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Violências: uma questão da escola? O que pensam os(as) professores(as) de uma escola pública 1 1 Disponibilidade de dados: Disponibilidade de dados: O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível no site do Insttituto de Gênero da Universidae Federal de Santa Catarina (IEG/UFSC). Pode ser acessado em: https://ieg.ufsc.br/projetos/1

Violence in schools: Is it the school’s problem? What do teachers from a public school in Brazil think?

Resumo

O presente artigo analisou como os(as) professores(as) de uma escola de educação básica compreendem a violência no ambiente escolar, a partir de pesquisa de abordagem qualitativa realizada no município de Florianópolis. É resultado da segunda etapa de coleta de dados da pesquisa intitulada Violências nas escolas de Santa Catarina: inovações educacionais no contexto da Pandemia/Covid-19 , financiada pela FAPESC 3 3 Agradecemos à Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica de Santa Catarina pelo apoio financeiro para realização desta pesquisa. , através do Nº: UNI2020121000240, do edital de chamada pública FAPESC Nº 12/2020 - Programa de Pesquisa Universal. Para coleta de dados, foram realizadas entrevistas semiestruturadas e análise de conteúdo para organização dos dados. A primeira etapa consistiu na transcrição das entrevistas, pré-análise e formulação de hipóteses. Na segunda etapa foi realizada a categorização a partir dos aspectos centrais abordados na entrevista. Dentre os resultados, dois aspectos chamaram a atenção. Primeiro, as violências no espaço escolar são alvo de intervenção a partir de sua gravidade e intensidade. Segundo, as estratégias de prevenção e enfrentamento das violências estão diretamente relacionadas à construção de um planejamento da gestão da política educacional em âmbito municipal sobre a temática. Cabe, ainda, destacar que a violência escolar não pode ser analisada fora do meio social e cultural onde a escola está inserida, pois esta possui uma relação intrínseca com o contexto.

Palavras-chave
Violência escolar; Espaço escolar; Professores(as)

Abstract

The current article analyzed how violence in school is viewed by teachers in a public school, based on a qualitative study in Florianópolis, state capital of Santa Catarina, Brazil. The findings are from the second stage of data collection in the study entitled Violence in schools in Santa Catarina: educational innovations in the context of the Covid-19 pandemic, financed by the Santa Catarina State Research Support Foundation (FAPESC) 4 4 We wish to the thank the Santa Catarina State Research Support Foundation for the funding to conduct this study. through grant number: UNI2020121000240, under the public call for projects FAPESC no. 12/2020, Universal Research Program. Data were collected using semi-structured interviews, with content analysis for the data’s organization. The first stage involved transcribing the interviews, a preliminary analysis, and formulation of hypotheses. The second stage featured categorization according to the central aspects examined in the interviews. Two findings stood out. First, interventions in violence in the school depend on the problem’s severity and intensity. Second, the strategies for preventing and dealing with violence are directly related to the way the issue is addressed in the management plan for educational policy at the municipal level. Importantly, violence in the school cannot be analyzed outside the school’s social and cultural environment, because schools are intrinsically related to the context to which they belong.

