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Desafios e práticas na gestão de moradias universitárias públicas brasileiras

Challenges and practices in the management of Brazilian Higher Education public dormitories

Desafíos y prácticas en la gestión de viviendas universitarias públicas brasileñas

Resumo

A gestão da moradia estudantil implica na superação de desafios relativos a recursos físicos, humanos e financeiros para garantir condições dignas de habitação. A pesquisa buscou identificar dinâmicas de funcionamento e mapear práticas de gestão empregados nas moradias universitárias públicas brasileiras. Participaram da pesquisa 12 gestores de moradias das cinco regiões brasileiras. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas. A análise se deu através da Classificação Hierárquica Descendente (Iramuteq), resultando em dois eixos e quatro classes. O eixo Sustento abarca questões relativas à sobrevivência do estudante e se divide nas classes: Acesso à assistência e Estrutura Física. O eixo Convivência reuniu maior concentração de segmentos de texto classificados e compreende os desafios envolvendo relacionamento humano e as práticas de enfrentamento utilizadas, se dividindo nas classes: Acolhimento e mediação e Promoção do bem-estar. A análise de Especificidades (Iramuteq) possibilitou identificar que os gestores das moradias localizadas em capitais dão maior enfoque a estrutura física. No interior a atenção é maior para os aspectos de vulnerabilidade do estudante. Essa pesquisa contribuiu para a compreensão dos desafios enfrentados pelo gestor de moradia estudantil e das diferentes práticas empregadas na gestão.

Psicologia Social; Administração Universitária; Residências Universitárias

Abstract

The management of dormitories implies overcoming challenges related to physical, human, and financial resources to guarantee decent housing conditions. This research sought to identify the operating dynamics and map management practices used in Brazilian public university housing. Twelve housing managers from the five Brazilian regions participated in this research. Semi-structured interviews were conducted. The analysis was performed via the Descending Hierarchical Classification (Iramuteq), resulting in two axes and four classes. Axis Sustenance covers issues related to student survival and is divided into classes: Access to assistance and Physical structure. The Coexistence axis brought together a greater concentration of classified text segments and comprises challenges involving human relationships and the coping practices used, which are divided into classes: Reception and mediation and Well-being promotion. The analysis of Specificities (Iramuteq) made it possible to identify that student housing managers located in capital areas give greater focus to physical structure, whereas in inner cities, attention is paid to aspects of student vulnerability. This research contributed to understanding the challenges faced by student housing managers and different management practices.

Social Psychology; University Administration; Student Housing

Resumen

La gestión de viviendas para estudiantes implica superar desafíos relacionados con los recursos físicos, humanos y financieros para garantizar condiciones habitacionales dignas. Se investigaron las dinámicas operativas y las prácticas de gestión utilizadas en las viviendas universitarias públicas brasileñas. Doce gestores de viviendas participaron de la investigación. Se realizaron entrevistas semiestructuradas. El análisis se realizó a través de la Clasificación Jerárquica Descendente (Iramuteq), resultando dos ejes y cuatro clases. El eje Apoyo comprende temas relacionados con la supervivencia de los estudiantes, dividido en clases: Acceso a asistencia y Estructura física. El eje Convivencia reunió una mayor concentración de segmentos de texto y comprende los desafíos que involucran las relaciones humanas y las prácticas de afrontamiento utilizadas, dividido en clases: Acogida y mediación y Promoción del bienestar. El análisis de Especificidades (Iramuteq) permitió identificar que los gestores de vivendas ubicadas en las capitales dan mayor enfoque a la estructura física. En el interior, se presta más atención a los aspectos de vulnerabilidad de los estudiantes. Esta investigación contribuyó a la comprensión de los desafíos que enfrenta el administrador de vivienda universitaria y las diferentes prácticas utilizadas en la gestión.

Psicología; Gestión del Centro; Alojamiento para Estudiantes

1 Introdução

A moradia estudantil é um equipamento social caracterizado por acolher o estudante universitário em situação de vulnerabilidade socioeconômica que vive distante da sua rede de apoio. Tem como missão democratizar as condições de permanência, minimizar as desigualdades sociais e contribuir para a promoção da inclusão social através da Educação Superior (Brasil, 2010BRASIL. Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 jul. 2010.). A popularização do acesso ao Ensino Superior viabiliza a transformação da sociedade, uma vez que as universidades exercem papel fundamental para além da formação profissional, ao promover debates e reflexões que fomentam: pensamento crítico; desenvolvimento de cidadãos capazes de analisar diferentes cenários na tomada de decisões; busca por soluções para questões econômicas e sociais por meio da produção científica; conscientização do valor da participação popular no cenário político democrático (Schmitz Júnior, 2019SCHMITZ JÚNIOR, S. Gestão universitária democrática: reflexões e proposições às universidades federais de Santa Catarina. Tese (Doutorado em Administração), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019.).

Se a entrada para a universidade demarca uma conquista importante para esse jovem, a conclusão do Ensino Superior pode significar superação de condições de risco e vulnerabilidade pregressas na trajetória de vida e a possibilidade de alcançar o respeito social atribuído ao portador de diploma universitário (Lemos, 2017LEMOS, I. B. Narrativas de cotistas raciais sobre suas experiências na universidade. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 22, n. 71, 2017. https://doi.org/10.1590/S1413-24782017227161
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). No entanto, a permanência desse perfil de estudante na universidade depende de políticas públicas de apoio no enfrentamento de dificuldades acadêmicas e sociais (Nierotka; Bonamino; Carrasqueira, 2023). A Moradia Universitária, presente em 63, das 119 Instituições Federais de Ensino Superior – Ifes (INEP, 2022INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA - INEP. Censo da Educação Superior 2021: notas estatísticas. Brasília, DF, 2022. Disponível em: https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/estatisticas_e_indicadores/notas_estatisticas_censo_da_educacao_superior_2021.pdf. Acesso em: 17 abril 2023.
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), associada a outros programas de assistência estudantil, se constitui uma ferramenta poderosa no combate à evasão desses estudantes (Facco et al., 2020).

