Open-access Trajetórias acadêmicas de estudantes dos Bacharelados Interdisciplinares e do curso de Psicologia: análise de históricos escolares1

Academic trajectories of students of the Interdisciplinary Bachelor and the Psychology Bachelor: analysis of transcripts

Trayectorias académicas de los estudiantes del Pregrado Interdisciplinario y del Pregrado en Psicología: análisis de registros escolares

Resumo

Analisam-se os históricos escolares de 31 egressos dos Bacharelados Interdisciplinares na transição para o curso de Psicologia da Universidade Federal da Bahia, nos anos de 2012 e 2013, em comparação com os históricos escolares de 95 estudantes ingressantes neste curso diretamente pelo vestibular, nos mesmos anos. A comparação entre os dois grupos foi realizada considerando o aproveitamento de componentes curriculares nos três primeiros semestres do curso de Bacharelado Interdisciplinar, tendo o estudante cursado ou não uma Área de Concentração, e seus coeficientes de rendimento. Os egressos do Bacharelado Interdisciplinar acompanharam satisfatoriamente os componentes, sem diferença significativa em relação às médias de aprovação (notas) entre os grupos. Um egresso do Bacharelado Interdisciplinar pode concluir seu curso de Psicologia, cuja duração mínima é de cinco anos, cumprindo mais três ou quatro anos, com a vantagem de ter feito uma escolha amadurecida e consciente dentro da universidade.

Bacharelado Interdisciplinar; Formação em Psicologia; Ensino Superior

Abstract

In this article we analyze the transcripts of 31 Interdisciplinary Bachelor (IB) graduates doing a transition to the Psychology Bachelor of UFBA, in 2012 and 2013, compared to 95 transcripts of students that directly went to the course through the university entrance exam, on the same years. The comparison between the two groups was carried out considering: the use of Curricular Components in the first three semesters of IB, regardless if the student attended an area of concentration or not; and, course grades. The IB graduates satisfactorily followed the CCs, with no significant difference when compared to the averages of approval (grades) between groups. That means you can complete the course, which lasts five years minimum, with only three additional years, after three years of IB, depending on what subjects are validated from the IB. Thus, an IB graduate, after three years of training, can finish their Psychology course meeting three to four additional years, with the advantage of having made a mature and conscious choice from within the university and not prior to it.

Interdisciplinary Bachelor; Training in Psychology; Higher Education

Resumen

Se analizaron los registros escolares de 31 graduados del Pregrado Interdisciplinario (GI) en transición al Pregrado en Psicología de la Universidad Federal de la Bahía, en los años 2012 y 2013, en comparación con 95 registros de estudiantes que ingresaron en esa carrera directamente por medio del examen de ingreso en los mismos años. La comparación entre los dos grupos se llevó a cabo teniendo en cuenta: el uso de los componentes curriculares en los tres primeros semestres del GI, habiendo el estudiante asistido o no a un área de concentración; y, sus coeficientes de rendimiento. Los graduados del GI completaran los CC satisfactoriamente, sin diferencias significativas en comparación a los promedios de aprobación (notas) entre los grupos. Se puede concluir ese curso, cuya duración es de cinco años, con tres años más, dependiendo de lo que fue homologado del GI. Un egresado del GI puede completar su curso en Psicología en entre tres y cuatro años, con la ventaja de haber hecho una elección madura y consciente dentro de la universidad.

Grado Interdisciplinario; Carrera en Psicología; Educación Superior

1 Introdução

A partir da década de 2000, inicia-se um processo de expansão e democratização da educação superior no Brasil. Alguns programas elaborados para a efetivação do referido processo “sugerem em seus enunciados a democratização do nível superior de escolaridade como forma de promover inclusão e justiça social” (Arruda, 2011, p. 502). O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), instituído pelo Decreto Presidencial nº 6.096/2007, é um deles, e teve como efeito a construção de 14 novas universidades federais públicas e gratuitas, entre 2003 e 2010.

Entre as dimensões propostas pelo REUNI, destacamos aqui: reestruturação acadêmico-curricular; revisão da estrutura acadêmica, buscando constante elevação da qualidade dos cursos; reorganização dos cursos de graduação; diversidade das modalidades de graduação, preferencialmente com a superação da profissionalização precoce e especializada; implantação de regimes curriculares e sistemas de ciclos que possibilitem a construção de itinerários formativos singulares e diversificados; e provisão de modelos de transição. Apesar dos embates gerados em torno da implementação do REUNI, todas as 45 universidades brasileiras aderiram ao Programa, e as novas universidades foram criadas levando-se em consideração tais dimensões, ainda que com variações significativas em relação ao modo de operacionalizá-las.

Nessa perspectiva, a criação de uma nova modalidade de graduação, denominada Bacharelado Interdisciplinar (BI), foi a principal estratégia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) para cumprir as metas do REUNI. O projeto inicial para reestruturação da UFBA era mais radical, pois previa uma mudança geral envolvendo diretamente a passagem de todos os cursos profissionais já existentes para o modelo de ciclos, e não apenas a criação dos BIs. A proposta não foi aceita em sua totalidade, e hoje há uma convivência por vezes conflitada entre dois modelos antagônicos. É necessário, portanto, acompanhar a implementação da modalidade BI para que não ocorra a estagnação ou o retrocesso de uma reforma universitária de grande envergadura.

Como destaca Arruda (2011), a resistência em relação ao REUNI e suas diretrizes e, consequentemente, as propostas decorrentes deste Programa, não se restringiram à UFBA, estendendo-se a outras universidades federais. Portanto, é necessário seguir explorando potencialidades e limites desse novo modelo de formação universitária, sendo um deles proveniente de um modelo arcaico, sem flexibilidade, com trajetória linear e pré-determinada, conduzindo diretamente a uma profissão e sem qualquer possibilidade de protagonismo dos sujeitos.

O presente artigo é um recorte da pesquisa “Trajetórias acadêmicas e construção de significados e sentidos na transição dos bacharelados interdisciplinares à formação em Psicologia na UFBA” (LIMA et al., 2011), cujo foco não é fornecer uma análise macro da política educacional brasileira, mas, partindo de uma investigação exploratória, entender como a operacionalização do REUNI reflete-se no cotidiano educacional da universidade e, portanto, pode gerar reflexões úteis em várias dimensões da vida universitária, contribuindo para seu processo avaliativo. A existência dos BIs tem gerado efeitos em diversos âmbitos pela necessidade de articulação com os cursos já existentes, pelo trânsito de estudantes em diferentes Unidades Acadêmicas, pela possibilidade de exercitar o protagonismo dos estudantes, na medida em que eles precisam de fato escolher seus trajetos curriculares e o momento de cursá-los para integralizar o curso. No entanto, trata-se de um processo desafiador, pois rompe com um modelo seriado linear, pré-fixado e naturalizado.

São quatro os BIs: Artes, Ciências, Saúde e Humanidades. Os estudantes são selecionados por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), e não mais pelo processo seletivo tradicional, o vestibular. A criação dos BIs e a adoção do ENEM para o processo seletivo de tais cursos geraram insegurança nos próprios candidatos sobre a capacidade de interagir positivamente com as exigências do Ensino Superior num formato inovador e, após o ingresso, o temor de não acompanhar as disciplinas dos cursos profissionalizantes disponibilizadas para os BIs. As duas primeiras turmas de egressos sofreram reações de preconceito e discriminação de colegas e professores de outras unidades.

