerpo, en ambas obras, aparece como un elemento central en la subversión y en la toma de poder de Lilith, lo que resalta la necesidad de análisis de la corporalidad del personaje. Para ello, se recurrió al apoyo teórico de Mircea Eliade (1972, 1992); Roberto Sicuteri (1985); Barbara Black Koltuv (2017); Adam McLean (2020); e Judith Butler (1993), Rachel Soihet (2002), Simone de Beauvoir (2016) y Silvia Federici (2020; 2023) para analizar la cuestión femenina y la corporalidad permeada en la narrativa judeocristiana.
Palabras clave: corporalidad; mitos; escritura femenina; narrativa contemporánea; Literatura brasileña
O corpo que aprisiona é o mesmo corpo que liberta
(Leal, 2022, p. 16).
Eu sou todas as mulheres, todos os nomes delas são meus, disse Lilith
(Saramago, 2017, p. 126).
Considerações iniciais
O corpo é uma espécie de cartografia que mapeia não só a nossa constituição física orgânica, mas que igualmente evidencia a nossa identidade, existência e história, marcas que são deixadas na pele e na memória. Os mitos, por outro lado, contam uma narrativa dita sagrada e equidistante, mas bipartida por uma atemporalidade que se faz presente para a humanidade e que é, de certa forma, refletida no corpo. Isso porque os mitos evocam consigo ritos que, inclusive, marcam as nossas peles e existências — penitência cristã, por exemplo — e nos acompanham no inconsciente coletivo de forma cotidiana.
Segundo Mircea Eliade (1992), na obra O sagrado e o profano, os mitos narram acontecimentos primordiais e que tiveram lugar no começo do tempo, como uma espécie de origem. Todavia, o pesquisador aprofunda o mito por meio do estudo de Max Müller (1923-1900), cuja abordagem elencava o divino como algo que nasceu de uma "doença da linguagem", pois "o que, originalmente, não passava de um nome, nomen, tornou-se uma divindade, numen" (Eliade, 1992, p. 10, grifos do autor). Neste viés, o nascimento do sagrado se deu por uma espécie de "erro de tradução", no mesmo momento em que foi fortificado no decorrer do tempo, visto que uma vez "‘dito’, quer dizer, revelado, o mito torna-se verdade apodítica: funda a verdade absoluta" (Eliade, 1992, p. 50).
Pensando por este ângulo de análise, o mito representa uma verdadeira narrativa propagada sem, muitas vezes, questionarmos sua origem, fundamento ou, simplesmente, funcionalidade. O mito existe e é evocado quando "necessário", estando seu condicionamento fadado, na grande maioria das vezes, como uma narrativa educacional. Ou seja, há, por trás da máscara ordinária do mito, sua verdadeira face normativa das posturas dos indivíduos dentro da sociedade. Contudo, a utilização dos mitos como aplicação de normas sociais está vinculada tanto à própria origem do mito quanto, e principalmente, à interpretação que o homem faz dos próprios ritos. Isso porque estes últimos servem como uma espécie de manual prerrogativo do próprio mito em questão, forçando-o a se manter em sociedade pela repetição que se faz dele.
Evidentemente que são advindos da criação do homem e fadados à concepção e à interpretação humana — por mais que o Antigo e o Novo Testamentos, por exemplo, sejam considerados escrituras sagradas. Logo, são naturalmente passíveis de manipulações ideológicas. Por outro lado, algo que não é muito comentado quando o assunto são as escrituras bíblicas é que essa narrativa privilegiou diferentes aspectos, estando a maioria deles vinculados à figura masculina, o que inclui o próprio corpo em si. Dentro desse pressuposto, o corpo masculino foi, de forma considerável, privilegiado pela narrativa bíblica, ainda mais quando pensamos que Deus é um varão e uma figura patriarcal, assim como a primeira criatura concebida por ele ser um homem. Consequentemente, o corpo feminino ficou renegado a um segundo plano não só de silenciamento, mas de verdadeiro apagamento.
Simone de Beauvoir (2016), na obra O segundo sexo I: os factos e os mitos, explica que todo mito implica um sujeito, mas que dentro desse conceito as mulheres nunca são colocadas como sujeitos, então nunca possuem a possibilidade de protagonismo. Por isso, não é surpreendente que escritoras contemporâneas busquem nos mitos femininos uma voz que somatize à sua com o intuito de subverter a narrativa mítica e ressignificar a própria imagem da mulher nos tempos atuais. Este movimento se dá, de alguma forma, porque os mitos ainda são trazidos como espelhos a serem seguidos, sendo exigido do corpo social posturas condizentes em seus ritos. No que tange os mitos femininos bíblicos, essa espécie de normatividade é consideravelmente exigida até hoje.
Dentre algumas obras que podem ser citadas pela influência de revisitação dos mitos bíblicos de forma mais explícita estão, por exemplo, Evangelho Segundo Jesus Cristo e Caim, de José Saramago (2005, 2017); Eva-proto-poeta, de Adriane Garcia (2020). Dentre obras mais recentes que trazem esse panorama, há A língua da Medusa (2022), de Gabriela Leal1; e O olho de Lilith, organização de Mika Andrade (2019). Desta forma, podemos ver que há uma tendência recorrente de repensar e questionar a forma como os mitos se dão não literatura e maneiras novas de subvertê-los.
A respeito dessa questão, tanto Mika Andrade (2019) quanto Gabriela Leal (2022) realizaram o mesmo processo ao trazerem de seu apagamento o mito de Lilith, figura mitológica que é um verdadeiro símbolo de subversão da narrativa mítica ocidental. Embora as autoras não tenham dado voz direta à Lilith em seus textos, elas aproveitaram da narrativa clássica em terceira pessoa para não só estabelecer uma distância indeterminada, sem aparente pertinência, mas também para marcar uma espécie de passagem sem idade (Genette, 2017). Dessa forma, elas evocaram Lilith da narração bíblica, reproduzindo-a de forma disruptiva e, também, a aproximando da mulher contemporânea. Igualmente, ao realizarem esse movimento com a figura da primeira mulher de Adão, ambas evidenciaram que o corpo traz consigo narrativas, inclusive aquelas que ele mesmo produz.
