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Formação docente para educar na diversidade: concepções subjacentes nos documentos oficiais e na prática explicitada

Training teachers to teach in diversity: underlying concepts in official documents and explicit practice

Formación de profesores para educar en la diversidad: concepciones subyacentes en documentos oficiales y en la práctica explicitada

Resumo

As autoras, norteadas por uma perspectiva crítica da política de inclusão, apresentam, neste texto, o recorte de estudo de tese, que objetivou: 1) desvelar concepções subjacentes ao Projeto Educar na Diversidade: material de formação docente e aos relatórios de um Município-Polo (2004), e 2) analisar a materialização desse projeto em instituições públicas da área de abrangência do município em foco. Os dados mostraram que, ao mesmo tempo em que os documentos anunciavam formações calcadas numa abordagem de professor-pesquisador, a realidade denunciava ações formativas esporádicas a parcela dos professores da rede, expondo uma política de inclusão implicada com o modelo neoliberal de sociedade e reforçada pelas iniciativas da globalização vigentes.

Palavras-chave
Educação Especial; Formação docente; Documentos oficiais

Abstract

Guided by a critical perspective of the inclusion policy, this text presents the results excerpted from a thesis which aimed at revealing the underlying concepts of the Educating in Diversity Project: a teacher training material and the reports of a Strategic Municipality (2004); and analyzing the materialization of this project in some public institutions in the coverage area of the Municipality. Data showed that, while the documents announced the development of continuous educational practices in the municipal network and school centers, guided by a teacher-researcher perspective, the reality denounced sporadic training activities which did not meet the needs of all school teachers, revealing a policy implicated with the neoliberal model of society and reinforced by current globalization initiatives.

Keywords
Special Education; Teacher education; Official documents

Resumen

Basándose en una perspectiva crítica de la política de inclusión, este texto presenta el recorte investigativo de la tesis doctoral cuyos objetivos fueron: 1) revelar concepciones subyacentes al Proyecto Educar en la Diversidad: material de capacitación docente y a los informes de un Municipio-Polo (2004); y 2) analizar la materialización de este proyecto en instituciones públicas del área que alcanza el municipio en cuestión. Los datos recolectados han mostrado que, mientras que los documentos evidenciaban formaciones fundamentadas en un abordaje de profesor investigador, la realidad exponía eventuales acciones educativas a una parte de los profesores de la red escolar, revelando una política de inclusión relacionada con el modelo neoliberal de la sociedad y reforzada por las vigentes iniciativas en la globalización.

Palabras-clave
Educación especial; Formación del profesorado; Documentos oficiales

1 Reflexões iniciais: inclusão escolar, diversidade e formação docente

A lógica da nova agenda do mundo globalizado invadiu o campo educacional nas últimas décadas do século XX, desde as políticas públicas até as práticas educativas, revestindo-se de sólido aporte legal, que se apropria do discurso de reconhecimento das diferenças existentes na escola, mas tende, paradoxalmente, a reforçar a individualidade, a competitividade e a exclusão na sociedade atual.

A educação é, assim, um setor estratégico para a difusão das visões que buscam dar impulso ao processo de globalização, interferindo no campo da cultura, como afirma a maioria dos autores contemporâneos, a exemplo de Boaventura Santos (SANTOS, 2002SANTOS, B. S. A globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 2002.) e Roger Dale (DALE, 2004DALE, R. Globalização e educação: demonstrando a existência de uma “cultura educacional mundial comum” ou localizando uma “agenda globalmente estruturada para a educação? Educação & Sociedade, Campinas, v. 25, n. 87, p. 423-460, 2004.), entre outros. Esses autores alertam para o fato de que o fenômeno globalizador – à primeira vista, exclusivo ao campo econômico – exerce influência sobre todas as estruturas sociais, sobretudo sobre aquelas formadoras de opinião, como forma de manter o modo de produção em vigor.

Essa ideia linear é ressignificada por Santos (2002)SANTOS, B. S. A globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 2002., ao destacar a necessidade de captar a complexidade dos fenômenos que envolvem essa realidade globalizadora, entre os quais a disparidade dos interesses que, nesses fenômenos, se confrontam. Para ele, a globalização não é um processo consensual, mas um vasto e intenso campo de conflitos entre grupos sociais, Estados e interesses hegemônicos, por um lado, e grupos sociais, Estados e interesses subalternos, por outro; e, mesmo no campo hegemônico, há divisões mais ou menos significativas, que atuam na base de um consenso entre os seus mais influentes membros. “É esse consenso que não só confere à globalização as suas características dominantes, como também legitima estas últimas como as únicas possíveis ou as únicas adequadas” (SANTOS, 2002, p. 27SANTOS, B. S. A globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 2002.), instituindo modos de convivência e disseminando valores próprios de uma sociedade mercantilizada.

Como decorrência da imposição dos processos globalizadores hegemônicos, novas políticas no campo educacional foram instituídas, como as de inclusão educacional de todas as pessoas no sistema regular, dentre elas, as chamadas pessoas com deficiência. Para tanto, foram acionadas agências financiadoras internacionais, que desempenhavam papel crucial na implementação da agenda mundial, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (UNESCO), a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Mundial (BM).

Entre as recomendações desses organismos, encontra-se a de universalização da educação básica, com foco no desenvolvimento de habilidades e competências. Um exemplo disso é o pacote proposto pelo BM para a reforma da educação de primeiro grau nos países em desenvolvimento, incluindo a América Latina. Ao analisar tal proposta, Torres (2003)TORRES, R. M. Melhorar a qualidade da educação básica? As estratégias do Banco Mundial. In: TOMMASI, L.; WARDE, M. J.; HADDAD, S. (Org.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2003. p. 125-193. sinaliza o verdadeiro propósito desse Banco:

[...] seu papel é o de colocar ao alcance dos países em desenvolvimento um cardápio de opções de política para que estes selecionem a combinação mais adequada as suas necessidades. No entanto, o pacote do BM é essencialmente um pacote homogeneizador e prescritivo. Isso aliado muitas vezes a uma recepção isenta de crítica por parte das contrapartidas nacionais e dos países beneficiários dos empréstimos, resulta na adoção de enfoques, políticas, programas e projetos similares em todo o mundo, inclusive entre realidades muito diferentes (TORRES, 2003, p. 179TORRES, R. M. Melhorar a qualidade da educação básica? As estratégias do Banco Mundial. In: TOMMASI, L.; WARDE, M. J.; HADDAD, S. (Org.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2003. p. 125-193.).

