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Evasão e permanência: a experiência de um curso de especialização para professores em contexto remoto

Evasion and permanence: the experience of a specialization class for teachers in a remote context

Evasión y permanencia: la experiencia de un curso de especialización para profesores en un contexto remoto

Resumo

O presente artigo tem a como objetivo identificar as trajetórias acadêmica e profissional de egressos do Curso de Especialização Saberes e Práticas na Educação Básica ofertado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Cespeb/UFRJ), investigando as causas de evasão e permanência no curso, inferindo se suas motivações estiveram relacionadas à qualidade acadêmica do curso e ainda, ao impacto do formato remoto durante a pandemia de Covid-19, quando o curso se desenvolveu. A metodologia adotada foi uma abordagem qualitativa e de natureza descritiva, na perspectiva teórica da pedagogia crítica, que aborda as políticas educacionais em estreita relação com as realidades sociais e econômicas que atravessam os sujeitos históricos na materialidade de tais políticas. Como conclusão destacamos a importância de cursos de especialização para a formação continuada de professores da Educação Básica, na centralidade de se estabelecer uma relação profícua entre escola e universidade de forma dialógica e horizontal, onde os saberes e práticas mobilizados se consubstanciam em novas possibilidades didáticas para os docentes formados.

Pós-graduação Lato Sensu; Evasão; Permanência; Cespeb/UFRJ

Abstract

This article aims to identify the academic and professional trajectories of graduates of the Curso de Especialização Saberes e Práticas na Educação Básica, offered by the Federal University of Rio de Janeiro (Cespeb/UFRJ), investigating the causes of evasion and retention in the class and inferring whether their motivations were related to the academic quality of the class and the impact of the remote format during the Covid-19 pandemic, during which the class took place. The adopted methodology was a qualitative and descriptive approach from the theoretical perspective of critical pedagogy, which addresses educational policies in close relationship with the social and economic realities that affect historical subjects in the materiality of such policies. As a conclusion, we highlight the importance of specialization classes for the continued training of Basic Education teachers, in the centrality of establishing a fruitful relationship between schools and universities in a dialogical and horizontal way, where knowledge and practices mobilized are embodied in new didactic possibilities for trained teachers.

Graduate Course; Evasion; Permanence; Cespeb/UFRJ

Resumen

El objetivo de este artículo es identificar las trayectorias académicas y profesionales de los egresados del Curso de Especialização Saberes e Práticas na Educação Básica ofrecido por la Universidad Federal de Río de Janeiro (Cespeb/UFRJ), investigando las causas de evasión y permanencia en el curso y infiriendo si sus motivaciones estaban relacionadas con la calidad académica del curso y también con el impacto del formato a distancia durante la pandemia de Covid-19, cuando el curso fue desarrollado. La metodología adoptada fue de naturaleza cualitativa y descriptiva desde la perspectiva teórica de la pedagogía crítica, que aborda las políticas educativas en estrecha relación con las realidades sociales y económicas que atraviesan a los sujetos históricos en la materialidad de dichas políticas. En conclusión, destacamos la importancia de los cursos de especialización para la formación continua de los profesores de enseñanza primaria, con la centralidad de establecer una relación fructífera entre la escuela y la universidad de forma dialógica y horizontal, donde los conocimientos y prácticas movilizados se plasmen en nuevas posibilidades didácticas para los profesores formados.

Programa de Posgrado Lato Sensu; Abandono; Permanencia; Cespeb/UFRJ

1 Introdução

O objetivo dessa pesquisa é identificar as trajetórias acadêmica e profissional de egressos do Curso de Especialização Saberes e Práticas na Educação Básica ofertado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Cespeb/UFRJ). E para tal tarefa, em primeira seção, problematiza o desenvolvimento dos cursos de pós-graduação lato sensu no Brasil e num segundo momento, historiciza a experiência, no ano de 2020 em contexto pandêmico, do referido Curso de Especialização na ênfase em Ensino de História. Indagando as causas de evasão e permanência no curso, entendendo se as motivações foram pertinentes à qualidade acadêmica do curso e ao impacto – positivo ou negativo – do formato remoto durante a pandemia de Covid-19, quando o curso se desenvolveu.

Como eixo de análise visamos reverberar as contradições da oferta desse tipo de pós-graduação no Brasil, principalmente a ausência de uma trajetória linear e com aporte do governo central para essa política. Desde a falta de uma legislação clara e robusta sobre a sua finalidade, objetivo e características, como, ainda, no tempo presente, a ausência de uma política de acompanhamento e avaliação dos cursos e das instituições que os ofertam. Apoiado em autores como Canziani (2015)CANZIANI, I. F. Evasão dos cursos de pós-graduação lato sensu (2010-2014) da Universidade do Sul de Santa Catarina/UNISUL - Campus Sul. Dissertação (Mestrado em Administração Universitária) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015., Faustino-Ferber e Hass (2021)FAUSTINO-FERBER, A. P.; HASS, C. M. Motivos que levam os alunos à evasão em cursos de pós-graduação lato sensu em instituição pública de educação. Revista Labor, Fortaleza, v. 2, n. 26, p. 31-55, 2021. https://doi.org/10.29148/labor.v2i26.72026
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, Freitas e Cunha (2009)FREITAS, M. A; CUNHA, I. C. K. O. Pós-graduação lato sensu: retrospectiva histórica e política atual. In: CONGRESSO DE EDUCAÇÃO - EDUCERE, 9., Curitiba, 2009. Anais[...]. Curitiba, 2009. p. 975-982., Fonseca (2004)FONSECA, D. M. Contribuições ao debate da pós-graduação lato sensu. Revista Brasileira de Pós-Graduação, Brasília, DF, v. 1, n. 2, p. 173-182, nov. 2004. https://doi.org/10.21713/2358-2332.2004.v1.47
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, estabelecemos um breve histórico da constituição e consolidação dos cursos de pós-graduação lato sensu no Brasil, do início dos anos de 1920 aos dias atuais.