Demoníaca com prazer
O mito de Lilith, por maiores que tenham sido as tentativas de excluí-lo das escrituras sagradas, permanece vivo na sociedade justamente por ser evocado como símbolo de insubmissão ao patriarcado. A respeito disso, Roberto Sicuteri (1985, p. 23), na obra Lilith: a Lua Negra, pontua que Lilith foi "removida durante a época de transposição da versão jeovística para aquela sacerdotal", provavelmente por ser um símbolo de insubordinação feminina cuja ressignificação não deu certo como ocorreu com a figura de Madalena e Eva — ideal de redenção e de submissão, respectivamente. Dessa forma, houve uma tentativa de excluí-la da mitologia judaico-cristã como primeira esposa de Adão. Todavia, seu nome aparece nos textos bíblicos somente uma única vez de forma clara: "as feras do deserto se encontrarão com hienas; e o sátiro clamará ao seu companheiro; e Lilite pousará ali, e achará lugar de repouso para si" (Bíblia On, 2023b, 34-14).
Tal questão esclarece que Lilith não conseguiu ser totalmente removida das escrituras bíblicas e, também, fortalece a sua presença mitológica. Isso porque ela ainda aparece em outros textos no decorrer do tempo, como: Epopeia de Gilgamesh (em torno de 2000 a.C.); Talmude da Babilônia (escrito por volta do ano 500); Zohar (escrito por volta de 1300 na Espanha); Cabala (publicada primeiramente em 1892); assim como em obras hititas, egípcias, israelitas e gregas (Gaines, 2024). Por outro lado, foi o texto O Alfabeto de Ben Sirá (obra medieval árabe datada entre os séculos 8 e 11), de autoria anônima, que desenvolveu maiores detalhes a respeito deste mito tão subversivo.
Como bem esclarece Barbara Black Koltuv (2017, p. 43-44, grifos da autora), na obra O livro de Lilith: o resgate do lado sombrio do feminino universal, a tentativa de apagamento ocorreu porque Lilith e Adão "foram criados do pó ou da terra", mas Lilith se recusou "a ser mera terra para Adão. Ela [queria] a liberdade de se mover, de agir, de escolher, de decidir". Este pressuposto vem, justamente, do Alfabeto de Ben Sirá, o qual ampliou o mito de Lilith. Dessa forma, a sua figura mítica estabelece uma ideia de igualdade entre os gêneros, já que ambos nasceram da mesma fonte primária.
Ainda sobre esse assunto, Adam McLean (2020), em A deusa tríplice: em busca do feminino arquetípico, afirma que os patriarcas do judaísmo temiam o poder feminino e, por isso, restituíram seus significados a ponto de as mulheres serem banidas de toda a participação significativa na vida espiritual da humanidade ocidental. Da mesma forma, o mito de Lilith foi um alvo dessa ressignificação, porém permaneceu nas lendas do Talmude "como uma figura malévola que buscou igualar-se a Adão" e foi concebida como "patrona de maléficos íncubos e súcubos; era a promotora dos sonhos e pesadelos eróticos, destruidora das criancinhas" (McLean, 2020, p. 113). Isso demonstra que Lilith era vista como "uma força, um poder, uma qualidade, uma renegada. Um espírito livre" (Koltuv, 2017, p. 9), o que esclarece, consequentemente, as razões para a tentativa de seu apagamento na História2.
A consequência de exigir a igualdade culminou em sua expulsão do Éden por Deus e condenação à forma demoníaca, algo que é associado até hoje à figura feminina que não se submete a uma imagem masculina. Isto é, Lilith é uma figura de grande poder, mas que foi, por meio de uma tentativa frustrada, renegada em sua condição e colocada em estado de vulnerabilidade. Ainda que essa seja a narrativa dominante e propagada por um narrador não demarcado historicamente, nos textos de Andrade (2019) e Leal (2020) ocorre a escolha de um narrador heterodiegético (Reis, 2013) que se assemelha à narrativa bíblica, porém não se restringe a ela. Ou seja, é uma narrativa feita à distância, mas com um olhar analítico a respeito do mito inspirado, a fim de guiar o leitor a uma revisitação à história dita sagrada.
Ainda que a narração em terceira pessoa privilegie um distanciamento que eleva as noções de alteridade, não há como esquecer que o narrador é ele próprio um papel fictício (Genette, 2017), logo, devemos levar em consideração os recursos empregados nessa construção ficcional. Dessa forma, em ambas as obras que serão analisadas aqui, é notável a escolha de uma perspectiva não confiável (Booth, 1980), visto que ocorre uma tentativa de direcionar a revisitação do olhar do leitor a certas questões da narrativa bíblica. Para além, a análise comparada do conto com o poema, por maiores que sejam os distanciamentos entre os gêneros literários, é interessante para o estudo, pois o poema possui um tom narrativo, ainda que sua forma seja a poética. Assim, este estudo irá demonstrar o reforço de pontos míticos sobre Lilith que reaparecem nos textos das autoras a fim de subvertê-los logo após, buscando uma ressignificação de sua história.
Inicialmente, no conto "Santa carne", de Gabriela Leal (2022), somos apresentados a uma narrativa desconstruída, aproximando-a consideravelmente da narrativa oral. Ainda que ocorra essa quebra da normatividade da narração bíblica que exige certa seriedade — para fins de inefabilidade programada —, também acontece o desmantelamento da imagem de um Deus onipotente e ameaçador, como é possível ver em: "Eis que Deus criou e viu que era bom. Não a criação em si, mas o ato criador, cerne da divindade. E então Deus soube que era Deus. E quis que outros soubessem: ali estava um Deus. Por isso, criou a humanidade" (Leal, 2022, p. 17). O trecho expõe um Deus egocêntrico, ao mesmo tempo que o naturaliza quase como um ser humano, fadado à necessidade de aprovação externa para autovalidação. Por outro lado, o início do conto firma o tom satírico3 que será empregado no decorrer da narração, ressaltando a particularidade reversa à narrativa original e as questões que deseja expor e fazer o repensar do leitor e da sociedade.