Com efeito, na reforma educacional brasileira, o pacote de propostas do BM, visando à implementação da política de educação inclusiva, expressou-se no acordo realizado entre MEC/UNESCO/PNUD, decorrente de deliberações em diversas conferências, dentre as quais a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990. Essa Conferência destacou a necessidade de se adotarem medidas enérgicas para prover educação para todos, sem distinção de qualquer espécie. Além do documento citado, tem relevância também a Declaração de Salamanca, produto de encontro realizado, em 1994, na Espanha, na Conferência Mundial sobre as Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, em que foi proposta a adoção de linhas de ação em Educação Especial. Nessa última, foram discutidos termos, como acesso e qualidade, e reconhecidas a necessidade e a urgência de adotar, como uma questão legal e/ou de política, o princípio da educação inclusiva.

A Declaração de Salamanca (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, 1994ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA - UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília: CORDE, 1994.) passou, dessa forma, a ser um guia que norteou todos os documentos oficiais no mundo:

Reafirmando direito de todas as pessoas à educação conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e renovando o empenho da comunidade mundial, na Conferência Mundial sobre Educação Para Todos, de 1990, garantir esse direito a todos, independente de suas diferenças particulares.

A Declaração proclama ainda que:

As escolas comuns, com essa orientação integradora, representam o meio mais eficaz de combater atitudes discriminatórias, de criar comunidades acolhedoras, construir uma sociedade integradora e dar educação para todos; além disso, proporcionam uma educação efetiva á maioria das crianças e melhoram a eficiência e, certamente, a relação custo-benefício de todo o sistema educativo.

Além disso, apela a todos os governos a:

assegurar que, em um contexto de mudança sistêmica, os programas de formação do professorado, tanto inicial como contínua, estejam voltados para atender às necessidades educacionais especiais dentro das escolas integradoras.

O direto de todos à educação passou a ser, então, argumento contundente, porque vai ao encontro dos anseios e aspirações de muitos que reivindicam uma educação democrática e cidadã, pautada no respeito à diferença e à diversidade, e na tolerância ao outro. Tais termos passaram a ser slogan não só dos que reivindicam uma educação inclusiva, mas de muitos projetos educacionais (DORZIAT, 2008DORZIAT, A. Políticas e práticas inclusivas: estudo comparativo Brasil-Portugal. 2009. 115 f. Relatório de Estágio Pós-Doutoral (Pós-Doutorado)-Faculdade de Ciências da Educação, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal, 2008.). Com efeito, o discurso do movimento inclusivista convoca as pessoas “normais” a darem atenção à diversidade, acolhendo os sujeitos com deficiência no espaço escolar.

Entretanto, é necessário estar atentos à estratégia conservadora retratada no termo diversidade, tão presente nos discursos oficiais. Como afirma Skliar (2006)SKLIAR, C. A inclusão que é “nossa” e a diferença que é do “outro”. In: RODRIGUES, D. (Org.). Inclusão e educação: doze olhares sobre a educação inclusiva. São Paulo: Sumus, 2006. p. 15-34., o emprego desse termo acaba por ressoar e legitimar o discurso da deficiência, obscurecendo o significado político das diferenças. Acrescenta ainda que “[...] nesse discurso a diferença passa a ser definida como diversidade que é entendida quase sempre como a/s variante/s aceitáveis e respeitáveis do projeto hegemônico da normalidade” (SKLIAR, 2006, p. 7SKLIAR, C. A inclusão que é “nossa” e a diferença que é do “outro”. In: RODRIGUES, D. (Org.). Inclusão e educação: doze olhares sobre a educação inclusiva. São Paulo: Sumus, 2006. p. 15-34.).

Esse contexto traz também a ideia de tolerância com forte conotação de indiferença, porque traduz um mecanismo de esquecimento e de impossibilidade de diálogo com o outro. Assim, ao ser compreendida (a tolerância) como uma virtude natural, não colocará em questão o modelo social de exclusão, quando muito amplia as regras que recomendam suportar a presença do estranho. Tal acepção representa uma das versões discursivas sobre a alteridade em que o outro é visto como alguém a tolerar (DUSCHATZKY; SKLIAR, 2001DUSCHATZKY, S.; SKLIAR, C. O nome dos outros: narrando alteridade na cultura e na educação. In: LARROSA, J.; SKLIAR, C. (Org.). Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 119-138.).

Devido a esses questionamentos, Silva (2000)______. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, T. T.; HALL, S.; WOODWARD, K. (Org.). . Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturaisRio de Janeiro: Vozes, 2000. p. 73-102 afirma que o debate contemporâneo sobre identidade e diferença não pode ser realizado, no chamado multiculturalismo em educação, simplesmente como uma questão de tolerância e respeito para com a diversidade cultural, por mais edificantes e desejáveis que possam parecer. O fato de as pessoas simplesmente admitirem e reconhecerem a diversidade, segundo ele, pode esconder uma incapacidade de dotá-las de instrumentos para questionar, precisamente, os mecanismos e as instituições que fixam as pessoas em determinadas identidades culturais e que as separam por meio da diferença cultural.

Essas estratégias impedem que vejamos a identidade e a diferença como processo de produção social, como processos que envolvem relações de poder. Assim, antes de tolerar e admitir a diferença, é preciso explicar como ela é ativamente produzida. A partir desse ponto de vista, uma política curricular e pedagógica da identidade e da diferença

[...] tem a obrigação de ir além das benevolentes declarações de boa vontade para com a diferença. Ela tem que colocar no seu centro uma teoria que permita não simplesmente reconhecer e celebrar a diferença e a identidade, mas questioná-las (SILVA, 2000, p. 100______. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, T. T.; HALL, S.; WOODWARD, K. (Org.). . Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturaisRio de Janeiro: Vozes, 2000. p. 73-102).

Em relação à noção de diversidade cultural, que tem seu significado explicitado em documento recente intitulado Convenção sobre a proteção e promoção da Diversidade de Expressões Culturais, produzido para a Conferência da UNESCO, em sua 33.ª reunião, celebrada em Paris, de 3 a 21 de outubro de 2005, esta foi assim definida:

Diversidade Cultural refere-se à multiplicidade de formas pelas quais as culturas dos grupos e sociedade encontram sua expressão. Tais expressões são transmitidas entre e dentro dos grupos e sociedades. A diversidade cultural se manifesta não apenas nas variadas formas pelas quais se expressa, se enriquece e se transmite o patrimônio cultural da humanidade mediante a variedade das expressões culturais, mas também através dos diversos modos de criação, produção, difusão, distribuição e fruição das expressões culturais, quaisquer que sejam os meios e tecnologias empregados (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, 2005, p. 8______. Convenção sobre a proteção e promoção da Diversidade de Expressões Culturais. In: REUNIÃO DA UNESCO, 33., 2005, Paris.).