A partir de 2009, estudantes do BI puderam matricular-se em componentes curriculares (CC) da matriz curricular para formação de psicólogos juntamente com estudantes que ingressaram diretamente pelo vestibular para este curso, pois, apenas em 2014, a UFBA adere ao Sistema de Seleção Unificada (SISU). Analisamos aqui os históricos escolares dos egressos dos BIs na transição para o curso de Psicologia (após a implantação do BI, o curso tradicional de Psicologia passa a ser chamado de Curso de Progressão Linear, CPL-PSICO), nos anos de 2012 e 2013, em comparação com os históricos escolares de dois grupos de estudantes ingressantes no curso diretamente pelo vestibular, buscando indícios que justificassem o temor e as reações adversas.

Este texto está dividido em duas partes. Na primeira, descrevemos a organização do BI, do curso de Psicologia e da Área de Concentração Estudos da Subjetividade e Comportamento Humano (AC-ESCH) ofertado aos BIs pelo Instituto de Psicologia, considerando que a articulação entre o BI e um curso de Psicologia, nos moldes da UFBA, o que é uma experiência pioneira no Brasil. No segundo momento, apresentamos o processo de coleta e análise dos dados, descrevemos o perfil dos participantes e seus diferentes tipos de trajetórias acadêmicas. Concluímos que o desempenho dos estudantes do BI e do curso profissional não difere em relação à média das notas de componentes curriculares na matriz curricular da formação em Psicologia. Sinalizamos que é possível integralizar este curso, cuja duração mínima é de cinco anos, com mais três anos, dependendo do aproveitamento na transição BI-CPL, com as vantagens de se chegar ao curso profissional com um diploma superior (BI) e ter realizado uma escolha amadurecida e consciente dentro da universidade.

Sobre os Bacharelados Interdisciplinares

Entre 2006 e 2009, a UFBA concebeu e implantou, parcialmente, o modelo de ciclos, com base em uma nova modalidade de curso de graduação: o BI. Sua criação foi a principal estratégia da UFBA para cumprir as metas do REUNI (BRASIL, 2007a). O objetivo geral da proposta desse novo modelo de graduação foi:

Agregar uma formação geral, humanística, científica e artística ao aprofundamento num dado campo do saber, promovendo o desenvolvimento de competências e habilidades que possibilitarão ao egresso a aquisição de ferramentas cognitivas que conferem autonomia para a aprendizagem ao longo da vida bem como uma inserção mais plena na vida social em todas as suas dimensões. Também prevê fundamentos conceituais e metodológicos para a formação profissional em cursos de graduação que o adotem como primeiro ciclo (UFBA, 2008, p. 12).

O BI é um curso interdisciplinar de formação universitária, que pode ter saída direta para o mundo do trabalho, cumprir função propedêutica para prosseguimento em graduação profissional ou servir como requisito para passagem a um curso de pós-graduação. O modelo BI incentiva a ampliação das possibilidades de escolha dos graduandos como forma de atender a necessidades individuais e da sociedade. Reage, portanto, ao modelo tradicional brasileiro, que oferta currículos engessados (disciplinas com pré-requisitos, oferta fixada desde o início do curso) e ausência total ou frágil articulação entre campos do conhecimento. Inaugurando uma nova modalidade de formação superior, as matrizes curriculares dos BIs buscam seguir os princípios de flexibilidade na matriz curricular, autonomia dos estudantes, articulação e interdisciplinaridade dos CCs, atualização e indução a percorrer outras culturas universitárias, com CCs em Artes, Saúde, Humanidades e Ciências para todos os percursos.

Aproximadamente 1.300 vagas são oferecidas por ano no Instituto de Artes, Ciências e Humanidades Professor Milton Santos (IHAC), em quatro opções de BIs, correspondentes às grandes áreas do conhecimento: Humanidades, Artes, Ciências e Saúde. A estrutura curricular dos BIs é composta por duas etapas de formação: Formação Geral e Formação Específica. A primeira etapa acontece no primeiro ano e meio do curso e tem carga horária (CH) mínima de 476 h. Essa etapa é comum a todos os graduandos das quatro modalidades. Seu principal objetivo é garantir ao graduando competências e habilidades que lhe permitam ter compreensão crítica da realidade natural, social e cultural. Para isso, alguns eixos de CCs são obrigatórios: Eixo Linguagens (Língua Portuguesa, Língua Estrangeira, Linguagem Artística e Linguagem Matemática) e Eixo Interdisciplinar (Estudos sobre a Contemporaneidade e exposição induzida às três culturas).

A etapa de Formação Específica tem início a partir do quarto semestre. O graduando desenvolve habilidades e competências que aprofundam o conhecimento num dado campo e é integralizada com 1.200 h, compreendendo dois eixos: Eixo de Orientação Profissional (CCs optativos que oferecem uma visão geral das diversas profissões e áreas do conhecimento) e Eixo específico (Grande área ou Área de Concentração). A Grande Área se realiza por meio de CCs obrigatórios, optativos e livres, de acordo com uma das quatro áreas. A Área de Concentração (AC) se destina ao aprofundamento em campos de saberes e práticas, e geralmente é ofertada por unidades acadêmicas dos cursos de progressão linear (profissionalizantes). A AC tem função propedêutica, mas não constitui mera antecipação de disciplinas dos cursos profissionais. A escolha da AC, não obrigatória, deve ser formalizada no 4º semestre. Por fim, o eixo integrador, que perpassa todo o curso, é constituído por carga horária complementar – mínima de 360 h.

2 Sobre o BI, CPL-Psico e a AC-ESCH

De acordo com o Projeto Político-Pedagógico dos BIs, a área de concentração (AC) “não se define a partir da mera antecipação dos estudos básicos de carreiras profissionais e acadêmicas, o que não exclui o cumprimento da função propedêutica de etapa inicial de estudos posteriores” (UFBA, 2008, p. 33).

Estudos da Subjetividade e do Comportamento Humano (AC-ESCH) é uma área de concentração oferecida pelo Instituto de Psicologia ao IHAC, unidade que abriga os estudantes dos BIs. Sua proposta é garantir a esses estudantes um domínio de conhecimentos, de caráter não profissional, concernentes ao amplo campo da Psicologia. Apesar de oferecer organização curricular disciplinar, a AC busca manter a dimensão interdisciplinar da matriz e se integrar ao conjunto de práticas pedagógicas em sintonia com a proposta dos BIs (LIMA; COUTINHO, 2009).

O caráter interdisciplinar da Psicologia permite acolher, nesta AC, estudantes dos quatro BIs, pois, como ciência, a Psicologia está formalmente localizada tanto na área da Saúde quanto na área das Humanidades. Ademais, tem com o campo das Artes relações tradicionais de pesquisa e práticas de trabalho e intervenção (LIMA; COUTINHO, 2009). O projeto de AC-ESCH foi desenhado em perspectiva aberta, em concordância com os princípios básicos do Regimento Geral da UFBA: flexibilidade, autonomia, articulação e atualização. Cada estudante pode escolher a maior parte dos CCs de seu interesse, em trajetórias singularizadas.

Com objetivo de manter a dimensão interdisciplinar inerente ao BI, a AC-ESCH se estrutura com apenas dois CCs obrigatórios: “Psicologia, Ciência & Profissão” (68 h) e “Fundamentos Epistemológicos da Psicologia” (68 h). Todos os CCs obrigatórios do CPL-PSICO, até o 5o semestre, e, de acordo com a oferta semestral do curso, são progressivamente ofertados como CCs optativos ou de livre escolha, visando permitir uma aproximação compreensiva e aprofundada sobre a subjetividade, as representações e o comportamento dos seres humanos, conhecimentos relevantes para práticas profissionais diversas, e não apenas para a Psicologia.

