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Políticas públicas em Educação: uma agenda necessária para moldar o nosso futuro

As políticas públicas em Educação representam um desafio e, ao mesmo tempo, uma necessidade para moldar o futuro no mundo. Todos os países enfrentam desafios educacionais únicos que estão profundamente interligados com os seus contextos socioeconômicos, políticos e culturais. Abordar estas questões por meio de políticas públicas é essencial para reduzir as desigualdades sociais e promover o desenvolvimento sustentável.

Dentre os principais desafios para as políticas educacionais, especialmente em países em desenvolvimento, estão a equidade e o acesso (McCowan, 2016MCCOWAN, T. Three dimensions of equity of access to higher education. Compare: A Journal of Comparative and International Education, v. 46, n. 4, p. 645-665, 2016. https://doi.org/10.1080/03057925.2015.1043237
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). Apesar das melhorias nas taxas de matrícula, ainda remanescem disparidades importantes no acesso à Educação de qualidade com base em localizações geográficas, estatutos socioeconômicos, etnia e gênero. As zonas rurais e as comunidades indígenas têm, frequentemente, menos acesso aos recursos e às infraestruturas educacionais de qualidade.

Há uma necessidade premente de melhorar a qualidade geral da Educação, incluindo currículo, formação de professores e inclusão digital em sala de aula. Malik (2018)MALIK, R. S. Educational challenges in 21st century and sustainable development. Journal of Sustainable Development Education and Research, v. 2, n. 1, 9, 2018. https://doi.org/10.17509/jsder.v2i1.12266
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mostra como muitos países enfrentam os problemas com métodos de Ensino e currículos desatualizados que não atendem às demandas do mundo moderno. Ademais, o financiamento é crucial para sustentar políticas educacionais plurianuais; ao contrário, restrições orçamentárias limitam a capacidade de investimento e a continuidade de programas. As instabilidades políticas podem levar a mudanças frequentes em programas e projetos educacionais, perturbando a continuidade e a implementação de estratégias de longo prazo. Estabelecer políticas que possam resistir às mudanças políticas e obter amplo apoio social são cruciais para avanços educacionais sustentáveis. Os recentes avanços nas tecnologias da informação e comunicação deram origem a mudanças radicais na forma como interagimos e comunicamos nos nossos ambientes sociais, educacionais e de trabalho. No entanto, o potencial e as oportunidades oferecidos por estas tecnologias não estão plenamente disponíveis em toda a sociedade (e.g., López-Aguado et al., 2022LÓPEZ-AGUADO, M., et al. Social exclusion and the digital divide. Journal of E-Learning and Knowledge Society, v. 18, n. 3, Dec 2022. https://doi.org/10.20368/1971-8829/1135660.
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). A exclusão digital é problema significativo, com muitos estudantes sem acesso a computadores e à internet, dificultando a capacidade de ampliar o benefício da aprendizagem digital.

Recrutar, formar e reter professores qualificados remanescem como desafios centrais para políticas públicas em Educação. As políticas devem requerer foco não só na melhoria dos programas de formação de professores, mas também na oferta de incentivos à retenção e ao desempenho docente. Do mesmo modo, as elevadas taxas de abandono escolar, especialmente no nível secundário e superior, são um problema persistente (Freeman; Simonsen, 2015FREEMAN, J.; SIMONSEN, B. Examining the Impact of policy and practice interventions on high school dropout and school completion rates. Review of Educational Research, v. 85, n. 2, p. 205-248, 2015. https://doi.org/10.3102/0034654314554431
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; Kocsis; Molnár, 2024KOCSIS, A.; MOLNÁR, G. Factors influencing academic performance and dropout rates in higher education. Oxford Review of Education, p. 1-19, Feb 2024. https://doi.org/10.1080/03054985.2024.2316616
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). As políticas educacionais têm dificuldade de atacar as causas subjacentes ao abandono escolar, que muitas vezes incluem pressões econômicas para uma entrada precoce no mercado de trabalho, falta de apoio familiar e um desinteresse crescente pelo modelo escolar ainda muito conteudista.

