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Mapeamento do fluxo de informações pessoais no cadastro eleitoral do TRE-SC sob a ótica da LGPD

Mapping the flow of personal information in the TRE-SC voter registration from the perspective of the LGPD

Resumo

Os dados pessoais são usados para as mais diversas finalidades econômicas e políticas, tornando-se imprescindível que a capacidade de garantir a sua privacidade também seja aperfeiçoada. Essa pesquisa objetiva analisar o fluxo de informações no processo de alistamento no cadastro eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina à luz da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Além de ser caracterizada como qualitativa e descritiva, esta pesquisa é um estudo de caso, quanto aos procedimentos, é realizada uma pesquisa bibliográfica e teve como instrumento de coleta o questionário. Os resultados revelaram lacunas significativas em relação à conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, abrangendo transparência, qualidade, segurança e acesso às informações pessoais. Com base nesses resultados, foram propostas diretrizes estratégicas, táticas e operacionais para melhorar o fluxo de informações no alistamento eleitoral.

Palavras-chave:
fluxo de informação; Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais; cadastro eleitoral; proteção de dados pessoais

Abstract

Personal data is used for the most diverse economic and political purposes, making it essential that the ability to guarantee your privacy is also improved. This research aims to analyze the flow of information in the enlistment process in the electoral register of the Regional Electoral Court of Santa Catarina in the light of the General Law for the Protection of Personal Data. In addition to being characterized as qualitative and descriptive, this research is a case study, in terms of procedures, a bibliographical research is carried out and the questionnaire was used as a collection instrument. The results revealed significant gaps in General Law for the Protection of Personal Data compliance, covering transparency, quality, security and access to personal information. Based on these results, strategic, tactical and operational guidelines were proposed to improve the flow of information in electoral enlistment.

Keywords:
flow of information; General Law for the Protection of Personal Data; voter registration; personal data protection

1 Introdução

Temos de um lado o desenvolvimento e a popularização do uso de redes de computadores desde a Segunda Guerra, e de outro, a emergência da Ciência da Informação (CI) como disciplina nos anos 1950, cenário em que a informação adquire um papel central na sociedade contemporânea (Capurro; Hjorland, 2007CAPURRO, Rafael; HJORLAND, Birger. O conceito de informação. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 12, n. 1, p. 148-207, 2007. ).

Tal como o capital, o trabalho e a matéria-prima, a informação passou a ser considerada como condição básica para o desenvolvimento econômico dos países, recebendo, atualmente, especial importância em razão da sua natureza digital (Capurro; Hjorland, 2007CAPURRO, Rafael; HJORLAND, Birger. O conceito de informação. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 12, n. 1, p. 148-207, 2007. ). Assim, a informação extraída do processamento de dados pessoais possui enorme valor para governos e empresas.

Nesse contexto, com o uso de computadores, iniciou-se a coleta em massa de dados, inclusive pessoais. Contudo, ainda eram utilizados em grande parte de forma a atender aos interesses dos seus titulares. A consequência dessa maneira de usar os dados foi a criação de uma enorme massa de dados que somente pode ser processada com o uso de computadores, a esse fato dá-se o nome de Big Data.

Jamais, em qualquer outra época, uma quantidade tão significativa de informações foi processada de forma ininterrupta e exponencial por empresas privadas e governos (Maldonado, 2019MALDONADO, Viviane Nóbrega (coord.). LGPD: Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais: manual de implementação. São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2019.). Os dados pessoais, ou mais precisamente, as informações contidas neles ou que podem ser geradas a partir deles, são considerados como os principais recursos econômicos da nossa época, chegando ao ponto de serem denominados como o novo petróleo da humanidade. Dessa forma, percebe-se sua enorme importância e também a necessidade premente de regular seus usos (Frazão, 2019FRAZÃO, Ana. Fundamentos da proteção de dados pessoais: noções introdutórias para a compreensão da importância da Lei Geral de Proteção de Dados. In: TEPEDINO, G.; FRAZÃO, A.; OLIVA, M. D. (coord.). Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e suas repercussões no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.).

Nesse cenário, considerando que os dados pessoais são usados para as mais diversas finalidades econômicas e políticas, torna-se imprescindível que a capacidade de garantir a sua privacidade também seja aperfeiçoada.

A Justiça Eleitoral possui um dos maiores bancos de dados com informações pessoais do mundo, com informações individualizadas de cerca de 148 milhões de pessoas (Brasil, 2021aBRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Cadastro eleitoral reúne dados de quase 148 milhões de pessoas. Portal do TSE, Brasília, 17 set. 2021a. ). Tais informações compõem o cadastro de eleitores e são utilizadas para diversas finalidades, dentre elas: identificação do eleitor, verificação do seu comparecimento às urnas, a justificativa eleitoral e o trabalho como mesário.

A partir da criação da Identificação Civil Nacional (ICN) (Brasil, 2017BRASIL. Lei nº 13.444 de 11 de maio de 2017. Dispõe sobre a Identificação Civil Nacional (ICN). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, n. 90, p. 2, 12 maio 2017. ), com o objetivo de identificar o brasileiro em suas relações com a sociedade e com os órgãos e entidades governamentais e privados, os dados constantes do cadastro eleitoral serão utilizados para a formação da Base de Dados da Identificação Civil Nacional (BDICN), a qual será gerida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

É possível, então, perceber a enorme importância que essa base de dados tem, e cada vez mais terá, não somente para os eleitores, mas para todos os cidadãos brasileiros. A prestação de diversos serviços por inúmeros órgãos que utilizarão tal base certamente trará benefícios para a população, e o valor dos dados pessoais constantes dessa base é inestimável e de interesse de órgãos públicos e privados.