Estão excluídos dessa oferta alguns CCs de conteúdo profissionalizante do curso de Psicologia. Contudo, vários estudantes têm acessado alguns deles, aparentemente sem dificuldade e sem prejuízo na sequência do curso. A integralização da AC-ESCH se dá com 1.200 h, distribuídas em três semestres dentro do BI. Os CCs obrigatórios perfazem 136 h e, somados ao CCs optativos provenientes do curso de Psicologia, totalizam 612 h. As demais 408 h são distribuídas em CCs de livre escolha, inclusive os obrigatórios do próprio CPL-Psico, em um subtotal de 1.020 h. As 180 h restantes são cumpridas em Atividades Complementares, podendo ser antecipadas nos três semestres iniciais do BI.

Atualmente, nos cursos brasileiros de graduação em Psicologia, podemos formar psicólogos e licenciados em Psicologia, sendo a primeira dimensão da formação uma condição para a Licenciatura, considerada complementar (BRASIL, 2011). A Formação de Psicólogo é de, no mínimo, quatro mil horas de duração, distribuída em cinco anos (BRASIL, 2007b), sendo 15% da carga horária total do curso, obrigatoriamente, oferecidas em formatado de estágio supervisionado (BRASIL, 2011). No caso da Licenciatura em Psicologia, deverão ser acrescidas mais 800 h, em projeto complementar ao de Formação de Psicólogo, sendo 300 h obrigatórias em estágio supervisionado (BRASIL, 2011). O CPL-Psico da UFBA ainda não oferece Licenciatura.

O curso de Psicologia da UFBA foi criado em 1968. Ao longo das décadas seguintes, foram realizados ajustes para atualização do seu projeto pedagógico. Buscando adequar-se às Diretrizes Curriculares Nacionais para a graduação em Psicologia (CNE/CES, 2004), houve uma ampla reforma curricular, em 2009. O atual currículo está organizado em um Núcleo Comum, a partir dos eixos estruturantes, nos sete primeiros semestres, e na oferta de duas Ênfases Curriculares, nos três últimos semestres: “Psicologia e Atenção à Saúde” e “Psicologia e Processos de Gestão”. A matriz curricular vigente, desde então, apresenta diversidade de CCs, com carga horária total de 4.216 h, das quais 680 h são de CCs optativos, 2.108 h, de CCs obrigatórios e 763 h, destinadas a estágios, além da obrigatoriedade de cumprir 102 h de atividades complementares para a integralização curricular (IPS, 2009).

No projeto pedagógico da AC-ESCH, cerca de 30 CCs do curso são oferecidos aos BIs como CCs optativos. Partindo dessa ampla possibilidade de escolha, o estudante do BI pode completar aproximadamente 35% da carga horária total do CPL-Psico ainda na AC-ESCH. Da oferta na AC-ESCH, são apenas excluídos os CCs que capacitam os futuros psicólogos à prática profissional, a saber: Psicoterapia, Aconselhamento e Avaliação Psicológica, dentre outras.

3 Considerações metodológicas

Neste artigo, analisamos os históricos escolares dos egressos dos BIs (EG-BI) na transição para o CPL-Psico, dos anos 2012 e 2013, em comparação com os históricos escolares de dois grupos de estudantes ingressantes diretamente pelo vestibular, que foram contemporâneos dos EG-BI, antes da transição, no momento em que cursaram a disciplina “Psicologia: Ciência e Profissão”. Destacaremos alguns resultados da investigação em relação ao aproveitamento de CCs nessa transição, ainda que o estudante do BI não tenha cursado uma AC. Comparamos os coeficientes de rendimento (CR), inferindo sobre o tempo estimado para a conclusão do CPL-Psico. De acordo com o Regimento de Ensino de Graduação (REG-UFBA), o CR é “um número entre zero e dez que expressa o rendimento escolar do aluno levando-se em conta as notas finais obtidas nos componentes curriculares e a suas respectivas cargas horárias”. Para tanto, calculamos a porcentagem e/ou a média aritmética das horas cursadas e aproveitadas, considerando a carga horária prevista no currículo do CPL-Psico para os três primeiros semestres, a média aritmética dos coeficientes de rendimento – CR (excluindo aqueles dos estudantes do CPL-Psico em processo de evasão, ou seja, aqueles que tinham CR extremamente baixo, com registro nos seus históricos escolares de CH ≤ 408) e estimamos o tempo de permanência do egresso do BI para a integralização no CPL-Psico, a partir da quantidade de CCs que deveriam cumprir – padrão de seis CCs por semestre.

A amostra corresponde a 31 históricos escolares dos egressos do BI (Grupo 01 com 13 e Grupo 02 com 18, respectivamente, ingressos no CPL-Psico em 2012 e 2013), comparando-os aos históricos de 95 (46 do Grupo 01 e 49 do Grupo 02) estudantes que haviam ingressado diretamente pelo vestibular no curso de graduação em Psicologia e eram, portanto, seus contemporâneos no CPL, que, com algumas exceções, fazem parte das turmas 2010.2 e 2011.2. Esses 95 estudantes que ingressaram pelo vestibular são aqueles que os 31 estudantes do BI encontraram no CC do CPL-Psico denominado “Psicologia: Ciência e Profissão”, oferecido no primeiro semestre do curso.

4 Trajetórias acadêmicas na transição do BI para o CPL-Psico

O Conselho Universitário da UFBA aprovou diretriz para que todas as Unidades de Ensino, a partir de 2012, disponibilizassem 20% de sua entrada no vestibular, à época, para os egressos dos BIs que desejassem prosseguir numa carreira profissionalizante. Assim, no ano de 2012, o Instituto de Psicologia, que receberia 90 estudantes, reservou 18 vagas para egressos do BI. No entanto, apenas 13 estudantes pleitearam o curso naquele momento.

Aplicando os 20% das vagas do curso, em 2012.1, nove egressos do IHAC foram recebidos no CPL-Psico, completando a reserva. Em 2012.2, das nove vagas destinadas a egressos do BI, ingressaram apenas quatro estudantes, ainda egressos da primeira turma, formada em dezembro de 2011. Todos vieram do BI de Humanidades (BI-H), cumpriram o tempo mínimo para integralização curricular (três anos), dos quais dez fizeram a AC-ESCH.

Em 2013, de modo mais regular, 18 egressos do BI fizeram a transição para o CPL-Psico, nove ingressaram em 2013.1 e nove ingressaram em 2013.2, formados no BI em 2012.2. Com a superação dos impedimentos normativos, o IPS conseguiu colocar em prática a prerrogativa do projeto político pedagógico da AC-ESCH, ao receber egressos de qualquer um dos BIs. Nesse ano, recebeu 16 estudantes do BI Humanidade, um do BI Saúde e outro do BI Artes. Todos os 18 estudantes fizeram a AC-ESCH.

Tomando o universo de 13 ingressantes em 2012, de acordo com suas fichas cadastrais preenchidas no ingresso, obtivemos os primeiros dados sociodemográficos: 69,2% do sexo feminino; 69,2% entre 18 e 25 anos, quando ingressaram no BI, em 2009 (a faixa etária varia entre 18 e 46 anos); 69,2% cursaram o Ensino Médio em escola particular; 84,6% de solteiros (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica de estudantes egressos do BI transitando para o CPL-Psico e estudantes do CPL-Psico que ingressaram pelo vestibular no Grupo 01.