No Encontro da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração (EnANPAD, 2021ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO (EnANPAD), 45., 2021. Anais eletrônicos[...]. Maringá: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração. Disponível em: http://anpad.com.br/pt_br/event/details/114. Acesso em: 17 de abril de 2023.
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), foram feitas reflexões sobre as responsabilidades da universidade frente aos processos de inclusão social e sobre papéis exercidos pelos servidores Técnico-Administrativos em Educação, tanto na gestão como em atividades-fim. Essas proposições colocaram em foco a gestão universitária e suas práticas, estimulando o desenvolvimento de pesquisas socialmente relevantes, principalmente nos espaços onde a inclusão se materializa, como é o caso da moradia estudantil. Um aspecto dificultador da gestão universitária é a escassez e a inconstância de recursos públicos reservados às universidades, colocando-as em situação de precariedade (Oliveira, 2022OLIVEIRA, C. M. D. Governança e excelência na universidade federal brasileira. Tese (Doutorado em Administração), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2022.). Tal situação afeta sobremaneira o financiamento da ciência e dos projetos de inclusão social impactados diretamente por cortes de bolsas e verbas para gestão de espaços como a moradia estudantil, ameaçando a permanência de estudantes em vulnerabilidade.

As práticas de gestão da moradia estudantil podem ser reunidas em quatro eixos: atividades de hotelaria relativas à hospedagem do estudante; serviços gerais, como limpeza, jardinagem, portaria e manutenção; programas de assistência ou de permanência, a exemplo das bolsas e auxílios; e interação da moradia com a universidade para endereçar demandas dos residentes (Barreto et al., 2020). Essa multiplicidade de pontos de apoio coloca a moradia como elo central da rede de suporte dos residentes e amplifica os efeitos das experiências vivenciadas pelo estudante. É notório que esse ambiente precisa oferecer condições para um cotidiano promotor de bem-estar, possibilitando aos estudantes que têm na moradia o seu lar por anos, conquistar o grau do Ensino Superior.

Na Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG), a Rede de Apoio Discente (RAD) foi implementada para desenvolver ações de promoção à saúde, atenção psicossocial e educacional para os estudantes, visando uma melhor integração destes ao contexto universitário e sua permanência até a conclusão do curso. Na certeza de que o sucesso do estudante é responsabilidade de toda a instituição, o programa inclui ações com vistas à sensibilização do corpo docente e técnico sobre atitudes que geram opressão e traumas (Araújo; Bressan, 2017ARAÚJO, C.; BRESSAN, R. V. Ações de promoção à saúde, atenção psicossocial e educacional como práticas de integração universitária. In. CONGRESSO CLABES. 7., 2017, Córdoba, Argentina. Panamá City: Universidade Tecnológica de Panamá, 2017. Disponível em: https://revistas.utp.ac.pa/index.php/clabes/article/view/1618. Acesso em: 17 abril 2023.
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).

A natureza das práticas de gestão desenvolvidas nas moradias universitárias pode influenciar a trajetória de vida dos estudantes nesse contexto, uma vez que o desenvolvimento humano é contínuo e pode ser beneficiado por meio do estabelecimento de processos proximais positivos, recíprocos e duradouros entre pessoas e contextos. Essa pesquisa está ancorada nos pressupostos da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano, que descreve a importância da interação sistêmica entre Pessoas (P) e suas características; Processos proximais (P) das relações face a face; Contextos (C) dos quais a pessoa participa (família, amigos, moradia, universidade) e tempo (T) pessoal e histórico (Bronfenbrenner, 2005BRONFENBRENNER, U. Making human beings human: bioecological perspectives on human development. [S. l.]: Sage, 2005.).

Ao deixarem suas cidades, os residentes de moradias universitárias sofrem esgarçamento do seu tecido social. Experimentam distanciamento físico dos grupos de apoio como a família, amigos e instituições religiosas. Despendem um esforço extra na criação de novos laços significativos no novo contexto, uma vez que o suporte social dos amigos e colegas de quarto é identificado como importante alicerce diante das dificuldades vivenciadas na moradia (Araújo; Bressan, 2017ARAÚJO, C.; BRESSAN, R. V. Ações de promoção à saúde, atenção psicossocial e educacional como práticas de integração universitária. In. CONGRESSO CLABES. 7., 2017, Córdoba, Argentina. Panamá City: Universidade Tecnológica de Panamá, 2017. Disponível em: https://revistas.utp.ac.pa/index.php/clabes/article/view/1618. Acesso em: 17 abril 2023.
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; Boettcher et al., 2019; Lacerda; Yunes; Valentini, 2021; Pereira et al., 2020). Diante de tais evidências torna-se urgente buscar compreender como a gestão da moradia pode atuar significativamente na construção de um novo tecido social, propício ao desenvolvimento humano, viabilizando um espaço com qualidades físicas e psicológicas para uma vida saudável.