Contudo, para que o tratamento dos dados seja realizado sem excessos e no interesse do seu titular e, ainda, de forma a proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade das pessoas naturais, foi publicada a LGPD (Brasil, 2018BRASIL. Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. ), que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive no meio digital.

Para isso, a LGPD estipula que o tratamento dos dados pessoais somente pode ser realizado pelos agentes de tratamento, denominados de Controlador e Operador, e deve observar os princípios da finalidade, adequação, necessidade, livre acesso, qualidade dos dados, transparência, segurança, prevenção, não discriminação e responsabilização e prestação de contas (Brasil, 2018BRASIL. Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. ).

Assim, a LGPD exige transparência e privacidade no tratamento dos dados pessoais dos seus titulares. A lei elenca, ainda, as atividades que são consideradas tratamento de dados: coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração (Brasil, 2018BRASIL. Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. ). Portanto, se um órgão público coleta ou simplesmente armazena dados pessoais, sejam estes digitais ou físicos, ele deve observar e estar adequado ao disposto na LGPD, sob pena das diversas sanções previstas, que vão desde advertência, publicização da infração e bloqueio dos dados pessoais até a proibição do exercício de atividades relacionadas ao tratamento de dados (Brasil, 2018BRASIL. Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. ).

Sendo o Tribunal Regional Eleitoral - Santa Catarina (TRE-SC) um órgão da Justiça Eleitoral, conforme disposto na Constituição Federal, em seu art. 118, II (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, seção 1, Brasília, 5 out. 1988, p. 1.), ele também realiza o tratamento de dados pessoais de eleitores para a consecução de suas atividades e necessita realizar a adequação prevista na LGPD em todos os seus processos de trabalho que tratam de dados pessoais.

Extrai-se, do texto da LGPD, seu objetivo de garantir a proteção dos dados pessoais, diante de um cenário de evolução dos meios tecnológicos e também dos meios de invasão da privacidade. Ocorre que a lei apresenta as regras formais para o tratamento e a proteção de dados pessoais. Mas, efetivamente, como deve ser realizada a implementação dessas exigências legais?

A implementação dos requisitos previstos na LGPD para o tratamento de dados pessoais é de fato complexa, pois, além de necessitar de profissionais de diversas áreas do conhecimento, exige também mudança cultural, uma vez que os dados que antes eram coletados e utilizados como se fossem propriedade das empresas e instituições públicas, agora pertencem legalmente a seus titulares (Brasil, 2018BRASIL. Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. ).

Após a publicação da LGPD, iniciaram-se, de forma tímida ainda, publicações de livros e trabalhos acadêmicos voltados ao compliance com a lei. Contudo, normalmente, o foco dado contempla requisitos genéricos para adequação, tais como: as etapas necessárias, a adequação de normas e procedimentos, a elaboração de relatório de impacto e de registros de operações de tratamento etc.

Assim, considerando a necessidade de adequação à LGPD, das atividades de tratamento de dados pessoais no TRE-SC, e, ainda, a escassez de doutrina ou trabalhos acadêmicos sobre pontos específicos da lei, foi selecionada para este trabalho a análise do fluxo de informações no processo de alistamento no cadastro de eleitores, uma vez que é, sem dúvida, uma das atividades mais importantes realizadas pela Justiça Eleitoral.

Ressalta-se que, no cadastro eleitoral, são realizadas quatro operações básicas: alistamento, transferência, revisão e segunda via. Por ser a primeira operação e a mais importante, a escolha da análise recaiu sobre o alistamento eleitoral.

A partir da análise do fluxo de informações baseada nos modelos teóricos de fluxos informacionais, buscar-se-á compreender as propriedades e o comportamento da informação. Dessa forma, pretende-se trazer contribuições para a análise da conformidade do tratamento de dados pessoais no processo de alistamento eleitoral e, ainda, possíveis proposições de melhorias ao fluxo da informação.

Dessa forma, esta pesquisa tem como objetivo mapear o fluxo de informações pessoais no processo de alistamento no cadastro eleitoral do TRE-SC sob a ótica da LGPD.

2 Procedimentos metodológicos

Além de ser caracterizada como qualitativa e descritiva, esta pesquisa é um estudo de caso, porque busca investigar um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto (Calazans, 2007CALAZANS, Angélica Toffano Seidel. Estudo de caso: uma estratégia de pesquisa. In: MUELLER, Suzana P. M. (org.). Métodos para a pesquisa em Ciência da Informação. Brasília: Thesaurus, 2007.). Pode ser classificada também como uma pesquisa de campo, uma vez que serão utilizadas entrevistas semiestruturadas com o objetivo de “[...] obter informes contidos na fala dos atores sociais” (Minayo, 2002MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 21. ed. Petrópolis: Vozes, 2002., p. 57).

Quanto aos procedimentos, é realizada uma pesquisa bibliográfica na Base de Dados em Ciências da Informação (BRAPCI) em busca de modelos teóricos de fluxos de informação que possam contribuir para a proposição de diretrizes para a melhoria do fluxo de informações pessoais no alistamento no cadastro eleitoral no TRE-SC.

Para a fase de pesquisa de campo, são elaborados questionários que foram aplicados por meio de entrevistas semiestruturadas. Com isso, pretende-se contribuir para a identificação de lacunas existentes para a adequação do fluxo de informação com os requisitos para o tratamento de dados pessoais da LGPD.