Tomando o universo de 18 ingressantes em 2013, também por meio do BI, obtivemos: 78% do sexo feminino, metade (50%) tem entre 18 e 25 anos (faixa etária de 18 a 50 anos), 39% fizeram o Ensino Médio em escola particular, com exceção de três dos egressos que não traziam o dado. Uma estudante já havia concluído graduação na UFBA (não especificada); apenas duas são casadas, 94% são solteiros (Tabela 2).

Tabela 2
Caracterização sociodemográfica de estudantes egressos do BI transitando para o CPL-Psico e estudantes do CPL-Psico que ingressaram pelo vestibular no Grupo 02.

Por sua vez, tomando como base os dados cadastrais dos estudantes que entraram diretamente pelo vestibular (EP), estudantes contemporâneos aos egressos do BI, a turma 2010.2 tem idades que variam de 18 a 51 anos, sendo 82,6% dos estudantes entre 18 e 25 anos; 80,4% são do sexo feminino; 52,1% cursaram o Ensino Médio em escola pública; 39,1% frequentaram escolas particulares; 8,8% não informaram onde completaram o Ensino Médio. Dos 46 estudantes, apenas um se declara casado e 97,8% são solteiros (Tabela 1).

O Grupo 02, turma 2011.2, ingressou no CPL-Psico com idades que variaram de 17 a 54 anos, sendo 72% dos estudantes com menos de 25 anos; 72% do sexo feminino; 53% provenientes de escola pública; 45% de escolas particulares; uma não informou o Ensino Médio nas fichas cadastrais. Dos 46 estudantes, apenas duas declararam-se casadas e 96% solteiros (Tabela 2).

Considerando os dois Grupos, os egressos do BI são relativamente mais velhos do que os que ingressaram diretamente pelo vestibular; a disparidade entre gêneros não é tão acentuada quanto nos cursos tradicionais de Psicologia, embora no Grupo 02 (EG e EP), já se perceba a acentuada presença feminina. Há diferença expressiva entre os que cursaram Ensino Médio em escola pública e os que estudaram em escolas privadas para o Grupo 01. Esse dado parece contradizer o esperado, pois a suposição de que o temor pelo Exame Vestibular fizesse com que, majoritariamente, estudantes de escola pública acessassem o CPL-Psico pelo BI não se confirmou neste Grupo. Pelo contrário, encontramos uma proporção levemente maior de estudantes do CPL-Psico provenientes de escola pública e, por outro lado, predominância de estudantes que cursaram o Ensino Médio em escolas privadas entre aqueles que ingressaram em Psicologia através do BI (Tabela 1). Já no Grupo 02 (EG e EP), a porcentagem dos que vieram de escola pública e privada é idêntica: 39% (Tabela 2).

Ristoff (2014) descreve o perfil dos estudantes que participaram do Exame Nacional de Desempenho (ENADE), nos três últimos ciclos, notando uma tendência nos cursos de Psicologia a receber estudantes oriundos do Ensino Médio público, 41%, 48%, 49%, respectivamente, 2006, 2009 e 2012. No referido estudo conclui que:

Na média dos cursos, as demandas modestas da Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012, que estabelece que 50% das vagas nas IFES em todos os cursos devem ser reservadas a estudantes que tenham cursado integralmente o Ensino Médio em escolas públicas, já estão sendo cumpridas. Quando, no entanto, fazemos a análise curso a curso, vemos que a lei terá, nos próximos anos, um papel importante na promoção de maior acesso de estudantes da escola pública a todo o espectro de cursos da educação superior pública, podendo pavimentar o caminho para que políticas mais agressivas de inclusão se tornem politicamente viáveis e aproximem os percentuais da escola pública aos dos estudantes de educação superior dela oriundos (RISTOFF, 2014, p. 742-743).

O perfil dos egressos (Grupos 01 e 02) na transição CPL-Psico não difere do perfil dos estudantes de Psicologia na UFBA (Grupos 01 e 02), nem do cenário nacional. Em investigação utilizando como corpus o universo de estudantes de Psicologia que fizeram o ENADE em 2006 (total de 23.613 estudantes, com 12.940 ingressantes e 10.673 concluintes, distribuídos em 294 cursos), Yamamoto, Falcão e Seixas (2011) encontraram 83,1% estudantes do sexo feminino e apenas 15,9% do sexo masculino, sendo 73,2% do total brancos autodeclarados. Estavam em instituições de Ensino Superior (IES) privadas 83,7% e, na rede pública, 16,3%. A maioria é jovem, 31,4% dos estudantes estavam na faixa etária de 16 a 21 anos, 41,3%, na faixa etária de 22 a 27 anos e 27,3%, entre 28 a 78 anos. Os autores destacam que 43% estudavam no turno noturno e 49,9% no diurno, sendo 6,8% estudantes dos turnos diurno e noturno (YAMAMOTO; FALCÃO; SEIXAS, 2011). Tais dados sugerem que: a profissão é exercida por jovens adultos; há desigualdade de oportunidades para o ingresso no Ensino Superior em relação à etnia; a profissão é escolhida precocemente, seguindo o padrão preponderante no Brasil em todas as áreas. Segundo Ristoff (2014, p. 730), o “campus brasileiro é cerca de 20% mais branco que a sociedade brasileira”, considerando os dados do Censo do IBGE de 2010, que aponta os brancos como 48% da população brasileira. Nesta direção, afirma que 60% dos estudantes de Psicologia são brancos, estando distante da proporcionalidade brasileira. O autor conclui: “O campus brasileiro como um todo ainda está longe de refletir a nova realidade populacional revelada pelo último Censo do IBGE, na qual, pela primeira vez, pretos e pardos formam o grupo majoritário da população brasileira, com 51%, contra 48% de brancos” (RISTOFF, 2014, p. 742).

Entre os egressos do BI-H, BI de Artes e BI de Saúde do IHAC (Grupos 01 e 02) na transição para o CPL-Psico, diferenciamos percursos que compõem três tipos de trajetórias acadêmicas.

  1. Trajetória acadêmica 1 (TA/AC-ESCH) – cursou a AC-ESCH. Dez estudantes do Grupo 01 e os 18 do Grupo 02.

  2. Trajetória acadêmica 2 (TA/AC-ESCH+) – fez outro curso superior antes de ingressar no BI (dentro ou fora da UFBA) e teve passagem pela AC-ESCH. Uma das estudantes fez parte do curso de Psicologia em outra instituição de Ensino Superior.

  3. Trajetória acadêmica 3 (TA/Sem-AC-GA) – passagem por qualquer outra AC que não a ESCH, ou cumpriu Grande Área não se vinculando a uma AC. Um estudante cumpriu a AC Políticas e Gestão da Cultura (EG-10) e outro cumpriu a Grande Área Humanidades (EG-13) (Tabela 1).

Na matriz curricular do CPL-Psico, o estudante que ingressa diretamente no curso deve cumprir, nos três primeiros semestres, 29,5% da CH total, pois são oferecidos seis CCs por semestre, cada um deles com 408 h, totalizando 1.224 h. A carga horária total do CPL-Psico é de 4.216 horas, sendo 102 h de Atividades Complementares.

Em relação ao aproveitamento de estudos dos egressos do BI para CPL-Psico, a média do aproveitamento do Grupo 01 foi de 24,12% e do Grupo 02 foi de 36,27% (Gráfico 1). De modo geral, a maioria dos egressos cumpre os três primeiros semestres antes de ingressar no CPL-Psico, portanto, como estudante do BI. Neste particular, de modo pioneiro, a UFBA é a única universidade no Brasil a permitir que estudantes universitários tenham acesso progressivo e sistemático a conteúdos da Psicologia como ciência e profissão, sem estar matriculado no curso.

