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Escala de sondagem do desenvolvimento neuropsicomotor e de habilidades acadêmicas para o Ensino Fundamental I: percepção de professores * * O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001.

Qualitative scale of academic and neuropsychomotor development for students in the first three years of Elementary Education: how teachers evaluated it

Escala de encuestas del desarrollo neuropsicomotor y de habilidades académicas para la Educación Básica I: percepción de los maestros

Resumo

Modelos de avaliação da aprendizagem escolar baseados no monitoramento de aquisições acadêmicas e do neurodesenvolvimento podem ser úteis para o planejamento de intervenções pedagógicas individualizadas. Este estudo avaliou, na perspectiva de professores, aspectos da adequação e aplicabilidade de uma escala qualitativa de sondagem do desenvolvimento acadêmico e neuropsicomotor para alunos dos primeiros anos do Ensino Fundamental, a Sondagem do Desenvolvimento do Aluno. A amostra foi composta por 15 professores, abrangendo 122 alunos avaliados, de quatro escolas das redes pública e privada do município de São Paulo. O procedimento envolveu entrevista semidirigida e questionários específicos. A escala obteve 90% da pontuação máxima quanto à adequação e 71% quanto à aplicabilidade. Variáveis associadas ao ambiente escolar e ao perfil do professor não influenciaram a percepção. Embora promissora, novos estudos são necessários para que a escala seja efetivamente aplicável à sala de aula.

Avaliação da aprendizagem; Desempenho escolar; Ensino Fundamental

Abstract

Models of ongoing learning assessment, based on the monitoring of academic and neurodevelopmental skills, can be useful to plan individual educational interventions. The present study investigated, from a teacher´s perspective, the adequacy and applicability of a qualitative screening tools of academic and neuropsychomotor development for students in the first three years of Elementary education, called the Student Developmental Screening tool. The sample was composed by 15 teachers, reaching 122 students, of four public and private schools from the city of São Paulo. The procedure involved a semi-directed interview and specific questionnaires designed for this study. The screening tool obtained 90% of maximum scores in what regards adequacy and 71% in applicability. Variables associated to the scholar environment and to teacher´s profile did not influence this perception. Although the tool is promising, new studies are necessary in order to make it an effectively applicable evaluation tool.

Learning Assessment; Scholar performance; Elementary School

Resumen

Los modelos de evaluación del aprendizaje escolar basados en el monitoreo del rendimiento académico y del desarrollo neurológico pueden ser útiles para planificar intervenciones pedagógicas individualizadas. Este estudio evaluó, desde la perspectiva de los maestros, aspectos de la adecuación y aplicabilidad de una escala cualitativa para investigar el desarrollo académico y neuropsicomotor de los estudiantes en los primeros años de la escuela primaria, la Encuesta de Desarrollo Estudiantil. La muestra estaba compuesta por 15 docentes, que comprenden 122 estudiantes evaluados, de cuatro escuelas públicas y privadas de la ciudad de São Paulo. El procedimiento incluyó entrevistas semidireccionadas y cuestionarios específicos. La escala obtuvo el 90% de la puntuación máxima de adecuación y el 71% de aplicabilidad. Las variables asociadas con el entorno escolar y el perfil del maestro no influyeron en la percepción. Aunque alentadores estos resultados, se necesitan más estudios para que la escala sea efectivamente aplicable al aula.

Evaluación del aprendizaje; Desempeño escolar; Educación básica

1 Introdução

Ao longo dos últimos 30 anos, importantes mudanças na legislação mundial contribuíram para assegurar o direito de Educação à população. Por exemplo, a Constituição Federal do Brasil (1988)BRASIL. Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 . Brasília, DF: Senado Federal, 1988 . , ao prever, no artigo 206, um princípio de igualdade de condições de acesso e permanência na escola, ampliou o acesso ao Ensino para estratos populacionais muito diversificados em termos social, cultural e econômico. Em 1990, a Declaração Mundial Sobre Educação para Todos ( UNESCO, 1990UNESCO. Declaração mundial sobre Educação para todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem: Jomtien, 1990. Tailândia, 1990. Disponivel em: http://unesdoc.unesco.org/images/0008/000862/086291por.pdf . Acesso em: 25 mar. 2020.
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) reforçou a importância da equidade ao afirmar que toda pessoa tem características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem únicas, devendo ser dada a cada uma a oportunidade de atingir e de manter um nível adequado de aprendizagem. Posteriormente, o Brasil ratificou, com equivalência de emenda constitucional, a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2009), proposta pela Organização das Nações Unidas (ONU), assegurando, assim, o sistema educacional inclusivo e o direito das pessoas com deficiência à Educação, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades.