Keywords
Violence in schools ; School environment ; Teachers

Introdução

A violência é um fenômeno social complexo e multifacetado, atingindo de forma diferente diversos grupos sociais e instituições (Nesello et al ., 2014NESELLO, Francine et al. Características da violência escolar no Brasil: revisão sistemática de estudos quantitativos. Revista Brasileira de Saude Maternal Infantil, Recife, v. 14, n. 2, p. 119-136, 2014. ). Diante da complexidade do fenômeno e dos debates teóricos mobilizados (Abramovay, 2012ABRAMOVAY, Miriam (coord.) et al. Conversando sobre violência e convivência nas escolas. Rio de Janeiro: Flacso - Brasil: OEI: MEC, 2012. , 2016ABRAMOVAY, Miriam (coord.) et al. Diagnóstico participativo das violências nas escolas: falam os jovens. Rio de Janeiro: Flacso - Brasil: OEI: MEC, 2016. ; Abramovay; Rua, 2002ABRAMOVAY, Miriam; RUA, Maria das Graças. Escola e violência. Brasília, DF: Unesco, 2002. ; Magalhães; Santos, 2016MAGALHÃES, Karin Cristina de Souza Moraes; SANTOS, Sheila Daniela Medeiros. Expressões da violência na escola: relações paradoxais presentes nas publicações científicas brasileiras. Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, v. 16, n. 01, p. 161-179, 2016. ; Sposito, 2001SPOSITO, Marília. Pontes. Um breve balanço da pesquisa sobre violência escolar no Brasil. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27, n. 1, p. 87-103, jan./jun. 2001. ), recorremos à concepção de Elis Paula Priotto e Lindomar Wessler Boneti ( 2009PRIOTTO, Elis Palma; BONETI, Lindomar Wessler. Violência escolar: na escola, da escola e contra a escola. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 9, n. 26, p. 161-179, 2009. ) para compreender as violências, segundo o corpo docente e suas manifestações no espaço escolar. Para Priotto e Boneti ( 2009PRIOTTO, Elis Palma; BONETI, Lindomar Wessler. Violência escolar: na escola, da escola e contra a escola. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 9, n. 26, p. 161-179, 2009. ), as violências escolares são apresentadas como violências na escola, da escola e contra a escola, destacando que as mesmas não estão circunscritas ao espaço físico da instituição, mas envolvem as relações sociais da comunidade escolar e do seu entorno.

A escolha da leitura teórica contribuiu para evidenciar as violências relatadas que ocorrem no âmbito da escola em que os(as) professores(as) entrevistados(as) estão inseridos(as), bem como qualificar suas expressões e, sobretudo, suas particularidades. Destacamos que as violências mapeadas, suas intensidades e as que foram citadas como as mais incidentes, estão intimamente associadas e projetam discussões sobre a organização das sociedades e suas culturas. Em vista disso, consideramos que para além de serem apenas experiências pessoais, constituem-se como um fenômeno institucional e estrutural, portanto, como objeto de gestão de políticas sociais públicas e de planejamento pedagógico para sua prevenção e enfrentamento.

Ademais, a violência estrutural e, por sua vez, a violência escolar, refletem as vulnerabilidades econômicas, políticas, sociais e modos de vida contemporâneos, bem como o exercício de poderes individuais e coletivos. Logo, as violências escolares expressam as relações de força que atravessam pessoas, discursos, saberes e práticas, vinculadas às violências diretas, estruturais e culturais (Flickinger, 2018FLICKINGER, Hans-Georg. Johan Galtung e a violência escolar. Roteiro, Joaçaba, v. 43, n. 2, p. 433-448, 2018. ).

Para os(as) autores(as) (Nesello et al ., 2014NESELLO, Francine et al. Características da violência escolar no Brasil: revisão sistemática de estudos quantitativos. Revista Brasileira de Saude Maternal Infantil, Recife, v. 14, n. 2, p. 119-136, 2014. ), a violência escolar caracteriza-se pelo uso da força física e/ou do poder, real ou em ameaça, contra si mesmo, outra pessoa, grupo ou comunidade. Pode ter como decorrência lesão, morte, dano psicológico, perturbação do desenvolvimento ou privação (Nesello et al. , 2014NESELLO, Francine et al. Características da violência escolar no Brasil: revisão sistemática de estudos quantitativos. Revista Brasileira de Saude Maternal Infantil, Recife, v. 14, n. 2, p. 119-136, 2014. ).