No conto de Leal (2022, p. 17), Deus prossegue na criação de seus "filhos": "Deus moldou, do mesmo barro, duas figuras. […] Depois, deu três passos para trás e observou. Resolveu diferenciar as figuras: pênis naquela que chamaria Adão, vagina naquela que chamaria Lilith". Este excerto se destaca pelo enfoque no sexo biológico como princípio diferenciador entre Lilith e Adão e que, evidentemente, inculcará os papéis desenvolvidos por cada um nesta configuração humana criada por Deus. A respeito disso, Bourdieu (1999, p. 24), na obra Dominação masculina, esclarece que
longe de desempenhar o papel fundante que lhes é atribuído, as diferenças visíveis entre os órgãos sexuais masculino e feminino são uma construção social que encontra seu princípio nos princípios de divisão da razão androcêntrica, ela própria fundamentada na divisão dos estatutos sociais atribuídos ao homem e à mulher (Bourdieu, 1999, p. 24).
O postulado dialoga com a reprodução narrativa na sociedade ocidental, a qual pontua os papéis sociais por questões de gênero, visto que, muitas vezes, este é confundido com sexo biológico. Segundo Judith Butler (1993, tradução nossa), em Bodies that matter: on the discursive limits of "sex", o "sexo" é substituído pelo significado social que assume, assim ele é abandonado no curso dessa suposição, e o gênero emerge como um termo que absorve e desloca o sexo. Quanto ao que é trazido no excerto anterior, é perceptível o quanto a narrativa bíblica auxiliou, em certo grau, a fomentar a estrutura social que até hoje é reproduzida, visto que
Deus rabiscou cálculos e figuras geométricas com uma varinha na terra. Convenciou o encaixe do pênis na vagina. Ainda achou por bem terceirizar o grosso da criação: a vagina seria um portal, a mulher faria todo o trabalho pesado. Assim, Ele não teria que perder tempo esculpindo, um a um, os seus filhos a partir do barro (Leal, 2022, p. 17).
Além do tom irônico empregado pelo narrador, o trecho expõe a posição enunciativa e a sua aproximação com as personagens. O narrador, por mais que esteja distanciado, está consideravelmente perto de Deus neste momento da narrativa ao ponto de transparecer as intenções d’Ele com a criação dos órgãos sexuais em Lilith e Adão. Dessa forma, o seu olhar infere e julga a Deus, demonstrando sua inconfiabilidade ao mesmo tempo em que direciona o julgamento do leitor. Em contrapartida, o narrador, ao colocar "achou por bem terceirizar o grosso da criação", ressalta a pretensão divina de não se dar mais trabalho do que este, e aproveitar do corpo feminino para fazer todo o resto por si. Tal questão demonstra também o olhar misógino ao corpo feminino, expropriando a mulher de seu corpo e a transformando em objeto sexual e máquina reprodutora (Federici, 2023).
Segundo Silvia Federici (2023, p. 39), em sua obra mais recente Além da pele: repensar, refazer e reivindicar o corpo no capitalismo contemporâneo, há uma política corporal que reconhece a capacidade feminina de produzir novas vidas, o que "nos sujeitou a formas de exploração muito mais extensas, invasivas e degradantes do que aquelas sofridas pelos homens, além de mais difíceis de confrontar". Obviamente, a teórica aborda esse pensamento vinculado ao olhar contemporâneo do capitalismo, mas que, ainda assim, não se distancia do pressuposto trazido pelo narrador de Leal (2022) a respeito do pensar patriarcal de Deus. Ademais, Ele aponta uma busca por incutir na mulher a ideia de construção de uma sexualidade "como serviço e sua negação como prazer", algo que vem "mantendo viva por muito tempo a ideia de que a sexualidade feminina é pecaminosa e redimível somente por meio do casamento e da procriação" (Federici, 2023, p. 131). Esses ideais buscados pela figura de Deus, por exemplo, tentaram ser aplicados ao mito de Lilith na História, mas só conseguiram ser bem usufruídos mais à frente na imagem de Eva como ruína do homem.
Não obstante, o trecho pontua nas entrelinhas que o corpo é o elemento-chave que centraliza a própria narrativa bíblica. À vista disso, podemos perceber o quanto o corpo é "motivo simbólico, objeto de representações e imaginários" (Le Breton, 2010, p. 7), justamente porque ele é "eminentemente um espaço expressivo" (Merleau-Ponty, 2006, p. 202). Logo, é plausível as significações que o corpo adquire na obra da autora, já que ele simboliza, representa e expressa os imaginários constituintes da narrativa bíblica, assim como a sua possibilidade de reinvenção.
A dupla concepção existente na obra, bíblica versus corpo; evoca simbologias distintas e totalmente opostas, mas que dialogam entre si em seus polos. No caso, exibe as narrativas postas sobre o corpo no sentido daquelas que lhe foram introduzidas pelo contexto externo. Isto é, o corpo carrega esses discursos exteriores postulados sobre ele, visto que "os corpos […] carregam discursos como parte de seu próprio sangue" (Prins; Meijer, 2002, p. 163), mas ainda assim o corpo fala por si mesmo (Merleau-Ponty, 2006). Uma das formas de encontrar essa voz corporal é por meio dos saberes do corpo (Gago, 2020), cuja manifestação, em minha análise, poderia estar vinculada à masturbação.
Segundo Gago (2020), os saberes do corpo são aqueles que foram removidos da mulher ao longo do tempo por meio de diferentes mecanismos elaborados e que, trabalhando entre si, retiraram o conhecimento medicinal e corporal da mulher, por exemplo. Dentre esses saberes, está incluída a masturbação como exercício lúdico e, naturalmente, de autoconhecimento das formas múltiplas de prazer no corpo feminino. Isso porque foi incutido à mulher a função de procriação e criação, estando o prazer como uma distração dentro desta nova funcionalidade social. Dessa forma, a masturbação feminina hoje ganhou conotação de transcendência:
A felicidade era quase uma obrigação, o que não tinha a menor graça para Lilith. Foi entre um bocejo e outro que ela, investindo na própria autoria, com um desejo eriçado de ser, brincou com os abismos até descobrir a transcendência (Leal, 2022, p. 17-18).