Uma Educação baseada na igualdade de oportunidades demanda, necessariamente, práticas pedagógicas inclusivas e processos de avaliação de aprendizagem que considerem a diversidade social e cultural dos alunos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional propõe uma avaliação formativa, que favoreça o desenvolvimento integral do aluno ( BRASIL, 1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 23 dez. 1996. ). Em seu artigo 24, inciso V, alínea a, estabelece como critério de acompanhamento de rendimento escolar uma “avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais”. Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN ( BRASIL, 1997BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília, DF: MEC/SEF, 1997. Disponivel em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf . Acesso em: 25 mar. 2020.
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), além de contínua, sistemática e qualitativa, deve haver sempre uma avaliação inicial, para o planejamento do professor, e outra ao final de uma etapa de trabalho. Assim, é possível orientar a intervenção pedagógica para uma adequação de atividades didáticas, considerando necessidades e desafios individuais, que levem o professor a refletir sobre a sua prática.

Nessa perspectiva, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – Pnaic ( BRASIL, 2012BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa : avaliação no ciclo de alfabetização: reflexões e sugestões. Brasília, DF, 2012. Disponivel em: http://www.serdigital.com.br/gerenciador/clientes/ceel/material/107.pdf . Acesso em: 25 mar. 2020.
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; SCHNEIDER; GROSCH; DRESCH, 2020), além de estabelecer estratégias e metas de alfabetização nos primeiros anos do Ensino Fundamental (EF), enfatiza uma avaliação dos conhecimentos e habilidades dos estudantes que considere e respeite a diversidade individual existente em sala de aula. Conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica, um caráter formativo da avaliação deve predominar sobre o quantitativo e o classificatório: “é preciso adotar uma estratégia de progresso individual e contínuo que favoreça o crescimento do estudante, preservando a qualidade necessária para a sua formação escolar” ( BRASIL, 2013BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica . Brasília, DF, 2013. Disponivel em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=15548-d-c-n-educacao-basica-nova-pdf&Itemid=30192 . Acesso em: 25 mar. 2020.
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, p. 52). Recentemente, a versão final da Base Nacional Comum Curricular, publicada em 2017, também considera a pluralidade da Educação brasileira. Uma das ações sintetizadas no documento para assegurar aprendizagens essenciais em cada etapa da Educação Básica é a elaboração e a aplicação de “procedimentos de avaliação formativa de processo ou de resultado que levem em conta os contextos e as condições de aprendizagem, tomando tais registros como referência para melhorar o desempenho da escola, dos professores e dos alunos” (BRASIL, 2017, p. 15).

Em consonância com as orientações presentes nos documentos oficiais, têm sido disponibilizados recursos para avaliar diferentes eixos de Ensino, detalhando as aprendizagens essenciais esperadas para cada etapa, tais como os apresentados pelo Pnaic e pelo Sistema de Gestão Pedagógica (SGP). Na coleção de livros do Pnaic ( BRASIL, 2012BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa : avaliação no ciclo de alfabetização: reflexões e sugestões. Brasília, DF, 2012. Disponivel em: http://www.serdigital.com.br/gerenciador/clientes/ceel/material/107.pdf . Acesso em: 25 mar. 2020.
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), por exemplo, são descritas capacidades de aprendizagem relevantes para a aquisição da leitura, de escrita, de Linguagem e de Matemática esperadas para cada ano do ciclo de alfabetização, diferenciando quais conteúdos devem ser introduzidos, aprofundados e consolidados em cada etapa. Há, ainda, exemplos de instrumentos de avaliação, de atividades e de formas de registro que podem auxiliar no direcionamento do trabalho pedagógico. Já o SGP ( SÃO PAULO, 2014SÃO PAULO (CIDADE). Secretaria Municipal de Educação. Programa Mais Educação São Paulo: Subsídios 2: Sistema de Gestão Pedagógica - SGP e a avaliação para a aprendizagem. São Paulo, 2014. Disponivel em: https://www.sinesp.org.br/images/9_-_PROGRAMA_MAIS_EDUCACAO_SAO_PAULO_SUBSIDIOS_2_SGP.pdf . Acesso em: 25 mar. 2020.
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), utilizado por professores de escolas da rede municipal de São Paulo, é um recurso computadorizado para registro de planejamento, diário de classe, frequência, atividades avaliativas e fichas individuais. Além do desempenho individual e coletivo, é possível registrar direitos/expectativas de aprendizagem alcançados segundo critérios adotados pela Secretaria Municipal de Educação (SÃO PAULO, 2007) para domínios de Língua Portuguesa (modalidades escrita e oral), de Matemática, de Natureza e Sociedade, e de Educação Física para o EF I. Apesar do reconhecimento da diversidade dos alunos e da necessidade de equiparação de oportunidades de aprendizagem pelos documentos oficiais que regulamentam a Educação brasileira, bem como da existência de materiais, como o Pnaic e o SGP, a aplicabilidade prática de tais conquistas ainda é desafiadora às escolas, uma vez que ainda continuam realizando, em geral, a verificação da aprendizagem.

De acordo com Luckesi (2011)LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 22. ed. São Paulo: Cortez, 2011 . , é importante diferenciar processos de avaliação educacional e de verificação da aprendizagem. A avaliação da aprendizagem envolve coleta, análise e síntese de dados e, a partir deles, uma tomada de decisão que favoreça a aprendizagem dos alunos. Por outro lado, a verificação da aprendizagem refere-se à aferição do aproveitamento escolar, que é transformado em uma nota para, então, classificar os alunos como aprovados ou reprovados. Um paradigma de verificação da aprendizagem tem predominado nas escolas brasileiras, uma vez que o desempenho acadêmico em geral é aferido exclusivamente por meio de exames classificatórios quantitativos, com foco em deficiências e em dificuldades (CAVALCANTI NETO; AQUINO, 2009). A forma mais comum, e às vezes exclusiva, baseia-se em provas escritas, que aprovam ou reprovam o aluno.