O universo da pesquisa é o TRE-SC com os atores envolvidos no processo de alistamento eleitoral, com os quais foram realizadas entrevistas semiestruturadas, com servidores e colaboradores lotados tanto na Sede do TRE-SC quanto nos Cartórios Eleitorais. Nesse sentido, foram entrevistadas dezesseis pessoas, sendo duas lotadas no Tribunal e quatorze lotadas em sete Zonas Eleitorais do Estado, escolhidas em razão do porte:

Quadro 1 -
Zonas eleitorais de Santa Catarina

Impende registrar que dentre as Zonas Eleitorais indicadas pela unidade estratégica do Tribunal, em razão do seu porte (o que levou em conta o número de eleitores, de locais de votação e de seções), foram escolhidas inicialmente nove (9) para a aplicação dos questionários. Contudo, no decorrer das entrevistas foi possível perceber que as respostas se repetiam, uma vez que o alistamento eleitoral já é um procedimento rotineiro e bem definido enquanto a adequação da rotina de trabalho à LGPD ainda é novidade para a maior parte dos envolvidos. Dessa forma, optou-se por restringir a realização das entrevistas em sete Zonas Eleitorais, ouvindo-se dois servidores e/ou colaboradores em cada.

Dessa forma, considera-se que a amostragem escolhida representará o fluxo de informação e os cuidados com a LGPD realizados no processo de alistamento eleitoral.

A coleta de dados para esta pesquisa foi realizada por meio de questionários aplicados em entrevistas semiestruturadas. A coleta de dados está dividida em:

  1. módulo 1 - busca mapear o fluxo de informações pessoais no processo de alistamento no cadastro eleitoral, com foco na proteção de dados pessoais;

  2. módulo 2 - objetiva caracterizar os entrevistados e identificar elementos de análise dos fluxos de informação no alistamento eleitoral;

  3. módulo 3 - visa analisar o fluxo de informações pessoais no processo de alistamento eleitoral no cadastro eleitoral no TRE-SC, sob a perspectiva da LGPD.

A metodologia empregada nos questionários a serem aplicados por meio de entrevistas semiestruturadas podem ser mais bem visualizadas no Quadro 2.

Quadro 2 -
Questionário: composição e público

Como visto no Quadro 2, cada módulo está diretamente relacionado a um objetivo. Além disso, foram definidos os públicos a serem ouvidos englobando servidores e colaboradores lotados na sede do tribunal e nas zonas eleitorais.

Releva destacar que ao segmentar o questionário do Módulo 3 em três públicos distintos entendeu-se que seria apropriado possibilitar que o diagnóstico de adequação e, consequentemente, eventuais proposições de diretrizes pudessem ser realizadas por níveis, quais sejam: estratégico, tático e operacional. A análise por níveis possibilita a visão de que nível está mais ou menos adequado aos requisitos da LGPD, conforme o Quadro 3.

Quadro 3 -
Questionário: níveis estratégicos

Para preservar o sigilo e o compromisso ético assumidos, os participantes desta pesquisa não foram identificados e serão representados da seguinte forma: nível Estratégico (E1 e E2); nível Tático (T1, T2, T3, T4, T5, T6 e T7); e nível Operacional (O1, O2, O3, O4, O5, O6 e O7).

Registra-se que a aplicação dos questionários por meio das entrevistas foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH/UFSC) e que cada um dos participantes das entrevistas recebeu o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), bem como foi solicitada Declaração do representante legal do TRE-SC autorizando a realização da pesquisa.

3 Fundamentação teórica

As bases teóricas que sustentam o processo de investigação, análise e interpretação dos dados e informações durante o desenvolvimento desta pesquisa são abordadas em duas seções: a seção 3.1 contempla os conceitos de dados e informação, bem como a análise dos modelos de fluxos de informação; enquanto a seção 3.2 evidencia o histórico e o propósito da LGPD e aborda os requisitos para tratamento de dados pessoais.

3.1 Fluxos de informações

Para o alcance dos objetivos deste trabalho, inicialmente, é necessária a compreensão dos conceitos de dados e informação.

O Quadro 4 demonstra, com clareza, os principais aspectos relacionados aos conceitos de dados e informação, bem como suas características essenciais.

Quadro 4 -
Dados e informação

Como visto, o conceito de dado possui relação direta com o conceito de informação, uma vez que pode ser entendido como a matéria-prima a partir da qual a informação é estruturada (McGarry1 1 MACGARRY, K. J. Da documentação à informação: um conceito em evolução. Lisboa: Presença, 1984. ApudPinheiro e Loureiro (1995). , 1984 apudPinheiro; Loureiro, 1995PINHEIRO, Lena Vania Ribeiro; LOUREIRO, José Mauro Matheus. Traçados e limites da ciência da informação. Ciência da Informação, Brasília, v. 24, n. 1, p. 1-19, 1995. Disponível em: https://doi.org/10.18225/ci.inf.v24i1.609 . Acesso em: 15 dez. 2022.
https://doi.org/10.18225/ci.inf.v24i1.60...
).

A informação está presente em todas as atividades de uma organização, é a matéria-prima para a tomada de decisão, para a criação de um produto ou para a prestação de um serviço. É, portanto, a força motriz que impulsiona toda a organização para consecução de sua missão institucional.

A forma como essa informação percorre a organização pode ser demonstrada por meio dos fluxos de informações. A compreensão desses fluxos permite a percepção de eventuais necessidades de ajustes, os quais possibilitam substancial incremento na qualidade do tratamento dessas informações.

Nesse sentido, quando os trabalhos de uma organização são vistos como processos, detalhadamente descritos e ordenados, é possível aprimorá-los gradativamente ou modificá-los radicalmente (Davenport, 1998DAVENPORT, Thomas. H. Ecologia da informação: por que só a tecnologia não basta para o sucesso na era da informação. São Paulo: Futura, 1998.). Os efeitos esperados dessas intervenções vão desde ganhos relacionados à qualidade, segurança, custos, eficiência até conformidades com normas e padrões de boas práticas.