Nosso segundo desafio foi constituir um relato sobre a experiência do Cespeb na Ênfase de Ensino de História, desde a concepção geral do curso até as questões específicas vivenciadas pelos cursistas na oferta do ano de 2020. Nesse ano, de forma inédita e impelida pela pandemia da Covid-19, o curso foi ofertado em modelo remoto, em contraposição à sua natureza de ser um curso de pós-graduação presencial. Nosso eixo de análise procurava estabelecer uma relação entre permanência e evasão dos cursistas, nesta oferta específica, em contraposição as tendências anunciadas pela bibliografia sobre o tema, e ainda, a trajetória de evasão e permanência em ofertas anteriores a 2020 no curso (Cruz; Silva, 2022CRUZ, E. P; SILVA, F. C. Decisão em cenário de incerteza: do ensino presencial ao ensino remoto emergencial em um curso de pós-graduação lato sensu. Revista Docência do Ensino Superior, Belo Horizonte, v. 12, e039471,2022. https://doi.org/10.35699/2237-5864.2022.39471
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).

A metodologia empregada na pesquisa foi a abordagem qualitativa de natureza descritiva, e a coleta de dados usou questionários como instrumento central. Os dados foram cotejados com análise bibliográfica da temática em seus aspectos históricos e das políticas educacionais. A opção pela coleta de dados em formato de questionário digital se deu pelo número elevado de sujeitos a serem consultados – a totalidade da turma de 2020 –, circunscrito a 41 professores-cursistas. Destaca-se, ainda, ser o questionário uma técnica que pode agregar múltiplas questões a serem trabalhadas e dessa forma, produzir muitas possibilidades de conhecimento das diferentes expectativas e situações experienciadas no universo pesquisado em contexto tão especifico (Rodrigues; Oliveira; Santos, 2021).

2 Breve histórico dos cursos de pós-graduação lato sensu no Brasil

Ao descrever os caminhos que percorreram os cursos de pós-graduação lato sensu no Brasil, encontramos em sua história enfrentamentos políticos desde sua criação, que derivam de uma legislação frágil no que se refere à sua distinção, à regulação e à avaliação para credenciamento das Instituições de Ensino Superior (IES) que os ofertam.

A trajetória inicial dos cursos de especialização e aperfeiçoamento no país pode ser datada de 1925, pelo Decreto nº 16.782-A, quando foi criado o Curso Especial de Higiene e Saúde Pública para o aperfeiçoamento de médicos que tinham funções sanitárias. Segundo Oliveira,

Fica evidente nesse decreto que tanto o Curso Especial de Higiene e Saúde Pública quanto os cursos de aperfeiçoamento aludidos no art. 284 são cursos de pós-graduação, correspondendo ao que em 1965 veio a ser denominado cursos de pós-graduação lato sensu que, mesmo sem essa nomenclatura, foi inaugurada nesse momento (1995, p. 20).

Outro marco temporal na trajetória dos cursos de especialização e aperfeiçoamento foram as alterações trazidas pela Reforma Francisco Campos em 1931, onde listam-se os cursos ofertados nas IES, incluindo os cursos de especialização e aperfeiçoamento e ainda, legislava sobre os profissionais que estavam habilitados ao magistério superior e o perfil de estudantes desses cursos. Em desdobramento a essa primeira legislação, em 1946, no Decreto nº 21.321, definem-se os referidos cursos, mas ainda sem demarcação do seu modelo de oferta, conteúdos e finalidade no contexto de ampliação e consolidação da Educação Superior no país.

O processo de regulação pela Coordenação Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), data de 1951, quando a perspectiva de qualificar profissionais na direção de formação de uma nova geração de pesquisadores e professores ao nível superior ganha ressonância no âmbito das ações do governo federal. Nesse sentido, o Decreto nº 29.741, de 1951, teve por finalidade “assegurar a existência de pessoal especializado em quantidade e qualidade suficientes para atender às necessidades dos empreendimentos públicos e privados que visam ao desenvolvimento do país” (Pilati, 2006PILATI, O. Especialização: falácia ou conhecimento aprofundado? Revista Brasileira de Pós-Graduação, Brasília, DF, v. 3, n. 5, p. 7-26, jun. 2006. https://doi.org/10.21713/2358-2332.2006.v3.93
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, p. 8).

E após dez anos dessa primeira legislação, a Lei nº 4.024/1961 organiza toda a Educação no país, incluindo os cursos de especialização. Mesmo com esse avanço legal, a oferta de tais cursos permanecia fragilizada na ausência de regulação mais específica dos cursos de especialização, aperfeiçoamento e extensão, como indica o trecho da referida legislação:

Art. 69. Nos estabelecimentos de Ensino Superior podem ser ministrados os seguintes cursos: a) de graduação, abertos à matrícula de candidatos que hajam concluído o ciclo colegial ou equivalente, e obtido classificação em concurso de habilitação; b) de pós-graduação, abertos à matrícula de candidatos que hajam concluído o curso de graduação e obtido o respectivo diploma; c) de especialização, aperfeiçoamento e extensão, ou quaisquer outros, a juízo do respectivo instituto de Ensino (BRASIL, 1961BRASIL. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 dez. 1961.).

Em 1965, o Parecer nº977/1965, distingue os cursos de pós-graduação lato sensu e stricto sensu, porém não define a finalidade e objetivo dos cursos de especialização, marcando o início de seu lugar mais subalternizado nas políticas educacionais para o nível superior no período. Essa definição de finalidade dos cursos lato sensu somente ganha contorno legal, em 1968, com a Lei no 5.540/68 (Brasil, 1968BRASIL. Lei n.º 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 nov. 1968.), onde se determina que para cursar a especialização o estudante teria que obter o diploma de graduação, ou seja, uma complementação para a formação ao nível de graduação.