Ainda na perspectiva de Luckesi (2011)LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 22. ed. São Paulo: Cortez, 2011 . , a avaliação da aprendizagem deveria subsidiar, na prática, uma tomada de decisões dirigidas a melhorar o Ensino e, consequentemente, o desempenho escolar. A avaliação é a própria ação educativa, como uma prática qualitativamente significativa e realizada por meio de um processo contínuo que enfatize o desenvolvimento. Assim, pode favorecer a identificação de eventuais dificuldades dos alunos e de suas reais necessidades para a aprendizagem (CAVALCANTI NETO; AQUINO, 2009).

Uma questão central diz respeito aos conteúdos a serem contemplados no processo avaliativo do primeiro ciclo do EF. Considerando a associação direta e evolutiva entre o neurodesenvolvimento e a aprendizagem da Leitura, da Escrita e da Matemática, a formação do profissional da área de Educação deveria incorporar conhecimentos sobre aspectos do desenvolvimento cognitivo ( SIQUEIRA; GURGEL-GIANNETTI, 2011SIQUEIRA, C. M.; GURGEL-GIANNETTI, J. Mau desempenho escolar: uma visão atual. Revista da Associação Médica Brasileira , São Paulo, v. 57, n. 1, p. 78-87, jan./fev. 2011 . https://doi.org/10.1590/S0104-42302011000100021
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). Tal conhecimento pode contribuir para melhor compreensão dos processos de aprendizagem, identificação de casos de risco para baixo desempenho escolar e de planos de intervenção, conforme necessidades individuais, para que dificuldades sejam superadas ou compensadas. Outra contribuição potencial é a distinção das situações que podem ser contornadas por meio de procedimentos pedagógicos tradicionais daquelas que necessitam de avaliações complementares por profissionais de saúde. Quanto maior a atenção aos sinais de atraso de desenvolvimento associados a problemas de aprendizagem, mais bem-sucedida será a prática pedagógica (CAPELLINI; TONELOTTO; CIASCA, 2004). Consequentemente, será possível reduzir situações de fracasso escolar, de baixa autoestima – tanto do professor quanto do aluno – e de evasão escolar.

A complexidade dos processos de avaliação de desempenho no Ensino Básico reflete-se nas fragilidades das práticas vigentes (TEIXEIRA et al. , 2010). Indicadores dos estágios de desenvolvimento da leitura e da escrita atribuídos aos alunos frequentemente seguem critérios variáveis, sem sistematização científica (MACEDO et al. , 2005). Consequentemente, tendem a ser imprecisos e não refletir o real aproveitamento das crianças. Para tanto, um maior conhecimento sobre os processos cognitivos envolvidos na aquisição de Leitura e de Escrita é fundamental. Uma avaliação sistemática de habilidades cognitivas e competências favorece um referencial de acompanhamento da evolução escolar com a implementação de estratégias de intervenção consonantes com as necessidades individuais ( JESUS, 2004JESUS, D. M. Atuando em contexto: o processo de avaliação numa perspectiva inclusiva. Psicologia & Sociedade , São Paulo, v. 16, n. 1, p. 37-49, 2004 . http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822004000100004
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; SALLES; PARENTE, 2007SALLES, J. F.; PARENTE, M. A. M. P. Relação entre desempenho infantil em linguagem escrita e percepção do professor. Cadernos de Pesquisa , São Paulo, v. 37, n. 132, p. 687-709, set./dez. 2007 . https://doi.org/10.1590/S0100-15742007000300009
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).

Os processos avaliativos sistematizados também podem contribuir para identificar os alunos com dificuldades de aprendizagem que necessitam de avaliações e de intervenções complementares por profissionais de saúde. Conforme Lopes e Crenitte (2013)LOPES, R. C. F.; CRENITTE, P. A. P. Estudo analítico do conhecimento do professor a respeito dos distúrbios de aprendizagem . Revista CEFAC , São Paulo, v. 15, n. 5, p. 1214-1226, set./out. 2013 . https://doi.org/10.1590/S1516-18462012005000091
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, grande parte dos professores não sabem que condutas tomar frente a esses problemas. Esse é um fato preocupante, visto que a sala de aula é o principal espaço onde dificuldades para aprender são percebidas (CAPELLINI; TONELOTTO; CIASCA, 2004).