O gerenciamento do fluxo de informações é, então, um conjunto estruturado de atividades que engloba a forma pela qual as organizações obtêm, distribuem e usam as informações para a execução das suas atividades (Davenport, 1998DAVENPORT, Thomas. H. Ecologia da informação: por que só a tecnologia não basta para o sucesso na era da informação. São Paulo: Futura, 1998.).

A literatura apresenta diversos modelos de fluxos de informação, cada um contemplando as particularidades dos seus campos de domínio. Fatores ambientais, organizacionais e informacionais influenciam na definição e na aplicação desses modelos.

Um modelo genérico de fluxo de informação pode ser adequado a um determinado processo de trabalho, bastando para isso a compreensão das especificidades da organização, em especial, seus interesses e suas limitações.

Para servir de referência teórica deste trabalho, foram escolhidos dois modelos: o modelo de Davenport (1998DAVENPORT, Thomas. H. Ecologia da informação: por que só a tecnologia não basta para o sucesso na era da informação. São Paulo: Futura, 1998.), mais genérico; e o modelo de Beal (2007BEAL, Adriana. Gestão estratégica da informação: como transformar a informação e a tecnologia da informação em fatores de crescimento e de alto desempenho nas organizações. São Paulo: Atlas, 2007.), mais detalhado e com mais etapas. O modelo de Davenport (1998DAVENPORT, Thomas. H. Ecologia da informação: por que só a tecnologia não basta para o sucesso na era da informação. São Paulo: Futura, 1998.), por ser mais genérico e conter menos etapas, pode ser aplicado com mais facilidade em inúmeros processos de trabalho. De outro lado, o modelo de Beal (2007BEAL, Adriana. Gestão estratégica da informação: como transformar a informação e a tecnologia da informação em fatores de crescimento e de alto desempenho nas organizações. São Paulo: Atlas, 2007.), por ser mais detalhado, também é o mais completo, abrangendo, inclusive, a fase de descarte das informações.

3.1.1 Modelo de Davenporte Prusak

O Modelo de Davenport e Prusak (1998DAVENPORT, Thomas. H. Ecologia da informação: por que só a tecnologia não basta para o sucesso na era da informação. São Paulo: Futura, 1998.) aborda um processo genérico de fluxo de informação, ou de gerenciamento da informação, em quatro passos (Figura 1).

Figura 1 -
Fluxo de Informação: modelo de Davenport e Prusak

O modelo proposto possui quatro fases distintas e sequenciais:

  1. determinação de exigências - define um problema da organização e quais informações são necessárias para resolvê-lo (Davenport, 1998DAVENPORT, Thomas. H. Ecologia da informação: por que só a tecnologia não basta para o sucesso na era da informação. São Paulo: Futura, 1998.);

  2. obtenção - deve estar alinhada à etapa anterior. É um processo ininterrupto, que envolve diversas atividades, tais como: exploração, classificação e estruturação das informações (Davenport, 1998DAVENPORT, Thomas. H. Ecologia da informação: por que só a tecnologia não basta para o sucesso na era da informação. São Paulo: Futura, 1998.);

  3. distribuição - estabelece como a informação deve ser formatada e disponibilizada, considerando as diversas necessidades e públicos, para tornar mais fácil a sua disseminação (Davenport, 1998DAVENPORT, Thomas. H. Ecologia da informação: por que só a tecnologia não basta para o sucesso na era da informação. São Paulo: Futura, 1998.);

  4. utilização - define o uso da informação como um processo intelectual, bastante pessoal, no qual a informação é procurada, absorvida, digerida e utilizada (Davenport, 1998DAVENPORT, Thomas. H. Ecologia da informação: por que só a tecnologia não basta para o sucesso na era da informação. São Paulo: Futura, 1998.).

3.1.2 Modelo de Beal

O Modelo de Beal (2007BEAL, Adriana. Gestão estratégica da informação: como transformar a informação e a tecnologia da informação em fatores de crescimento e de alto desempenho nas organizações. São Paulo: Atlas, 2007.) representa as atividades relacionadas às etapas dos fluxos de informação nas organizações em sete passos (Figura 2).

Este modelo representa o fluxo de informações nas organizações, incluindo informações estruturadas e não estruturadas em diferentes formatos. Abrange a identificação das necessidades e requisitos de informação como elemento-chave, desencadeando um ciclo contínuo de coleta, tratamento, distribuição/armazenamento e uso de informações para alimentar os processos organizacionais e fornecer informações ao ambiente externo (Beal, 2007BEAL, Adriana. Gestão estratégica da informação: como transformar a informação e a tecnologia da informação em fatores de crescimento e de alto desempenho nas organizações. São Paulo: Atlas, 2007.).

Figura 2 -
Fluxo de Informação: modelo de Beal

O modelo de Bel consiste em sete etapas sequenciais:

  1. identificação de necessidades e requisitos - define as necessidades e requisitos de informação para torná-la útil e melhorar produtos, serviços e relacionamentos (Beal, 2007BEAL, Adriana. Gestão estratégica da informação: como transformar a informação e a tecnologia da informação em fatores de crescimento e de alto desempenho nas organizações. São Paulo: Atlas, 2007.);

  2. obtenção - atividades de criação, recepção ou captura de informações de fontes externas ou internas (Beal, 2007BEAL, Adriana. Gestão estratégica da informação: como transformar a informação e a tecnologia da informação em fatores de crescimento e de alto desempenho nas organizações. São Paulo: Atlas, 2007.);

  3. tratamento - organização, formatação, estruturação, classificação, análise, síntese e apresentação da informação para facilitar o acesso (Beal, 2007BEAL, Adriana. Gestão estratégica da informação: como transformar a informação e a tecnologia da informação em fatores de crescimento e de alto desempenho nas organizações. São Paulo: Atlas, 2007.);