O excerto revela um olhar narrativo que desmerece o paraíso e o considera monótono, pois o narrador está mais próximo de Lilith, ainda que não entre em questões de focalização interna da personagem (Genette, 2017); ele traduz aquilo que vê. Por outro lado, Lilith descobre a "transcendência" ao se tocar e investigar as potencialidades do próprio corpo como local de exploração e autodescoberta (Le Breton, 2010). Nas palavras do filósofo, em A sociologia do corpo,
o indivíduo é convidado a descobrir o corpo como forma disponível à ação ou à descoberta, um espaço cuja sedução é necessário manter e cujos limites vislumbrados é preciso explorar. O corpo é o lugar-tenente do indivíduo, o parceiro. É precisamente a perda da "carne do mundo" que força o ator a se inclinar sobre o corpo para dar carne à existência (Le Breton, 2010, p. 86).
Consequentemente, Lilith descobriu do que o próprio corpo era capaz, seu poder pessoal, dando carne à existência. Justamente por isso, o narrador expõe que tal fato não agradou a Deus: "a transcendência é coisa divina, e Deus não se agradou. A transcendência […] não se deixa manipular. […] Além do mais, o Deus de toda a criação era apenas um" (Leal, 2022, p. 18). Este trecho é interessante, pois ressalta, por meio de uma focalização interna na personagem (Genette, 2017), os sentimentos de Deus, os aproximando, consequentemente, aos sentimentos humanos de inveja. Igualmente, evidencia um Deus falho e, em até certo modo, com medo da potência de Lilith, pois ela poderia tomar seu lugar. Logo, além de evidenciar o poder da personagem, a personagem Deus esclarece também o poder que há no próprio corpo de Lilith.
Esse pressuposto é trazido por Michel Foucault (1979, p. 146), em Microfísica do poder, ao afirmar que a consciência de seu próprio corpo só pôde ser adquirida "pelo efeito do investimento do corpo pelo poder", pois o "poder penetrou no corpo, encontra-se exposto no próprio corpo". Dessa forma, Lilith, ao reencontrar seu poder pessoal por meio dos saberes do corpo, conseguiu reaver a si mesma da estrutura de opressão sexista e patriarcal que lhe era imposta.
Sob outra perspectiva, também corrobora para esclarecer que Lilith aparece "como uma força contrária, um fator de equilíbrio, um peso contraposto à bondade e masculinidade de Deus, porém de igual grandeza" (Koltuv, 2017, p. 15). Tal questão trazida no trecho anterior, vinculada à imagem de um Deus "varão" e todo poderoso, é o que impõe grande respeito — e medo — na fé judaico-cristã; logo, colocar uma figura feminina em pé de igualdade é diminuir a força da sua simbologia. Consequentemente, exibe o desmantelamento da narrativa bíblica e a intenção deste narrador não confiável (Booth, 1980) de demonstrar as lacunas existentes no mito judaico-cristão.
O conto continua a avançar com Lilith ensinando Adão a descobrir o seu corpo e as potencialidades existentes nele, mesmo que Deus tenha decidido "terceirizar também a opressão" e mandado Adão "submeter Lilith, na condição de sua mulher" (Leal, 2022, p. 18). Podemos ver a tentativa de "adestramento dos corpos" que busca torná-los "ao mesmo tempo inclinados e aptos a entrar nos jogos sociais mais favoráveis ao desenvolvimento da virilidade" (Bourdieu, 1999, p. 71, grifos do autor). Isto é, Deus ao mandar Adão oprimir Lilith é equitativo a ele realizar o mesmo, comprovando o engendramento desta narrativa que, até os tempos atuais, existe como forma de categorizar os corpos presos dentro da binaridade e hierarquia de gênero. Por outro lado, segundo as pistas do narrador, Lilith não possui conhecimento desse jogo entre Adão e Deus, pois se dedica a ensinar o marido também sobre o seu próprio corpo:
E Adão brincou com Lilith como jamais brincaria com Eva, mas Lilith não achou que fosse tão bom. Lilith ensinou Adão a lhe adular os seios, a pressão certa para apertar as coxas, os lugares que pediam lábios, os lugares que pediam unhas e os lugares que pediam dentes — tudo em vão. Adão não sabia fazer carícias, Adão não queria saber. Por intuição, Lilith teve uma ideia e sentiu de montar sobre o pênis de Adão (Leal, 2022, p. 18-19).
O excerto expõe não só a paciência de Lilith em ensinar, como o poder que tem sobre os saberes do próprio corpo ao ponto de ensiná-los à Adão. Igualmente, evidencia, pelo uso da prolepse (Genette, 2017), fatos que irão acontecer no futuro da narrativa bíblica quando menciona a segunda esposa de Adão, Eva, criando em paralelo uma intertextualidade com o Gênesis bíblico. Ademais, a proximidade do narrador favorece a focalização interna em Lilith, quando menciona a personagem não gostar das carícias do marido, o que evoca a mente e o campo de consciência (Genette, 2017) ao serem colocados a favor da corporalidade de Lilith, a fim de enriquecer suas experiências.
Por outro lado, Lilith tomar à frente no ato sexual também simboliza um rompimento dos papéis de gênero pautados na dominância do coito. Como bem coloca Beauvoir (2016, p. 51), "entre quase todos os animais o macho coloca-se sobre a fêmea". Desse modo, Lilith ter a iniciativa da dominância sobre o corpo de Adão significa uma subversão corporal das narrações tanto implementadas sobre o corpo como também as bíblicas. A essas narrativas, Bourdieu (1999) chama de trabalhos de socialização, os quais tendem a impor limites referentes ao corpo e o definindo como sagrado, h’aram.