Gráfico 1
Distribuição de percentual das cargas horárias cursadas e aproveitadas na transição BI para o CPL-Psico, por grupo de egressos.

Quando destacamos o percentual de aproveitamento, considerando o tipo de trajetória acadêmica, temos que na Trajetória Acadêmica 1 (TA/AC-ESCH), realizada pela maioria dos egressos de 2012 (79,9%), o aproveitamento de estudos do BI para o CPL-Psico variou de 17,4% a 28,9%, embora os percursos sejam diversos. Já entre os egressos de 2013 (100%), o aproveitamento variou de 19,8% a 45,4%. Observa-se, portanto, maior aproveitamento que no primeiro Grupo. Ainda considerando a TA/AC-ESCH, metade dos egressos (50%) cumpriu todos os CCs relativos ao primeiro semestre (100%) da matriz curricular do curso; uma menor proporção (30%) cumpriu 83,3%; os demais (20%) cumpriram 66,6% dos CCs esperados. Em nenhum dos percursos há registro de cumprimento de 100% dos CCs, exceto os relativos ao primeiro semestre.

O cumprimento da carga horária de CCs optativos, previsto na matriz curricular do CPL-Psico, é de 204 h nos primeiros sete semestres. Na TA/AC-ESCH, todos cursaram ao menos um deles, embora apenas dois tenham cumprido 100% da CH optativa prevista para os primeiros sete semestres. É curioso que, com tanta CH cursada no BI, tão pouco possa ser aproveitado como CC optativo, se levarmos em conta a propalada interdisciplinaridade do campo da Psicologia e o fato de todos eles terem vindo da área de Humanidades, na qual a Psicologia está formalmente inserida nessa universidade.

Todos os egressos do BI, em 2013, Grupo 02, fizeram AC-ESCH. Sete deles (38,8%) cumpriram todos os CCs relativos ao primeiro semestre (408 h); 22,3% desses cursaram 83% (340 h), 16,7% cursaram 66% (272 h), 16,7% cursaram 50% (204 h) e 5,5% cursaram 33% (136 h) dos CCs esperados para o primeiro semestre. Apenas um egresso cumpriu 100% dos CCs de outro semestre (segundo semestre).

Todos os egressos de 2013 (Grupo 02) cursaram as 204 h previstas de CCs optativos do CPL-Psico. Diferentemente do primeiro grupo de egressos, um número relativamente maior (dez egressos) cursou 100% dos CCs optativos necessários para a integralização do CPL-Psico (680 h), o restante cursou ao menos 408 h.

Na Trajetória Acadêmica 2 (TA/AC-ESCH+), representada particularmente pelo percurso da EG-08, temos a maior porcentagem de aproveitamento: 33,0% do total da CH necessária para a integralização curricular no CPL-Psico. Nesse particular, das 1.360 h equivalentes ao CPL-Psico, 340 h foram cursadas em outra IES particular, em Psicologia. Assim, a porcentagem de aproveitamento de estudos diretamente realizados no BI diminui para 24,7%.

O aproveitamento prévio do EG-08 não diminuiu seu tempo de integralização curricular no BI de Humanidades. De modo singular, o estudante integralizou o referido curso com o total de 3.536 h, valor muito superior ao mínimo estabelecido no projeto pedagógico do BI Humanidades, que é de 2.400 h (360 h de atividades complementares), correspondendo a 47,3% a mais de CH. Neste caso, houve claro trajeto interdisciplinar, seguido por mais dois egressos (EG-03 e EG-11), com 39,9% e 41,4%, respectivamente. O EG-08 integralizou o CPL-Psico com mais dois anos e meio (2,5), ou seja, conforme prevíamos, obtendo dois diplomas de nível superior em cinco anos e meio (5,5). Mas essa foi uma trajetória muito singular em relação às demais.

De modo geral, 77% dos egressos integralizaram o BI com carga horária maior ou igual a 2.400 h e menor ou igual a 2.880 h, o que representa apenas 5,7% a mais do necessário para a integralização curricular do BI (2.400 h). Em alguns percursos, 23% dos egressos que cumpriram além do necessário para a integralização curricular, parecem demonstrar investimento na formação interdisciplinar ou busca pela antecipação do CPL (Tabela 3).

Tabela 3
Diferença entre carga horária de integralização e a exigida para formação no BI, em porcentagem, dos egressos BI na transição CPL-Psico – Grupo 01.

A CH mínima para integralização do BI é de 2.400 h, sendo 360 h em atividades complementares. No caso dos egressos BI do Grupo 02, vemos que 94,5% deles integralizaram o curso com CH maior ou igual a 2.400 h e menor ou igual a 2.880 h, representando apenas 7,5% do investimento na formação interdisciplinar, ou de antecipação de CC do CPL-Psico. Houve, no entanto, 5,5% de egressos que investiram 36,5% a mais em termos de carga horária (Tabela 4).

Tabela 4
Diferença entre a carga horária de integralização e a exigida para formação BI, em porcentagem, dos egressos BI na transição CPL-Psico – Grupo 02.

Na Trajetória Acadêmica 3 (TA/Sem-AC-GA), ambos os percursos (EG-10 e EG-13 do Grupo 01) mostram aproveitamento de 8,2% da CH do BI para o CPL-Psico, valor muito baixo em relação aos demais percursos. Nessa trajetória, os estudantes também não cursaram CCs para além das horas de integralização mínima, seguindo a tendência da maioria dos egressos (Tabela 3), independentemente de serem ou não vinculados à AC-ESCH.

Em relação aos percursos dos estudantes que ingressaram diretamente pelo vestibular (EP) para o CPL-Psico, identificamos os seguintes trajetos:

  1. Trajetória acadêmica semestralizada (TA/S): aqueles que cumpriram todos os CCs previstos para os três primeiros semestres (1.224 h), e que corresponde a 73,9% do Grupo 01 (turma de 2010.2) e 53,1% do Grupo 02 (turma 2011.2);

  2. Trajetória acadêmica dessemestralizada (TA/D): aqueles que cumpriram menos que a carga horária esperada, ou aqueles que aproveitaram estudos de outras IES ou da própria UFBA, corresponde a 13% do Grupo 01 e 30,6% do Grupo 02;

  3. Trajetória acadêmica interrompida (TA/I): abandono do curso ou da universidade, entre outros, e que corresponde a 13,1% da primeira e 16,3% da segunda (Tabelas 5 e 6). Esses dados sugerem que há uma maior tendência para evasão do curso ou da universidade no Grupo 02 de EP.

    Tabela 5
    Distribuição das cargas horárias cumpridas por estudante CPL-Psico (Grupo 1) nos três primeiros semestres do curso, por porcentagem.
    Tabela 6
    Distribuição das cargas horárias cumpridas por estudante CPL-Psico (Grupo 2) nos três primeiros semestres do curso, por porcentagem.

É bastante curioso notar que 28 estudantes (EP), 26,1% e 34, 7%, respectivamente dos Grupos 01 e 02 (Tabela 5) não sejam semestralizados, quando tudo está organizado e operacionalizado para que cumpram os CCs indicados para cada semestre. Por que não cumprem todos os CCs previstos para o seu respectivo semestre? São inúmeras as possibilidades explicativas para que a dessesmestralização aconteça. No entanto, a análise dos históricos escolares não pode esclarecer tal comportamento. Desse montante, podemos afirmar que 23,4% (13,1% e 10,3%, correspondendo a cinco estudantes por Grupo) deles desistiram do curso ou da universidade. Apenas com estes dados, não podemos inferir inadequação de escolha ou dificuldade de permanência.