Em suma, modelos de avaliação da aprendizagem contínua, em que predominem aspectos qualitativos sobre os quantitativos, com ênfase no monitoramento não apenas das habilidades em Leitura, em Escrita e em Matemática, mas que incorporem aspectos do neurodesenvolvimento, podem ser relevantes para o planejamento de intervenções pedagógicas individualizadas. O presente estudo 1 1 Pesquisa realizada pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Saúde na Infância e Adolescência da Universidade Federal de São Paulo, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências, com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes). teve por objetivo analisar, com base na percepção de professores, aspectos da aplicabilidade e da adequação da Sondagem do Desenvolvimento do Aluno (SDA). A SDA é uma escala voltada aos alunos dos três primeiros anos do EF, elaborada pelo Instituto ABCD 2 2 Trata-se de uma organização da sociedade civil de interesse público, fundada em 2009, que se dedica a gerar, promover e disseminar projetos que tenham impacto positivo na vida de brasileiros com dislexia e outros transtornos específicos de aprendizagem. Disponível em http://www.institutoabcd.org.br/quem-somos/ . (iABCD), para complementar as atividades práticas de um programa de formação continuada ao professor, no qual são abordados conteúdos sobre neurociências e Educação. A escolha da SDA deveu-se às suas características com ênfase em conteúdos acadêmicos e do neurodesenvolvimento, bem como por sua estrutura simples e sistematizada de registro, com potencial para favorecer um monitoramento do progresso individual e contínuo dos alunos e, assim, contribuir para a prática pedagógica.

2 Procedimentos Metodológicos

Trata-se de pesquisa de caráter exploratório, com análise descritiva de dados obtidos por meio de entrevistas e questionários. O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (número do parecer: 1.415.107).

Os diretores das escolas assinaram a carta de autorização para a execução da coleta de dados junto aos professores, enquanto os professores assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes da coleta dos dados. Os alunos participantes assinaram o Termo de Assentimento e foram devidamente autorizados por seus responsáveis, que também assinaram o TCLE.

2.1 Participantes

Participaram do estudo 15 professores, abrangendo 122 alunos, procedentes de quatro escolas do município de São Paulo, duas da rede pública de Ensino e duas da rede privada. Foram incluídos apenas professores titulares, de ambos os sexos, que atuavam entre o 1º e o 3º anos do EF I. Como critério de exclusão para a participação de professores, considerou-se a realização prévia de cursos de formação continuada ministrados pelo Instituto ABCD, visto que nesses cursos os professores utilizam a SDA.

2.2 Coleta de dados

A coleta de dados foi realizada entre os meses de fevereiro e dezembro do ano de 2016. Antes do processo foram obtidas as devidas autorizações formais do Instituto ABCD para uso da Sondagem do Desenvolvimento do Aluno (SDA) no estudo, e dos diretores das escolas envolvidas, bem como a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp (Número do parecer 1.415.107).

Inicialmente, foram realizadas reuniões com 13 professores de duas escolas da rede privada e 25 professores de duas escolas da rede pública do município de São Paulo, sempre dos três primeiros anos do EF. Aceitaram o convite 23 professores, sendo 12 da rede privada e 11 da rede pública. Os que decidiram não participar alegaram falta de tempo para assumir mais uma tarefa na escola. Ao longo do estudo, oito professores desligaram-se. A Figura 1 ilustra o percurso amostral.

Figura 1
Percurso amostral do estudo

O estudo foi realizado em duas etapas. A primeira teve por objetivo caracterizar o perfil dos professores e dos ambientes escolares, bem como investigar suas práticas e concepções acerca da avaliação da aprendizagem, em entrevistas semidirigidas. Para essa finalidade, foram desenvolvidos um Questionário de Caracterização do Perfil do Professor e do Ambiente Escolar – QPPAE – e um Questionário de Práticas e Concepções Acerca da Avaliação Pedagógica – QPCAP. A segunda etapa teve por objetivo investigar a percepção dos professores sobre a adequação da SDA. Para tanto, foi desenvolvido o Questionário de Avaliação da Adequação e Aplicabilidade da Sondagem do Desenvolvimento do Aluno – Asda – com ênfase em aspectos como conteúdo abordado, linguagem utilizada e aplicabilidade, funcionalidade e possível contribuição para a prática pedagógica. Os professores deveriam utilizar a SDA para registrar o desempenho de alguns alunos, sorteados no dia da entrevista inicial, em três momentos diferentes – início, meio e fim do ano letivo. Ao final do ano letivo, responderiam ao Asda.

2.3 Instrumentos

(1) Sondagem do Desenvolvimento do Aluno - SDA

A SDA é uma escala qualitativa para registro sistematizado e monitoramento de habilidades a serem desenvolvidas nos três primeiros anos do EF I. É composta por duas partes: (a) desenvolvimento neuropsicomotor (neurodesenvolvimento), abrangendo os domínios de linguagem, de motricidade e de socialização; (b) aquisição das habilidades acadêmicas, abrangendo os domínios de Leitura, de Escrita e de Matemática. Para cada domínio, há uma tabela com comportamentos e habilidades, selecionados e elaborados pela equipe do iABCD, utilizando como referência os PCN e as bases teóricas da Psicologia do Desenvolvimento, da Psicologia Cognitiva e das Neurociências.