O espaço escolar possui destaque quando pensamos no fenômeno da violência contra e entre crianças e adolescentes. A escola é, depois do ambiente familiar, o espaço de maior convívio social dos sujeitos (Nesello et al ., 2014NESELLO, Francine et al. Características da violência escolar no Brasil: revisão sistemática de estudos quantitativos. Revista Brasileira de Saude Maternal Infantil, Recife, v. 14, n. 2, p. 119-136, 2014. ). Stelko-Pereira e Williams ( 2010STELKO-PEREIRA, Ana Carina; WILLIAMS, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque. Reflexões sobre o conceito de violência escolar e a busca por uma definição abrangente. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto, v. 18, v. 1, p. 45-55, 2010. ) apontam que a delimitação geográfica se constitui como um elemento chave na definição da violência escolar. As autoras ressaltam que essa modalidade de violência não está circunscrita somente ao espaço físico da escola, envolve também o trajeto casa-escola, locais em que ocorrem passeios e/ou festas escolares, bairros e residência dos estudantes, onde os assuntos escolares acarretam violência (Stelko-Pereira; Williams, 2010STELKO-PEREIRA, Ana Carina; WILLIAMS, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque. Reflexões sobre o conceito de violência escolar e a busca por uma definição abrangente. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto, v. 18, v. 1, p. 45-55, 2010. ).

Outrossim, a escola pode ser compreendida como um espaço sócio-cultural, com um conjunto de normas e regras que busca unificar e delimitar a ação dos sujeitos (Dayrell, 2011DAYRELL, Juarez Tarcísio. A escola como espaço sócio-cultural. In: LIMA, Gláucia da Conceição; SOUSA, Glauber Santana. Didática especial para o ensino de ciências e biologia I. São Cristóvão: UFS: Cesad, 2011. p. 73-98. ). A partir dessa perspectiva, é possível compreendermos que a região geográfica onde a escola está inserida pode exercer uma influência direta no ambiente escolar.

Deste modo, a violência escolar é objeto de preocupação social e, em alguns casos, as instituições escolares têm sido ambientes que promovem práticas excludentes e violentas (Giordani; Seffner; Dell’Aglio, 2017GIORDANI, Jaqueline Portella; SEFFNER, Fernando; DELL’AGLIO, Débora Dalbosco. Violência escolar: percepções de alunos e professores de uma escola pública. Psicologia Escolar e Educação, São Paulo, v. 21, n. 1, p. 103-111, 2017. ). Pesquisas apontam que o fenômeno da violência vem sendo identificado de diferentes formas: agressão física, verbal, psicológica, entre professor(a)-aluno(a), aluno(a)-aluno(a), família-escola (Melo; Barros; Almeida, 2011MELO, Monica Cristina Batista; BARROS, Érika Neves; ALMEIDA, Andréia Lages Gomes. A representação da violência em adolescentes da rede pública de ensino do município do Jaboatão dos Guararapes. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 10, p. 4211-4220, 2011. ; Souza, 2012SOUZA, Kátia Ovídia José. Violência em escolas públicas e a promoção da saúde: relatos e diálogos com alunos e professores. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, Fortaleza, v. 25, n. 1, p. 71-79, 2012. ; Giordani; Seffner; Dell’Aglio, 2017GIORDANI, Jaqueline Portella; SEFFNER, Fernando; DELL’AGLIO, Débora Dalbosco. Violência escolar: percepções de alunos e professores de uma escola pública. Psicologia Escolar e Educação, São Paulo, v. 21, n. 1, p. 103-111, 2017. ).

Compreendendo que a delimitação geográfica é um dos elementos determinantes para pensar o fenômeno da violência escolar, o município de Florianópolis, mais especificamente uma escola localizada no norte da ilha, foi o cenário da coleta de dados, em função de ser uma das regiões pesquisadas.

O presente artigo aborda como os(as) professores(as) se posicionam sobre a violência e como ela se evidencia em seu espaço escolar. Ademais, integram os resultados: a formação acadêmica-profissional, os desdobramentos da pandemia nas situações de violência e o vínculo da família com a escola. Mais do que as causas das violências escolares, que entendemos serem estruturais, optamos por apresentar suas manifestações e repercussões para os sujeitos e o espaço educacional, além dos desafios para seus enfrentamentos.