  4. distribuição - disseminação da informação estruturada para usuários internos e externos por meio da rede de comunicação da organização (Beal, 2007BEAL, Adriana. Gestão estratégica da informação: como transformar a informação e a tecnologia da informação em fatores de crescimento e de alto desempenho nas organizações. São Paulo: Atlas, 2007.);

  5. uso - etapa crucial em que a informação é utilizada de forma isolada ou combinada, alimentando o ciclo de informação e promovendo aprendizado e crescimento (Beal, 2007BEAL, Adriana. Gestão estratégica da informação: como transformar a informação e a tecnologia da informação em fatores de crescimento e de alto desempenho nas organizações. São Paulo: Atlas, 2007.);

  6. armazenamento - garante a integridade das informações para uso futuro, entre as etapas de tratamento e distribuição (Beal, 2007BEAL, Adriana. Gestão estratégica da informação: como transformar a informação e a tecnologia da informação em fatores de crescimento e de alto desempenho nas organizações. São Paulo: Atlas, 2007.);

  7. descarte - eliminação de informações inúteis, seguindo normas legais, resultando em economia de custos de armazenamento e melhor eficiência na localização de informações (Beal, 2007BEAL, Adriana. Gestão estratégica da informação: como transformar a informação e a tecnologia da informação em fatores de crescimento e de alto desempenho nas organizações. São Paulo: Atlas, 2007.).

Ambos os modelos demonstram sua aplicabilidade no processo de transferência da informação, desde a fase da coleta até a fase da sua efetiva utilização. O Quadro 5 demonstra as principais etapas dos dois modelos selecionados.

Quadro 5 -
Comparativo das etapas dos modelos selecionados

Com o objetivo de possibilitar a compreensão dos processos informacionais no contexto das organizações, buscou-se modelos de fluxo de informações na literatura de CI. Espera-se que a análise desses modelos, a partir da transposição dos requisitos para o tratamento de dados pessoais trazidos pela LGPD, contribua para a compreensão do fluxo de informações pessoais no processo de alistamento no cadastro eleitoral e para possíveis proposições de melhorias.

3.2 Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)

A concepção atual de privacidade, desenvolvida inicialmente em 1890, com a publicação do artigo The right to privacy, de Samuel D. Warren e Louis D. BrandeisWARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The right to privacy. Harvard Law Review, Cambridge, v. 4, n. 5, p. 193-220, 1890. Disponível em: https://doi.org/10.2307/1321160 . Acesso em: 18 dez. 2021.
https://doi.org/10.2307/1321160...
, os quais reconheceram o “direito de ser deixado sozinho”, sofreu forte influência da Segunda Guerra Mundial, quando passou a ser entendida como direito fundamental. Nessa perspectiva, consta no art. 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948: “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques, toda a pessoa tem direito à proteção da lei” (ONU, 1948ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). General Assembly. Declaração Universal dos Direitos Humanos. New York, 1948. Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf . Acesso em: 15 dez. 2021.
https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/...
).

Como visto, a privacidade, nos seus primórdios, estava associada ao isolamento e à reclusão. Contudo, na sociedade atual, baseada na economia movida a dados, as demandas relacionadas à privacidade são de outra esfera. Estão associadas à informação pessoal e são dependentes da tecnologia. Assim, as maiores invasões à vida privada envolvem o meio digital, tais como: a divulgação de notícias falsas, a violação de correspondência e coleta e tratamento de dados pessoais em desconformidade com os direitos da personalidade (Doneda, 2019DONEDA, Danilo.Da privacidade à proteção de dados pessoais: elementos da formação da Lei Geral de Proteção de Dados. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.).

Considerando que os dados pessoais coletados servem, muitas vezes, para a avaliação/classificação dos indivíduos, a privacidade de outrora necessita evoluir para abranger questões referentes à personalidade, uma vez que a forma como os dados estão estruturados atualmente possibilita representações virtuais dos indivíduos - verdadeiros avatares digitais (Doneda, 2019DONEDA, Danilo.Da privacidade à proteção de dados pessoais: elementos da formação da Lei Geral de Proteção de Dados. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.).

A desmaterialização dos suportes de informação e o consequente uso do formato digital impactam diretamente na produção, no armazenamento, na recuperação, no acesso e na divulgação da informação e do conhecimento, criando novos usos e, dessa forma, ampliando a relação do homem com a informação (Castro, 2019CASTRO, Renan. As humanidades digitais além de uma abordagem previsível: um delineamento de um conceito em construção. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 27-39, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.18617/liinc.v15i1.4566 . Acesso em: 18 dez. 2021.
https://doi.org/10.18617/liinc.v15i1.456...
).

Considerando que, atualmente, vive-se na era digital, em que os dados pessoais se tornaram ativos valiosos para as empresas da iniciativa privada, mas também para os governos, a enorme quantidade de informações pessoais geradas a partir de dados pessoais demanda um novo modelo de gestão, com diretrizes e padrões técnicos e jurídicos claros e aplicáveis indistintamente a todos (Santos; Motta, 2020SANTOS, Marcela de Oliveira; MOTTA, Fabrício. Regulação do tratamento de dados pessoais no Brasil: o estado da arte. In: POZZO, A. N.; MARTINS, R. M. (org.). LGPD e Administração Pública: uma análise ampla dos impactos. São Paulo: Thomson Reuters Brasil , 2020.).

Nesse cenário, torna-se essencial a utilização de dados pessoais, por parte dos governos, para a tomada de decisões racionais e eficientes e, ainda, para a execução de políticas públicas melhor orientadas aos interesses públicos. Tal utilização é benéfica, uma vez que, ao empregar informações no monitoramento e avaliação de políticas públicas, evita-se suspeitas, intuições e ideologias (Santos; Motta, 2020SANTOS, Marcela de Oliveira; MOTTA, Fabrício. Regulação do tratamento de dados pessoais no Brasil: o estado da arte. In: POZZO, A. N.; MARTINS, R. M. (org.). LGPD e Administração Pública: uma análise ampla dos impactos. São Paulo: Thomson Reuters Brasil , 2020.).