Segundo Garcia (2008)GARCIA, R. M. C. Políticas inclusivas na educação: do global ao local. In: BAPTISTA, C. R.; CAIADO, K. R. M.; JESUS, D. M. (Org.). Educação Especial: diálogo e pluralidade. Porto Alegre: Mediação, 2008. p. 11-24., a diversidade cultural, expressa ao longo do documento da UNESCO, enfatiza as possibilidades humanas pela expressão de suas variadas formas identificadas à cultura e as perspectivas de intercâmbio entre diferentes grupos. Para essa autora, o que não aparece de forma explícita no texto, mas está subentendido, é a ideia de cultura como mercadoria e de diversidade cultural como meio de sobrevivência de grupos minoritários numa economia de mercado. Essa noção de diversidade está consentânea com a concepção liberal que proclama a importância de sociedades plurais, mas geridas por grupos hegemônicos que são criadores de consensos e ditam quem faz ou não parte de determinado grupo.

As estratégias políticas de maior participação dos diferentes grupos sociais, que atingem sobremaneira a educação, têm o propósito de gerar

[...] uma sensação de maior igualdade que contribui para manter a desigualdade econômica na medida em que reduz a crítica sobre a mesma [...] Trata-se, portanto de uma estratégia de controle das diferenças, de maneira hierarquizada, sob a égide de uma economia de poder global (GARCIA, 2008, p. 16-17GARCIA, R. M. C. Políticas inclusivas na educação: do global ao local. In: BAPTISTA, C. R.; CAIADO, K. R. M.; JESUS, D. M. (Org.). Educação Especial: diálogo e pluralidade. Porto Alegre: Mediação, 2008. p. 11-24.).

Desse modo, reveste-se de grande importância reconhecer a complexidade que envolve a relação globalização-educação, enxergando as fortes marcas da globalização hegemônica e do ideário neoliberal nas reformas educacionais implementadas na América Latina e, em particular, no Brasil, a partir dos anos de 1990. O subsídio aos pacotes de ensino propostos, minimizando, entre outras iniciativas, o papel do Estado, através da privatização das instituições públicas, faz parte do projeto neoliberal, que tem como aspecto central a adequação da escola e da universidade pública e privada aos mecanismos de mercado.

Tendo em vista esse cenário, a posição favorável do governo brasileiro à política de educação inclusiva, sustentada em um conjunto de documentos legais e normativos – a Constituição (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 5 out. 1988.); o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990BRASIL. Ministério da Justiça. Lei nº 8.069/90, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 jul. 1990.); a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB/ Lei 9.394/96 (BRASIL, 1996______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação e Cultura – SEC. Lei 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 dez. 1996.); as Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução nº 2, de 11 de setembro de 2001. Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília, 2001.), entre outros – precisa ser entendida de forma ampla e radical.

A partir do entendimento de que é a concepção de mercado que impulsiona a atual política educacional nacional, é possível estendê-la à política de formação dos profissionais da educação para inclusão, implantada pelo governo federal, desde 2004, por meio do Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade, que tem por objetivo “[...] disseminar a política de educação inclusiva nos municípios brasileiros e apoiar a formação de gestores e educadores para atuar como multiplicadores no processo de transformação dos sistemas educacionais em sistemas educacionais inclusivos” (BRASIL, 2003______. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Projeto Plurianual de implementação da educação inclusiva nos municípios brasileiros: 2003-2006. Brasília, 2003.). Para consolidar esse Programa, o MEC/SEESP disponibilizou, para os educadores das escolas públicas estaduais e municipais de várias regiões do país, o Projeto Educar na Diversidade: material de formação docente (DUK, 2005DUK, C. Educar na diversidade: material de formação docente. 2. ed. Brasília: MEC/SEESP, 2005., 2006______. Educar na diversidade: material de formação docente. 3. ed. Brasília: MEC/SEESP, 2006.).

Coerente com essa visão de sociedade globalizada, guiada por preceitos neoliberais, a formação de trabalhadores evoca habilidades necessárias para lidar com as novas demandas exigidas pela sociedade capitalista: homens e mulheres que saibam utilizar as novas tecnologias e tenham habilidades comunicativas e cognitivas, isto é, que sejam competitivos e competentes na função que desempenhem (SILVA, 2001SILVA, T. T. A “nova” direita e as transformações na pedagogia da política e na política da pedagogia. In: GENTILLI, P. A. A.; SILVA, T. T. (Org.). Neoliberalismo, qualidade total e educação. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 9-29.). Assim também é a formação dos profissionais da educação, nas últimas décadas do século XX, a qual tem enfocado a ideia de professor reflexivo (NÓVOA, 1992NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, A. (Coord.). Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. p. 14-33.; PIMENTA, 2005PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (Org.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um momento. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005.; FACCI, 2004FACCI, M. G. D. Valorização ou esvaziamento do trabalho do professor?: um estudo crítico-comparativo da teoria do professor reflexivo, do construtivismo e da psicologia vigotskiana. Campinas: Autores Associados, 2004. (Coleção Formação de Professores).).

A apropriação do conceito de professor reflexivo é analisada, no Brasil, por Pimenta (2005)PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (Org.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um momento. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005., tendo por base as contribuições de Schön e Zeichner. Situando brevemente o panorama histórico do movimento e das pesquisas sobre formação de professores, anteriores à disseminação desse conceito, no livro Professor reflexivo no Brasil: construindo uma crítica, a autora ressalta que a ampliação e a análise crítica de suas ideias favoreceram um amplo campo de pesquisas sobre várias temáticas pertinentes e decorrentes para a formação de professores. No entanto, afirma que a apropriação generalizada da perspectiva da reflexão, inclusive nas reformas educacionais dos governos neoliberais,

[...] transforma o conceito professor reflexivo em um mero termo, expressão de uma moda, à medida que o despe de sua potencial dimensão político epistemológica, que se traduziria em medidas para a efetiva elevação do estatuto da profissionalidade docente e para a melhoria das condições escolares [...] (PIMENTA, 2005, p. 45PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (Org.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um momento. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005.).

Embora diversos autores concordem sobre a importância das obras de Schön, Zeichner questiona seus limites. Ao partir de uma perspectiva crítica do ensino reflexivo, ele utiliza a pesquisa-ação em seus programas de formação de professores, defendendo

[...] uma maior interação entre as vozes dos professores e dos acadêmicos, um desempenho mais ativo dos professores na tomada de decisões, um maior respeito pelo conhecimento do professor e a utilização da ética nas relações estabelecidas entre pesquisadores e professores (FACCI, 2004, p. 53).FACCI, M. G. D. Valorização ou esvaziamento do trabalho do professor?: um estudo crítico-comparativo da teoria do professor reflexivo, do construtivismo e da psicologia vigotskiana. Campinas: Autores Associados, 2004. (Coleção Formação de Professores).