Para contemplar os resultados da pesquisa, apresentamos a seguir o caminho metodológico, que inclui o instrumento de coleta de dados e a técnica de análise utilizada, posteriormente, os dados coletados através das entrevistas e as discussões suscitadas, bem como as considerações finais.

Metodologia

A pesquisa é de natureza exploratória, sendo sua abordagem qualitativa. A fim de compreender de forma mais detalhada como as violências acontecem no espaço escolar, realizamos cinco entrevistas semiestruturadas em uma escola municipal de Florianópolis, identificadas com numerais (entrevista 1, 2…). Estas foram realizadas com uma professora dos anos iniciais, uma do Ensino Médio e três orientadores(as), com duração de uma hora. O roteiro de entrevistas contemplou oito aspectos: identificação geral; formação; experiência profissional; violências no campo educacional; violências de gênero; pandemia; família e vivências. Utilizamos a análise de conteúdo como técnica, que consiste na identificação de temas e seus núcleos de sentido (Bardin, 2010BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2010. ; Minayo, 2012MINAYO, Maria Cecília de Souza. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 3, p. 621-626, 2012. ).

Realizamos a transcrição das entrevistas e, em seguida, uma pré-análise, que abarcou uma leitura flutuante e formulação de hipóteses, a partir dos dados que emergiram nos relatos dos(as) professores(as). A segunda etapa consistiu no processo de categorização, que compreendeu o que identificamos como frequente e singular em todas as entrevistas, recorrendo à literatura para a discussão, organizada nos resultados. Desse modo, foi construído um sistema de categorias decorrentes do empírico e que correspondeu aos aspectos centrais, como: formação e formação continuada; trajetória profissional; violências escolares; gênero, sexualidade e sua relação com as violências; pandemia; família e vivências.

Destacamos que para o presente texto, abordamos os subtemas que mais se projetaram e os estruturamos da seguinte forma: violências no campo educacional; violência no espaço escolar: a pandemia; por fim, considerações. Entendemos que as narrativas dos(as) entrevistados(os) estão situadas em seu contexto e trajetória de vida, estando estas diretamente relacionadas às suas formações acadêmicas e experiências profissionais no campo da educação.

Identificação do locus

Para a escolha da unidade escolar, foi considerado como critério de seleção a escola municipal com o maior número de estudantes, abrangendo os ensinos Fundamental I e Fundamental II. O bairro onde a escola está localizada é o segundo da cidade de Florianópolis com mais mortes violentas, com o total de 11 homicídios e uma morte por confronto policial. De acordo com os dados do relatório de 2018 da Rede de Assistência Social do município (Florianópolis, 2018 FLORIANÓPOLIS. Prefeitura. Floripa Social: intervenção social no norte da ilha. Florianópolis: Prefeitura, 2018. Disponível em: https://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/Projeto_Floripa_Social_Intervencao_Social_no_Norte_da_Ilha_site.pdf . Acesso em: 18 mar. 2024.
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), a região norte é a que contém mais mortes violentas, sendo registradas 48 mortes no ano. Os dados apresentados pelo relatório ainda trazem que a região norte de Florianópolis tem 27,72% do total de domicílios com renda de até 3 salários mínimos (na época em que o relatório foi elaborado, o valor correspondia a R$ 2.811,00). Outro ponto importante é que, entre 2010 e 2015, a região apresentou taxas elevadas de aumento populacional acarretadas pelo processo de migração.