Em relação aos egressos do BI (EG), percebemos uma tendência diferente. Se considerarmos o aproveitamento de estudos dos CCs cursados no BI na transição CPL-Psico, apenas 15,3% cumprem CH maior ou igual a 1.224 h; a maioria (61,8%) aproveitou entre 816 h e 1.224 h; e 22,9% aproveitam menos de 816 h (Tabela 7). No entanto, a dessemestralização dos egressos do BI não é apenas consequência da dificuldade de conseguir vaga nos CCs programados, por não haver mecanismo institucional que lhes garanta o acesso a tais CCs. É, seguramente, consequência da arquitetura curricular proposta nessa modalidade de curso que incentiva o trânsito entre diferentes CPL e não se apega à construção linear do conhecimento.

Tabela 7
Distribuição de estudantes (EG) por carga horária cursada nos três primeiros semestres do CPL-Psico – Grupo 01.

Todos os egressos do BI na transição para o CPL-Psico são dessemestralizados, se considerarmos a lógica linear que preside os cursos tradicionais da UFBA, neste caso, o curso de Psicologia. Por outro lado, muitos estudantes que entraram diretamente pelo vestibular para o CPL-Psico, por motivos diversos, não seguem a matriz curricular planejada, ou seja, tendem à dessemestralização (Tabela 5). Neste último caso, não se aplicam dois dos problemas operacionais que mais contribuem para a dessemestralização dos egressos do BI: falta de vaga no CC e choque de horário entre diferentes CCs.

É oportuno destacar que os estudantes (EG) do Grupo 02 fizeram a transição para o CPL-Psico com a carga horária completa dos primeiros CCs, correspondendo à quase totalidade (94,5%) (Tabela 8). Apesar de tais estudantes cursarem toda a carga horária prevista, não quer dizer que fizeram de modo tão linear como é esperado no CPL, uma vez que tinham que disputar as vagas na última etapa da matrícula, depois dos estudantes do CPL-Psico (EP). De todo modo, a maioria, oito estudantes (EG) do Grupo 01, cursou entre 816 h e 1.224 h de CCs aproveitáveis para o CPL-Psico, ainda quando cursavam o BI, correspondendo a 61,8%. O desejo de antecipar CCs do CPL-Psico, bem como curiosidade e afiliação a esse campo de conhecimento e área profissional, podem ser elementos explicativos para tal comportamento.

Tabela 8
Distribuição de estudantes (EG) por carga horária cursada nos três primeiros semestres do CPL-Psico – Grupo 02.

De modo geral, o CR dos egressos do BI e dos estudantes do CPL-Psico são muito próximos em relação à média geral no curso, respectivamente, 8,0 e 8,2, nos primeiros Grupos (Grupos 01, EG e EP) (Tabela 9); 8,1 e 8,3, nos segundos Grupos (Grupo 02, EG e EP) (Tabela 10). O CR de estudantes em processo de abandono do curso ou da universidade foi excluído do cálculo. Não há, portanto, diferença em relação ao aproveitamento de estudos, em termos de notas.

Tabela 9
Coeficiente de Rendimento de estudantes do CPL-Psico nos três primeiros semestres e dos egressos do BI no CPL-Psico – Grupo 01.
Tabela 10
Coeficiente de Rendimento de estudantes do CPL-Psico nos três primeiros semestres e dos egressos do BI no CPL-Psico – Grupo 02.

No CPL-Psico, o tempo estimado de integralização para aqueles que não fizeram BI ou que não trouxeram aproveitamento de estudos de outra IES é de, no mínimo, cinco anos. No entanto, alguns poucos estudantes integralizam o curso em quatro anos e meio. Um dos fatores contribuintes para diminuir o tempo de integralização curricular é o aproveitamento de carga horária realizada concomitantemente ao cumprimento de CCs obrigatórios: atividades de pesquisa (participação em algum dos programas de iniciação científica) e/ou extensão – como a Psico-Júnior, participação do curso em Políticas de Formação, por indução governamental (PET-Saúde e Pró-Saúde, por exemplo), convertidas em carga horária optativa.

Fior e Mercuri (2009) destacam o mérito das atividades não obrigatórias para os estudantes, reconhecendo seu impacto positivo na formação. Partindo de relatos de experiências concretas dos seus entrevistados, as autoras concluem:

[...] no que se refere às atividades não obrigatórias, a importância atribuída ao próprio componente optativo, que possibilita o exercício da escolha por parte do aluno, incita questionamentos sobre a adequabilidade de políticas educacionais que almejam tornar obrigatórias todas as atividades desenvolvidas pelos estudantes (p. 207-208).

De acordo com a matriz curricular do CPL-Psico, o estudante deve cumprir, em média, seis CCs por semestre, distribuídos em cinco anos, totalizando 57 CCs. Desse modo, o tempo estimado para integralização curricular do CPL-Psico, no caso de estudantes que vêm do BI, pode variar de 2 anos e meio a 4 anos (aqueles que fizeram de 27 a 33 CCs aproveitáveis para o CPL-Psico, quando eram estudantes do BI) (Tabela 11). Há, no entanto, pequenas variações, dependendo dos percursos construídos por cada um dos egressos. Particularmente, a antecipação de CCs do CPL-Psico é o fator principal. Isso tem ocorrido com os estudantes vinculados à AC-ESCH, que antecipam de 33 a 35 CCs ainda no BI (Tabela 11), podendo concluir o CPL-Psico com mais três anos.

Tabela 11
Tempo estimado em anos para integralização curricular de egressos do BI na transição ao curso de Psicologia – Grupo 01.

A análise do tempo de integralização curricular para os EG cumprirem o CPL-Psico carece de uma árdua estratégia de coleta de dados para apuração mais precisa dessa estimativa, que não foi incluída no desenho metodológico deste estudo. São necessários dados ainda não disponíveis no sistema acadêmico da UFBA, que permitam calcular as médias do tempo de integralização curricular dos estudantes que ingressaram diretamente pelo vestibular para o CPL-Psico, para servir de parâmetro comparativo. Apesar dessa imprecisão comparativa relativa ao tempo de integralização real dos estudantes do CPL-Psico, os resultados sugerem que o egresso do BI pode integralizar sua formação profissional em Psicologia com mais três anos de curso (Tabela 12). Cabe registrar que, em 2014.1, houve a primeira graduação em Psicologia de uma estudante egressa do BI (Grupo 01). A discente cumpriu, em um percurso singular (TA/AC-ESCH+), o curso de Psicologia em 2,5 anos, como estimamos na análise do seu histórico escolar.

Tabela 12
Tempo estimado em anos para integralização curricular de egressos do BI na transição ao curso de Psicologia – Grupo 02.

5 Considerações finais

A maioria dos ingressantes do BI na transição para o CPL-Psico cumpriu a mesma carga horária prevista para os primeiros três semestres do curso, construindo uma trajetória acadêmica própria aos estudantes de Psicologia ainda no BI. Tal percurso tende a possibilitar integralização do CPL-Psico com mais três anos de vínculo com a universidade. Este resultado deve ser analisado com cautela, considerando o caráter exploratório do estudo, o foco em apenas um curso de graduação e a ausência de dados anteriores no sistema, visando ao desenvolvimento de investigações que proporcionem análises estatísticas mais sofisticadas e com desenhos longitudinais.