Entre os anos de 1975 e 1979, segundo Faustino-Ferber e Hass (2021)FAUSTINO-FERBER, A. P.; HASS, C. M. Motivos que levam os alunos à evasão em cursos de pós-graduação lato sensu em instituição pública de educação. Revista Labor, Fortaleza, v. 2, n. 26, p. 31-55, 2021. https://doi.org/10.29148/labor.v2i26.72026
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, foi estabelecido o primeiro Plano Nacional de Pós-Graduação e o ano de 1977 significou um marco nessa trajetória com a publicação, pelo Conselho Federal de Educação, da Resolução nº 14/1977 (Brasil, 1977), que estabelecia as condições para emissão dos certificados, sacramentando a finalidade dos cursos de especialização no Brasil.

Apesar de já ser utilizada a formação lato sensu como requisito para atuação no magistério superior, não havia legislação que especificasse sua validade para tal finalidade e somente em 1977, quando promulgada a resolução acima, essa questão ganhou contornos legais, reforçada mais adiante com a Resolução nº 12/1983 (Brasil, 1983). O debate sobre essa questão adquire outro entendimento a partir dos anos de 1990, quando os cursos lato sensu deixam de ser possibilidade na expansão da formação de professores para o Ensino Superior, como indica Fonseca (2004)FONSECA, D. M. Contribuições ao debate da pós-graduação lato sensu. Revista Brasileira de Pós-Graduação, Brasília, DF, v. 1, n. 2, p. 173-182, nov. 2004. https://doi.org/10.21713/2358-2332.2004.v1.47
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:

No entendimento da CAPES, e para que fosse dado novo enfoque à Pós-Graduação lato sensu, era necessário mudar a concepção da Resolução n.º 12/1983, adequando-a ao novo cenário do Ensino Superior, que diante da expansão da Pós-Graduação Stricto Sensu e sua capacidade para formar mestres e doutores, tornava obsoleta a ideia de pensar na especialização e no aperfeiçoamento como local adequado para qualificar docentes para o magistério superior (Fonseca, 2004FONSECA, D. M. Contribuições ao debate da pós-graduação lato sensu. Revista Brasileira de Pós-Graduação, Brasília, DF, v. 1, n. 2, p. 173-182, nov. 2004. https://doi.org/10.21713/2358-2332.2004.v1.47
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apudFreitas e Cunha, 2009FREITAS, M. A; CUNHA, I. C. K. O. Pós-graduação lato sensu: retrospectiva histórica e política atual. In: CONGRESSO DE EDUCAÇÃO - EDUCERE, 9., Curitiba, 2009. Anais[...]. Curitiba, 2009. p. 975-982., p. 977).

A Capes sempre foi o órgão responsável pelo planejamento e desenvolvimento dos cursos de pós-graduação no Brasil, mas sua competência foi direcionada, em 1981, principalmente para o segmento dos cursos de pós-graduação stricto sensu, impactando a ausência de políticas públicas, investimento e acompanhamento dos cursos de especialização pelo órgão, antes e presentemente (PILATI, 2006PILATI, O. Especialização: falácia ou conhecimento aprofundado? Revista Brasileira de Pós-Graduação, Brasília, DF, v. 3, n. 5, p. 7-26, jun. 2006. https://doi.org/10.21713/2358-2332.2006.v3.93
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).

Nos anos de 1990, com a Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/1996, segundo Pilati (2006)PILATI, O. Especialização: falácia ou conhecimento aprofundado? Revista Brasileira de Pós-Graduação, Brasília, DF, v. 3, n. 5, p. 7-26, jun. 2006. https://doi.org/10.21713/2358-2332.2006.v3.93
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, deu-se a mudança definitiva quanto à formação do magistério superior, prioritariamente em cursos de pós-graduação stricto sensu o que, segundo o autor, aumentou a procura pela formação em cursos de mestrados e doutorados.

Em sequência foi publicada a Resolução do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior (CNE/CES) nº 3, de 5 de outubro de 1999 (Brasil, 1999), que definiu em que condições os certificados dos cursos de especialização e aperfeiçoamento teriam legitimidade e haveria o acompanhamento e a supervisão dos cursos lato sensu, mas, ainda aqui, não explicitou qual órgão teria a função de fiscalização, controle e avaliação desses cursos.

Os cursos de pós-graduação lato sensu/especialização cresceram em oferta desordenada, e só começaram a ser credenciados pelo MEC a partir de 2005. O Parecer CNE/CES n.º 66/2005, publicado pelo Ministério da Educação por meio da Portaria n.º 328 de 1º de fevereiro de 2005, tratou sobre o cadastro dos cursos de especialização para uma operação de controle de oferta e de qualidade (Faustino-Ferber; Hass, 2021FAUSTINO-FERBER, A. P.; HASS, C. M. Motivos que levam os alunos à evasão em cursos de pós-graduação lato sensu em instituição pública de educação. Revista Labor, Fortaleza, v. 2, n. 26, p. 31-55, 2021. https://doi.org/10.29148/labor.v2i26.72026
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, p. 39).

A trajetória dos cursos lato sensu, entre 2001 e 2003, segundo o Censo da Educação Superior, aponta para um crescimento de 47% do número IES que ofertam vagas para cursos de especialização, 84% da rede privada de Ensino (Pilati, 2006PILATI, O. Especialização: falácia ou conhecimento aprofundado? Revista Brasileira de Pós-Graduação, Brasília, DF, v. 3, n. 5, p. 7-26, jun. 2006. https://doi.org/10.21713/2358-2332.2006.v3.93
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). Retornando a análise da legislação sobre os cursos lato sensu, destaca-se o Parecer nº 66/2005 que sinalizou o acompanhamento e avaliação dos cursos de pós-graduação lato sensu, ao recomendar que as IES enviassem ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, os planos de cursos que ofertassem. Porém, tal medida serviu somente para o cadastro dos cursos e instituições pelo órgão, pois o mesmo não cumpriu o seu papel de controlar a oferta e a qualidade através de uma avaliação efetiva dos cursos e das IES.