Em relação à vulnerabilidade socioeconômica, o bairro apresentou o maior número de famílias registradas no Cadastro Único (CadÚnico), totalizando 264 famílias e/ou pessoas beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF) (Florianópolis, 2018 FLORIANÓPOLIS. Prefeitura. Floripa Social: intervenção social no norte da ilha. Florianópolis: Prefeitura, 2018. Disponível em: https://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/Projeto_Floripa_Social_Intervencao_Social_no_Norte_da_Ilha_site.pdf . Acesso em: 18 mar. 2024.
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). Além disso, os indicadores evidenciaram as áreas de risco, o desemprego, as pessoas com deficiência, as doenças crônicas, a baixa renda e os conflitos familiares como pontos de maior vulnerabilidade da região (Florianópolis, 2018 FLORIANÓPOLIS. Prefeitura. Floripa Social: intervenção social no norte da ilha. Florianópolis: Prefeitura, 2018. Disponível em: https://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/Projeto_Floripa_Social_Intervencao_Social_no_Norte_da_Ilha_site.pdf . Acesso em: 18 mar. 2024.
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).

No que se refere às situações de violações de direitos, o relatório aponta que, no ano de 2016, 254 famílias do município foram acompanhadas pelo serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI), sendo 79 famílias no PAEFI Continente e 175 no PAEFI Ilha (Prefeitura de Florianópolis, 2018 FLORIANÓPOLIS. Prefeitura. Floripa Social: intervenção social no norte da ilha. Florianópolis: Prefeitura, 2018. Disponível em: https://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/Projeto_Floripa_Social_Intervencao_Social_no_Norte_da_Ilha_site.pdf . Acesso em: 18 mar. 2024.
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). A região norte é uma das que mais apresenta casos de violações de direitos, a saber: violência física (92), violência sexual (53), violência psicológica (117), negligência/abandono (96), alienação parental (4), discriminação: raça/xenofobia/gênero (1), violência intrafamiliar (48), outros tipos de violência (3) e sem informação (16) (Prefeitura de Florianópolis, 2018 FLORIANÓPOLIS. Prefeitura. Floripa Social: intervenção social no norte da ilha. Florianópolis: Prefeitura, 2018. Disponível em: https://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/Projeto_Floripa_Social_Intervencao_Social_no_Norte_da_Ilha_site.pdf . Acesso em: 18 mar. 2024.
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). Dos bairros da região norte, o bairro onde a escola está localizada foi o que apresentou mais situações de violação, com um total de 103 registradas, sendo a negligência e/ou abandono a violação mais recorrente, seguidos da violência física (Prefeitura de Florianópolis, 2018 FLORIANÓPOLIS. Prefeitura. Floripa Social: intervenção social no norte da ilha. Florianópolis: Prefeitura, 2018. Disponível em: https://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/Projeto_Floripa_Social_Intervencao_Social_no_Norte_da_Ilha_site.pdf . Acesso em: 18 mar. 2024.
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).

O espaço escolar não pode ser desvinculado do contexto social que o abarca. Stelko-Pereira & Williams ( 2010STELKO-PEREIRA, Ana Carina; WILLIAMS, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque. Reflexões sobre o conceito de violência escolar e a busca por uma definição abrangente. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto, v. 18, v. 1, p. 45-55, 2010. ) apontam que, ao compreendermos a importância social da escola, torna-se necessário delimitar de forma mais precisa o fenômeno da violência escolar, para, assim, inseri-la no fenômeno da violência que permeia não só o ambiente escolar, mas também a sociedade.

Identificação dos participantes

Participaram do estudo cinco entrevistados(as), todos(as) membros(as) servidores(as) do corpo docente da escola. Como critério de seleção para a escolha dos(as) entrevistados(as), solicitamos à direção a indicação de profissionais que atuassem em diferentes níveis de ensino (Fundamental I e II) e de função (orientação pedagógica e gestação). Os(as) profissionais que aceitaram participar da pesquisa e que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foram: duas pedagogas na função de orientadoras educacionais (Fundamental I e II); um pedagogo na função de assistente da direção; uma bióloga, professora dos anos finais; uma pedagoga, professora dos anos iniciais.