Para preencher a SDA, o professor deve observar os alunos durante as atividades escolares habituais e avaliar se apresentam os comportamentos e as habilidades descritos em cada domínio. As respostas variam entre “Sempre”, “Às vezes” e “Nunca”, considerando, respectivamente, se o aluno já consolidou os comportamentos/habilidades, se estão em desenvolvimento, ou se ainda não são presentes. O registro sistemático e individual pode favorecer a identificação de indicadores de imaturidade e da necessidade de implementação de estratégias diferenciadas de Ensino ou de estimulação, elaborando-se, assim, um plano de intervenção adequado. Quando estratégias pedagógicas convencionais não se mostram eficientes para contornar as dificuldades observadas, os educadores podem, então, refletir quanto à recomendação de avaliações complementares por profissionais de saúde. Sugere-se que a avaliação seja realizada, pelo menos, três vezes ao ano.

(2) Questionário de Caracterização do Perfil do Professor e do Ambiente Escolar – QPPAE (etapa 1)

O QPPAE abordou informações dos professores com respeito à idade, à formação, à experiência profissional e à autoavaliação sobre habilidades inerentes ao processo de Ensino-aprendizagem. Na caracterização do ambiente escolar foram considerados aspectos como rede de Ensino, materiais disponibilizados pela escola, quantidade de alunos por turma e presença de professor auxiliar em sala de aula.

(3) Questionário de Práticas e Concepções Acerca da Avaliação Pedagógica - QPCAP (etapa 1)

O QPCAP visou a investigar a prática atual dos professores e sua concepção acerca dos procedimentos vigentes para a avaliação da aprendizagem. Era constituído por 14 questões de múltipla escolha, distribuídas em seis temas: (a) conteúdo geral e específico de avaliação do desenvolvimento acadêmico – Leitura, Escrita e Matemática – e do neurodesenvolvimento – desenvolvimento socioemocional, motor e da linguagem; (b) procedimentos e instrumentos utilizados para a avaliação; (c) referências utilizadas para orientar a avaliação; (d) registro do desempenho dos alunos; (e) principais objetivos da avaliação; (f) sinais característicos para identificação de suspeita de transtornos específicos de aprendizagem.

(4) Avaliação da Adequação e Aplicabilidade da Sondagem do Desenvolvimento do Aluno – Asda (etapa 2)

Esse questionário era constituído por 34 afirmações sobre aspectos da adequação e aplicabilidade da SDA. As respostas são pontuadas conforme escala Likert, variando entre “discordo muito” (0 ponto) e “concordo muito” (4 pontos). As afirmações foram categorizadas em dois grupos (adequação e aplicabilidade) e sete subgrupos (compreensão do texto e dos objetivos, detalhamento do conteúdo, das habilidades por faixa etária/ano escolar, do uso no dia a dia, da contribuição à prática pedagógica, da importância, do desejo de continuar utilizando). Considerou-se a soma da pontuação das respostas (0 a 4 pontos) obtidas para cada grupo e subgrupo para analisar o julgamento dos participantes. Adicionalmente, foram propostas questões abertas para que os professores justificassem suas respostas ou para comentários adicionais.

2.4 Análise dos dados

Nos questionários QPPAE e QPCAP, as variáveis categóricas foram descritas em valor absoluto e frequência relativa, enquanto as variáveis contínuas foram descritas como média, desvio-padrão, valores medianos, mínimos e máximos. Os dados do questionário Asda foram descritos em valor absoluto e em frequência relativa, considerando-se a pontuação máxima para cada grupo e subgrupo.

Por tratar-se de uma amostra pequena, foi utilizado o teste de Mann-Whitney para comparação das pontuações obtidas no questionário Asda, segundo a rede de Ensino, o nível acadêmico, o tempo de experiência como professor do EF I e a presença de professor auxiliar em sala de aula. Coeficientes de correlação, segundo o método de Spearman, foram traçados entre essa pontuação e o número de alunos em sala de aula. Foram considerados achados estatisticamente significativos, aqueles com valor p < 0,05. As análises estatísticas foram realizadas com o auxílio dos programas estatísticos Statistica e SPSS.

3 Resultados

A Tabela 1 apresenta os dados do perfil dos 23 professores que participaram da primeira etapa da pesquisa e dos ambientes das escolas em que atuam. Conforme já mencionado, tal caracterização foi realizada por meio do questionário QPPAE.

Tabela 1
Caracterização do professor e do ambiente escolar referentes aos participantes da etapa 1 do estudo

Foi verificada uma variação substancial na faixa etária e uma maioria de mulheres, comum na atuação pedagógica, que não possui Pós-Graduação e tem entre 2 e 10 anos de experiência no EF I. A amostra foi bem distribuída conforme tipo de escola (pública e privada). Mais da metade das escolas não dispunha de professor auxiliar.

Quanto à investigação das práticas e das concepções acerca da avaliação da aprendizagem, baseada nos dados obtidos por meio do QPCAP, as áreas pelas quais os professores demonstraram maior interesse foram desenvolvimento da Leitura e da Escrita (19/23) e da Linguagem (17/23). Por outro lado, as áreas que menos pontuaram foram contribuições da Neurociências para a Educação (7/23) e Desenvolvimento Motor (5/23).