Existem estratégias em curso para enfrentar esses desafios, por meio de políticas pedagógicas mais inclusivas e planos educacionais. Estudos indicam que o investimento na Educação Infantil traz benefícios de longo prazo, estabelecendo uma base para o sucesso educativo futuro e ajudando a prevenir o abandono escolar. A colaboração com entidades privadas pode ser um caminho para preencher lacunas de financiamento, especialmente para integração tecnológica e melhorias de infraestruturas. A implementação de políticas baseadas em evidências, utilizando dados e pesquisas para balizar decisões políticas, pode aumentar a eficácia de programas e iniciativas educacionais (e.g., Pellegrini; Vivanet, 2021PELLEGRINI, M.; VIVANET, G. Evidence-based policies in education: initiatives and challenges in Europe. ECNU Review of Education, v. 4, n.1, p. 25-45, mar. 2021. https://doi.org/10.1177/2096531120924670
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).

As políticas públicas de Educação devem continuar navegando nesse cenário complexo de desafios, e, com estratégias pedagógicas direcionadas, investimento e planejamento inclusivo, melhorias significativas poderão ser alcançadas. Esta abordagem não só pode melhorar os resultados educacionais, mas, sobretudo, contribuir para a qualificação de jovens, face ao mercado de trabalho cada vez mais competitivo e digital (Mello et al., 2020MELLO, S. L. M., et al. Innovation in the digital era: new labor market and educational changes. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 28, n. 106, p. 66-87, jan.-mar. 2020. https://doi.org/10.1590/S0104-40362019002702511
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). O desenvolvimento econômico e social mais amplo no mundo depende fundamentalmente da Educação.

As pesquisas em avaliação e políticas públicas em Educação permitem compreender, avaliar e melhorar a forma como os sistemas educacionais funcionam e como podem ser reformados para melhor perceber e atender as necessidades dos estudantes e da sociedade. Se feitas com uma abordagem multidisciplinar, recorrendo a campos como economia, sociologia, psicologia e ciência política, abordando questões complexas em ambientes educacionais, podem causar um impacto efetivo na área da Educação.

As metodologias utilizadas nessas pesquisas trazem abordagens quantitativas, qualitativas e mistas. Os métodos quantitativos empregam análises estatísticas, modelagem econométrica e projetos experimentais e quase experimentais para medir os impactos das intervenções educacionais. Já os métodos qualitativos utilizam técnicas de entrevistas, estudos de caso e etnografia a partir de experiências e percepções das partes interessadas afetadas pelas políticas educacionais.

Este número da Ensaio, confirma como a investigação em políticas públicas em Educação é essencial para a criação de sistemas educacionais testados, eficazes e justos. Tais políticas ajudam a colmatar a lacuna entre a teoria e a prática educativa, garantindo que as decisões governamentais sejam fundamentadas em provas científicas e adaptadas às realidades da vida dos estudantes e professores. Uma ampla gama de tópicos reflete a natureza diversificada e complexa dos sistemas educacionais.

Equidade e inclusão na Educação são temas de investigação que buscam perceber como as políticas públicas podem abordar as disparidades no acesso e nos resultados educativos entre estudantes de diferentes origens socioeconômicas, raças, etnias e gêneros. Estes estudos focam em políticas destinadas a reduzir as diferenças de desempenho, aumentar o acesso a uma Educação de qualidade ou melhorar a inclusão do currículo e das práticas de Ensino. Em paralelo, pesquisas sobre currículo e avaliação têm foco no que os alunos aprendem e como seu aprendizado é avaliado. Estes estudos analisam o impacto dos testes padronizados, das reformas curriculares e dos métodos de avaliação inovadores na aprendizagem dos alunos e na equidade educacional.

Os estudos sobre políticas em Educação exploram questões como a governança escolar, os salários, os programas de ajuda financeira e o impacto do Ensino na sociedade e na mobilidade social, no contexto das instituições de Ensino em atender às necessidades da sociedade. A segurança escolar investiga questões relacionadas com o bullying, a disciplina escolar, o apoio à saúde mental e a segurança física dos alunos (e.g., Kutsyuruba et al., 2015KUTSYURUBA, B., KLINGER, D. A.; HUSSAIN, A. Relationships among school climate, school safety, and student achievement and well-being: a review of the literature. Review of Education, v. 3, n. 1, p. 103-135, June 2015. https://doi.org/10.1002/rev3.3043
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). Isto inclui a eficácia de políticas de tolerância zero, abordagens de justiça restaurativa e estratégias para melhorar o bem-estar dos estudantes.