É importante ressaltarmos que os marcadores sociais (gênero, orientação sexual, idade, raça/etnia, religião) foram analisados a partir de uma perspectiva interseccional (Kyrillos, 2020 KYRILLOS, Gabriela M. Uma análise crítica sobre os antecedentes da interseccionalidade. Revista Estudos Feministas, [S. l.], v. 28, n. 1, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/1806-9584-2020v28n156509 . Acesso em: 17 mar. 2024.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref...
), o que nos leva a considerá-los em seu conjunto para dar visibilidade à complexidade das narrativas sobre o fenômeno da violência escolar.

Dos(as) cinco entrevistados(as), quatro se identificaram como mulheres cis e um como homem cis, reafirmando a educação como um espaço majoritariamente feminino. Nos últimos anos, tal área é caracterizada como uma das mais femininas (Zucco; Simões; 2012ZUCCO, Luciana Patrícia; SIMÕES, Pedro. Os anos 2000: os homens no serviço social. In: SIMÕES, Pedro (org.). Assistentes sociais no Brasil: um estudo a partir das Pnads. v. 1. Rio de Janeiro: E-papers, 2012. p. 115-128. ).

Os(as) participantes possuem idade média de 47,4 anos, sendo 42 a idade mínima e 55 a idade máxima. A configuração da idade sugere que as pessoas entrevistadas possuem uma trajetória consolidada na docência. Outro aspecto a ser considerado em relação à idade dos(as) entrevistados(as) é o ano de formação dos mesmos, sendo de mais de uma década, o que implica diretamente na presença ou ausência da temática da violência escolar no processo formativo. Assim, há a possibilidade do fenômeno da violência ter se apresentado aos(as) entrevistados(as) na experiência da docência, bem como as intervenções realizadas terem sido perpassadas por um recorte temporal da formação.

Em relação à autodeclaração étnico-racial, quatro entrevistados(as) se autodeclararam brancos e uma se autodeclarou preta. Esse dado deve ser considerado a partir de um recorte geográfico, tendo em vista que a região sul do país, até o ano de 2010, possuía 78% da população branca, 17% de pardos, 4% de pretos e 1% de amarelos (CUT, 2013 CUT. Central Única dos Trabalhadores; Secretaria de Combate ao Racismo; CONFERÊNCIA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL, 3., 2013, Brasília, DF. III Conapir. Brasília, DF: CUT, 2013. ). Entretanto, apesar do recorte geográfico, é necessário pontuarmos que o acesso ao sistema educacional se mostra equilibrado entre brancos e negros, as desigualdades se evidenciam internamente no sistema, podendo ser explicitadas através dos dados referentes à distorção idade-série nas etapas fundamental e média do ensino (Portal Geledés, 2013 PORTAL GELEDÉS; Instituto Mulher Negra. Guia de enfrentamento do racismo institucional. São Paulo: Geledés: Centro Feminista de Estudos e Assessoria, 2013. Disponível em: https://www.geledes.org.br/racismo-institucional-uma-abordagem-teorica-e-guia-de-enfrentamento-do-racismo-institucional/ . Acesso em: 17 mar. 2024.
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). Tal fato nos possibilita inferir que há um número significativo de pessoas brancas em detrimento de pessoas pretas que acessam e completam o ensino universitário, logo, a entrada no mercado de trabalho se projeta de modo diferente para ambos os grupos, particularmente no sul do país. Outro dado importante para compreendermos esse fenômeno é a exclusão histórica de determinados segmentos nas instituições de ensino superior (Portal Geledés, 2013 PORTAL GELEDÉS; Instituto Mulher Negra. Guia de enfrentamento do racismo institucional. São Paulo: Geledés: Centro Feminista de Estudos e Assessoria, 2013. Disponível em: https://www.geledes.org.br/racismo-institucional-uma-abordagem-teorica-e-guia-de-enfrentamento-do-racismo-institucional/ . Acesso em: 17 mar. 2024.
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).