Muitos professores julgaram o ambiente familiar como um dos principais fatores que podem contribuir para a existência das dificuldades de aprendizagem (21/23). Em contrapartida, ainda nessa categoria, o desinteresse do aluno foi o fator menos escolhido pelos professores (13/23). Analisando os fatores isoladamente, apenas 1/23 elegeu a imaturidade no desenvolvimento motor como um dos aspectos que mais resulta em dificuldade de aprendizagem.

Quando avaliaram o quanto se consideram aptos para identificar casos de suspeita de transtornos específicos de aprendizagem, 20/23 dos professores sinalizaram “suficientemente” ou “muito habilidosos”. Por outro lado, 10/23 dos professores não souberam caracterizar os transtornos específicos de aprendizagem, referindo-se a eles apenas como “uma dificuldade dos alunos” ou dizendo que já ouviram a respeito, mas não sabiam explicar. 11/23 dos professores os caracterizaram superficialmente, dizendo apenas tratar-se de “dificuldade em Leitura, em Escrita e em Matemática”, e apenas 2/23 dos professores souberam listar alguns sinais específicos.

No que se refere ao conteúdo, apenas um professor afirmou que não costuma realizar a avaliação do desenvolvimento motor e da linguagem. Sobre o desenvolvimento motor, argumentou que tal investigação deveria ser responsabilidade do professor de Educação Física. Conforme as respostas da maior parte dos participantes, todos os domínios comtemplados na entrevista são avaliados detalhadamente, com a observação de habilidades e de comportamentos específicos, mas nem todos os dados são registrados regularmente, principalmente aqueles referentes ao neurodesenvolvimento.

Quanto aos meios utilizados para avaliação da Leitura (L), da Escrita (E) e da Matemática (M), segundo as respostas dos participantes, os mais utilizados, depois da observação em sala de aula, são a avaliação escrita individual (L: 21/23, E: 22/23, M: 20/23), produção em aula (L: 20/23, E: 21/23, M: 21/23) e participação em aula (L: 19/23, E: 20/23, M: 20/23). A maior parte dos professores (21/23) afirmaram consultar e utilizar referenciais teóricos, como o Parâmetro Curricular Nacional, as Orientações Curriculares e as Proposições de Expectativas de Aprendizagem para o Ensino Fundamental. Os demais (2/23) afirmaram consultar apenas o próprio material utilizado na escola, como o conteúdo de livros e de apostilas.

No que se refere ao neurodesenvolvimento, a maior parte dos professores declararam que avalia os alunos regularmente quanto à linguagem (Li), desenvolvimento motor (Mo) e socioemocional (SE) por meio de observações cotidianas não sistematizadas ao longo das aulas e percebem alguma alteração apenas quando algo relevante desperta sua atenção (Li: 13/23, Mo: 9/23, SE: 12/23). Ainda assim, uma quantidade considerável de professores afirmou que realizam essas avaliações utilizando atividades específicas, direcionadas a esse objetivo (Li: 9/23, Mo: 7/23, SE: 8/23). Como parâmetro para essa avaliação, 21/23 dos professores afirmaram consultar referencial teórico, e 2/23 afirmaram basear-se apenas na própria experiência ou na comparação entre alunos da mesma faixa etária.

Quanto à forma de registro da avaliação, a maior parte dos professores (19/23) declararam realizar o registro quantitativo (notas ou conceitos, diário de classe) junto ao registro qualitativo geral (portfólios com atividades específicas para todos os alunos, SGP, relatórios para todos os alunos contendo informações a respeito de aspectos do desenvolvimento e/ou comportamentos que sobressaem). Uma parte deles (3/23) comentaram que realiza o registro quantitativo junto ao registro qualitativo pessoal (anotações pessoais apenas sobre alguns alunos que apresentam aspectos do desenvolvimento e/ou comportamento que sobressaem). Apenas um professor realizou o registro quantitativo junto ao registro qualitativo minucioso (tabelas ou gráficos contendo informações detalhadas do desenvolvimento de todos os alunos, PDI, descrição detalhada para todos os alunos sobre o desenvolvimento individual). Nenhum professor aplicou exclusivamente o registro quantitativo. Todos os professores afirmaram que o principal objetivo da avaliação é a reflexão para efetuar a intervenção adequada.

A Tabela 2 apresenta a adequação e a aplicabilidade da SDA segundo a percepção dos 15 professores que participaram da segunda etapa do estudo. Os dados foram obtidos por meio do questionário Asda.

Tabela 2
Percepção dos professores sobre a SDA quanto à adequação e à aplicabilidade

Na percepção dos professores, a SDA obteve 90% da pontuação máxima no quesito adequação. O subgrupo com menor pontuação foi “habilidades por faixa etária/ano escolar” (88%). Alguns participantes argumentaram que as habilidades poderiam ser mais complexas para as idades abordadas, principalmente no domínio desenvolvimento motor. Já o quesito aplicabilidade obteve 71% da pontuação máxima. A Tabela 3 indica os itens que obtiveram menos que 70% da pontuação máxima e a frequência de professores que discordaram deles, julgando-os como algo a ser aprimorado.