Os dados pessoais até a primeira metade do século passado eram usados de forma muito restrita e para finalidades específicas, no entanto, hoje em dia, seu uso além de afetar diretamente os cidadãos impacta as relações sociais e políticas, levando à sua completa reestruturação em alguns casos (Frazão, 2019FRAZÃO, Ana. Fundamentos da proteção de dados pessoais: noções introdutórias para a compreensão da importância da Lei Geral de Proteção de Dados. In: TEPEDINO, G.; FRAZÃO, A.; OLIVA, M. D. (coord.). Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e suas repercussões no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.).

Ao mesmo tempo em que a informação tem se tornado cada vez mais importante para a organização e funcionamento da sociedade contemporânea, ampliam-se as dificuldades para a sua correta gestão, especialmente as informações pessoais. Assim, o que justifica o surgimento da LGPD, ou a regulação dos dados pessoais, é a necessidade de proteção do direito fundamental da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, do direito de autodeterminação informativa dos indivíduos, no contexto atual de conectividade no qual se desenvolvem as relações pessoais, sociais e comerciais (Santos; Motta, 2020SANTOS, Marcela de Oliveira; MOTTA, Fabrício. Regulação do tratamento de dados pessoais no Brasil: o estado da arte. In: POZZO, A. N.; MARTINS, R. M. (org.). LGPD e Administração Pública: uma análise ampla dos impactos. São Paulo: Thomson Reuters Brasil , 2020.).

A regulação não visa impedir o uso dos dados pessoais, os quais podem continuar a ser coletados e tratados para a execução de políticas públicas. Da mesma forma, a proteção desses dados pessoais não pode ser tal que inviabilize o progresso econômico e tecnológico, bem como a inovação (Santos; Motta, 2020SANTOS, Marcela de Oliveira; MOTTA, Fabrício. Regulação do tratamento de dados pessoais no Brasil: o estado da arte. In: POZZO, A. N.; MARTINS, R. M. (org.). LGPD e Administração Pública: uma análise ampla dos impactos. São Paulo: Thomson Reuters Brasil , 2020.).

Diante dessa necessidade, o tratamento de dados pessoais foi regulamentado no Brasil com o objetivo de buscar o equilíbrio entre a proteção de dados e o desenvolvimento econômico e tecnológico (Santos; Motta, 2020SANTOS, Marcela de Oliveira; MOTTA, Fabrício. Regulação do tratamento de dados pessoais no Brasil: o estado da arte. In: POZZO, A. N.; MARTINS, R. M. (org.). LGPD e Administração Pública: uma análise ampla dos impactos. São Paulo: Thomson Reuters Brasil , 2020.). Assim, a Lei Federal n. 13.709, ou Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), foi publicada em 14 de agosto de 2018, entrando em vigor somente em 18 de setembro de 2020, data em que sua observância passou a ser obrigatória em todo território nacional (Brasil, 2018BRASIL. Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. ).

Importa relembrar os conceitos de dados, dentro do escopo da lei, apresentados anteriormente na seção 3.1 Dados e Informação. Nesse sentido, dado pessoal é a “[...] informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável”, enquanto que dado pessoal sensível é o dado pessoal relacionado a aspectos da personalidade do titular, “[...] sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural”. Por fim, dado anonimizado é o dado “[...] relativo a titular que não possa ser identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis na ocasião de seu tratamento” (Brasil, 2018BRASIL. Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. , art. 5º, I, II, III).

É de fundamental importância a clara compreensão de quem são os “donos” dos dados pessoais objeto da LGPD. Em seu art. 5º, V, ela define o termo titular como sendo a “[...] pessoa natural a quem se referem os dados pessoais que são objeto de tratamento” (Brasil, 2018BRASIL. Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. ).

Da mesma forma, também é indispensável a compreensão de quais atividades são consideradas operações de tratamento de dados pessoais. A relação consta no inciso X do mesmo artigo, o qual estabelece que:

[...] toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração. (Brasil, 2018BRASIL. Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. , art. 5º, X).

A identificação das bases legais, que podem ser mais de uma, depende da análise das finalidades e contextos específicos em cada situação. As bases legais que permitem o tratamento de dados pessoais estão descritas no art. 7º da LGPD:

  1. Consentimento;

  2. Cumprimento de obrigação legal;

  3. Execução de políticas públicas;

  4. Estudos por órgãos de pesquisa;

  5. Execução de contrato;

  6. Exercício regular de direitos;

  7. Proteção da vida;

  8. Tutela da saúde;

  9. Interesses legítimos do controlador ou de terceiros;

  10. Proteção de crédito (Brasil, 2018BRASIL. Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. ).

Além das bases legais mencionadas anteriormente, existem também as bases legais para o tratamento de dados pessoais sensíveis, conforme estabelecido no artigo 9º da LGPD. Para além do correto enquadramento em uma das onze hipóteses de tratamento de dados, é essencial respeitar os dez princípios estabelecidos no artigo 6º da LGPD:

  1. Finalidade;

  2. Adequação;

  3. Necessidade;

  4. Livre acesso;

  5. Qualidade dos dados;

  6. Transparência;

  7. Segurança;

  8. Prevenção;

  9. Não discriminação;

  10. Responsabilização e prestação de contas (Brasil, 2018BRASIL. Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. ).

Dessa forma, após a verificação da possibilidade de tratamento dos dados pessoais e identificada a hipótese de tratamento, há a necessidade da realização da análise da conformidade desse tratamento com os princípios.