Entre os anos 2007 e 2020 poucas alterações foram concretizadas na legislação sobre os cursos de especialização, mas vale: em 2007, a Resolução nº 1 da CNE/CES (Brasil, 2007) amplia a oferta dos cursos de pós-graduação das redes públicas e privadas, desde que credenciadas pelo MEC, mas ainda sem acompanhamento e/ou avaliação das instituições e cursos por um órgão do mesmo. Em 2018 temos a aprovação da Resolução nº 1/18 (Brasil, 2018) que indica que haverá uma avaliação como critério para revalidar o credenciamento pelos órgãos competentes, sem explicitar quais, e diminui o percentual exigido de professores com formação de mestrado e doutorado de 50% para 30%, além de indicar que o trabalho de conclusão de curso deixaria de ser obrigatório. Porém, o esforço legal não se consubstanciou em ações concretas, como indica as autoras, sedimentando a ausência de políticas públicas que fortalecessem a normatização e o funcionamento dos cursos de pós-graduação lato sensu no Brasil:

Nos últimos anos o MEC estava se preocupando em resolver a questão da qualidade dos cursos que cresceram muito rapidamente, sem controle e avaliação. Foi lançado o Marco Regulatório dos cursos de pós-graduação lato sensu/especialização em 2018. Mas, após esta iniciativa, com as mudanças políticas não houve continuidade nas ações (Faustino-Ferber; Hass, 2021FAUSTINO-FERBER, A. P.; HASS, C. M. Motivos que levam os alunos à evasão em cursos de pós-graduação lato sensu em instituição pública de educação. Revista Labor, Fortaleza, v. 2, n. 26, p. 31-55, 2021. https://doi.org/10.29148/labor.v2i26.72026
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, p. 40).

A inexistência de avaliação das IES e dos cursos de pós-graduação lato sensu por um órgão público responsável inviabiliza investimentos, principalmente do poder público, pois seria de extrema importância o levantamento constante de dados e o acompanhamento das IES públicas para suprir as necessidades das instituições, desde estruturais até o planejamento, a valorização do corpo docente e de parcerias entre esferas sociais, como a universidade e as escolas públicas.

3 Curso de Especialização Saberes e Práticas na Educação Básica em Ensino de História: evasão e permanência em contexto remoto

Na intenção de investigar, debater e formar professores da Educação Básica para as demandas escolares e para as exigências do novo século, uma ação que visava articular a universidade e a escola pública nasceu, em 2008, pela ação da Faculdade de Educação (FE) e do Colégio de Aplicação (CAp) da UFRJ, o Cespeb, objeto de análise deste trabalho. Para efeito de registro da amplitude dessa política pública de formação continuada de docentes, entre os anos de 2008 a 2015 foram formados como especialistas 435 professores da Educação Básica, em suas diferentes ênfases.

O curso de especialização tem como objetivo principal a formação continuada de professores, através do diálogo da universidade com a Educação Básica. A centralidade do projeto é o ato de educar, discutido na dimensão dos desafios em sala de aula e das possibilidades de enfrentamento desses desafios, sejam impostos pela comunidade escolar, pelas esferas que regulamentam a Educação no Brasil ou, ainda, pelas redes que ofertam vagas para a Educação Básica, bem como o contexto social que impacta tais realidades escolares.

O Cespeb, nesse contexto, tem ressaltado sua relevância e importância na formação continuada desses professores. Sua estrutura curricular é por módulos, organizados da seguinte forma: a discussão sobre a profissão do professor e a abordagem da escola como campo de trabalho e, ainda, sobre formação continuada e a qualificação profissional, são abarcadas pelo Módulo I. A questão dos temas da atualidade que atravessam a escola e um debate amparado no conteúdo de conhecimentos pedagógicos figuram os módulos II e III. Os saberes da didática e das disciplinas de cada ênfase são ministrados nos módulos IV e V e ocupam, juntos, a maior parte da carga horária do curso, pois nesses módulos desenvolvem-se as discussões de maior importância na especialização do professor. Neles são abordadas as principais experiências dos professores-cursistas em sala de aula e a discussão da base teórica desses saberes e fazeres. Por último, o módulo VI, onde são abordados conhecimentos teóricos para a prática de pesquisa, para a formulação do objeto de pesquisa, aprofundamento da escrita e preparação para a elaboração e a apresentação de um trabalho de conclusão de curso, que pode ser apresentado em diferentes formatos, a saber: a monografia, o artigo científico e o relato de experiência.

A concepção e a estrutura adotadas pelo Cespeb buscam, por fim, preparar o professor com um conhecimento teórico e prático através da troca de experiências com seus pares e de sua própria vivência. O profissional mergulha na reflexão de sua função social como professor e educador e em constante formação acadêmica e humana para atender às demandas da escola e dos estudantes. Os debates do curso remetem à atual realidade e suas comunidades escolares, que são singulares, seja por sua localidade, por seus alunos representarem uma determinada classe social ou por seu projeto político-pedagógico, dentre outros fatores que particularizam cada escola. A interação proporcionada aos pós-graduandos compõe rico arcabouço de autoconhecimento, já que os debates possibilitam a escuta do outro e o professor-cursista pode se colocar no lugar de seu par para refletir sobre suas ações em sala de aula.