Tabela 3
Frequência de professores que discordaram de itens referentes à aplicabilidade da SDA

Ao analisar a tabela, nota-se que, para alguns itens (21, 26, 27 e 28), houve total concordância por parte dos professores, devendo-se a pontuação menor aos professores que se manifestaram como indiferentes. Os aspectos da aplicabilidade em que mais discordaram referem-se ao tempo utilizado para registro nas tabelas, à possibilidade de utilizar a SDA na rotina, à sua necessidade para a prática pedagógica e ao interesse pelo uso.

A Tabela 4 apresenta os resultados do teste de Mann-Whitney para comparação da pontuação observada no questionário Asda, considerando variáveis como rede de Ensino, nível acadêmico, tempo de experiência como professor do Ensino Fundamental I e presença de professor auxiliar em sala de aula.

Tabela 4
Comparação das respostas dos professores sobre adequação e aplicabilidade da SDA segundo a rede de Ensino, o nível acadêmico, o tempo de experiência e a presença de professor auxiliar em sala de aula

Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas na pontuação, segundo as características do professor e do ambiente escolar. Em seguida, foram traçadas correlações segundo o método de Spearman entre o número de alunos e a pontuação observada no questionário Asda. Não foi observada correlação significativa entre essas duas variáveis (r = 0,144; p = 0,608).

Um dos pontos fracos da DAS, identificado pela maioria dos professores, diz respeito ao tempo despendido. Em sua percepção, o formato da Sondagem é muito extenso, o que tornou o preenchimento cansativo e demorado. Além disso, consideraram que o uso é dificultado pela alta quantidade de demandas diárias.

Quanto à funcionalidade e à contribuição do instrumento à prática pedagógica, alguns alegaram que já dispõem de instrumentos semelhantes nas escolas. Um participante julgou que, por já seguir uma sequência didática, não considera necessário avaliar os alunos de forma tão detalhada.

Dentre os pontos fortes, houve relatos de que o instrumento pode constituir uma boa referência para consultas rápidas e que esse o auxiliou a elaborar e a sistematizar os relatórios dos alunos. Segundo alguns participantes, o instrumento “ampliou o olhar” quanto ao registro do neurodesenvolvimento e auxiliou a especificar aspectos do desenvolvimento do aluno, que, muitas vezes, são observados mas não são registrados, e acabam sendo dispensados na elaboração de relatórios. Outros participantes consideraram que o registro detalhado trouxe um “olhar diferenciado e mais aprofundado” para a evolução do processo de alfabetização de cada aluno e de aspectos do desenvolvimento que antes não eram evidenciados ou monitorados. De acordo com comentários específicos sobre a sondagem, esta possibilitou perceber melhor as necessidades dos alunos, elaborar planos de aula adequados, realizar um direcionamento mais individualizado das atividades propostas e identificar alunos que poderiam beneficiar-se do encaminhamento à avaliação multidisciplinar.

Sugestões para aprimorar o instrumento incluíram adaptações para outros formatos, como versão eletrônica, forma de preenchimento mais prática, inclusão de alguns itens do instrumento, especialmente do neurodesenvolvimento para complementar os materiais que já são utilizados nas escolas, e utilização do instrumento apenas para alunos que apresentarem maiores dificuldades na aprendizagem dos domínios acadêmicos e/ou no neurodesenvolvimento.

4 Discussão e conclusões

Este estudo analisou, na percepção de professores, aspectos da aplicabilidade e da adequação da SDA, um instrumento para monitoramento contínuo de aspectos do desempenho acadêmico e do neurodesenvolvimento destinado aos alunos dos primeiros anos do Ensino Fundamental. Nessa perspectiva, seu diferencial está em priorizar domínios do desenvolvimento pouco contemplados em outros instrumentos de registro de desempenho escolar. Adicionalmente, aproxima-se mais de uma lógica de avaliação da aprendizagem, distinguindo-se de modelos de verificação ( LUCKESI, 2011LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 22. ed. São Paulo: Cortez, 2011 . ).

De forma geral, a SDA foi mais bem avaliada pelos participantes quanto à adequação do que à aplicabilidade. Tal avaliação não foi influenciada por aspectos do perfil do professor, como anos de formação, ou do ambiente escolar. Dentre as contribuições potenciais do instrumento às atividades na escola, as respostas dos professores sugerem mais precisão na identificação das necessidades pedagógicas dos alunos, bem como auxílio na sistematização dos seus relatórios. O principal ponto fraco da SDA é ser muito extensa.