Essa tendência toca em um dos pontos mais recorrentes quando se pensa na entrada de egressos do BI no CPL, e diz respeito ao tempo de permanência de um estudante na universidade. Supõe-se, e em bases totalmente reativas, que ao ingressar pelo BI o estudante demorará muito para chegar à finalização do curso profissionalizante, “guardando” por mais tempo uma vaga pública. Em que pese a falta de dados sobre o assunto, um olhar um pouco mais cuidadoso sobre dados em outras unidades e na universidade brasileira, facilmente será mostrado que não há grande disparidade, comparando-se o tempo médio do estudante que ingressa diretamente no CPL com aquele que ingressa no CPL através do BI. Como foi demonstrado nos resultados, estudantes do BI têm a possibilidade, se assim desejarem, de passar pela área de concentração e fazer a transição para o CPL-Psico com, aproximadamente, 35% da carga horária aproveitada. No entanto, há de ressaltar-se que maior tempo de permanência na universidade gera mais custos públicos por pessoa. A estimativa de investimento público direto em educação superior, por estudante, tem crescido na última década. Em 2000, foi de R$ 20.056,00 e, em 2013, de R$ 21.383,00 (INEP, 2013). Embora estejamos de acordo que recursos públicos devam ser utilizados com parcimônia e eficiência, estamos atentos à advertência de Dilvo Ristoff:

[...] a evasão não é sinônimo de desperdício. O fato de que um aluno cursou, durante algum tempo, algum curso e depois decidiu migrar, ou mesmo abandonar a universidade, não significa que a nação tenha desperdiçado recursos, pois a educação recebida por um ser humano nunca se reduz a um objetivo específico e restrito. A educação recebida é algo que nunca se perde, pois, de uma forma ou de outra, o conhecimento adquirido se dissemina, se repassa, traz consequências, é útil (RISTOFF apud Andrade, 2014, p. 87).

No que diz respeito à capacidade dos estudantes para acompanhar CCs da Psicologia, não houve diferença significativa em relação às notas médias de aprovação dos estudantes egressos do BI e aqueles que entraram por vestibular diretamente (EP) no CPL-Psico, nos mesmos CCs, e semestres cursados. É factível afirmar que tais estudantes, mesmo antes de ingressar no curso profissionalizante, e após um ano e meio de formação geral, são plenamente capazes de obter aproveitamento satisfatório nos CCs aos quais tiveram acesso. Assim, dois estudantes egressos do BI apresentaram reprovação por nota em um CC cursado em Psicologia, portanto, sem diferença do desempenho dos estudantes que entraram pelo vestibular (EP), pois identificamos duas reprovações nos três semestres analisados em cinco percursos distintos desses estudantes (EP). Por ausência de estudos sobre o desempenho de estudantes do BI em relação a estudantes de outras modalidades de curso, recorremos ao estudo desenvolvido na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sobre estudantes cotistas e não cotistas de diferentes graduações, considerando a necessidade de realizações de estudos que desmitifiquem determinadas crenças associadas a recentes políticas de educação afirmativas, concluiu-se:

[...] percebemos que apesar de obterem um resultado inferior em termos de notas médias, os cotistas estão se formando a taxas maiores do que o grupo não beneficiado. Entendemos que, embora estejam apresentando uma dificuldade elevada em progredir, a utilidade da faculdade para os grupos cotistas parece ser maior e tal valoração se tem traduzido em uma maior persistência e taxas de graduação. Se por um lado, uma perda de eficiência da universidade pelas graduações cotistas traduzidas em um CR menor e consequente menor habilidade esperada, por outro lado há um ganho vindo de maiores taxas de graduação que se traduzem em um menor desperdício de recursos (Mendes-Junior, 2014, p. 52).

Como vimos, os estudantes do BI tiveram CR basicamente igual aos estudantes que ingressaram diretamente no curso de Psicologia, diferentemente dos cotistas que tiveram CR menores em relação aos não cotistas, no estudo de Mendes-Junior. Por sua vez, cotistas apresentam taxas de graduação mais elevada do que estudantes não cotistas, e os estudantes BI tenderão a estar mais tempo na universidade, considerando a transição para o ciclo profissionalizante. No entanto, são os não cotistas que mais abandonaram os cursos no primeiro ano (15,6%), taxa muito acima do abandono entre os cotistas (5,8%) (MENDES-JUNIOR, 2014). Por sua vez, estudo também recente (ANDRADE, 2014), um dos poucos disponíveis sobre o BI, descreve evasão no primeiro ano de funcionamento dos BIs. Dos 824 estudantes ingressantes em 2009, primeira turma, em diferentes modalidades de BI da UFBA:

Com base nos históricos escolares desses estudantes, verificamos que 15,9% deles desligaram-se dos BI após solicitação formal de desistência, 11,6% mudaram para outra opção de BI, incluídos nesse total aqueles que participaram de processo seletivo posterior. Outros 72,5% tiveram sua matrícula encerrada por força das regras institucionais, ao deixarem de realizar a inscrição semestral em componentes curriculares ou terem sido reprovados por nota ou frequência em todas as disciplinas, ambos por dois semestres consecutivos ou não (ANDRADE, 2014, p. 151).

Em relação aos motivos para o abandono, o autor ressalta: desafios da implantação (por exemplo: morosidade no estabelecimento das normas de funcionamento dos novos cursos); desejo de cursar uma graduação profissionalizante; baixo desempenho acadêmico; e dificuldades financeiras para permanecer na universidade. Além disso, houve relatos de reingresso na própria universidade em outro curso de graduação ou no BI, em outra área do conhecimento (ANDRADE, 2014). Nesta direção, e de acordo com Ristoff (apud ANDRADE, 2014, p. 86), a “tese economicista associada ao termo evasão tem sérias limitações e é insuficiente para definir o sucesso ou o fracasso de um curso ou de uma instituição”. Acreditamos que a análise de associações significativas entre variáveis não pode negligenciar modelos teóricos, vindos de estudos quantitativos ou mesmo qualitativos para avançar na compreensão de fenômenos tão complexos como os descritos nos estudos citados. Em certa medida, a crítica de Ristoff coaduna com a advertência que Pierre Bourdieu faz à “exibição positivista dos dados e até mesmo das provas” (Bourdieu, 2006, p. 143), que não se resume à negação da associação entre variáveis. Antes, sinaliza a necessária crítica sobre tais associações, considerando a complexidade dos fenômenos que nos desafiam cotidianamente como investigadores e como educadores.

A análise dos históricos escolares também possibilitou que conhecêssemos percursos singulares de ingresso pelo vestibular (EP) que fogem do padrão idealizado pela matriz curricular. São trajetórias que curiosamente se aproximam dos percursos dos egressos do BI na transição CPL-Psico. Entendemos que os percursos desses estudantes egressos do BI radicalizam a ideia de flexibilização e articulação dos currículos, permitindo que problematizemos, por meio de experiências concretas, normas, regras, concepção e organização curriculares clássicas.

Do ponto de vista pedagógico, a identificação de percursos acadêmicos de estudantes (EP) dessemestralizados (não cumpriram os CCs na lógica prevista na matriz curricular) e a aleatoriedade de cumprimento de CCs do CPL-Psico dos egressos do BI, mantendo desempenho satisfatório em relação às notas, exige reflexão sobre a arbitrariedade de investir na construção de matrizes curriculares lineares e com alto grau de pré-requisitos, além da notória inflexibilidade de alguns cursos superiores que dicotomizam atividades teóricas e práticas, reforçando a disciplinaridade e dificultando a inclusão de metodologias ativas de ensino-aprendizagem.