Naturalmente que este pressuposto implica que as escrituras sagradas também serviram aos princípios de uma civilização sexista e misógina, na qual foi "conveniente que a mulher permanecesse anexada ao homem", visto que é "fazendo-se escrava e dócil que ela se torna também uma santa abençoada" (Beauvoir, 2016, p. 255), como ocorre com as imagens femininas bíblicas de Eva e Maria Madalena. No que tange o mito de Lilith, a concepção de profano foi consideravelmente sinônimo de seu nome, pois sua busca por equidade equivaleu a ir contra os ritos e em consequência "a afastou do sagrado", servindo como advertência sobre as normas de condutas. Da mesma forma, essas questões servem para demonstrar o quanto as narrativas impregnam o corpo, mas igualmente o quanto o corpo pode servir para subvertê-las, como Lilith faz ao ressignificar a narrativa corporal de dominação que lhe foi imposta. Igualmente, ocorre o mesmo quando as autoras Andrade (2019) e Leal (2020) refazem o mito de Lilith por meio de um olhar contemporâneo às opressões corporais femininas.
A ressignificação do corpo
Notavelmente, ressignificar a narrativa corporal não é questão fácil, mas é algo que Lilith consagra com pioneirismo. De mesmo modo, é o momento em que as narrativas de Andrade (2019) e Leal (2022) de se encontram e dão as mãos, tensionando ainda mais a subversão corporal e mitológica de Lilith, apesar disso se dar de formas um pouco distintas.
Primeiramente, em Leal (2020, p. 19), Adão reage à situação de dominação de Lilith na posição do coito: "Adão levantou um punho e gritou desaforos com a jactância própria daqueles que gozam pouco e transam mal. Deus fez um raio retumbar nos céus em sinal de aprovação pela obediência do filho querido". Este excerto traz, além do tom irônico à performance sexual de Adão, o poder das ordens de Deus por trás da atitude de Adão com Lilith. Em mesma medida, ressalta a aprovação de Deus para a "virilidade" do filho, tentando subjugar Lilith como inferior. Por outro lado, nas entrelinhas desse ato de Deus, está incutida a normatividade das relações parentais com o filho homem, mostrando que este tem certos privilégios e favoritismo em comparação à filha mulher, a qual fica restrito o olhar vigilante e as punições mais duras — inclusive, é algo visto na penitência severa que Eva recebe ao comer do fruto proibido em comparação à Adão.
Em contrapartida, na narrativa criada por Andrade (2019, p. 13-14), a primeira parte do poema já inicia pelo ato sexual e pela vanguarda de Lilith na posição do coito:
sem preocupações sob os / olhares vigilantes de deus, / adão e lilith fornicavam / sobre as gramíneas do / belíssimo jardim, / até que num momento / breve de êxtase, a varoa / com o corpo / em tremiliques / vira-se / e fica na posição de quadrúpede. / tal é o espanto de adão / diante do olho de lilith, / que cai de cara no chão e / de vara já amolecida / às bicas grita: / — pelo nome do altíssimo o que queres com isso?! / o senhor escuta a barulhada e com a sua voz grave e espantada / tenta questionar o que se passa (Andrade, 2019, p. 13-14).
Há algumas coisas interessantes a respeito do fragmento anterior que se sobressaem de forma imediata como o ato sexual ser uma questão lúdica e de prazer, não voltado à procriação. Isso esclarece que a concepção de feminilidade foi desnaturalizada (Federici, 2023), tanto que Lilith não escolheu uma posição de dominação sobre Adão para mostrar isso, mas tomou uma escolha mais comparativa aos animais. Dessa forma, percebemos uma personagem com traços mais primitivos do que a Lilith de Leal (2022) e que vêm a se comprovar mais adiante no poema. Contudo, há uma questão bastante relevante trazida no excerto que merece destaque: o fato de o eu lírico chamar Lilith de varoa.
Primeiramente, a religião judaico-cristã é reconhecida como uma religião de varões, visto que eles detêm todos os meios de produção simbólica, organizam e presidem a comunidade como um todo. Desta forma, chamar Lilith de varoa é transferir tal simbologia a uma figura que é subalternizada dentro dessa narrativa mítica. Logo, o eu lírico evidencia a subversão corporal da personagem, ao mesmo tempo em que consagra o seu mito de rebeldia contra o patriarcado. Inclusive, devido ao eu lírico estar mais distanciado das personagens, em comparação ao narrador de Leal (2022), favorece, ainda que a coloquialidade da narrativa se faça presente, a compreensão de uma narrativa que se aproxima mais daquela bíblica.
Igualmente, o olho de Lilith faz com que Adão perca a potência sexual, efetuando o desaparecimento da sua virilidade. A respeito disso, Bourdieu (1999, p. 27, grifos do autor) explica que a vagina possui um caráter "funesto, maléfico, ao fato de que não só é vista como vazia, mas também como o inverso, o negativo do falo". Michelle Perrot (2003), na obra "Os silêncios do corpo da mulher", complementa ao esclarecer que o útero era visto antigamente como cavernoso, oculto, algo que subtrai como um abismo sem fundo no qual o homem esgota suas forças vitais e sua vida. Ou seja, é uma região corporal que deve estar oculta, enclausurada, como um eterno mistério a ser desvendado, mas que também causa medo e repugnância. Um exemplo está no termo "continente negro" utilizado por Hélène Cixous (2023), em O riso da Medusa, como sinônimo de feminilidade e da sexualidade feminina, cuja referência está atrelada a Freud sobre o "pouco conhecimento" que foi investido a desvendar tal assunto, inclusive por ele próprio.
Um exemplo claro disso é o fato de muito ainda não se saber a respeito deste órgão sexual na ciência ou na medicina, muito menos os prazeres femininos fazerem parte de diálogos comuns na sociedade como é o caso do prazer masculino. Desta forma, Adão ter uma disfunção erétil é só uma constatação do medo e da repugnância que um simples órgão sexual mal interpretado pode causar na frágil masculinidade heteronormativa.