A crítica dos professores quanto à extensão da SDA foi acompanhada por relatos de que registros individualizados de alunos em sala de aula são dificultados pelo excesso de atividades e rotina estafante. Consequentemente, a maioria dos participantes relataram que, embora procure utilizar resultados de avaliações para compreender as necessidades dos alunos e para planejar atividades adequadas, em geral, essas são baseadas em uma abordagem, predominantemente, tradicional e classificatória, com valores quantitativos, que sobressaem aos qualitativos. Confirma-se, assim, que, na prática diária, como constataram Cavalcanti Neto e Aquino (2009), ainda predomina uma pedagogia do exame, que utiliza as provas como instrumentos disciplinadores e transforma o aproveitamento escolar em notas ( LUCKESI, 2011LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 22. ed. São Paulo: Cortez, 2011 . ). Isso se mantem, ainda que os professores tenham acesso a instrumentos que possibilitem o registro detalhado do desenvolvimento dos alunos, como por exemplo os relatórios personalizados criados pelas escolas, o material fornecido pelo Pnaic ( BRASIL, 2012BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa : avaliação no ciclo de alfabetização: reflexões e sugestões. Brasília, DF, 2012. Disponivel em: http://www.serdigital.com.br/gerenciador/clientes/ceel/material/107.pdf . Acesso em: 25 mar. 2020.
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), ou pelo SGP ( SÃO PAULO, 2014SÃO PAULO (CIDADE). Secretaria Municipal de Educação. Programa Mais Educação São Paulo: Subsídios 2: Sistema de Gestão Pedagógica - SGP e a avaliação para a aprendizagem. São Paulo, 2014. Disponivel em: https://www.sinesp.org.br/images/9_-_PROGRAMA_MAIS_EDUCACAO_SAO_PAULO_SUBSIDIOS_2_SGP.pdf . Acesso em: 25 mar. 2020.
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) com as expectativas de aprendizagem para o Ensino Fundamental (BRASIL, 2007).

Conforme os resultados obtidos, aspectos do neurodesenvolvimento são pouco contemplados nas avaliações regulares de alunos do Ensino Fundamental, ao contrário das aquisições de habilidades relacionadas à Leitura, à Escrita e à Matemática. Vale ressaltar que esse foi o domínio que os professores declararam ter menos interesse em estudar, além das contribuições das Neurociências para a Educação. Poucos participantes identificaram a imaturidade no desenvolvimento motor como um fator associado a dificuldades de aprendizagem, apesar dessa associação ser amplamente descrita por estudiosos na área da Educação ( MEDINA-PAPST; MARQUES, 2010MEDINA-PAPST, J.; MARQUES, I. Avaliação do desenvolvimento motor de crianças com dificuldades de aprendizagem. Revista Brasileira de Cineantropometria & Desempenho Humano , Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 36-42, jan./fev. 2010 . https://doi.org/10.5007/1980-0037.2010v12n1p36
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; VOOS et al. , 2014).

Uma das explicações sobre o baixo interesse dos participantes em temas do neurodesenvolvimento pode estar associada a aspectos da formação em Pedagogia. Alguns relataram que, durante a Graduação, tiveram pouco acesso a publicações relacionadas ao neurodesenvolvimento, seus transtornos e suas deficiências, que interferem na aprendizagem. A esse respeito, Siqueira e Gurgel-Giannetti (2011)SIQUEIRA, C. M.; GURGEL-GIANNETTI, J. Mau desempenho escolar: uma visão atual. Revista da Associação Médica Brasileira , São Paulo, v. 57, n. 1, p. 78-87, jan./fev. 2011 . https://doi.org/10.1590/S0104-42302011000100021
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afirmam que um maior conhecimento, por parte dos professores, sobre as etapas do desenvolvimento infantil e suas particularidades poderia contribuir para melhor compreensão dos comportamentos das crianças, permitindo-os realizar mediações adequadas e identificar situações de risco para dificuldades de aprendizagem. Adicionalmente, ao identificar sinais de atraso de desenvolvimento e problemas de aprendizagem, os professores poderiam aprimorar condições para o Ensino-aprendizado e assim ter mais sucesso em sua prática pedagógica (CAPELLINI; TONELOTTO; CIASCA, 2004).

É considerada uma limitação deste estudo a amostra pequena de professores e de escolas participantes. Não foi possível realizar uma equiparação por perfil de escola e de professor. Ainda, os dados foram analisados de forma mais descritiva. Entretanto, o estudo inova na proposta de investigar a opinião de professores sobre instrumentos a serem disponibilizados para sua prática pedagógica antes de sua implantação. Nessa perspectiva, as análises realizadas nesta pesquisa poderiam ser consideradas para uma reflexão sobre necessidades de adaptação de instrumentos já existentes nas redes de Ensino com foco na avaliação e no registro do processo de Ensino-aprendizagem individual, como os sugeridos pelo Pnaic e pelo SGP. Tais instrumentos não detalham, por exemplo, a aquisição de habilidades do neurodesenvolvimento.

Mais do que oferecer os materiais e os instrumentos, é importante aprofundar a reflexão junto aos professores sobre como utilizá-los e conscientizá-los sobre a importância deles. Além disso, é ainda mais fundamental compreender a viabilidade de seu uso na rotina do professor, a quem já são atribuídas tantas tarefas e responsabilidades escolares.

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    » https://doi.org/10.590/1809-2950/43521032014
  • 1
    Pesquisa realizada pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Saúde na Infância e Adolescência da Universidade Federal de São Paulo, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências, com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes).
  • 2
    Trata-se de uma organização da sociedade civil de interesse público, fundada em 2009, que se dedica a gerar, promover e disseminar projetos que tenham impacto positivo na vida de brasileiros com dislexia e outros transtornos específicos de aprendizagem. Disponível em http://www.institutoabcd.org.br/quem-somos/ .
  • *
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    15 Nov 2018
  • Aceito
    06 Jul 2020
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