Apesar de a perspectiva de professor reflexivo de Zeichner ser anunciada como crítica, por considerar a reflexão coletiva e dar voz aos professores, Facci (2004)FACCI, M. G. D. Valorização ou esvaziamento do trabalho do professor?: um estudo crítico-comparativo da teoria do professor reflexivo, do construtivismo e da psicologia vigotskiana. Campinas: Autores Associados, 2004. (Coleção Formação de Professores). afirma que isso não é suficiente, pois

[...] é preciso que eles reflitam em que condições econômicas, políticas e sociais desenvolvem a profissão e que necessidades postas pelo capital exigem dos professores esta ou aquela postura [...]. As teorias que ressaltaram o trabalho do professor no processo educativo, valorizando suas experiências e a reflexão sobre a prática, correm o risco de apenas analisar a subjetividade do professor como se esta fosse produzida na particularidade, ou mesmo somente entre seus pares, desconectada da realidade social (FACCI, 2004, p. 54FACCI, M. G. D. Valorização ou esvaziamento do trabalho do professor?: um estudo crítico-comparativo da teoria do professor reflexivo, do construtivismo e da psicologia vigotskiana. Campinas: Autores Associados, 2004. (Coleção Formação de Professores).).

Além das perspectivas ora expostas, tem-se enfatizado também a importância de uma formação reflexiva de professores, com foco na aquisição de competências e de habilidades, consideradas prioritárias para o exercício da profissão docente. O discurso das competências, no Brasil, foi disseminado pelas produções de Philippe Perrenoud (PERRENOUD, 2000PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.), um dos autores que estudaram o ofício de professor de modo mais concreto, propondo um inventário das competências que contribuem para redelinear a atividade docente.

Diante desse cenário, faz-se necessário um olhar cauteloso às teorias que embasam o processo formativo de professores, pois, como disse Arce (2001, p. 267)ARCE, A. Compre o kit neoliberal para a educação Infantil e ganhe grátis os dez passos para se tornar um professor reflexivo. Educação & Sociedade, Campinas, v. 22, n. 74, p. 251-283, 2001., a entrada dessas teorias no Brasil e a sua utilização podem estar afiliadas aos preceitos neoliberais, que oferecem ao “[...] professor um novo status como técnico da aprendizagem, o de ser um profissional reflexivo que não poderá, com a formação proposta, refletir a respeito de nada mais do que sua própria prática, pois o mesmo não possuirá o mínimo necessário de teoria para ir além disso”.

Portanto, em concordância com as perspectivas que concebem a formação reflexiva dos professores numa visão crítica que transcenda o puro tecnicismo ou o praticismo, referendamos nossa posição com as palavras de Arce (2001)ARCE, A. Compre o kit neoliberal para a educação Infantil e ganhe grátis os dez passos para se tornar um professor reflexivo. Educação & Sociedade, Campinas, v. 22, n. 74, p. 251-283, 2001., que alerta para o fato de que a formação do professor não pode se eximir dos fundamentos filosóficos, políticos, sociais e históricos, assim como de uma sólida formação didático-metodológica:

[...] visando formar um profissional capaz de teorizar sobre as relações entre educação e sociedade e, aí, sim, como parte dessa análise teórica, refletir sobre sua prática, propor mudanças significativas na educação e contribuir para que os alunos tenham acesso à cultura resultante do processo de acumulação sócio-histórica pelo qual a humanidade tem passado (ARCE, 2001, p. 267ARCE, A. Compre o kit neoliberal para a educação Infantil e ganhe grátis os dez passos para se tornar um professor reflexivo. Educação & Sociedade, Campinas, v. 22, n. 74, p. 251-283, 2001.).

Em meio a um contexto em que os discursos da inclusão são cada vez mais eloquentes, torna-se fundamental problematizarmos a sua implementação e materialização nos espaços escolares, para além da garantia de acesso via matrícula, dos estudantes tradicionalmente excluídos dos sistemas educacionais comuns nas escolas públicas regulares, considerando as questões: Quais concepções de inclusão, formação docente e diversidade estão presentes no material de formação? Como se deram as ações formativas no município-polo de Campina Grande, na visão dos profissionais?

Essas questões motivaram o desenvolvimento de um trabalho de tese, o qual deu origem a este artigo, com os objetivos de i) desvelar concepções subjacentes no documento do Projeto Educar na Diversidade: material de formação docente (DUK, 2005DUK, C. Educar na diversidade: material de formação docente. 2. ed. Brasília: MEC/SEESP, 2005., 2006______. Educar na diversidade: material de formação docente. 3. ed. Brasília: MEC/SEESP, 2006.) e nos relatórios produzidos pelo Município-polo de Campina Grande, no ano de 2004, e ii) analisar a materialização desse Projeto em algumas instituições públicas de anos iniciais de Ensino Fundamental do referido Polo, a partir dos depoimentos de profissionais que possuíam, em seus quadros, estudantes tipificados legalmente como pessoa com deficiência.

Com isso, esperamos problematizar os discursos preconizados pelo governo, dentre os quais o de que a escola está aberta para atender a todos e o de que o convívio social com as diferenças levará à formação de indivíduos mais tolerantes e atentos à diversidade. Para tanto, buscamos trazer à discussão os significados ocultos, nesses discursos, para respaldar o desenvolvimento, em níveis locais, de programas homogeneizadores e padronizados que se ancoram em orientações dos organismos internacionais.

2 Método: situando a pesquisa

Tendo em vista que os fenômenos apreendidos se situam num dado momento histórico e são influenciados pelos campos econômicos, político e social de forma mais ampla, marcamos nosso fundamento epistemológico sobre pesquisa no pensamento de Morin (1997)MORIN, E. Meus demônios. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997., que concebe os conhecimentos na sua complexidade, entendendo a importância de atenção aos fatores subjetivos e contextuais nas suas elaborações. Essa perspectiva conduziu-nos, na medida do possível, a situar nosso objeto de estudo no momento histórico, captar nas entrelinhas tanto dos dados documentais que tratam do programa, quanto dos dados empíricos, oriundos dos depoimentos concedidos pelos sujeitos da pesquisa, aspectos relacionados aos propósitos da investigação. Para tanto, embasamos nosso estudo na abordagem qualitativa, paradigma de pesquisa que trabalha com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes (MINAYO, 2000MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 7. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 2000.).

O contexto de investigação foi a Secretaria de Educação, Esporte e Cultura (SEDUC) do Município de Campina Grande-PB, na qual tivemos acesso ao acervo dos documentos oficiais e relatórios desse Município, e em escolas da rede pública dos anos iniciais do Ensino Fundamental, que tinham estudantes com deficiência, nas quais entrevistamos os profissionais.