O ano de 2020 foi marcado por profundas transformações impostas pela pandemia da Covid-19. No que tange à Educação, o contexto sanitário implicou na migração para o modelo do Ensino remoto, seja em contexto escolar, seja em contexto universitário. Diferente do Ensino à distância, as aulas remotas ocorreram em sala de aula virtual através de plataformas digitais, precariamente estabelecidas. No mesmo ano inicia-se uma nova turma do Cespeb em Ensino de História e como aconteceu com as escolas, as universidades vivenciaram algumas das dificuldades sofridas por alunos e professores da Educação Básica e o objetivo desse item é retratar e problematizar de que forma essa experiência, originalmente ofertada de forma presencial, se desenvolveu em formato remoto no âmbito da formação continuada de docentes, principalmente colocando luz no debate sobre evasão e permanência dos professores-cursistas (Nunes, 2021NUNES, R.C. Um panorama da evasão de universitários durante os estudos a distância ocasionada pela pandemia de COVID-19. Investigação, Sociedade e Desenvolvimento, [s. l.], v. 10, n. 3, p. 1-6, mar 2021. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i3.133161
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).

A turma do Cespeb em Ensino de História 2020 contou com 41 alunos matriculados, dos quais 29 participaram de nossa pesquisa (70,73%), respondendo a um questionário, encaminhado de forma remota, no qual buscamos dados para pontuar os principais aspectos que a caracterizam. Um total de 62,10% dos respondentes declarou-se do sexo feminino e 34,50% de raça ou cor branca e 27,60% preta, tendo ainda 27,60% parda e 10,30% que preferiu não declarar. A idade variou entre 25 e 75 anos, com maior índice de alunos entre 30 e 40 anos, que representam 37,93%, tendo em segundo lugar os alunos entre 25 e 29 anos com 24,13% de representantes desta faixa etária.

Seguindo a análise do perfil da turma, indagamos sobre o nível de escolaridade do principal responsável (pai ou mãe) do professor-cursista, na intenção de mapear os níveis de inserção escolar e universitária de seus contextos familiares e de que seriam os docentes pesquisados os primeiros de seus núcleos familiares a cursarem Ensino Superior. Sobre esse aspecto, colhemos a informação de que 37,70% dos responsáveis não concluíram o Ensino Fundamental completo, tendo somente 10,70% o Ensino Superior completo, o que nos possibilita deduzir que houve maiores possibilidades na busca pelo acesso à graduação pela geração respondente. Perguntados sobre sua formação, 51,72% dos alunos declararam que sua graduação aconteceu em universidade pública e 48,28% em universidade privada, entre os anos de 1989 e 2019. Apenas 10,30% não se encontram em exercício do magistério e dos 89,70% que atuam, 37,90% ministram aulas na rede privada, indicando uma prevalência de professores de atuação em escolas públicas.

Consultados sobre a motivação dos alunos para procurar o Cespeb/Ensino de História, tivemos em destaque as seguintes opções: “atualização e aperfeiçoamento profissional”; “motivação de retornar ao meio acadêmico”; “interesse em pesquisar sobre Ensino de História” e ainda, a possibilidade de “estudar numa universidade pública” e em menor destaque, a possibilidade de “progressão de carreira” que o curso poderia garantir. A principal motivação, segundo as respostas, consistiu no fortalecimento da prática docente (44,80%), o que demonstra que as expectativas da maioria dos professores-cursistas corroboram os objetivos da especialização.

Indagados sobre os pontos positivos do curso, deixamos a possibilidade de mais de uma opção como resposta. Os resultados indicam que o conhecimento de novos temas e conteúdos e a relação com outros professores de História foram os aspectos positivos mais destacados, tendo sido citados por 82,80% e 24,10% respectivamente. Foram citadas, ainda, as opções que contavam com as respostas de que seriam pontos positivos, a estrutura (17,20%) e as atividades teórico-práticas do curso (10,30%).

Sobre a carreira acadêmica dos professores-cursistas inquiridos sobre que realidade se aproxima mais dentre as opções e com essa questão buscava-se responder de que forma se deu a escolha pelo curso ou que expectativa o professor-cursista vislumbrava a partir dele. Um total de 65,50% dos respondentes optou pela resposta “o Cespeb/Ensino de História me incentivou a procurar os cursos de pós-graduação stricto sensu (mestrado e/ou doutorado)”. Em contrapartida, a segunda opção mais escolhida, com 31% das respostas foi “quando ingressei no Cespeb já possuía ou já cursava pós-graduação stricto sensu (mestrado e/ou doutorado)”, o que aponta para um índice considerável de professores-cursistas que têm interesse por aperfeiçoamento em sala de aula, por uma formação não generalista e com conhecimento de possibilidades que podem colaborar com as aulas de História. Por outro lado, apresenta um número elevado que se entusiasma com os horizontes diversos que a universidade proporciona.

A fim de contribuir com o argumento que levantamos até aqui sobre o quanto é relevante Cespeb para a formação continuada de professores da Educação Básica e também para colher dados sobre a avaliação do professor-cursista ao final da primeira etapa do curso – finalização com aprovação nas disciplinas, deixamos um espaço para respostas livres sobre a seguinte indagação: “Alguma consideração final sobre o curso?” E obtivemos dentre as respostas relatos que variaram desde a transformação profissional até a quebra de expectativas. Mesmo com essa variável, no geral foram ressaltados pelos alunos pontos positivos do curso, tais como1 1 Para a preservação do anonimato dos respondentes utilizaremos uma numeração como identificação dos questionários e suas respostas. :

O curso melhorou muito minha atuação como professora de História, me atualizou e me fez pensar no Ensino de História de uma forma mais rica. Agradeço muito a todos os professores pela riqueza das aulas mesmo nas condições de Ensino remoto (Questionário nº 5).

O curso abre uma nova perspectiva sobre a prática docente em História. Na minha graduação não tive contato com esse campo específico, sequer sabia que o Ensino de História era um campo do conhecimento. Por fim, o curso alia prática e teoria, nos dando novas ferramentas para a luta diária em tempos de ataque à Educação pública (Questionário nº18).