A presença do BI e o pioneirismo da proposta implementada na UFBA e, por certo, outras propostas em curso nas demais Universidades Federais, se acompanhadas e avaliadas seriamente, a curto, médio e longo prazos, possivelmente levarão a universidade a usufruir da função denunciante que o autodidata exerce na instituição escolar:

Por ter adquirido sua cultura fora da ordem legítima instaurada pela instituição escolar, o autodidata está destinado a denunciar incessantemente, em sua própria ansiedade relativa à boa classificação, a arbitrariedade de suas classificações e, por conseguinte, de seus saberes, espécie de pérolas sem fio, acumuladas no decorrer de uma aprendizagem singular, ignorando as etapas e os obstáculos institucionalizados e padronizados, os programas e as progressões que transformam a cultura escolar em um conjunto hierarquizado e hierarquizante de saberes imprescindíveis. As carências, as lacunas, as classificações arbitrárias de sua cultura existem apenas em relação a uma cultura escolar que está em condições de fazer com que seja desconhecida a arbitrariedade de suas classificações, além de se fazer reconhecer, inclusive, em suas lacunas (BOURDIEU, 2011, p. 307).

O presente estudo, por meio da análise dos históricos escolares dos dois Grupos (BI e CPL), possibilitou identificar trajetórias acadêmicas interrompidas (TAI) entre estudantes do CPL-Psico, com acesso direto por vestibular. Tal identificação oferece evidências de que um curso atrativo e almejado pelos jovens, que está entre os três primeiros mais concorridos da UFBA nos últimos anos, também enfrenta o problema de evasão. Entrevistamos pontualmente alguns deles e vimos que as trajetórias interrompidas não indicam fracasso pessoal e possibilitam repensar a evasão como reorientação de vida e de carreira. Por outro lado, é preciso pensar em estratégias institucionais que minimizem a evasão e os prejuízos daí decorrentes (LIMA, COUTINHO, SANTOS, 2015).

Por meio da análise das entrevistas que mapearam as trajetórias acadêmicas dos egressos da primeira turma do BI no CPL-Psicologia – Grupo 01, destacamos dois aspectos positivos: o primeiro diz respeito ao fato de que o acesso à universidade pelo BI trouxe receios e discriminação, mas, sobretudo, ofereceu uma nova possibilidade de acessar o Ensino Superior sem a pressão de uma escolha prévia e prematura. Em segundo lugar, a escolha informada, permeada pela vivência universitária, oferece ao estudante a oportunidade de escolher com mais consciência seu futuro, tanto na graduação profissional quanto na pós-graduação (LIMA, COUTINHO, JALIL, [2017]. A formação interdisciplinar, decorrente da circulação por diferentes campos do conhecimento e de experiências concretas de ensino-aprendizagem diversificadas e complementares, cumpre uma função de formação cidadã necessária ao mundo complexo e globalizado em que vivemos. Uma formação inter e transdisciplinar parece-nos importante para produzir profissionais qualificados, críticos e compromissados com os desafios da sociedade contemporânea.

Nesta direção, será importante vencer preconceitos e discriminações com outros movimentos investigativos que problematizem as resistências encontradas, sobretudo por atores sociais que desconheçam a proposta dos BIs. Concluímos, com base nesse percurso investigativo, que a passagem pelo BI pode contribuir significativamente para uma escolha profissional consciente, além de minimizar a evasão decorrente de uma decisão precocemente imposta fora do mundo universitário profissional (LIMA, COUTINHO, SANTOS, 2015).

Por fim, cabe ressaltar que vários fatores intervieram na baixa procura, em 2012, de estudantes do BI para a transição ao curso de Psicologia (das 18 vagas, apenas 13 foram preenchidas na primeira turma), considerando que a AC-ESCH contava com expressiva quantidade de estudantes – cerca de 50 graduandos dos BIs em seus CCs. Alguns estudantes utilizaram a estratégia de atrasar a colação de grau no BI, de modo a ter acesso garantido a disciplinas em Psicologia, evitando a incerteza de entrar ou não no curso naquele momento, por conta da disputa nos escores. Por outro lado, naquele ano, havia uma trava no sistema da UFBA que impedia estudantes dos BIs de Artes, Saúde e Ciências de pleitear vaga em Psicologia. O argumento utilizado era o de que o Manual do Vestibular da UFBA localizava o curso de Psicologia na área de Ciências Humanas. Por este motivo, os estudantes egressos do BI para o CPL-Psico vieram todos do BI de Humanidades.

Esta situação sinaliza a arbitrariedade de restringir cursos a áreas específicas de conhecimento, ou seja, demonstra a imposição disciplinar excessiva da formação universitária. O estudo de Cervantes y Diez-Martínez (2011, p. 51), comparando a congruência entre a primeira e a segunda opção ocupacional de estudantes de Ensino Médio no México, em seu processo de ingresso na universidade, concluem que “na maioria dos casos não existe relação alguma entre estas aspirações e as áreas de conhecimento às quais as aspirações se referem”, ou seja, os estudantes se interessam ao mesmo tempo por cursos de diferentes áreas.

Estes resultados sugerem que os estudantes não são tão “disciplinados” ao ingressar na universidade, e que as regras e normas reforçam uma formação disciplinar que não se justifica em si mesma. A partir desses achados, podemos refletir sobre algum aspecto importante: os estudantes empregam estratégias de trânsitos entre cursos, indicando um processo de resistência à disciplinarização. Tal resistência não pode ser reduzida a uma incapacidade de escolha do curso profissional. Por um lado, estudantes do BI de Artes e de Saúde que haviam cursado toda a AC-ESCH foram impedidos de se matricular no curso de Psicologia, sendo obrigados a redirecionar suas escolhas para cursos formalmente inseridos nas respectivas áreas. Por outro lado, alguns outros, que vinham cursando o BI Ciências e o BI Artes, migraram para o BI Humanidades, ao perceber que essa trava os impediria de pleitear o curso de Psicologia, o que acarretou atraso na conclusão do BI. Assim, a coexistência do BI com cursos profissionalizantes permitiu que normas e regras naturalizadas fossem revistas, promovendo, na universidade, a reflexão acerca das “arbitrariedades”.

Por fim, essa situação revela os desafios da implantação do BI, as repercussões no cotidiano da vida universitária, bem como as limitações do presente estudo. Além disso, ratifica a necessidade de pesquisas que possam oferecer consistência empírica e teórica aos resultados e discussões deste estudo exploratório, ampliando a compreensão desse singular e inaugural movimento aqui descrito.

Até o momento, essas são as trajetórias que conseguimos captar. Trata-se das duas primeiras turmas de egressos do BI que fazem a passagem para o curso profissionalizante de Psicologia. Muito ainda temos que percorrer junto às novas turmas, a fim de chegarmos a resultados mais robustos sobre tal experiência que, até aqui, tem-se mostrado produtiva e proveitosa para todos os envolvidos.

Referências

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  • 1
    Artigo derivado do Projeto de Pesquisa “Trajetórias acadêmicas e construção de significados e sentidos na transição dos Bacharelados Interdisciplinares à formação em Psicologia” financiado pelo Edital PROPCI-PROEXT-PROPG/UFBA 01/2011 – PROUFBA.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    25 Set 2014
  • Aceito
    05 Set 2015
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