Constituíram-se participantes da pesquisa o secretário de educação, a coordenadora e a formadora do programa, e a equipe técnico-pedagógica que desenvolvia trabalho pedagógico junto aos estudantes com deficiência. Para identificação dos profissionais das escolas, realçamos a função que ocupavam, seguida de nomes fictícios, quando se tratava de mais de um sujeito da mesma categoria.

Recorremos à pesquisa documental com o intuito de levantarmos o acervo referente ao programa, produzido no período de 2004-2006, nos contextos nacional e local, e as informações neste contidas, para posterior análise. Concluída esta etapa da pesquisa, realizamos, na segunda etapa, entrevistas semiestruturadas com os sujeitos envolvidos no processo de implementação do programa, em particular do Projeto Educar na Diversidade, no Município-polo.

De posse de todos os dados documentais e das entrevistas, procedemos à sua classificação, a partir do entrelaçamento das questões teoricamente elaboradas e do quadro empírico delineado pelas informações obtidas nos documentos. Isso foi realizado por meio de uma leitura flutuante dos dados (MINAYO, 2000MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 7. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 2000.). Por fim, analisamos os dados, nos referenciando na análise de conteúdo (BARDIN apud TRIVIÑOS, 1987TRIVIÑOS, A.N.S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.), procurando estabelecer conexões entre os referenciais teóricos da pesquisa, os dados documentais e os depoimentos dos participantes, de modo a discutir as indagações apresentadas.

3 Documentos norteadores/orientadores da educação inclusiva: o discurso da política oficial

Fazendo parte das iniciativas que cumprissem o compromisso de uma educação inclusiva, o Ministério da Educação (MEC) desenvolveu, por meio da Secretaria de Educação Especial (SEESP)1 1 No ano de 2011, a SEESP foi extinta e seus programas e ações foram vinculados à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). O objetivo dessa secretaria passou a ser contribuir para o desenvolvimento inclusivo dos sistemas de ensino, voltado à valorização das diferenças e da diversidade, à promoção da educação inclusiva, dos direitos humanos e da sustentabilidade socioambiental, visando à efetivação de políticas públicas transversais e intersetoriais. , desde 2003, o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade nos Estados e no Distrito Federal. O objetivo geral desse programa foi disseminar e apoiar a política de educação inclusiva nos 5.562 municípios brasileiros e no Distrito Federal, adotando como princípio a garantia do direito dos estudantes com necessidades educacionais especiais de acesso e permanência, com qualidade, nas escolas da rede regular de ensino (BRASIL, 2006______. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade. Documento Orientador. Brasília, 2006.). Tal procedimento conta com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), uma instituição multilateral que coloca como meta promover o desenvolvimento e eliminar a pobreza no mundo.

O lançamento público do programa foi feito em encontro para sensibilização de 200 gestores e educadores, oriundos dos 128 municípios-polo. No ano de 2003, os dirigentes da educação especial de todos os municípios e estados, e do Distrito Federal participaram do I Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores do programa. Em 2004, estes municípios assinaram Termo de Adesão ao programa, requisito para receberem apoio financeiro, visando a realizar a multiplicação da formação na sua rede de ensino e nos municípios de sua área de abrangência. Em abril de 2005, representantes desses municípios e das Secretarias Estaduais de Educação participaram do II Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores, que teve como propósito a formação de gestores e educadores para a multiplicação do conhecimento nas áreas específicas da Educação Especial, em suas respectivas áreas de abrangência.

O Programa contava, na época da pesquisa, com a adesão de 144 municípios-polo, que atuavam como multiplicadores da formação para mais 4.646 municípios da área de abrangência. Por meio de uma ação compartilhada, o Programa disponibilizava equipamentos, mobiliários e publicações específicas para os cursos de formação, além de material pedagógico para a implantação de salas de recursos multifuncionais, visando à oferta de Atendimento Educacional Especializado (AEE) nos municípios-polo, como importante meio de apoiar o processo de inclusão educacional na rede pública de ensino.

Além desse Programa, o MEC/SEESP desenvolvia, desde 2005, o Projeto Educar na Diversidade, que tinha como objetivos formar e acompanhar docentes dos 144 municípios-polo para o desenvolvimento de práticas educacionais inclusivas nas salas de aula. É um documento de formação docente composto por módulos para serem trabalhados em sessões de estudos dentro das escolas, instrumentalizando o professor. A metodologia adotada no projeto foi a da “[...] pesquisa-ação, em que o formador, o grupo coordenador do projeto na escola e o docente se tornam também investigadores da própria prática e, juntos, buscam identificar ‘problemas’ a serem eliminados e encontrar colaborativamente formas para abordá-los” (DUK, 2006, p. 15______. Educar na diversidade: material de formação docente. 3. ed. Brasília: MEC/SEESP, 2006.).

O Projeto Educar na Diversidade é fruto do Projeto Educar na Diversidade nos Países do Mercosul e contou com o assessoramento técnico do Escritório Regional de Educação para a América Latina e Caribe, da UNESCO (UNESCO/Santiago, Chile). Esse documento foi disponibilizado para os educadores das escolas públicas estaduais e municipais, selecionados pelos dirigentes municipais, em 2005. Para melhor uso do material na formação continuada nas escolas, foi realizada uma oficina nacional nos 106 polos multiplicadores, para que os mesmos pudessem apoiar o processo em seus respectivos sistemas de ensino.

O Projeto Educar na Diversidade contém módulos permeados por princípios norteadores das políticas e práticas de ensino inclusivo nos campos da gestão, da formação de professores e do currículo, expressos em algumas ideias, como: respeito à diversidade, formação docente, adaptação/flexibilização curricular, gestão escolar, trabalho colaborativo, aprendizagem significativa e avaliação. Há indícios de que tais noções estão eivadas dos pressupostos do multiculturalismo, cujo significado está em consonância com as proposições da UNESCO.

Tal assertiva remonta a Garcia (2008)GARCIA, R. M. C. Políticas inclusivas na educação: do global ao local. In: BAPTISTA, C. R.; CAIADO, K. R. M.; JESUS, D. M. (Org.). Educação Especial: diálogo e pluralidade. Porto Alegre: Mediação, 2008. p. 11-24., para quem a noção de diversidade cultural está vinculada a uma concepção liberal que fala da importância das sociedades plurais, mas administradas por grupos hegemônicos. Podemos inferir, então, que, sob o slogan da inclusão educacional de todas as pessoas, são forjados processos de organização do sistema educacional que se pautam nas diferenças culturais e individuais, anunciando que a diversidade deveria ser uma bandeira do campo educacional.