A pesquisa em política e formação de professores aborda o recrutamento, a formação, a retenção e a avaliação de professores. As questões-chave incluem como atrair candidatos de alta qualidade para a profissão docente, a eficácia dos programas de desenvolvimento profissional e os impactos dos sistemas de avaliação de professores nos resultados educacionais. Por outro lado, áreas como finanças e economia da Educação promovem estudos sobre o financiamento dos sistemas educacionais e as implicações econômicas das políticas educacionais. Os estudiosos analisam a eficiência e a equidade da atribuição de recursos, o impacto das reformas no financiamento escolar ou os retornos econômicos do investimento na Educação a partir das pesquisas destes dois temas.

A tecnologia na Educação é uma área de pesquisa em rápido crescimento e explora como o mundo digital pode melhorar a aprendizagem e o Ensino. Os tópicos incluem a eficácia da aprendizagem online, o uso de software e de aplicativos educacionais e as implicações da inteligência artificial na Educação (Dogan et al., 2023DOGAN, M. E.; GORU DOGAN, T.; BOZKURT, A. The use of artificial intelligence (AI) in online learning and distance education processes: a systematic review of empirical studies. Applied Sciences, v 13, n. 5, 3056, 2023. https://doi.org/10.3390/app13053056
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).

A implementação e a mudança em políticas educacionais são temas que buscam assimilar como as políticas educacionais são praticadas em sala de aula e como a mudança é gerida nas instituições de Ensino. Isto inclui o estudo da difusão de políticas, o papel da liderança na reforma educacional e a influência de professores e administradores no processo político. Isto envolve examinar como diferentes países abordam a Educação, buscando aprender com os seus sucessos e desafios. Essas pesquisas ajudam a entender as melhores práticas globais e os contextos sociopolíticos que moldam as decisões educacionais.

Por fim, mas não menos importante, vale destacar estudos que envolvem o futuro da Educação de adultos e da aprendizagem ao longo da vida, a partir de diferentes pontos de vista históricos e contemporâneos. Benavot et al. (2022)BENAVOT, A., et al. Reimagining adult education and lifelong learning for all: historical and critical perspectives. International Review of Education, v. 68, n. 2, p. 165-194, 2022. https://doi.org/10.1007/s11159-022-09955-9
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exploram a aprendizagem ao longo da vida e a Educação de adultos, por meio de políticas destinadas a proporcionar oportunidades de aprendizagem, para além da escolaridade tradicional, incluindo programas de alfabetização, formação no local de trabalho e iniciativas de Educação Comunitária.

Posto isto, este número da Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação traz contribuições importantes de pesquisadores da Colômbia, Chile, México, Cazaquistão, Ucrânia e Brasil a partir de 14 trabalhos científicos sobre tópicos de notável relevância em políticas públicas.

Cinco trabalhos cobrem políticas em gestão educacional, envolvendo experiências com Ensino de jovens e adultos, base curricular de Educação Física, engajamento de stakeholders em políticas educacionais, participação social em programas educacionais e análise de eficiência escolar: (1) A Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Rio Grande do Norte e o Plano Nacional de Educação 2014–2024: desafios e limites; (2) A Educação Física nos parâmetros, orientações e na Base Nacional do Ensino Médio; (3) Engajamento de stakeholders e seu efeito no desempenho de uma política pública de Educação; (4) Data Envelopment Analysis (DEA): uma análise da eficiência no Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece) das escolas estaduais da região 4 do município de Fortaleza (CE); e (5) Participação da sociedade no monitoramento do programa educacional Proinfância.