Achei este curso excelente para se pensar em Ensino de História. Com ele, consegui implantar significados e conceitos em prática. Além de provocar grandes reflexões sobre a minha prática escolar (Questionário nº 23).

Após traçarmos o perfil da turma de 2020 e indicarmos os pontos que fizeram com que permanecessem no curso até o fim da etapa de finalização das disciplinas, seguiremos, a partir de agora, com a análise da influência da pandemia sobre o ano letivo e a decisão de evadir de alguns professores-cursistas. Como as aulas foram remotas não levamos em consideração, para a observação da amostragem, a distância entre residência e local onde seriam realizadas as aulas, opção apontada nos estudos de Faustino-Ferber e Hass (2021)FAUSTINO-FERBER, A. P.; HASS, C. M. Motivos que levam os alunos à evasão em cursos de pós-graduação lato sensu em instituição pública de educação. Revista Labor, Fortaleza, v. 2, n. 26, p. 31-55, 2021. https://doi.org/10.29148/labor.v2i26.72026
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, como determinante em relação à evasão e permanência em cursos de pós-graduação lato sensu.

Encaminhamos perguntas pertinentes à viabilidade financeira para a continuidade no curso ou desistência pelos alunos: esta questão é necessária no sentido de esclarecer a possibilidade de acesso à internet e aparelhos tecnológicos como computador e telefone móvel. Quando perguntados sobre o acesso a pacotes de dados de internet para utilizar durante as aulas remotas, somente 3,60% recorreu a amigos e familiares para obter ajuda financeira e obter dados de internet. Tendo, ainda, 71,40% conseguido acesso à rede e uso de aparelhos sem a necessidade de compartilhar com outras pessoas da casa em que residia, restando ainda 25% que compartilharam.

Outra questão tratou da possibilidade de que a pandemia pudesse influenciar na decisão por abandono do curso pelo impacto financeiro ou pelas transformações na situação de trabalho dos alunos: 41,40% estavam trabalhando nos setores público ou privado com a carteira de trabalho assinada, 31% eram funcionários públicos concursados, enquanto 10,30% estavam sem trabalho. Já quando questionados sobre o maior impacto causado pela pandemia em sua vida, 50% respondeu que o trabalho remoto pesou muito no cotidiano, 39,30% tiveram sua carga horária de trabalho aumentada e 25% reduzida e 7,10% perderam o emprego por causa da pandemia.

A fim de discorrer sobre os efeitos emocionais causados pela pandemia e que podem ter colaborado para a evasão do Cespeb/Ensino de História insistimos sobre a convivência com a doença durante o curso. Dos 29 alunos que responderam ao questionário, 32,10% contraíram Covid-19 e 53,60% tiveram familiares com a doença. Esses números levaram os professores-cursistas, segundo suas respostas, ao uso de serviços de apoio psicológico por 42,90%. Ainda tivemos a indicação de que 14,30% apontaram a possibilidade de vir a procurar por esse apoio posteriormente.

As discussões em torno da evasão no Ensino Superior, mais precisamente nos cursos lato sensu, vêm sendo apresentadas em diferentes aspectos em todo o mundo desde os anos de 1970. Canziani (2015)CANZIANI, I. F. Evasão dos cursos de pós-graduação lato sensu (2010-2014) da Universidade do Sul de Santa Catarina/UNISUL - Campus Sul. Dissertação (Mestrado em Administração Universitária) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015. indica que Spady teria elaborado o primeiro modelo de pesquisa sobre o tema através de evidências empíricas, “a partir de um enfoque no alinhamento de objetivos e interesses entre o estudante e a instituição” (p. 37).

Continuando com a contribuição de Canziani (2015)CANZIANI, I. F. Evasão dos cursos de pós-graduação lato sensu (2010-2014) da Universidade do Sul de Santa Catarina/UNISUL - Campus Sul. Dissertação (Mestrado em Administração Universitária) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015., a autora aponta que Tinto utilizou a sociedade americana como objeto de estudo e sua conclusão foi de que a evasão do aluno do curso superior sofre influências de fatores como família, habilidades adquiridas no decorrer da formação escolar e desenvolvimento das relações acadêmicas, além da interação do aluno com seus pares na instituição de Ensino Superior. Ou seja, é vital que o equilíbrio das relações sociais e acadêmicas sustente um estado psicológico controlado e constante para a permanência do aluno no Ensino Superior.

Seguindo a mesma linha de análise, Canziani (2015)CANZIANI, I. F. Evasão dos cursos de pós-graduação lato sensu (2010-2014) da Universidade do Sul de Santa Catarina/UNISUL - Campus Sul. Dissertação (Mestrado em Administração Universitária) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015. afirma que as relações externas influenciam nas atitudes do aluno no meio acadêmico e, ainda, que o resultado das relações estabelecidas entre aluno e professor resultariam na permanência ou não do discente porque sua organização e desempenho estariam articuladas ao seu equilíbrio emocional.

No Brasil existem pesquisas de autores que, segundo Canziani (2015)CANZIANI, I. F. Evasão dos cursos de pós-graduação lato sensu (2010-2014) da Universidade do Sul de Santa Catarina/UNISUL - Campus Sul. Dissertação (Mestrado em Administração Universitária) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015., apontaram fatores internos à instituição como a ausência de infraestrutura ou de assistência docente ou socioeducacional e ainda fatores externos, como a vocação e os obstáculos socioeconômicos como determinantes dos processos de evasão. O Ministério da Educação e Cultura (MEC) formou, em 1995, uma comissão para estudos sobre o problema com o objetivo de “esclarecer o conceito de evasão, analisar as taxas e as causas desse fenômeno e uniformizar uma metodologia a ser empregada pelas instituições” (Brasil, 1997, p. 16).