Essa posição ideológica deve ser ressaltada, porque mostra o atrelamento da política de inclusão aos processos da globalização hegemônica, que contribuem para manter as relações de poder-saber no campo educacional. Isso é fundamental para superação de uma postura ingênua face ao discurso legal das diferenças, que objetivam mascarar a permanência de uma lógica unilateral, burocratizando as lógicas de alteridade e ocultando, sob nova roupagem, o outro nas suas diferentes possibilidades de ser (DORZIAT, 2009DORZIAT, A. O Outro da educação: pensando a surdez com base nos temas identidade. Diferença, currículo e inclusão. Petrólis: Vozes, 2009.).

Os documentos orientadores do Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade (2004) permitem constatar que, ao assinar o termo de adesão, os municípios-polo assumiram o compromisso de implementar sistemas educacionais inclusivos nos municípios da área de abrangência. Atendendo às determinações da Agência Executora (MEC/SEESP e PNUD), a Prefeitura Municipal de Campina Grande, por meio da Secretaria de Educação, Esporte e Cultura (SEDUC), envidou esforços para executar o referido Programa.

Depreendemos do exposto que as intenções anunciadas pelo governo são reveladoras de um crescente processo de municipalização do ensino no Brasil. Pode-se considerar, à luz dos estudos existentes sobre essa temática, que a municipalização representa uma das externalidades da adoção do princípio da descentralização, segundo a perspectiva teórica que vem informando as políticas públicas brasileiras, e, por conseguinte, a ação do Estado (AZEVEDO, 2002AZEVEDO, J. M. L. Implicações da nova lógica de ação do Estado para a educação municipal. Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, p. 49-71, 2002.).

A descentralização é, assim, difundida como um poderoso mecanismo para corrigir as desigualdades educacionais, por meio da otimização dos gastos públicos. Reconhecemos, assim como Azevedo (2002, p. 54)AZEVEDO, J. M. L. Implicações da nova lógica de ação do Estado para a educação municipal. Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, p. 49-71, 2002., que, apesar de os postulados democráticos serem reafirmados continuamente, “[...] estes se apresentam como justificativa da transferência de competências da esfera central de poder para as locais, respaldadas em orientações neoliberais, com o objetivo de redução do Estado às funções mínimas [...]”. Com efeito, trata-se de um modelo de gerenciamento implicado em nova postura dos gestores, que se tornam responsáveis pelo delineamento, pela normatização e pela instrumentalização da conduta da comunidade escolar, na busca dos objetivos traçados.

Examinando-se as informações descritas nos documentos orientadores, notamos sinais de uma articulação entre as ações previstas – Ação A: Formação de Educadores de Campina Grande/Município-Polo, e Ação B: Formação de Educadores dos Municípios de sua área de abrangência – e as ações executadas pela Prefeitura de Campina Grande. Uma leitura detalhada do relatório do ano de 2004 (CAMPINA GRANDE, 2004CAMPINA GRANDE. Prefeitura Municipal. Secretaria de Educação, Esporte e Cultura – SEDUC. . Relatório e avaliação da 1ª e 2ª etapas do Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade2004.), de modo particular no que se refere às ações previstas no projeto de capacitação, permite perceber como se deu a sua execução.

No relatório das atividades desenvolvidas na Ação A, elaborado em novembro de 2004, consta que o primeiro passo foi estabelecer contato com os Municípios da área de abrangência e instituições parceiras, com o objetivo de informar sobre a sistematização do Programa e orientá-los quanto ao procedimento de adesão. O segundo passo foi promover um curso de capacitação para os gestores e educadores do Município-polo de Campina Grande, com os objetivos de sensibilizar e envolver os educadores na política de inclusão, e capacitar educadores para a implementação de uma política de educação inclusiva. Este curso, que teve duração de 20 horas, contou com o apoio de instituições/entidades públicas e privadas.

Após essa etapa, o Município-polo organizou a segunda etapa do Programa, ou seja, a Ação B: Formação de Educadores dos Municípios de sua área de abrangência. Participaram dessa ação, 250 educadores dos municípios de abrangência indicados pela SEESP/MEC (Areia, Barra de Santa Rosa, Boqueirão, Coxixola, Cubati, Cuité, Esperança, Juazeirinho, Pedra Lavrada, Picuí, Pocinhos, Queimadas, Remígio, Soledade, Sumé, Taperoá, Serra Banca, Puxinanã, Salgado de São Félix e Massaranduba) (BRASIL, 2004______. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade. Brasília, 2004. Documento Orientador.). Os representantes receberam também materiais contendo os documentos referenciais e a agenda de ação com a programação e a sistematização a serem desenvolvidas pelos municípios da área de abrangência.

Outro aspecto destacado diz respeito à dimensão dada às estratégias de sensibilização dos educadores, familiares e sociedade em geral. A ação, adotada nos documentos oficias, visou a sensibilizar as pessoas, através de dinâmicas grupais, levando-as a refletir sobre a necessidade de aceitação das pessoas com deficiência no contexto da escola regular. Tal iniciativa fica evidenciada nos resultados esperados pelo MEC/SEESP (BRASIL, 2004, p. 29______. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade. Brasília, 2004. Documento Orientador.): “[...] com a sensibilização da sociedade, espera-se a formação de uma rede de apoio à inclusão que propicie a implementação de sistemas educacionais inclusivos”.

Considerando-se nossas reflexões anteriores sobre a política educacional brasileira, torna-se perceptível, na execução do Programa em análise, a prioridade dada pelo governo federal à proposta de descentralização da gestão educacional e à formação em serviço dos gestores e professores para educação inclusiva. Percebemos também, neste relatório, indícios de que as ações de competência do Município-polo Campina Grande, previstas no documento orientador, começaram a efetivar-se. Isso pode ser verificado na multiplicação do Programa para os municípios de sua área de abrangência, nas parcerias firmadas com outras instituições e na realização do curso de capacitação dos gestores e educadores, que contou com a presença de conferencistas da área de Educação Especial, e nos momentos dedicados à sensibilização dos participantes.

4 Formação docente pela via do Projeto Educar na Diversidade: discursos dos profissionais da educação do Município-polo

Explicitamos anteriormente que o material de formação docente, intitulado Projeto Educar na Diversidade (2005-2006), estava organizado em módulos, contendo uma série de unidades de aprendizagem, os quais ofereciam conteúdos teóricos e práticos para estudo, e tinham por objetivo auxiliar os docentes na aquisição ou no desenvolvimento do seu conhecimento na área de educação inclusiva. Vale relembrar que o referido projeto de formação docente adotava uma metodologia pautada na pesquisa-ação, visando a promover uma intervenção nas escolas dos municípios-polo, particularmente nas práticas de ensino das salas de aula regular, cujos sujeitos envolvidos no processo eram investigadores da própria prática, trabalhando de forma colaborativa, a fim de garantir a aprendizagem de todos os educandos.