O estudo realizado por Jesus e Schneider (2021)JESUS, L. O.; SCHNEIDER, D. R. Vulnerabilidade, apoio e inclusão social: Trajetórias de universitários residentes em moradia estudantil. Revista Pesquisas e Práticas Psicossociais, São João del-Rei, Minas Gerais, v. 16, n. 1, p. 1-14, 2021. identificou a necessidade de aproximação da universidade com a moradia, por meio dos seus programas de pesquisa e extensão. Essa aproximação promoveria maior integração entre estudantes e contribuiria para desmistificação das moradias e dos seus residentes. Além disso, o desenvolvimento de projetos e pesquisas sobre a moradia podem endereçar demandas desse espaço contribuindo para aprimorar processos de gestão e posicionando esse contexto como lugar de formação e inclusão social.

Uma vez que a literatura sobre gestão de moradia universitária é fragmentada e composta majoritariamente por estudos de casos, a construção de um panorama nacional sobre o tema representa uma lacuna importante. Considerando a presença das moradias universitárias em todo o Brasil, submetidas ao Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), é preciso compreender quais soluções são empregadas na busca por oferecer um ambiente saudável ao estudante (Imperatori, 2017 IMPERATORI, T. K. A trajetória da assistência estudantil na educação superior brasileira. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, v. 129, p. 285-303, 2017. https://doi.org/10.1590/0101-6628.109
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; Souza; Costa, 2020SOUZA, R. C.; COSTA, M. A. T. S. Monitoramento e avaliação da assistência ao estudante universitário: o caso do Programa de Residência Universitária da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 28, n. 107, p. 362-385, abr. 2020. https://doi.org/10.1590/S0104-40362019002801803
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). O mapeamento dessas soluções favorece o aprimoramento desse segmento em todo o país, o que poderá refletir em uma melhor experiência acadêmica para os residentes. Destarte, essa pesquisa teve como objetivo caracterizar a dinâmica de funcionamento e mapear práticas de gestão empregadas nas moradias universitárias públicas.

2 Método

Trata-se de um estudo empírico, de delineamento qualitativo exploratório.

2.1 Participantes

Participaram da pesquisa 13 gestores de moradias universitárias brasileiras, administradas por Ifes. Dentre esses, sete do sexo feminino e seis, masculino. A formação dos participantes é diversificada, com predominância na área de Ciências Humanas: Serviço Social (4), Direito (2), Filosofia (1), História (1), Administração Pública (1), Técnicas Agropecuárias (1), Educação Física (1), Letras (1) e Nutrição (1).

A amostra é não probabilística, intencional e buscou representar o panorama das Ifes localizadas em capitais e no interior das cinco regiões brasileiras (mínimo de duas por região). Foram entrevistados gestores de duas instituições da região Norte, três do Nordeste, dois da região Centro-Oeste, três do Sudeste e três da região Sul, sendo seis localizadas em capitais e sete no interior.

A partir da décima entrevista já havia material suficiente para o entendimento das semelhanças e diversidades dos processos de gestão de moradias estudantis (Minayo, 2017MINAYO, M. C. S. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Revista Pesquisa Qualitativa, São Paulo, v. 5, n. 7, p. 1-12, 2017.). No entanto, como ainda não havia atingido o mínimo de duas instituições para Centro-Oeste e Norte, foram realizadas mais três entrevistas com gestores destas regiões para buscar abranger, de maneira equitativa, exemplares do território brasileiro.

Ser gestor de moradia estudantil administradas por Ifes foi um critério de inclusão devido à homogeneidade no acesso a recursos financeiros por meio do Pnaes. Foi excluído da pesquisa um gestor de moradia estudantil com vagas para estudantes do Ensino Médio, resultando em 12 entrevistas, no total.

2.2 Instrumentos

Entrevista semiestruturada individual. O instrumento foi elaborado com base nos estudos empíricos desenvolvidos por Barreto et al. (2020BARRETO, D., et al. Moradias estudantis das universidades federais do Sul do Brasil: reflexões sobre as políticas de gestão universitária. Brazilian Journal of Business, São José dos Pinhais, v. 2, n. 3, p. 3340-3353, set. 2020. https://doi.org/10.34140/bjbv2n3-096
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) e Souza e Costa (2020)SOUZA, R. C.; COSTA, M. A. T. S. Monitoramento e avaliação da assistência ao estudante universitário: o caso do Programa de Residência Universitária da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 28, n. 107, p. 362-385, abr. 2020. https://doi.org/10.1590/S0104-40362019002801803
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. Teve como objetivo compreender as dinâmicas de funcionamento, os desafios e estratégias utilizadas para superá-los. Mais especificamente, envolveu cindo eixos: funcionamento da moradia, convivência entre os residentes, gestão da moradia, funcionamento na pandemia da Covid-19 e bem-estar. Como exemplos de perguntas, podemos citar: “Conte um pouco sobre sua experiência como gestor da moradia estudantil da universidade”;” Quais os principais desafios?”; “Quais as estratégias de enfrentamento utilizadas?”.

2.3 Procedimentos éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Salgado de Oliveira, de acordo com o Parecer nº 4.770.066 – CAAE: 46544021.4.0000.5289. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que garante confidencialidade e sigilo em relação à identificação dos participantes e suas instituições de origem.

2.4 Procedimentos de Coleta de Dados

Os gestores foram convidados por e-mail constando o objetivo da pesquisa, relevância do tema e link para o TCLE. As entrevistas aconteceram remotamente na plataforma Google Meet.

2.5 Procedimentos de Análise de Dados

As entrevistas foram gravadas, com autorização dos participantes, e transcritas seguindo a formatação necessária para uso do software Iramuteq (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires), versão 0.7 alpha 2. Foi realizada a Classificação Hierárquica Descendente (CHD) e o corpus textual foi dividido em segmentos de texto posteriormente agrupados, por afinidade de conteúdo, em eixos e classes.