4 Fluxo de informações no processo de alistamento eleitoral

Conforme discutido na seção 3.2, o tratamento de dados pessoais só é permitido se houver uma base legal e se todos os dez princípios da LGPD forem observados. Portanto, neste mapeamento, além de analisar o fluxo de informações necessárias para o desempenho das atividades e os dados pessoais coletados, também foi verificado o correto enquadramento legal do tratamento desses dados de acordo com a LGPD.

Com relação às respostas obtidas, observa-se uma convergência de conteúdos, o que demonstra a consistência dos procedimentos e orientações fornecidos pela unidade estratégica do TRE-SC para as atividades relacionadas ao alistamento eleitoral.

4.1 Mapeamento

Inicialmente, importa destacar que para o alistamento eleitoral são coletados os seguintes dados pessoais para a realização da qualificação e inscrição do eleitor, por meio do Requerimento de Alistamento Eleitoral (RAE):

  1. Nome civil;

  2. Nome social;

  3. Gênero;

  4. Identidade de gênero;

  5. Raça;

  6. Identificação como indígena / quilombola / integrante de comunidade remanescente (etnia e língua);

  7. Filiação (com 4 campos);

  8. Data de nascimento (indicação de irmão gêmeo);

  9. Identificação de deficiência;

  10. Domicílio eleitoral;

  11. Endereço de residência ou contato;

  12. Grau de instrução (identificar analfabeto);

  13. Documento de identificação e CPF;

  14. Nacionalidade;

  15. Naturalidade;

  16. Estado civil;

  17. Ocupação;

  18. Telefone;

  19. E-mail;

  20. Zona eleitoral, local de votação e seção eleitoral (atribuído pelo sistema) (Brasil, 2021bBRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 23.659, de 26 de outubro de 2021. Dispõe sobre a gestão do Cadastro Eleitoral e sobre os serviços eleitorais que lhe são correlatos. Diário da Justiça Eleitoral: Brasília, n. 204, p. 1-37, 5 nov. 2021b.).

Após coleta e conferência dos dados acima, há a necessidade de coleta de:

  1. Biometria (dos dez dedos);

  2. Fotografia;

  3. Assinatura digitalizada (Brasil, 2021bBRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 23.659, de 26 de outubro de 2021. Dispõe sobre a gestão do Cadastro Eleitoral e sobre os serviços eleitorais que lhe são correlatos. Diário da Justiça Eleitoral: Brasília, n. 204, p. 1-37, 5 nov. 2021b.).

Para a compreensão preliminar das etapas envolvidas no alistamento eleitoral, elaborou-se o mapeamento inicial do fluxo de dados, conforme a Figura 3.

Figura 3 -
Fluxo de dados no alistamento eleitoral

O fluxo acima foi corroborado pelos entrevistados de nível estratégico, quando da aplicação do questionário constante do Módulo 1, conforme quadro a seguir.

Quadro 6 -
Identificação do fluxo de informação no processo de alistamento no cadastro eleitoral

Assim, com base nas respostas dos entrevistados E1 e E2 em relação especialmente à questão dez sobre o ciclo de vida do tratamento de dados pessoais no contexto do cadastro eleitoral, ambos mencionaram os mesmos estágios: coleta, retenção, processamento e compartilhamento. No entanto, eles afirmam que não é realizada a eliminação dos dados de acordo com a resolução do TSE que trata do cadastro eleitoral (Brasil, 2021bBRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 23.659, de 26 de outubro de 2021. Dispõe sobre a gestão do Cadastro Eleitoral e sobre os serviços eleitorais que lhe são correlatos. Diário da Justiça Eleitoral: Brasília, n. 204, p. 1-37, 5 nov. 2021b.).

No que diz respeito aos modelos de fluxo de informação analisados no tópico 3.2, o fluxo de informação de dados pessoais coletados no alistamento eleitoral se assemelha mais ao Modelo de Davenport, que possui 4 etapas, quais sejam: (i) Determinação de exigências (danos pessoais necessários à identificação e qualificação do eleitor); (ii) Obtenção (coleta de dados biográficos e biométricos); (iii) Distribuição (estruturação em banco de dados e formas de disponibilização); e (iv) Utilização (usos internos e compartilhados para diversas finalidades). Recorda-se que este modelo também não possui a etapa de eliminação e é mais simplificado que o Modelo de Beal (2007BEAL, Adriana. Gestão estratégica da informação: como transformar a informação e a tecnologia da informação em fatores de crescimento e de alto desempenho nas organizações. São Paulo: Atlas, 2007.), que possui sete etapas. Certo é que o Modelo de Beal também poderia ser aplicado ao processo, contudo, excluindo-se a etapa de descarte e separando-se algumas etapas aglutinadas no Modelo de Davenport. Dessa forma, pela simplificação e alinhado às necessidades pragmáticas, o Modelo de Davenport se mostrou mais adequado.

4.2 Identificação de gaps e proposições de melhorias

Com base nas respostas aos questionários dos Módulos 1, 2 e 3, foram identificados gaps no cadastro eleitoral em relação à conformidade com a LGPD. Para abordar essas questões e propor melhorias, as análises serão agrupadas de acordo com cada questionário. Dessa forma, será possível avaliar as lacunas específicas em cada área e fornecer recomendações direcionadas para garantir a conformidade com a legislação de proteção de dados.

Importa destacar que esta pesquisa não pretende ser exaustiva, portanto a análise recairá nos principais gaps e respectivas proposições de melhoria identificados em cada questionário, contudo, certamente a análise específica de cada resposta aos questionamentos poderia evidenciar outros gaps e oportunidades de melhoria.