Não obstante ao que já fora exposto, é importante ressaltar o fato de os nomes bíblicos estarem em minúscula, o que diminui a sua importância como narrativa sagrada. Em mesma medida, tensiona possíveis questionamentos a respeito da sua veracidade, ao mesmo tempo em que aproxima a história aos leitores, colocando-os dentro da narrativa em igualdade com os protagonistas. Ou seja, exemplifica que tanto Adão quanto Lilith dentro desta perspectiva poderiam ser qualquer um dos leitores desses mitos.
A respeito da posição do coito em ambas as narrativas, podemos ver o quanto a mudança e o domínio da posição por Lilith impacta todo o mito pelo qual o conhecemos atualmente. Contudo, não clarifica ao leitor o quanto a posição do homem sobre a mulher no ato sexual também traduz todo o funcionamento de uma sociedade. Desse modo, Bourdieu (1999) esclarece o porquê é tão importante tal inversão de papéis sociais:
em cima ou embaixo, ativo ou passivo, essas alternativas paralelas descrevem o ato sexual como uma relação de dominação. De modo geral, possuir sexualmente, como em francês baiser ou em inglês to fuck, é dominar no sentido de submeter a seu poder, mas significa também enganar, abusar ou, como nós dizemos, "possuir" (ao passo que resistir à sedução é não se deixar enganar, não se deixar "possuir") (Bourdieu, 1999, p. 29, grifos do autor).
É justamente devido ao impacto que a posição do coito possui nas suas entrelinhas que ocorre toda a subversão corporal de Lilith e a consequência disso na sua narrativa mitológica. O fato de, primeiramente, ter descoberto a transcendência pela masturbação e, logo após, ter a dominância no ato sexual, fez com que ela rebelasse o seu próprio corpo contra duas figuras masculinas de poder: seu pai e seu marido. Ao realizar tal insubordinação, Lilith questionou o próprio papel social de cada uma destas figuras dentro do funcionamento da pequena sociedade que estava começando a nascer no mundo. Isso porque, como clarifica Bourdieu (1999, p. 17), o sistema mítico-ritual "consagra a ordem estabelecida, trazendo-a à existência conhecida e reconhecida, oficial". E, evidentemente, não era essa a ordem estabelecida que a religião judaico-cristã desejava estabelecer em sociedade, afinal, como apontado anteriormente, quem possuía o domínio da sociedade e da narrativa eram os homens.
Apesar disso, o rumo que ambas as narrativas das autoras tomam a partir deste momento se divergem, tanto relativo à postura de cada personagem perante a tentativa de controle de Adão e de Deus, quanto ao que ocorre ao fim de cada história. Isso porque, em Leal (2022, p. 19), Lilith "se enfureceu. Chamou o Pai de tirano e o marido de fraco. […] Lilith foi a primeira ex a ser chamada de louca e a precursora do êxodo", consequentemente ela foi "embora, inventando o divórcio antes mesmo da criação da liturgia. Saiu sem nada, porque ainda não se sabia o que era partilha e ela é que não ia esperar sentada a invenção da justiça". Aqui, percebemos uma Lilith indomável, que fala o que pensa e externaliza o que sente e, principalmente, uma personagem que não permite ser diminuída por nenhuma das personagens masculinas; algo que ocorre também em seu mito. Contudo, o narrador, por meio da sua ironia, também aproxima Lilith da mulher contemporânea ao citar o divórcio e a liturgia, termos que não estão presentes nesse momento da narrativa bíblica.
Igualmente, ao realizar esse movimento de aproximar o mito de Lilith à mulher contemporânea, Leal (2022) consegue criar uma personagem ainda mais verossímil. Para além, a narrativa é subvertida quando é Lilith quem decide ir embora e não é expulsa do paraíso como ocorre no mito sagrado, demonstrando que nenhuma figura masculina tem poder sobre si. Além disso, a autora concebe uma manobra interessante que converge para a personagem trazer questões e pensamentos contemporâneos que vão além do que é exposto pelo narrador, como em: "E quanto mais maldições Deus lançava sobre Lilith, mais ela percebia o medo que ele tinha da sua grandeza. Ficou claro, Lilith só caberia naquele jardinzinho de revista se fosse podada" (Leal, 2022, p. 19). Vemos, no trecho anterior, não necessariamente a questão da revista — elemento verdadeiro e inquestionável do diálogo com a contemporaneidade —, mas sim a compreensão do medo de Deus perante o seu poder e, por isso, a necessidade de contê-la. Segundo Silvia Federici (2020), em Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva, havia um plano entre Estado e Igreja para o controle do corpo feminino, visto que
Há também, no plano ideológico, uma estreita correspondência entre a imagem degradada da mulher, forjada pelos demonólogos, e a imagem da feminilidade construída pelos debates da época sobre a "natureza do sexo", que canonizava uma mulher estereotipada, fraca do corpo e da mente e biologicamente inclinada ao mal, o que efetivamente servia para justificar o controle masculino sobre as mulheres e a nova ordem patriarcal (Federici, 2020, p. 335).
No caso, Lilith é justamente esse duplo espelho: aquele que desejam que ela seja, e aquele que verdadeiramente ela é, sendo este último a razão plena do medo de Deus. Consequentemente, isso só fortalece que em uma religião na qual a carne é maldita, a mulher se apresenta como a maior tentação do demônio (Beauvoir, 2016). Portanto, não é surpreendente o final que o mito de Lilith adquire, visto que havia duas opções plausíveis: a primeira era tentar contê-la, algo que visivelmente não ocorreu; e, segunda, a demonializar para que se torne o exemplo reverso do que não se deve ser como mulher. Isso só reflete que Deus é também o espelho do homem e do controle patriarcal sobre a mulher na visão judaico-cristã, algo que contribuiu para a ressignificação mitológica de Lilith como Lilitu, um demônio. Igualmente, o pensamento crítico contemporâneo, ao perceber essas questões, começou a desmantelar a narrativa opressora sobre a figura feminina, tanto que ambas as autoras buscaram trazer paradigmas narrativos mitológicos que não colocam Lilith como uma figura profana e demoníaca.