O levantamento de tal estudo concluiu que os fatores que levam à evasão do aluno do curso superior estão predominantemente articulados a (1) questões individuais, (2) a motivos internos à instituição de Ensino Superior e (3) elementos externos a esta, entendidos da seguinte forma: os fatores individuais estariam ligados ao desempenho do aluno, sua formação escolar, o equívoco na escolha da carreira e suas dificuldades de conciliar estudos com o trabalho, bem como a adequação ao meio acadêmico e as relações estabelecidas com seus pares e docentes, dentre outros. Os fatores internos à instituição estão relacionados à estrutura de apoio à sua formação, como a deficiência na infraestrutura física, o desinteresse do docente e a carência de programas de apoio ao Ensino Superior. Já os fatores externos estariam articulados à lógica do mercado de trabalho, às constantes crises econômicas que afetam a sociedade e à desvalorização de algumas carreiras pelo mercado, “como o caso das licenciaturas” (Brasil, 1997, p. 139), dentre outros.

Quando se aproxima essa perspectiva analítica aos cursos de pós-graduação lato sensu, considera-se que os alunos não concluíram seus cursos em função de aspectos internos da instituição, em destaque, a não adequação ao processo de finalização dos trabalhos de conclusão de curso, ou seja, os alunos concluem as disciplinas do curso, porém não conseguem desenvolver a escrita e a pesquisa acadêmica exigidas pelas instituições (Borges, 2021BORGES, M. A. Pós-graduação lato sensu: perspectivas dos sujeitos desta formação profissional. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós Graduação em Serviço Social, Florianópolis, 2021.). Mesmo com esse indicativo, consideramos a importância de se realizar uma maior quantidade de pesquisas que abordem a evasão dos cursos de pós-graduação lato sensu no Brasil, pois a escassez de amostragens para pesquisa ainda nos leva a pouca diversificação de resultados.

Durante o curso diversos professores-cursistas afirmaram seu crescimento profissional ao cursarem a pós-graduação, sobre a articulação que realizavam entre o que aprendiam na universidade e o que ensinavam na escola, indicando uma avaliação positiva da experiência de formação que vivenciaram, mesmo que indicassem, também, uma sobrecarga de tarefas e responsabilidades que a inserção num curso de pós-graduação em serviço implica. E em relação à evasão em cursos lato sensu,Linhares (2020)LINHARES, N. N. O perfil dos ex-alunos do curso de especialização em ensino de Sociologia do Cespeb/UFRJ (2010-2017 Monografia (Especialização em Sociologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020. aponta, assim como nas pesquisas de Canziani (2015)CANZIANI, I. F. Evasão dos cursos de pós-graduação lato sensu (2010-2014) da Universidade do Sul de Santa Catarina/UNISUL - Campus Sul. Dissertação (Mestrado em Administração Universitária) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015. e Faustino-Ferber; Hass (2021)FAUSTINO-FERBER, A. P.; HASS, C. M. Motivos que levam os alunos à evasão em cursos de pós-graduação lato sensu em instituição pública de educação. Revista Labor, Fortaleza, v. 2, n. 26, p. 31-55, 2021. https://doi.org/10.29148/labor.v2i26.72026
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, que a maior causa para evasão reside na dificuldade apresentada pelos alunos para entrega de um trabalho de conclusão de curso.

Na trajetória do Cespeb/Ensino de História, o índice de evasão sempre foi elevado, nas cinco ofertas anteriores, entre os anos de 2008 e 2017, tivemos a matrícula de 161 estudantes e a conclusão de 67 especialistas, o que em média daria a porcentagem de 41,6% de concluintes ao longo desse tempo. Em relação a essa questão temos um quadro diferente na turma de 2020, com uma finalização maior de cursistas nessa turma, tendo uma porcentagem de 65,8% de todos os matriculados

O primeiro conjunto de alunos, os que concluíram as disciplinas, somavam 32 estudantes dos 41 que foram matriculados, ou seja, uma evasão inicial de nove alunos, onde três responderam ao questionário. Em relação aos alunos que avançaram na conclusão das disciplinas, mas não conseguiram finalizar o trabalho de conclusão de curso, tivemos a evasão de cinco alunos na totalidade dos 32 estudantes e desse universo apenas dois responderam ao um novo questionário especifico que aplicamos, em momento posterior a finalização do curso. Assim, buscamos compreender se os alunos que evadiram em diferentes momentos do curso sofreram influência direta ou indireta da pandemia da Covid-19 para a tomada de decisão de evadir.

Entre os três alunos respondentes e que abandonaram antes da conclusão das disciplinas, um dos alunos alegou que a causa para o abandono do curso foi a sobrecarga de trabalho. Durante a pandemia ficou desempregado numa das escolas em que ministrava aulas, foi obrigado a compartilhar equipamentos e acessórios com outros moradores de seu grupo familiar e foi diagnosticado com Covid-19. Além disto, trabalhou presencialmente na rede privada de Ensino na maior parte do tempo que esteve no curso, ministrando aulas para os anos iniciais do Ensino Fundamental. O cursista manifestou desejo de voltar ao meio acadêmico ao procurar o Cespeb/Ensino de História e afirmou que voltará ao curso assim que abrir nova oferta, já que fatores externos à instituição o levaram a evadir, havendo pouca influência ou ação da instituição nessa decisão.

Uma outra cursista indicou distintos motivos para a evasão. Diferentemente do primeiro, sua história não implicou problemas financeiros já que é funcionária pública concursada, com renda que lhe proporcionou o uso de equipamentos e acessórios sem compartilhamento, tendo trabalhado constantemente à distância através de aulas remotas para turmas do Ensino Médio. Por outro lado, relatou que buscou o Cespeb/Ensino de História tendo em vista seu aperfeiçoamento e suas motivações para evadir estão evidentemente articuladas à pandemia, visto que considerou a demora da instituição em decidir por prosseguir com as aulas como o principal motivo para sua saída. Acrescentou, ainda, que teve sua carga horária de trabalho aumentada como maior impacto causado pela pandemia.