Para analisar diferenças nas concepções dos gestores quanto aos desafios e práticas empregadas nas moradias localizadas nas capitais ou em cidades do interior foi realizada a análise textual de Especificidades e AFC do Iramuteq (Sousa et al., 2020SOUSA, Y. S. O., et al. O uso do software Iramuteq na análise de dados de entrevistas. Pesquisas e Práticas Psicossociais, São João del Rei, v. 15, n. 2, p. 1-19, abr./jun. 2020.). Essa análise foi baseada na variável de localização previamente parametrizada no corpus. Dentre as funções de resultados disponíveis, foi utilizada a Typical Text Segments, que reúne os segmentos de textos mais representativos para a variável analisada: capital e interior.

3 Resultados

Essa seção descreve os principais eixos e classes identificados a partir da CHD como estratégia para caracterizar o funcionamento das moradias universitárias e suas práticas de gestão. Apresenta ainda, as especificidades da gestão de moradias localizadas em capitais e em cidades do interior.

3.1 Classificação Hierárquica Descendente

O corpus geral foi constituído por 12 textos, separados em 3.125 Segmentos de Texto (ST), com aproveitamento de 2814 ST (90,05%). A análise das entrevistas através da CHD permitiu identificar os aspectos mais relevantes das falas dos gestores, levando à compreensão de que a gestão de moradia estudantil se dá a partir de dois eixos principais intitulados: Sustento, com 46% dos ST e Convivência, com 54% dos ST. O desdobramento de cada eixo e suas classes possibilita a caracterização dos desafios enfrentados pelos gestores e as práticas implementadas na busca por superá-los.

A Figura 1 foi elaborada para representar os eixos, as classes e as 10 palavras mais significativas de cada classe, com seus respectivos valores de frequência (f) e do qui ao quadrado (χ2). Os trechos utilizados para ilustrar cada classe foram retirados da funcionalidade Typical Text Segments (TTS).

Figura 1
Dendrograma com as classes lexicais resultantes da CHD

O eixo Sustento e suas classes: Acesso à Assistência (25% dos STs) e Estrutura Física (21% dos STs), abarca os desafios dos gestores em manter os espaços em condições de habitação, suas iniciativas no intuito de melhor adaptar a estrutura às necessidades dos residentes e recursos fundamentais para que estudantes em situação de vulnerabilidade possam concluir a graduação. Temas como acesso à moradia, alimentação, transporte, condições financeiras mínimas para as despesas acadêmicas e pessoais que, em maior ou menor quantidade, integram os programas de assistência estudantil oferecidos pelas Universidades.

O eixo Convivência reúne as classes Acolhimento e Mediação (34% dos ST) e Promoção do Bem-estar (20% dos ST). Ele engloba os desafios enfrentados pelos gestores no contato diário com os estudantes e suas dificuldades, bem como as suas iniciativas para tornar o ambiente da moradia estudantil mais acolhedor e harmonioso.

3.1.1 Sustento

A Classe Acesso à Assistência abrange os diferentes tipos de edital utilizados na seleção para a assistência estudantil. O ingresso na moradia estudantil pode ser periódico (em geral, semestral ou anual), ou em fluxo contínuo, quando o processo permanece aberto ao longo do ano e permite a convocação de um novo estudante a cada vaga liberada. “O edital é lançado no princípio do ano letivo, ele segue as regras do Pnaes, … para ser contemplado, o estudante tem que estar dentro daquela faixa de renda de até um salário-mínimo e meio” (Classe 3 – TTS 14). “O nosso processo seletivo é em fluxo contínuo, é liberado um edital em fluxo contínuo e todos os meses acontece o seletivo” (Classe 3 - TTS 47).

Os gestores enfatizam a avaliação semestral da performance acadêmica dos estudantes como condição para a manutenção do direito à vaga. “Você entra para o ano inteiro, só que quando encerra o semestre a gente faz esse levantamento, ele não pode ter reprovado em mais de 50% das disciplinas e ele tem que estar com matrícula ativa no semestre seguinte” (Classe 3 – TTS – 25).

Nessa Classe também aparecem outros auxílios necessários à cobertura das demandas dos estudantes como: suporte alimentar, através de isenção de cobrança nos Restaurantes Universitários ou do fornecimento de alimentos para cozinhar; auxílio transporte quando as moradias ficam fora do campus da Universidade; auxílio para a compra de materiais escolares. “Às vezes nos editais a gente abre auxílio alimentação, auxílio permanência, auxílio transporte, existe também o auxílio emergencial” (Classe 3 – TTS 27).

Algumas instituições oferecem auxílio para compra de medicamentos e até passagens para casa em situações emergenciais, como na Covid-19. No entanto, os gestores relatam que os recursos do Pnaes não são suficientes para atender toda a demanda por assistência, sendo preciso recorrer a critérios de ranqueamento para selecionar estudantes com maior índice de vulnerabilidade. “É liberado um edital com calendário mensal e é feita a inscrição dos alunos... colocam os dados sociodemográficos e a partir desse cadastro único ele é ranqueado” (Classe 3 – TTS 18). “A gente abre todo semestre um edital e o critério de seleção é … a pontuação que o estudante vai receber na avaliação socioeconômica, não tem preferência entre calouro ou veterano” (Classe 3 – TTS 01). Em geral, muitos pedidos por assistência, mesmo se enquadrando no perfil do Pnaes, não são contemplados por absoluta falta de recursos.

