[…] Nos primeiros anos da relação, a gente acha que eles vão mudar, aquelas promessas de mudança que todo agressor faz, dizia que a culpa era da bebida e tudo mais. Mas, ao longo dos anos, fui percebendo que a mudança não viria. Então, começa a vir a parte da vergonha das pessoas, da vergonha dos vizinhos que podem achar que a gente apanha porque quer. Você vai perdendo a coragem de sair de casa, não consegue encarar ninguém de frente, olho no olho. E mesmo as pessoas que querem te ajudar, você se afasta, por medo e vergonha. Começa a esconder todo aquele sofrimento, aquela tortura. Quando ficava a marca das surras que ele dava em mim e alguém questionava, eu dizia que tinha caído, que tinha me arranhado, inventava mil e uma mentiras, por medo do que ele pudesse fazer se soubesse que eu tinha falado das agressões, era pra sofrer calada, senão apanhava mais. Queria me livrar daquilo, mas não sabia como, meus parentes nem imaginavam o que sofria e talvez nem me apoiassem a me separar. (LÉLIA GONZALEZ) |
[…] Quando eu me casei, procurei me dedicar muito à família e a ele. E não ganhei nada. Apenas tristeza. E, depois que as coisas mudaram de figura, que eu fui entristecendo, pessoas da minha família e da dele me condenavam. Que eu devia ser submissa a ele, porque homem é assim mesmo e a mulher tem que entender. Então, eu escondia o que sofria, o que sentia, tinha vergonha, me sentia culpada por aquilo que passava, achava que ninguém podia me ajudar a sair daquela situação. E mantinha segredo sobre o que acontecia dentro de casa, porque não adiantava, ninguém me entendia, as pessoas diziam que ele era um bom marido, que eu não tinha o que reclamar. Achavam que porque ele não me batia, e colocava comida em casa, dava sustento da família, eu tinha que suportar as torturas psicológicas. Então, eu tinha que fingir que estava tudo bem na minha casa. Quando alguém me perguntava por que eu estava triste, eu inventava qualquer história, porque as torturas psicológicas, como não deixam marcas, as pessoas desmerecem. Meus pais também eram idosos, não podiam me ajudar muito, então eu mentia pra despistar. (CONCEIÇÃO EVARISTO) |
[…] Eu tinha medo, por conta da minha família, eu tinha vergonha do que iam pensar. Vergonha da vizinhança. Achava que não seria bem atendida, que ninguém me entenderia se eu buscasse ajuda, que ninguém lá na delegacia me daria atenção. Então, eu ia guardando pra mim, também porque sou evangélica, então, tentava manter sigilo sobre aquela situação[…] algumas pessoas próximas até sabiam o que acontecia, mas outras pessoas não. Eu colocava desculpas para justificar, criava histórias, para que não soubessem que eu estava incomodada de passar por aquelas coisas. (DJAMILA RIBEIRO). |
[...] Fui casada durante 13 anos e estou separada há 5 meses E só agora eu percebo que vivia num casamento abusivo. Nossa casa foi construída por nós dois, e ele queria que eu saísse da casa. Então, me senti desamparada, sem ter onde morar num lugar que não tenho ninguém. Meu casamento já era um casamento ruim há muito tempo e, como eu não tinha parente aqui perto, ele dizia que eu não tinha nada, que eu não tinha direito a nada. Isso já era uma forma de me humilhar. Ele também me ameaçava, sim senhora, dizia que, se eu me separasse dele, eu iria ter que deixar a casa pra ir morar na rua. Então, durante muito tempo escondi essa questão dos meus próprios filhos, dos vizinhos e das minhas amigas, tinha vergonha em assumir que ele queria que eu fosse morar na rua, de tão ruim que ele era [...] Então, quando resolvi me separar, foi uma surpresa pra muita gente. Minha família, que mora em outro estado, nem imagina o que já passei, só digo que me separei porque não dava mais, não gostava mais. Tenho que esconder pra ninguém ficar preocupado que ele me mate. Alguns parentes mandam até eu voltar pra ele, que é melhor ser casada do que ser sozinha, mas não volto, aguentei muito calada, escondendo, protegendo as maldades dele, sentindo vergonha de uma coisa que eu não tinha culpa de passar... (CARLA AKOTIRENE). |
[…] Inicialmente elas tentam manter o sofrimento em segredo mesmo. Dissimulam a situação perante a família, aos amigos próximos, elas negam, escondem… A grande maioria das mulheres que morrem suportam a violência caladas, sem pedir ajuda, seja por vergonha ou medo do agressor. Muitas delas, quando chegam aqui no Centro, dizem: “mas foi a primeira vez”, “foi só um empurrão”. Mas quase nunca é apenas isso que acontece no ambiente privado, e na conversa elas vão se abrindo mais, ou às vezes a pessoa não percebeu que chegou naquele ponto de agressão porque já tinha passado um empurrão, um puxão de cabelo, um grito, essa coisa de cercear os pertences, de prender, deixar em cárcere privado. Muitas vezes tentam nos enganar, e se enganar como forma de poupar os agressores ou não encarar a realidade de que estão sendo vítimas de violência. (COORDENADORA DO CMC). |
[…] Algo que percebi durante as experiências é que muitas mulheres passaram por situação de violência durante toda a vida e permaneceram caladas, deixando a situação em segredo. Isso, enquanto a violência atingia somente ela. Até que essa violência atinge os filhos, aí ela consegue perder a vergonha, o receio, e ganha força para reagir. Muitas mulheres vêm até nós, mas não estão prontas para fazer a denúncia, pois, para fazer a denúncia, você precisa estar consciente de que vai dar seguimento a um processo judicial longo. (PSICÓLOGA DO CMC) |