Os principais gaps de adequação ao fluxo de informações e à LGPD no contexto do cadastro eleitoral incluem:

  1. ausência de eliminação de dados pessoais - o ciclo de tratamento no contexto do cadastro eleitoral não prevê o descarte dos dados pessoais, contrariando os princípios de finalidade e minimização de dados da LGPD. É necessário estabelecer políticas claras de eliminação dos dados quando não forem mais necessários;

  2. base legal para o tratamento de dados - embora o artigo 7º, inciso II, da LGPD seja mencionado como base legal, há diferenças nas respostas em relação aos fundamentos legais adicionais. É importante identificar claramente os fundamentos legais aplicáveis ao tratamento de dados no processo de alistamento eleitoral;

  3. ausência de políticas claras de segurança da informação - as respostas indicam a falta de políticas para mitigar riscos de segurança, informações precisas sobre criptografia e anonimização dos dados pessoais. Recomenda-se estabelecer políticas formais de segurança da informação, incluindo medidas adequadas de proteção, como criptografia e controle de acesso;

  4. controle de acesso ao sistema do cadastro eleitoral - é fundamental realizar um controle rigoroso sobre os servidores e colaboradores que possuem acesso ao sistema, avaliando a necessidade, tempo e perfis adequados. Isso reduziria o risco de tratamentos inadequados de dados e possibilitaria maior controle sobre os usuários;

  5. falta de transparência sobre compartilhamento de dados - embora os dados pessoais sejam compartilhados com instituições governamentais por exigência legal, não há indicação de compartilhamento com instituições privadas, caso ocorra. Recomenda-se estabelecer políticas claras de compartilhamento de dados com terceiros, garantindo a transparência aos eleitores;

  6. falta de avaliação de riscos e impacto - a ausência de uma avaliação abrangente de riscos e impacto à privacidade pode resultar em uma compreensão inadequada dos riscos associados ao tratamento de dados pessoais. É importante realizar avaliações regulares de riscos e impacto à privacidade para identificar áreas de vulnerabilidade e tomar medidas corretivas apropriadas, garantindo a conformidade com os requisitos da LGPD.

Ao implementar essas proposições, o TRE-SC estará fortalecendo sua conformidade com a LGPD em todos os níveis estratégicos, estabelecendo uma base sólida para uma cultura de proteção de dados e privacidade no Tribunal. Isso inclui capacitar todos os servidores e colaboradores de cada um dos níveis estratégicos, desenvolver políticas claras, envolver a liderança e realizar avaliações de risco e impacto. Essas melhorias ajudarão a garantir que o TRE-SC esteja alinhado com os princípios e requisitos da LGPD, protegendo os direitos e a privacidade dos indivíduos e mitigando os riscos associados ao tratamento de dados pessoais.

5 Considerações finais

O presente artigo teve como objetivo geral mapear o fluxo de informações pessoais no processo de alistamento no cadastro eleitoral do TRE-SC, sob a perspectiva da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Com base nesses objetivos, foram identificados elementos de análise utilizando modelos teóricos de fluxos de informações, adaptados aos requisitos estabelecidos pela LGPD. Além disso, realizou-se o mapeamento do fluxo de informações pessoais no processo de alistamento no cadastro eleitoral do TRE-SC e analisou-se sua conformidade com a LGPD.

A análise dos resultados obtidos revelou a existência de lacunas significativas em relação à conformidade com os princípios da LGPD no contexto do alistamento eleitoral. Diversos aspectos foram identificados como áreas críticas, tais como a informação adequada ao cidadão sobre a finalidade do tratamento de seus dados, a adequação das medidas adotadas para garantir a transparência, a qualidade e segurança dos dados, a prevenção de danos e a responsabilização. Além disso, a falta de orientação padronizada para o livre acesso às informações sobre o tratamento dos dados pessoais também foi evidente.

Com base nessas constatações, é crucial que sejam implementadas ações de melhoria em cada nível de atuação. No nível estratégico, é fundamental estabelecer diretrizes e procedimentos documentados que orientem a informação adequada ao cidadão sobre a finalidade do tratamento de seus dados. No nível tático, medidas de prevenção efetivas devem ser implementadas, como políticas de criptografia de dados e análises de risco periódicas. No nível operacional, é necessário desenvolver uma plataforma online que ofereça informações claras e acessíveis aos cidadãos sobre o tratamento de seus dados, bem como promover a responsabilização e prestação de contas por meio de auditorias internas e externas.

Esta pesquisa contribui para o campo da Ciência da Informação, fornecendo diretrizes para o fluxo de informações pessoais no cadastro eleitoral do TRE-SC, considerando os requisitos estabelecidos pela LGPD. Os resultados obtidos destacam a importância de um processo de alistamento eleitoral transparente, seguro e em conformidade com a legislação de proteção de dados pessoais. Além disso, ressalta-se a necessidade de conscientização e capacitação dos profissionais envolvidos, bem como o estabelecimento de políticas e práticas que garantam a proteção dos direitos dos titulares dos dados.

Recomenda-se que as diretrizes propostas sejam adotadas pelo TRE-SC e pelas autoridades competentes responsáveis pelo alistamento eleitoral, visando à melhoria contínua do fluxo de informações pessoais no cadastro eleitoral. Adicionalmente, sugere-se a realização de estudos futuros para avaliar a eficácia das medidas implementadas e o grau de conformidade com os princípios da LGPD, de modo a garantir a privacidade e proteção dos dados pessoais dos eleitores.

Por fim, espera-se que este artigo contribua para o avanço das pesquisas na área de proteção de dados pessoais, especialmente no contexto do processo de alistamento no cadastro eleitoral, auxiliando na construção de um ambiente confiável, seguro e em conformidade com a LGPD.

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    https://doi.org/10.18225/ci.inf.v24i1.60...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2023
  • Aceito
    24 Nov 2023
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