Na exposição do histórico do referido Projeto, identificamos que esse material constituiu a base principal da formação continuada e em serviço dos profissionais da educação, realizada através de oficinas com os multiplicadores das secretarias de educação, para que eles conhecessem o material e a sua estrutura, e o modo como deveria ser utilizado nas oficinas de formação nas escolas, além de oficinas de formação docente, momento em que os multiplicadores apresentaram as competências dos envolvidos no processo e disseminaram, através de experiências, as estratégias de ensino inclusivas que deveriam ser utilizadas pelos docentes na sala de aula.

Com o objetivo de conhecermos as opiniões dos profissionais sobre a materialização das ações do Programa, entre as quais aquelas executadas no Projeto Educar na Diversidade, procuramos saber as ações que tinham sido implementadas no âmbito do município e, mais especificamente, no contexto das instituições pesquisadas. O Secretário de Educação, a formadora do Programa, os especialistas e a professora mencionaram as seguintes ações: promoção de seminários para formação continuada com a participação de todos os segmentos; elaboração de projetos; distribuição de materiais pedagógicos; implantação de salas multifuncionais; apoio dos profissionais multiplicadores para as formações em serviço, e integração dos estudantes com necessidades educacionais especiais em eventos e projetos, como mostram os depoimentos a seguir:

Por meio de Seminários, envolvendo os segmentos: Federal, Estadual e Municipal, Instituições especializadas e Municípios da área de abrangências, formação continuada com os educadores municipais, distribuição de materiais pedagógicos vindos da SEESP/MEC, elaboração de projetos (arquitetura, aquisição de material didático-pedagógico, formação continuada para os educadores, formação para alunos especiais quanto a inserção no mercado de trabalho, Salas de Recursos), implantação de Salas de Recursos Multifuncionais. Em termos gerais, temos cumprido as metas pactuadas com o Governo Federal, de tal forma que o papel de Campina Grande como cidade polo se consolida a cada dia (SECRETÁRIO SEDUC/CG).

Foram executadas através dos seminários realizados aqui em Campina Grande e foi feito o convite aos municípios. Agora mesmo todo profissional que participou do seminário recebeu coleção do Atendimento Educacional Especializado, foi enviado pelo MEC, então esse material ele volta para o Município e lá a ação que a gente planeja mesmo assim, é que eles façam a multiplicação lá, quem participou representando o Município é uma socialização mesmo, uma formação continuada com os professores com os educadores de cada município (FORMADORA).

Palestras, conversas com os pais, palestras com os profissionais da secretaria, do conselho tutelar e também a sala multimeios que também trabalha com esses alunos, apesar de nem todos frequentarem. O projeto foi iniciado há uns três anos (PROFESSORA CLAUDIA).

Sobre educação inclusiva, temos algumas formações na própria escola (GESTORA CARLA).

Já, Educação inclusiva: Direito à Diversidade em 2006 e comecei a ser articuladora de educação inclusiva no núcleo. Já fui a seminários. Meu papel enquanto articuladora era trabalhar com todo um material que é mandado pelo MEC, um livro, e essa equipe estudava, via as estratégias de desenvolvimento, a parte pedagógica, e eu viria par a escola passaria todos os programas e o que nós fizemos lá eu iria fazer nas escolas com os professores. Era um curso eu acho que mais de um ano. Eu iria trazer esses projetos para a escola (ORIENTADORA CARMÉLIA).

Eu participei do último Seminário de Educação Inclusiva, participei de algumas palestras. Nós tivemos também recentemente uma tarde que nós passamos com o professor falando um pouco sobre Bullying, que está muito forte dentro das escolas e já participei também de seminários com relação à sexualidade, adolescência, a questão da saúde realmente envolvendo a importância nas escolas (SUPERVISORA CAMILA).

As colocações desses segmentos que lidavam diretamente com a implantação das ações prescritas nos documentos orientadores do Programa, conforme compromisso assumido no termo de adesão celebrado entre a SEESP/MEC/PNUD e PMCG/SEDUC, sinalizam que ações de competência do Polo foram realizadas, tal como foi explicitado no depoimento do Secretário de Educação de Campina Grande, quando disse: “Em termos gerais, temos cumprido as metas pactuadas com o Governo Federal, de tal forma que o papel de Campina Grande como cidade-polo se consolida a cada dia”. Podemos constatar que as ações inerentes à gestão municipal, ora relatadas, corroboram com os dados contidos nos relatórios da SEDUC/CG (CAMPINA GRANDE, 2005______. Secretaria de Educação, Esporte e Cultura – SEDUC. Relatório do II Seminário Município-Pólo de Campina Grande para formação continuada de educadores do Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade. 2005., 2006______. Secretaria de Educação, Esporte e Cultura – SEDUC. Relatório do III Seminário Município-Pólo de Campina Grande para formação continuada de educadores do Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade. 2006.); portanto, dão indícios de cumprimento de algumas atribuições que lhe foram delegadas pelo Governo Federal.

Não obstante, relembramos que, ao analisarmos o processo de municipalização pela via da descentralização do ensino, devemos considerar o fato de que esse processo se baseia numa lógica economicista-instrumental2 2 A lógica economicista-instrumental se caracteriza pela crença nas possibilidades de promover a eficácia e a eficiência como justificativa da transferência de competências do poder central para os poderes locais. Respalda-se em orientações neoliberais, que pregam a redução do Estado às suas funções mínimas, na busca da eficiência e da otimização dos gastos públicos, em que os investimentos nas políticas sociais não são prioritários (AZEVEDO, 2002). e que se articula com os postulados neoliberais (AZEVEDO, 2002AZEVEDO, J. M. L. Implicações da nova lógica de ação do Estado para a educação municipal. Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, p. 49-71, 2002.). Ademais, os processos que são norteados por essa lógica “[...] se caracterizam muito mais como práticas desconcentradoras, em que o local é considerado como uma unidade administrativa a quem cabe colocar em ação políticas concebidas no nível do poder central” (AZEVEDO, 2002, p. 55AZEVEDO, J. M. L. Implicações da nova lógica de ação do Estado para a educação municipal. Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, p. 49-71, 2002.).

A nosso ver, essa análise é fundamental, para que problematizemos as intenções governamentais, as tensões e dificuldades para se implementar uma perspectiva mais democrático-participativa nos sistemas municipais, pois, como diz a referida autora, esta amplia a participação do espaço público e busca o estabelecimento de relações sociais substancialmente democráticas.