Três trabalhos exploram experiências na formação de profissionais da Educação, cobrindo incentivos à formação de professores e avaliando o impacto do tema na Educação Superior: (1) Incentivos la formación inicial docente en Chile. Del estado docente a estado subsidiario en Educación; (2) Training of Education professionals: political and social impacts of the relationship between mentors and mentees in postgraduate studies; e (3) A avaliação de desempenho docente na Educação Superior como possibilidade de resistência à implantação da cultura performativa.

Três outros trabalhos abordam a questão da evasão e permanência do estudante, inclusive debatendo políticas de permanência como moradias universitárias e políticas de inclusão: (1) Evasão e permanência: a experiência de um curso de especialização para professores em contexto remoto; (2) Desafios e prática na gestão de moradias universitárias públicas brasileiras; e (3) Inclusive Education at universities: the experience of EU countries and prospects development in Ukraine.

Dois trabalhos abordam questões de ordem pedagógicas de interesse na atualidade: (1) Políticas públicas sobre Educación para la paz. Interpretación desde el ámbito colombiano e (2) Development of a personalised learning pathway on the basis of a competency-based approach.

O trabalho, Estandarización de los criterios fundamentales para la internacionalización de la Educación Superior en México, trata em específico da internacionalização da Educação Superior no México, o que representa um desafio que desperta enorme interesse para a América Latina.

Convido a todos para uma leitura proveitosa e crítica de mais um número da Revista Ensaio. Cada um dos tópicos abordados nos trabalhos a seguir não só contribui para o debate acadêmico, como também tem implicações práticas, ajudando os decisores políticos, os educadores e as partes interessadas a tomar decisões balizadas para melhorar os sistemas e os resultados educacionais.

Referências

  • BENAVOT, A., et al. Reimagining adult education and lifelong learning for all: historical and critical perspectives. International Review of Education, v. 68, n. 2, p. 165-194, 2022. https://doi.org/10.1007/s11159-022-09955-9
    » https://doi.org/10.1007/s11159-022-09955-9
  • DOGAN, M. E.; GORU DOGAN, T.; BOZKURT, A. The use of artificial intelligence (AI) in online learning and distance education processes: a systematic review of empirical studies. Applied Sciences, v 13, n. 5, 3056, 2023. https://doi.org/10.3390/app13053056
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  • FREEMAN, J.; SIMONSEN, B. Examining the Impact of policy and practice interventions on high school dropout and school completion rates. Review of Educational Research, v. 85, n. 2, p. 205-248, 2015. https://doi.org/10.3102/0034654314554431
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  • KOCSIS, A.; MOLNÁR, G. Factors influencing academic performance and dropout rates in higher education. Oxford Review of Education, p. 1-19, Feb 2024. https://doi.org/10.1080/03054985.2024.2316616
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  • KUTSYURUBA, B., KLINGER, D. A.; HUSSAIN, A. Relationships among school climate, school safety, and student achievement and well-being: a review of the literature. Review of Education, v. 3, n. 1, p. 103-135, June 2015. https://doi.org/10.1002/rev3.3043
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  • LÓPEZ-AGUADO, M., et al. Social exclusion and the digital divide. Journal of E-Learning and Knowledge Society, v. 18, n. 3, Dec 2022. https://doi.org/10.20368/1971-8829/1135660
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  • MALIK, R. S. Educational challenges in 21st century and sustainable development. Journal of Sustainable Development Education and Research, v. 2, n. 1, 9, 2018. https://doi.org/10.17509/jsder.v2i1.12266
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  • MCCOWAN, T. Three dimensions of equity of access to higher education. Compare: A Journal of Comparative and International Education, v. 46, n. 4, p. 645-665, 2016. https://doi.org/10.1080/03057925.2015.1043237
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  • MELLO, S. L. M., et al. Innovation in the digital era: new labor market and educational changes. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 28, n. 106, p. 66-87, jan.-mar. 2020. https://doi.org/10.1590/S0104-40362019002702511
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  • PELLEGRINI, M.; VIVANET, G. Evidence-based policies in education: initiatives and challenges in Europe. ECNU Review of Education, v. 4, n.1, p. 25-45, mar. 2021. https://doi.org/10.1177/2096531120924670
    » https://doi.org/10.1177/2096531120924670

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Ago 2024
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