Na Classe Estrutura Física são identificados os desafios enfrentados pelos gestores para a manutenção dos prédios utilizados para a moradia. Existem diferentes modalidades empregadas pelas instituições envolvendo os imóveis destinados à moradia. Algumas edificações ficam dentro dos campi das universidades e outras fora. “Em um dos campus há em torno de 20 alunos, no centro são 25 e na residência do campus, que é dentro da universidade é em torno de 41 vagas para cada casa” (Classe 2 – TTS 03). Existem construções planejadas para essa finalidade e espaços originalmente dimensionados para escritórios, adaptados no intuito de atender à demanda emergencial. “Em 86, uma campanha … para construção de moradia estudantil porque havia demanda, ... havia estudantes que não acessavam aquela única casa que nós tínhamos” (Classe 2 – TTS 15). “Nós não temos dinheiro para construir casa, como que nós íamos inovar com a casa do estudante da Universidade? A solução foi a adaptação de espaços físicos já existentes na Universidade” (Classe 2 – TTS 43).

Os prédios próprios demandam reformas importantes para as quais o gestor precisa sensibilizar e justificar a necessária alocação de verbas. “... nós reformamos as casas com o recurso do Pnaes…, se você solicitar ao setor competente da universidade é possível” (Classe 2 – TTS 46). Os imóveis alugados exigem revisão decisória do gestor nos momentos de renovação de contrato. “... a casa daqui do campus venceu o aluguel e, com o advento da pandemia, por uma questão de administração da verba pública não se renovou o aluguel e aqueles estudantes que estavam lá, foram remanejados” (Classe 2 – TTS 20).

A localização das moradias também interfere na integração dos residentes junto à comunidade acadêmica e aos programas de extensão. “Às vezes, os prédios são isolados, dificultando acesso a certos programas de extensão” (Classe 2 – TTS 17).

Sob a ótica da inclusão, foi observada predominância na oferta de vagas femininas e masculinas alocadas em espaços independentes. Algumas oferecem espaços de acomodação sem distinção de sexo e, em duas moradias do interior, uma do Sul e outra do Sudeste, a estudante mãe pode permanecer juntamente com o seu filho. Em três instituições são oferecidas moradias exclusivas para receber estudantes quilombolas e/ou indígenas nas regiões Sul, Centro-Oeste e Norte. “Enfim prevaleceu essa proposta: casas específicas de indígenas e quilombolas” (Classe 2 – TTS 10).

A demanda por vagas nas moradias supera a disponibilidade e, para minimizar essa distorção, são oferecidos programas de auxílio moradia. “Nós temos as duas modalidades: casa do estudante e auxílio moradia. Como as nossas casas foram adaptadas, a gente tem claro que nem toda demanda é atendida pela casa do estudante” (Classe 2 – TTS 31). Outro fator digno de menção é a visão pejorativa de muitos profissionais das universidades com relação à moradia estudantil. “Muitas vezes você ouve dizer que casa de estudantes é um problema, não construa casas de estudantes na sua Universidade. É melhor você oferecer auxílio moradia, bolsa moradia, mas não faça casa de estudantes porque é um foco de problema” (Classe 2 – TTS 11).

3.1.2 Convivência

A Classe Acolhimento e Mediação é a maior dentre as classes e reúne as práticas de cada moradia na acomodação dos novos estudantes. Em sua grande maioria, priorizam a alocação por afinidade e, em todas as residências, existe a possibilidade de troca de quarto ou apartamento em caso de problemas de adaptação. “A gente sempre orienta: se você não se sentir bem nesse apartamento, se não estiver dando certo, não é uma coisa definitiva” (Classe 1 – TTS 06). “Se é bagunceira, até isso a gente pergunta, se é mais organizado, porque, se a gente coloca uma pessoa … bagunceira num apartamento … de pessoa certinha, vai dar problema” (Classe 1 - TTS 10).

A mediação de conflitos é uma das principais demandas de tempo dos gestores em função de desentendimentos gerados por: não cumprimento dos deveres relativos à limpeza; comportamentos machistas, racistas ou homofóbicos; diferenças políticas e questões ideológicas. “A gente propõe, ... se está difícil de conviver, experimenta trocar de apartamento, conviver com novas pessoas. Mas, às vezes, a pessoa também não quer e a gente não obriga” (Classe 1 – TTS 49).

Em geral, o manejo dos conflitos menores fica a cargo dos estudantes, sendo levado para a administração as situações mais críticas, que exigem uma mediação ou punição por parte da gestão. “Às vezes é alguma coisa um pouco mais complicada ... se é uma questão de racismo, de LGBT fobia, a gente tem uma intervenção incisiva” (Classe 1 – TTS 31). Alguns gestores administram os conflitos diretamente, com um processo definido de registro do problema, da posição do reclamante e do reclamado. Nesse modelo, o gestor e a equipe se reúnem com os envolvidos para a busca de acordo de conduta, julgam e decidem a penalidade a ser aplicada, apoiados nos regulamentos das moradias. Em situações que possam levar à expulsão, os gestores seguem um caminho padrão da administração pública de abertura de processo disciplinar e o caso será julgado por uma comissão formada por técnicos, docentes e estudantes. “... às vezes a gente só resolve algumas coisas apelando para a força normativa, o que eu acho que não seria necessário” (Classe 1 – TTS 03).

Duas moradias integram ações de cunho preventivo ao promover uma cultura de paz por meio da formação de mediadores. Segundo os gestores, essa iniciativa tem produzido resultados importantes na redução de conflitos entre os residentes. “... uma das coisas que nós temos investido muito... é trabalhado institucionalmente, é a questão da mediação de conflitos e as práticas paliativas de medição de conflitos” (Classe 1 – TTS 02).