Diferentemente, a Lilith de Andrade (2019) reage de forma um tanto quanto inesperada, justamente pelo poema ter, de maneira bem demarcada, um tom satírico que beira o grotesco em certos momentos. Isso porque "em sua grande ânsia e desejo / lilith interrompe o questionamento / ou devaneio [de Deus] / e jorra seu líquido desaforado / na cara de deus que, sem jeito, / retorna ao firmamento" (Andrade, 2019, p. 14). Ou seja, o que o trecho expõe é justamente o que se compreende: Lilith teve seu orgasmo vaginal na face de Deus, fazendo com que ele retornasse sem pronúncia ao local de onde saiu.
O interessante de tal exposição do eu lírico reside no fato de que a transcendência de Lilith (seu prazer sexual) foi tanto que ela conseguiu impor seu poder pessoal (os saberes do corpo), ao ponto de calar a opressão de Deus — o que demonstra, naturalmente, a "insustentabilidade viril" deste Deus varão em "controlar" uma figura feminina. Do mesmo modo, impediu, antes mesmo de qualquer palavra violenta de silenciamento, que Deus pudesse querer utilizar contra ela como forma de contenção. Tanto este ato como o da Lilith de Leal (2022) sinalizam para a retomada do corpo-para-o-outro — corpo de Lilith pertencente à Adão — para o corpo-para-si-mesma — corpo de Lilith pertencente a si mesma (Bourdieu, 1999). É o corpo passivo se tornar corpo ativo e agente, mesmo que essa afirmação de independência seja traduzida em manifestações corporais de nojo ou medo por parte das figuras masculinas, produzindo efeitos em tudo semelhantes. Consequentemente, "recuperar o controle sobre nossa sexualidade e nossa capacidade reprodutiva significa mudar as condições materiais de nossa vida" (Federici, 2023, p. 54).
A respeito dos saberes do corpo, Gago (2020) esclarece que o corpo feminilizado está em constante processo de guerra, pois essa guerra é contra as personagens femininas e feminizadas que fazem do saber do corpo um poder. Ambas as personagens Lilithes, tanto de Andrade (2019) quanto de Leal (2022), trazem em seus corpos essa guerra e os utilizam como desacato à ordem patriarcal de valores opressivos e violentos contra corpos vulnerabilizados. Logo, ao tomar esse poder de agência, a Lilith de Leal (2022, p.19) veste todos os significados que existem nessa tomada de atitude: "Lilith se recusava [a ficar no paraíso] — e admitia seu pecado sem precisar do diabo de serpente nenhuma para levar os créditos. Se havia um demônio, Lilith batia no peito e dizia que ela era o próprio demônio, sem qualquer vergonha".
No excerto anterior, o narrador desnuda diferentes camadas simbólicas e mitológicas em um pequeno período narrativo. Isso porque, ao citar o pecado e a serpente, está fazendo referência direta a Lúcifer, A estrela da manhã, que se torna o Diabo após ser expulso do céu por Deus. Logo após, adentra o Éden como serpente que persuade Eva a comer do fruto proibido, como é possível ver em:
Deus disse: "Não comam do fruto da árvore que está no meio do jardim, nem toquem nele; do contrário vocês morrerão". Disse a serpente à mulher: "Certamente não morrerão! Deus sabe que, no dia em que dele comerem, seus olhos se abrirão, e vocês, como Deus, serão conhecedores do bem e do mal". Quando a mulher viu que a árvore parecia agradável ao paladar, era atraente aos olhos e, além disso, desejável para dela se obter discernimento, tomou do seu fruto, comeu-o e o deu a seu marido, que comeu também (Bíblia, 2023a, 1-24).
Consequentemente, percebemos que o narrador realiza mais uma vez uma prolepse (Genette, 2017) ao adiantar fatos futuros da narrativa bíblica. Ainda, a serpente por si só possui simbologias interessantes de serem mencionadas — estando em sua grande maioria marcadas pela dualidade —, já que uma delas é a possibilidade de renovação da vida (Eliade, 1972), mas também um presságio de morte. Essas questões mostram, justamente, a morte da vida subserviente aos comandos de um Deus e o seu nascimento crítico para o mundo.
Ainda, a serpente traz em sua simbologia questões bastante femininas que devem ser evidenciadas, como: fertilidade, fecundidade, sexualidade, natureza, magia, alquimia, astrologia, nobreza, proteção, entre outros (Oliveira, 2020a, 2020b). Desta forma, além de Leal (2022) ressaltar símbolos femininos que fazem referência à força e à feminilidade por meio da serpente, ela também traz as razões da antipatia aos valores patriarcais ulteriores, sendo transformada em figura maléfica:
[Lilith foi] associada, em especial, com a cobra, como muitas outras deusas no seu aspecto de megera. A cobra ou o dragão simboliza, na realidade, as forças vivas da Terra e a energia ativa do feminino, razão pela qual foi considerada em conflito com as energias criadoras ativas do masculino (McLean, 2020, p. 113).
De forma semelhante, Lilith, quando se compara a Lúcifer, se autodeclara como demônio e faz referência direta ao seu mito sumério, no qual é reconhecida como Lilitu. Ao trazer essa menção, Leal (2022) ampliou consideravelmente a ameaça que Lilith representa dentro do próprio mito bíblico, pois Lilitu era reconhecida como um terrível demônio sumério, além de que "era frígida e estéril, dotada de asas e mãos e pés com ganas; acolitada por corujas e leões, movia-se velozmente durante a noite soltando uivos estarrecedores e seduzindo os homens adormecidos ou bebendo-lhes o sangue" (Russel; Alexandre, 2019, p. 39). Ainda sobre o mito de Lilitu, Janet Howe Gaines (2024, tradução nossa), em seu artigo Lilith: seductress, heroine or murderer?, afirma que ela era uma forte ameaça "para mulheres grávidas e bebês"; seus seios eram "cheios de veneno, não de leite"; e que era uma "uma mulher sexualmente frustrada e infértil que se comporta[va] agressivamente com homens jovens".