O relato que deixa clara a determinação da pandemia na decisão de evadir refere-se ao terceiro cursista, que abandonou o curso no segundo semestre alegando que estava em dificuldades financeiras, com sobrecarga de trabalho somada ao curso e que, por fim, não se adaptou ao Ensino remoto. Por outro lado, teve familiares e amigos próximos afetados pela Covid-19 e se viu na necessidade de compartilhar aparelhos com pessoas da mesma moradia. Quantos aos impactos que a pandemia causou em sua vida, sofreu aumento da carga horária de trabalho com a redução de salário. É provável que as horas de planejamento, gravação de aulas e atendimento de pais e alunos por redes sociais não foram contabilizadas como horas de trabalho e não geraram renda suplementar.

Em um momento de dificuldades causadas pela pandemia de Covid-19, presente desde março de 2020, paralisando as aulas presenciais e podendo interferir diretamente no abandono dos cursistas, tornou-se necessário discutir quais problemas mais influenciaram na tomada de decisão por evadir. Ficou manifesto, nas três trajetórias, que a pandemia pode ter reescrito as histórias destes alunos no Cespeb (França Filho; Antunes; Couto, 2020).

Em relação ao grupo que evadiu no momento de elaboração do TCC, fizemos um novo questionário, na intenção de identificar as motivações para essa evasão mais específica. Do quantitativo de cinco cursistas que evadiram nessa etapa, somente dois responderam ao questionário e não identificamos em suas respostas uma relação direta da pandemia com as causas de suas evasões, estando estas, na nomenclatura que desenvolvemos no artigo, vinculada a fatores externos à instituição e no âmbito das questões individuais dos cursistas, como problemas de saúde e incompatibilidade de carga horária de trabalho e estudo. Nesse último caso, a situação corrobora com Handfas e Maçaira (2017)HANDFAS, A.; MAÇAIRA, J. P. Articulação entre universidade e escolas públicas: o caso do curso de pós-graduação lato sensu em ensino de Sociologia da UFRJ. Revista Eletrônica de Educação, v.11, n.2, jun./ago 2017., em artigo que analisa a experiência do Cespeb/Ensino de Sociologia com tal constatação: “os depoimentos dos alunos demonstram que um dos obstáculos apontados para a realização do curso foi justamente a dificuldade em conciliar as elevadas cargas horárias de trabalho, o grande número de turmas e de alunos, com as exigências de um curso de pós-graduação” (2017, p. 13).

4 Considerações finais

Para efeito de conclusão do artigo, consideramos importante destacar a relevância dos cursos de pós-graduação lato sensu no Brasil, apesar de sua eficiência estar sendo sempre colocada em risco por uma legislação que determina recursos insuficientes para a oferta de maior número e melhor qualidade de cursos de especialização e aperfeiçoamento na rede pública de Ensino Superior.

O Cespeb vem, ao longo dos anos, colaborando para a formação continuada de professores da Educação Básica, apresentando propostas teóricas e práticas para o fortalecimento da docência e do trabalho na escola. Em sua ênfase em Ensino de História identificamos narrativas que ressaltam a importância de sua existência e a resistência em manter um diálogo de viés crítico que articula a universidade e a Educação Básica, voltando-se para o debate de temas que cercam a escola, principalmente da rede pública brasileira.

Com a contribuição de maior parte da turma 2020 do Cespeb/Ensino de História realizamos a leitura e a análise dos questionários sobre a experiência desses indivíduos ao estudar e lecionar durante a pandemia de Covid-19. Compreendemos, também, a relação que cada um estabeleceu com o curso e como este implicou em sua prática docente em perspectiva de um Ensino de História emancipatório. E mesmo considerando que a pandemia influenciou em desistências no curso, o nível de permanência e conclusão foi bastante significativo, e em seus relatos os professores indicaram elementos que contribuíram para esse quadro, como uma escuta e estreita relação entre coordenação e cursistas na direção de sanar os entraves que uma inédita experiência remota colocava; a excelência acadêmica do corpo docente, bem como seu compromisso com a Educação Básica e por fim, as redes de apoio e de afeto que se estabeleceram entre os cursistas e que implicaram em reconforto individual sustentado pelo coletivo que os cursistas constituíram, autonomamente, em um momento tão delicado de nossa existência.

Por fim, esperamos que nossa contribuição nesse artigo possa ser ponta de lança de outros trabalhos que aprofundem e visibilizem a potencialidade dos cursos de pós-graduação lato sensu no país, em especial aqueles vinculados à formação de professores da Educação Básica.

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    Para a preservação do anonimato dos respondentes utilizaremos uma numeração como identificação dos questionários e suas respostas.
  • Dados: O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo não está disponível publicamente, porque os professores pesquisados assinaram um Registro de Consentimento Livre e Esclarecido e nele, os pesquisadores, se comprometeram pela não divulgação dos dados que possibilitasse a identificação dos pesquisados. A solicitação de acesso aos dados pode ser feita diretamente ao/à autor/a, pelo e-mail alenicodemosufrj@gmail.com

Disponibilidade de dados

Dados: O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo não está disponível publicamente, porque os professores pesquisados assinaram um Registro de Consentimento Livre e Esclarecido e nele, os pesquisadores, se comprometeram pela não divulgação dos dados que possibilitasse a identificação dos pesquisados. A solicitação de acesso aos dados pode ser feita diretamente ao/à autor/a, pelo e-mail alenicodemosufrj@gmail.com

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    Jul 2024

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2023
  • Aceito
    17 Jun 2024
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