Na Classe Promoção do Bem-estar é possível identificar os desafios que os gestores enfrentam para construir um espaço de boa convivência e participação democrática. “... o desafio é esse, conservar um projeto de moradia com um formato mais horizontal e democrático, compartilhado, que os estudantes se sintam sujeitos dessa história, responsáveis pelo rumo dela” (Classe 4 – TTS 32).

Tornam-se visíveis as estratégias desenvolvidas pelos gestores para oferecer suporte aos estudantes ao longo da graduação. “... nossos estudantes têm que comer bem e morar bem. Como que ele vai estudar se não come bem?” (Classe 4 – TTS 30). Para endereçar questões de saúde física e mental, promovem diversos programas, como: atendimento psicopedagógico e psicológico; oferta de práticas de yoga e meditação; parcerias com o Centro de Valorização da Vida (CVV), rodas de conversa e locais para a prática de esportes, além de programas voltados à saúde física e financeira (noções de nutrição e economia doméstica) e programas culturais (cine debate e sarau). “Eu acho que bem-estar resume aquele projeto que eu comecei e que queria muito que desse certo, a questão da saúde financeira, mental e física” (Classe 4 – TTS 01).

Embora haja esse esforço, a abrangência dos programas é dificultada pela escassez de verba nas universidades e rede precária de serviços públicos no território. “Mas não tem … equipamentos disponíveis para fazer... do ponto de vista institucional, tem alguns serviços que eu acho insuficiente …, para que o residente tenha bem-estar não depende exclusivamente da instituição, depende da própria cidade” (Classe 4 – TTS 16). Em alguns casos foi relatada a baixa adesão dos estudantes. “O CVV e o ‘Como vai você?’, eu achei poucos, em vista da demanda ... não achei que teve uma boa adesão” (Classe 4 – TTS 39).

3.2 Especificidades das concepções dos gestores de moradias da capital e do interior

Um olhar comparativo entre as práticas de gestão revelou especificidades a depender de sua localização na capital ou no interior do Estado.

3.2.1 Moradias Localizadas em Capitais

Nessas moradias, há uma maior predominância de temas referentes à estrutura física e a alocação dos estudantes. “Temos um projeto no campus da capital, a casa do estudante … vai ser a maior casa, vai atender cerca de 150 a 200 estudantes” (Capital - TTS 13). “... Os sorteados vão para aquela casa escolhida e os demais são distribuídos nas outras onde sobraram vagas … e a gente optou por fazer esse tour nas casas para eles conhecerem antes da escolha” (Capital - TTS 02).

O fato de muitas universidades terem mais de uma casa favoreceu a percepção de que uma moradia localizada fora do campus requisita menos esforços de mediação de conflitos do que as moradias localizadas dentro do campus. “Dá menos problema nessa casa que é fora do campus do que na casa que é dentro” (Capital - TTS 30). Outro ponto de destaque nesse grupo são relatos sobre representações estudantis como parte integrante do processo de gestão das casas. “... Quando selecionado, a gente faz uma nova integração e essa também é de responsabilidade grupal com as representações das casas …” (Capital - TTS 48).

3.2.2 Moradias Localizadas no Interior

Nas unidades do interior, sobressaem relatos sobre a situação de vulnerabilidade dos estudantes, as limitações institucionais para auxílio e as dificuldades pessoais em lidar com essas limitações. “Isso é muito triste porque a gente recebe realidades de todos os jeitos. A gente às vezes precisa entender os nossos limites …. E entender os nossos limites mexe com a nossa sensibilidade porque a gente se sente comovido com a situação” (Interior - TTS 22). “O que reduz quase tudo hoje é essa questão monetária, a gente pode e a gente não pode, ... e é bem difícil também ter que lidar com isso” (Interior - TTS 30).

Também identificamos a busca por implementar uma cultura de paz de forma processual como estratégia de gestão na melhoria da convivência na universidade, investindo na formação dos profissionais em métodos de mediação de conflitos. “É trabalhado institucionalmente, a questão da mediação de conflitos e as práticas paliativas de medição de conflitos” (Interior - TTS 49). Chama atenção, ainda, serem do interior as duas universidades que aceitam responsáveis com filhos na moradia. “A gente não tem nenhuma mãe, nenhum pai com criança pequena, …, mas se tiver pode entrar” (Interior - TTS 07).

4 Discussão

Os desafios elencados pelos gestores nas diversas regiões brasileiras envolvem principalmente a mediação de conflitos entre os residentes da moradia e os processos de acolhimento de novos moradores. Esses achados ampliam o modelo de gestão de moradia proposto por Barreto et al. (2020) que considerou como principais elementos da gestão os serviços de hotelaria, serviços gerais, programas de assistência e interfaces com a própria instituição universitária. Pesquisas com residentes já apontaram a qualidade do relacionamento interpessoal na moradia como fator de impacto na qualidade de vida desses estudantes (Garrido, 2015GARRIDO, E. N. A experiência da moradia estudantil universitária: impactos sobre seus moradores. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, DF, v. 35, n. 3, p. 726-739, 2015. https://doi.org/10.1590/1982-3703001142014
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; Lacerda; Valentin, 2018).

No cotidiano, os gestores se deparam com necessidades próprias da moradia e distintas do funcionamento habitual do restante do campus universitário. Apesar de serem demandas semelhantes e esperadas para a realidade de uma residência coletiva, os processos de encaminhamento, em sua maioria, acontecem de acordo com o repertório e iniciativa de cada gestor. Por exemplo, um dos gestores com formação em direito relata lidar com os conflitos usando o repertório adotado em processos civis. Já um dos entrevistados com formação em serviço social, afirma utilizar estratégias participativas, como rodas de conversa, para abordar temas transversais aos conflitos.