É possível notar as aproximações dos mitos judaico-cristão e sumério, principalmente a forma como a figura feminina de Lilith em ambos é ameaça destruidora à figura masculina, seja ela sagrada ou não. Similarmente, em Andrade (2019), a Lilith trazida pelo eu lírico, no segundo e terceiro atos, é uma força da natureza que subjuga a virilidade de Adão cada vez mais:
adão, me toma pelo cu! / faz com que eu sinta / o líquido da vida / escorrer pelo vértice/ me cavalga com virilidade / e volúpia!, faz com que o gozo / invada meu ventre / e viole o vazio, / adão vigia a vagina / que a vagina é vida: / vulgarizada / vinalizada, / venera esse vão, / vulcão vadio e vacilante, lambuza-te co’ meu sumo / sorva todo o líquido / meu gozo é seiva / de um fruto permitido (Andrade, 2019, p. 14-15).
A Lilith de Andrade (2019) se eleva não só pela subversão sexual e potência criadora, mas também ao evidenciar que a virilidade masculina de Adão em nada a satisfaz como mulher. A sim, ela insurge os pressupostos simbólicos da energia feminina, vista como passiva e submissa, e da energia masculina, compreendida como força e ativismo. Logicamente, tal questão inverte a própria narrativa do patriarcalismo que coloca a figura masculina em papel dominante. Afinal, essa concepção também faz referência à relação sexual fundamentada em uma relação social de dominação, porque ela foi construída por meio da divisão entre o masculino como ativo e o feminino como passivo. Isso porque alude, também, ao mito de Adão e Eva quando afirma o desejo masculino "como desejo de posse, como dominação erotizada [figura de Adão], e o desejo feminino como desejo da dominação masculina, como subordinação erotizada [Eva]" (Bourdieu, 1999, p. 31).
O eu lírico faz referência novamente à vagina, trazendo consigo a narrativa sexista e deturpada do órgão sexual como "vulgarizada", "vinalizada" e "vulcão vadio e vacilante". Sobre isso, é notável que o eu lírico do poema também é compreendido como um narrador não confiável (Booth, 1980) que busca reconstruir a narrativa mitológica de Lilith ou, ao menos, buscar o pensamento crítico do leitor para esta construção vilanizada de seu mito e da forma como seu corpo foi concebido como sinônimo de algo ruim e perigoso.
O corpo ganha a capacidade de ser um verdadeiro movimento de expressão para Lilith, pois projeta "as significações no exterior dando-lhes um lugar, aquilo que faz com que elas comecem a existir como coisas" (Merleau-Ponty, 2006, p. 202). Isto é, o corpo tem tanto a capacidade de se significar no mundo como ser o princípio significador de todo o resto. Desta forma, ambas as autoras focalizaram o corpo de Lilith como um meio de refazer a narrativa mitológica que abomina a figura feminina em sociedade.
Realizar este processo engloba a mulher sorver o "sumo" da "seiva" deste "fruto permitido", não estando ele somente restrito ao órgão sexual feminino, mas a todo o seu corpo. Afinal, o fruto permitido para a Lilith de Andrade (2019) é o antagonismo da maçã proibida do jardim do Éden, o fruto do conhecimento negado à raça humana. Se sorver do fruto é adquirir saber, é o mesmo que a mulher retomar o próprio saber corporal, visto que todo o corpo feminilizado é um território no qual a confrontação e a invenção de outros modos de vida implicam, consequentemente, em lutas que viabilizam a descoberta infindável dos saberes incutidos nele. Ou seja, "não sabemos do que é capaz um corpo enquanto corpo-território", pois isso implica "a potência de migrar, ressoar e compor outros territórios e outras lutas" (Gago, 2020, p. 110). Inclusive, a potência de criar narrativas corporais e mitológicas que coloquem esses corpos em protagonismo da própria história.
Considerações finais
Por meio de uma breve apresentação do mito de Lilith na religião judaico-cristã e suméria, busquei sintetizar como a narrativa de Lilith foi construída na literatura e compreender como os mecanismos de subversão da narrativa bíblica são quebrados por meio de seu corpo em ambas as produções textuais de Andrade (2019) e Leal (2022). Notavelmente, a narrativa mítica de Lilith foi arquitetada por uma visão patriarcal de demonização, visto que não foi possível contê-la dentro da normatividade de inferiorização feminina como ocorre com Eva e Maria Madalena.
Em contrapartida, foi evidente que de todo o sagrado nasce o profano, fazendo com que sua imagem e repercussão se desse de forma a representar as "mulheres como seres maléficos, cuja identidade, inteiramente negativa, é constituída essencialmente de proibições, que acabam gerando igualmente ocasiões de transgressão" (Bourdieu, 1999, p. 43-44), algo que é exposto tanto na figura de Eva como de Lilith. Contudo, no caso de Lilith, que foi o foco deste estudo, é perceptível que, por meio da reconstrução de seu mito a partir do poema de Andrade (2019) e do conto de Leal (2022), por exemplo, a narrativa contemporânea brasileira de autoria feminina busca a subversão da imagem de uma mulher decante. Tal pressuposto dialoga com o fato de o corpo ser "nosso meio mais poderoso de autoexpressão, assim como o mais vulnerável a abusos" (Federici, 2023, p. 76), o que edifica a sua capacidade de resistência ao limite da exploração. Logo, as simbologias presentes em seu mito, e que são elevadas muito em conotações corporais, favorece uma edificação da mulher que era até então impossível dentro da narrativa patriarcal de dominação.
Notas
-
1
Em 2023, Gabriela Leal foi vencedora do Prêmio Açorianos na categoria conto pela obra A língua da Medusa.
-
2
Utilizo História, com letra maiúscula, para evidenciar a história humana e para diferenciar de história, com letra minúscula, como narrativa ficcional.
-
3
A narração depreendida em "As querências de Lilith" se dá de forma igualmente satírica, porém elevando a níveis do grotesco e da abjeção, exacerbando-se pelo excesso. Contudo, a narrativa desenvolvida no poema em três atos inicia com a subversão corporal de Lilith e, por isso, será abordada mais à frente neste estudo.
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Editor:
Paulo César Thomaz