Nos depoimentos de outros professores, além de terem feito referência a algumas ações ditas inclusivas, não deixaram de apontar, por exemplos, a inexistência de um apoio ou acompanhamento da SEDUC/CG, para a implantação da inclusão no contexto da escola; a difícil realidade do aluno considerado deficiente para ter acesso aos conhecimentos, face o despreparo do professor para lidar com as peculiaridades desse aluno, cuja consequência era a sua retenção anual no ciclo; a dificuldade para participar das formações, devido à impossibilidade de se afastar da sala de aula, e o difícil acesso ao material de formação pelo professor. Eles se colocaram da seguinte forma:

Com relação à ambientação, a diretora se preocupou com a questão das rampas para locomoção, mobilização por conta de uma aluna que usa cadeiras de roda. Com relação aos conteúdos, a gente se preocupa em trabalhar de uma maneira com esse aluno sem que ele se sinta excluído. Apoio da Secretaria para inclusão eu não percebi ainda não. Até mesmo porque eu não tenho visto ninguém da secretaria que é denominado para realizar este projeto não para acompanhamento maior não. Só aparecem aqui os técnicos quando vêm com alguma novidade. Mas alguém para acompanhar o trabalho, não; aí quando eu lhe digo foge do meu conhecimento eu não tenho tanto conhecimento e a gente precisa de apoio. Não temos tanto apoio (PROFESSORA CARMEM).

A escola ela incentiva, motiva. A gente participava de cursos, mais no momento a gente não pode participar porque a gente não pode se ausentar da sala de aula (PROFESSORA CASSANDRA).

Eu não sei. Só sei que eu estou com eles em sala de aula. Agora se a escola recebe algo que possa vir a melhorar eu não sei. Quanto a mim eu estou fazendo o que posso (PROFESSOR CAETANO).

Como eu disse tem essa capacitação a psicóloga desenvolve esse trabalho de inclusão nos planejamentos; agora material mesmo eu não sei, eu não vejo (PROFESSORA CLEMENTINA).

Esses depoimentos representam as vozes dos professores que atuavam nas instituições educacionais que não tiveram um envolvimento maior nas ações do Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, bem como um acompanhamento mais sistemático nas demais atividades de formação continuada no locus da escola, principalmente por parte do pessoal da SEDUC/PMCG (coordenadora e demais profissionais multiplicadores). Com efeito, eles revelaram algumas dificuldades e limites para se materializar a inclusão nas escolas regulares e deixaram claro que esse não é um processo fácil, pois implica prover as escolas de recursos físicos, materiais e humanos. Mostraram o desencontro entre a realidade de uma inclusão ainda precária e o discurso oficial que não corresponde ao que está proposto nos documentos aqui analisados.

Acreditamos que, para além dos eventos de formação destinados aos profissionais da educação, promovidos pelos órgãos responsáveis, ao longo da implementação desse Programa e de outras atividades afins, é preciso que sejam asseguradas aos educadores as condições reais para uma formação contínua no contexto da escola. Mas, mais do que um manual a ser seguido, faz-se necessário que esta se constitua num espaço que busque problematizar os pressupostos conceptuais sobre questões educacionais emergentes, dentre as quais o movimento da educação inclusiva. Kassar (2004)KASSAR, M. C. M. Matrículas de crianças com necessidades educacionais na rede de ensino regular: do que e de quem se fala? In: GÓES, M. C. R.; LAPLANE, A. L. F. (Org.). Políticas e práticas de educação inclusiva. Campinas: Autores Associados, 2004. p. 49-68. sugere que, ao falarmos de inclusão, reflitamos sobre questões, como: De que alunos se falam? A quem e por que querem incluí-los?

5 Considerações finais

Baseadas no exame dos registros documentais produzidos pelo MEC/SEESP, verificamos que o governo adotou o ideário da inclusão como um elemento norteador da política educacional e, fundamentando-se no princípio da descentralização e no regime de colaboração intergovernamental, incumbiu competências aos estados e municípios para atuarem na transformação dos sistemas educacionais em sistemas educacionais inclusivos em todos os municípios brasileiros, desenvolvendo uma proposta unificada de formação continuada dos profissionais da educação.

Embora os documentos oficiais tenham instituído a obrigatoriedade de inserção de todos nas escolas e as condições e adaptações necessárias para acolhê-los, representando uma iniciativa, sem dúvida, importante, porque atende ao princípio do direito de todos à educação, a visão da maior parte dos profissionais da educação foi a de que a inclusão não estava sendo materializada adequadamente.

Com efeito, apontamos na investigação que o objetivo central do Programa Educação inclusiva: Direito á Diversidade foi a formação continuada dos profissionais da educação para efetivar a transformação dos sistemas educacionais em sistemas educacionais inclusivos nos municípios brasileiros. Apesar dessa relevância posta nos documentos norteadores, a opinião dos segmentos divergiu quanto ao desenvolvimento das ações formativas elucidadas, especialmente no material de formação do Projeto Educar na Diversidade, dos anos de 2005 e 2006, quanto àquelas ações promovidas pela SEDUC/PMCG.

Assim, os depoimentos evidenciaram que o modelo de formação prescrito nos documentos oficiais e promovido pelos órgãos responsáveis se mostrou contraditório com o modelo relatado pelos profissionais. Ao mesmo tempo em que anunciava o desenvolvimento de práticas formadoras continuadas no âmbito da rede municipal e dos núcleos escolares, norteadas por uma perspectiva do professor pesquisador, a realidade apresentada pelos profissionais, em sua maioria, denunciava ações formativas esporádicas que não atendiam a todos os professores da rede, mas que denotavam estar em sintonia com a tendência de formação e profissionalização docente, única e padronizada, recomendada pelos organismos internacionais.

Enfim, acreditamos que os dados aqui revelados podem suscitar uma reflexão mais apropriada sobre a política de inclusão, desvelando-a enquanto iniciativa fortemente implicada com a política neoliberal e as iniciativas da globalização vigentes. Essa concepção dificulta sobremaneira o desenvolvimento de práticas verdadeiramente inclusivas, haja vista que se contrapõe em muitos aspectos aos fundamentos de uma educação que respeita e acolhe as diferenças no âmbito escolar.

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    No ano de 2011, a SEESP foi extinta e seus programas e ações foram vinculados à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). O objetivo dessa secretaria passou a ser contribuir para o desenvolvimento inclusivo dos sistemas de ensino, voltado à valorização das diferenças e da diversidade, à promoção da educação inclusiva, dos direitos humanos e da sustentabilidade socioambiental, visando à efetivação de políticas públicas transversais e intersetoriais.
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    A lógica economicista-instrumental se caracteriza pela crença nas possibilidades de promover a eficácia e a eficiência como justificativa da transferência de competências do poder central para os poderes locais. Respalda-se em orientações neoliberais, que pregam a redução do Estado às suas funções mínimas, na busca da eficiência e da otimização dos gastos públicos, em que os investimentos nas políticas sociais não são prioritários (AZEVEDO, 2002AZEVEDO, J. M. L. Implicações da nova lógica de ação do Estado para a educação municipal. Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, p. 49-71, 2002.).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2014
  • Aceito
    11 Set 2014
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