A convivência com estudantes em situação de intensa vulnerabilidade socioeconômica confronta os gestores cotidianamente com os limites de recursos institucionais e seus limites pessoais na assistência integral a esses estudantes. Em alguns casos, os gestores chegam a tentar sanar algumas necessidades básicas como alimentação e medicamentos, por exemplo, com iniciativas e recursos próprios. A questão macroestrutural da falha do Estado em assegurar direitos básicos se reflete no nível micro, em que se dão as relações diádicas entre gestor e estudante.

Sobre as estratégias contínuas e periódicas mobilizadas pelas universidades para selecionar os residentes, elas podem impactar a dinâmica cotidiana da moradia e suas tarefas de maneira diferente. A oferta contínua de vagas pode ter como vantagem a maximização da ocupação das moradias, pois preenche quase imediatamente as vagas disponibilizadas pelos egressos. Além disso, o processo de integração pode ser mais individualizado permitindo a dedicação de mais atenção e tempo a esse momento. Considerando a mediação de conflitos como uma das principais demandas do gestor, uma desvantagem pode estar ligada aos efeitos da inserção frequente de novos membros no grupo, processo que pode gerar tensões e desestabilizações na dinâmica de convivência dos estudantes.

Embora incipientes e intermitentes, todos os gestores citaram a existência de projetos e programas de apoio à saúde mental e promoção do bem-estar do estudante. Quando desenvolvidos em parceria com núcleos de pesquisa e extensão, podem ampliar a integração entre estudantes e universidade, posicionando esse espaço como lugar tanto de formação como de inclusão social (Araújo; Bressan, 2017ARAÚJO, C.; BRESSAN, R. V. Ações de promoção à saúde, atenção psicossocial e educacional como práticas de integração universitária. In. CONGRESSO CLABES. 7., 2017, Córdoba, Argentina. Panamá City: Universidade Tecnológica de Panamá, 2017. Disponível em: https://revistas.utp.ac.pa/index.php/clabes/article/view/1618. Acesso em: 17 abril 2023.
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; Jesus; Schneider, 2021JESUS, L. O.; SCHNEIDER, D. R. Vulnerabilidade, apoio e inclusão social: Trajetórias de universitários residentes em moradia estudantil. Revista Pesquisas e Práticas Psicossociais, São João del-Rei, Minas Gerais, v. 16, n. 1, p. 1-14, 2021.).

A respeito do uso de imóveis próprios ou alugados para o funcionamento da moradia, no caso de imóveis próprios, os desafios estão relacionados aos processos burocráticos para contratação de serviços de reparo, refletindo no atraso da manutenção de estruturas e equipamentos. Esses achados estão alinhados com estudos que identificaram a falta de agilidade na assinatura de contratos como um grande entrave para uma gestão universitária eficaz (Barreto et al., 2020; Oliveira, 2022OLIVEIRA, C. M. D. Governança e excelência na universidade federal brasileira. Tese (Doutorado em Administração), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2022.). Já nas instituições que utilizam prédios alugados, há maior risco de fechar a moradia estudantil, em função de momentos críticos de restrição orçamentária, como relatado por uma das universidades que precisou entregar o prédio da moradia no período da pandemia pela Covid-19. Oliveira (2022)OLIVEIRA, C. M. D. Governança e excelência na universidade federal brasileira. Tese (Doutorado em Administração), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2022. aponta a imprevisibilidade dos repasses de verba do governo federal como um dos principais entraves para a gestão pública.

No acesso à assistência estudantil e à diversidade de benefícios, identificamos discrepâncias entre as universidades pesquisadas. Em algumas, o estudante recebe quatro refeições por dia, enquanto, em outras, pode passar por situações de risco alimentar. Em consonância, Imperatori (2017) IMPERATORI, T. K. A trajetória da assistência estudantil na educação superior brasileira. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, v. 129, p. 285-303, 2017. https://doi.org/10.1590/0101-6628.109
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e Souza e Costa (2020)SOUZA, R. C.; COSTA, M. A. T. S. Monitoramento e avaliação da assistência ao estudante universitário: o caso do Programa de Residência Universitária da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 28, n. 107, p. 362-385, abr. 2020. https://doi.org/10.1590/S0104-40362019002801803
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identificam que o Pnaes (Brasil, 2010BRASIL. Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 jul. 2010.) define as ações de assistência estudantil a serem implementadas pelas universidades, mas não determina como devem ser desenvolvidas, monitoradas e avaliadas.

Ainda sobre a assistência, os gestores apontaram a relevância das políticas públicas para a permanência dos estudantes, principalmente a garantia de moradia, alimentação, transporte e auxílio financeiro para despesas acadêmicas e pessoais. Nierotka, Bonamino e Carrasqueira (2023), Facco et al. (2020) e Lacerda e Valentini (2018)LACERDA, I. P.; VALENTINI, F. Impacto da moradia estudantil no desempenho acadêmico e na permanência na universidade. Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 413-423, 2018. https://doi.org/10.1590/2175-35392018022524
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afirmam que a moradia estudantil associada a outros programas de assistência estudantil se constitui uma ferramenta poderosa no combate à evasão, na medida em que garantem condições de permanência para os estudantes.

O contexto da casa do estudante pode favorecer o desenvolvimento dos residentes, ao oferecer condições dignas de habitação e convivência. Nesse aspecto, os projetos desenvolvidos pelos gestores podem afetar positivamente as condições de vida na moradia desde que atendam os anseios dos estudantes. Ao longo do tempo de permanência na moradia, aqueles que acessam ações de suporte oferecidas pela assistência estudantil, têm aumentadas as oportunidades de conclusão do Ensino Superior. Para esses jovens, isso pode significar a superação de sua condição pregressa de vulnerabilidade e a possibilidade de alcançar o respeito social atribuído ao portador de diploma universitário (Lemos, 2017LEMOS, I. B. Narrativas de cotistas raciais sobre suas experiências na universidade. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 22, n. 71, 2017. https://doi.org/10.1590/S1413-24782017227161
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).

Tomando a teoria bioecológica do desenvolvimento humano (Bronfenbrenner, 2005BRONFENBRENNER, U. Making human beings human: bioecological perspectives on human development. [S. l.]: Sage, 2005.) como referência, a moradia é um microssistema em que se desenvolvem processos proximais. Essas relações são atravessadas pela interação entre as demais esferas: outros microssistemas, como família e universidade; mesossistemas - por exemplo, interação entre desempenho acadêmico e permanência na moradia; exossistema - como decisões da reitoria sobre o restaurante universitário e; macrossistema - políticas de governo, economia e processos culturais de exclusão.

O afastamento dos grupos sociais habituais reduz a disponibilidade de suporte social, exigindo um esforço extra do estudante para estabelecer novos processos proximais positivos, recíprocos e duradouros no microssistema moradia estudantil. Uma vez que o suporte social dos amigos e colegas de quarto constitui um importante alicerce diante das dificuldades vivenciadas nesse contexto (Araújo; Bressan, 2017ARAÚJO, C.; BRESSAN, R. V. Ações de promoção à saúde, atenção psicossocial e educacional como práticas de integração universitária. In. CONGRESSO CLABES. 7., 2017, Córdoba, Argentina. Panamá City: Universidade Tecnológica de Panamá, 2017. Disponível em: https://revistas.utp.ac.pa/index.php/clabes/article/view/1618. Acesso em: 17 abril 2023.
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; Boettcher et al., 2019; Lacerda; Yunes; Valentini, 2021; Pereira et al., 2020), torna-se essencial a atenção da gestão da moradia na promoção da integração entre os estudantes.

Diante de tamanha diversidade de práticas implementadas para superar desafios semelhantes, fica patente a oportunidade de aprimoramento do setor através do compartilhamento de ideias e soluções na construção de uma política de moradia estudantil mais eficaz (Schmitz Júnior, 2019). A implantação de métodos avaliativos (Oliveira, 2022OLIVEIRA, C. M. D. Governança e excelência na universidade federal brasileira. Tese (Doutorado em Administração), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2022.) pode viabilizar a comparação entre as práticas empregadas no intuito de apontar as soluções que melhor atendam às necessidades dos estudantes residentes.

5 Considerações finais

Esse estudo permitiu identificar os desafios encontrados por gestores de moradias universitárias públicas brasileiras e as práticas de gestão desenvolvidas para enfrentá-los. Foi possível perceber que todos os gestores buscam promover um ambiente saudável nas moradias onde atuam, recorrendo a suas habilidades pessoais e profissionais. No entanto, muitas iniciativas são implementadas e perdem força ao longo do tempo, sugerindo não contemplar a contento as demandas dos estudantes. O fato de não haver uma avaliação de efetividade das práticas de gestão implementadas dificulta o reconhecimento daquelas que realmente favorecem o bem-estar na moradia.

A nível de política pública nacional, o programa de moradia estudantil carece de profissionalização da gestão para lidar com desafios importantes como mediação de conflitos, o encaminhamento de questões de saúde física e psicológica, responsabilidades jurídicas e patrimoniais. Quanto aos auxílios oferecidos, faz-se necessário o estabelecimento de requisitos mínimos para a permanência dos estudantes até a conclusão do curso, a exemplo da heterogeneidade na oferta de alimentação aos residentes. A atenção a tais aspectos promoverá o aprimoramento desse segmento em todo o país com possibilidade de reflexos sobre a experiência profissional do gestor e a vivência pessoal e acadêmica dos residentes.

Como limitação, podemos citar a realização da coleta entre setembro e outubro de 2021, período em que muitos servidores federais ainda trabalhavam em regime remoto devido à pandemia da Covid-19. Essa distância física do local de trabalho pode ter afetado suas respostas e exacerbado a relevância das questões de saúde física e mental dos estudantes.

Estudos futuros podem promover avaliações das práticas desenvolvidas pela gestão da moradia junto aos residentes, no intuito de identificar o quanto a percepção dos gestores reflete as necessidades dos estudantes. Outra proposta de estudo futuro é a organização de grupos focais para refletir sobre esses resultados com gestores de moradias estudantis.

Essa pesquisa apontou a relevância do contexto em que vive o estudante e das relações estabelecidas nesse espaço. Foram destacadas ainda, as possibilidades de atuação do gestor de moradia na promoção do bem-estar estudantil por meio da oferta de um ambiente salubre, da mediação de questões de relacionamento interpessoal e encaminhamento de aspectos relativos à saúde física e mental dos estudantes residentes através de parcerias intra e interinstitucionais.

Referências

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  • Dados: O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo não está disponível publicamente devido ao sigilo reservado aos participantes. A solicitação de acesso aos dados pode ser feita diretamente à autora, por e-mail patriciaazana@id.uff.br.
  • Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001.

Disponibilidade de dados

Dados: O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo não está disponível publicamente devido ao sigilo reservado aos participantes. A solicitação de acesso aos dados pode ser feita diretamente à autora, por e-mail patriciaazana@id.uff.br.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    Jul 2024

Histórico

  • Recebido
    19 Abr 2023
  • Aceito
    11 Jun 2024
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