No que se refere à religião, quatro entrevistados(as) indicaram ser católicos(as) e um não possui religião. Os dados do Censo Demográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), explicitam que os católicos representavam 64,6% da população. O recorte da religião nos dá uma perspectiva importante, pois algumas temáticas podem ser secundarizadas, como a discussão da violência e as dimensões que a envolve (IBGE, 2010 IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010: número de católicos cai e aumenta e aumenta o de evangélicos, espíritas e sem religião. Brasília, DF: IBGE, 2010. ).

A identificação dos(as) entrevistados(as), além da identificação do locus são fundamentais para compreendermos a construção histórica do processo de ensino e os temas transversais que o perpassam, e que contribuem para formação cidadã e profissional. Neste sentido, no próximo item apresentamos os resultados sobre a formação e experiência profissional.

Formação acadêmica e experiência profissional

Em relação ao ano de conclusão da graduação dos(as) entrevistados(as), dois se formaram antes de 2000, dois até 2010 e uma até 2015. Estes dados apontam para o contexto social, assim como para as diretrizes e políticas públicas educacionais que orientam o ensino básico e, de certo modo, apresentam-se no currículo do curso de Pedagogia. Dos(as) cinco entrevistados(as), quatro eram formados(as) em Pedagogia e uma em Ciências Biológicas. Destes(as) quatro pedagogos(as), três não tiveram em sua formação as temáticas de gênero, direitos humanos e violências, apenas uma teve tais conteúdos, com destaque para o ano da sua formação, que foi 2012.

Dois pedagogos(as) se formaram antes da aprovação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de 1998, duas pedagogas e uma bióloga se formaram logo após sua aprovação. É importante ressaltar que uma das pedagogas teve sua primeira graduação em Serviço Social, sendo a ela garantido, neste curso, os conteúdos de gênero e direitos humanos.

Em serviço social, a gente tinha bastante, até mais do que em pedagogia. [...] E tinha disciplina sobre o estatuto, sobre os movimentos sociais [...] mas na pedagogia foi menos, isso me chamou bastante atenção nos cursos. [...] eu vi mais essa questão da violência na questão de gênero, porque na universidade, na pedagogia, eu fui bolsista de uma professora que trabalha a questão de gênero, então eu consegui ver e ter acesso à discussão mais por esse grupo, não pela grade de disciplinas do curso.

(Entrevista 1).

Determinar o ano de regulamentação dos PCNs (1998) e o ano de formação dos(as) entrevistados(as), nos possibilita compreender a ausência dos conteúdos de gênero e direitos humanos nos currículos acadêmicos. Os PCNs envolvem os temas transversais de ética, saúde, meio ambiente, pluralidade cultural e orientação sexual. São diretrizes que orientam o corpo docente tanto da rede pública como da rede privada de acordo com o nível de ensino, assegurando conhecimentos necessários ao corpo discente para sua formação cidadã. Se constituem como norteadores para os(as) atores responsáveis pelas instituições educacionais, sendo possível sua adaptação às realidades locais (Brasil, 1998BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais. Brasília, DF: MEC/SEF, 1998. ).

Nota-se que desde o final da década de 1990 (Brasil, 1998BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais. Brasília, DF: MEC/SEF, 1998. ), esses temas se constituem em objeto da política de educação, embora figurem como temas sensíveis e do espaço privado e familiar, acarretando uma resistência de serem incluídos na formação profissional e, por conseguinte, no espaço escolar e nos cursos de graduação dos(as) profissionais da educação. Normalmente, discussões relacionadas ao corpo e à reprodução ficam restritas à disciplina de biologia, ministradas no Ensino Fundamental II e distanciadas das abordagens de gênero, o que promove a construção de um imaginário social ancorada em uma ciência biológica não situada em um contexto social. Quando o(a) professor(a) amplia o olhar para além da leitura biológica do corpo, incorporando questões de gênero e sexualidade em seu plano de ensino, por vezes, encontra resistência por parte dos(as) estudantes, familiares e comunidade:

Eu tava discutindo o plano de ensino e a gente entrou em sexualidade, em identidade social. Eles queriam saber também gênero, e foi falado de aborto, e eu senti um clima numa menina, que ela tava incomodada com o assunto. Ela tava gravando a aula e eu não tinha notado. Eu só notei quando ela pegou o celular, ela tava ouvindo o áudio do pai. [...] uma hora da tarde tava o pai aqui na escola, chegou falando que ia fazer boletim de ocorrência contra a professora “abortista” [...] me senti muito ameaçada. [...] Ela já tinha mandado as gravações no grupo da igreja, no grupo da família, no grupo da escola, todas as gravações da minha aula [...] foi embora, não veio mais para a escola, a gente encaminhou para o Conselho Tutelar [...]. Tem nessa mesma turma um estudante que mudou de sala [...], “porque a professora é defensora dos gay, a professora é defensora dos viados, e dos negros”.

(Entrevista 5).

Apesar de todos(as) entrevistados(as) terem pós-graduação, alguns(mas) mestrado e doutorado, observamos que os assuntos relacionados a gênero, direitos humanos e violências permaneceram invisibilizados na formação profissional. Paraíso ( 1997PARAÍSO, Marlucy Alves. Gênero na formação docente: campo de silêncio no currículo. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 102, p. 23-45, 1997. ) aponta que essas temáticas são um campo de silêncio do currículo formal, não obstante, perpassam não só as relações em sala de aula, mas, igualmente, contam como critério para a seleção dos conteúdos trabalhados pelos(as) professores(as).

Violências no campo educacional

A partir do conceito elaborado por Priotto ( 2008PRIOTTO, Elis Palma. Violência escolar: políticas públicas e práticas educativas. 2008. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2008. ), a violência escolar é considerada mais abrangente, englobando violência na , da e contra a escola. Ou ainda, como abordam Priotto e Boneti ( 2009PRIOTTO, Elis Palma; BONETI, Lindomar Wessler. Violência escolar: na escola, da escola e contra a escola. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 9, n. 26, p. 161-179, 2009. ), é denominada como:

[...] atos ou ações de violência, comportamentos agressivos e antissociais, incluindo conflitos interpessoais, danos ao patrimônio, atos criminosos, marginalizações, discriminações, dentre outros praticados por, e entre, a comunidade escolar (alunos, professores, funcionários, familiares e estranhos à escola) no ambiente escolar.

(Priotto; Boneti, 2009PRIOTTO, Elis Palma; BONETI, Lindomar Wessler. Violência escolar: na escola, da escola e contra a escola. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 9, n. 26, p. 161-179, 2009. , p. 162-163).

Neste sentido, Priotto e Boneti ( 2009PRIOTTO, Elis Palma; BONETI, Lindomar Wessler. Violência escolar: na escola, da escola e contra a escola. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 9, n. 26, p. 161-179, 2009. ) apontam que o caráter multifacetado da violência no espaço escolar impõe uma série de desafios que são tangentes ao fenômeno. Um dos desafios apontados pelas autoras é o de identificar o fenômeno da violência escolar para que se possa estabelecer com clareza o papel dos(as) profissionais da educação e da escola como espaço social e cidadão.

Assim, segundo as autoras, as violências no campo educacional podem ser expressas através dos seguintes eventos:

violência física: de um indivíduo ou grupo contra a integridade de outro(s) ou de grupo(s) e também contra si mesmo, abrangendo desde os suicídios, espancamentos de vários tipos, roubos, assaltos e homicídios. Além das diversas formas de agressões sexuais.

(Priotto; Boneti, 2009PRIOTTO, Elis Palma; BONETI, Lindomar Wessler. Violência escolar: na escola, da escola e contra a escola. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 9, n. 26, p. 161-179, 2009. , p.166).

Tal violência foi recorrente na fala de orientadores(as) e professores(as) entrevistados(as), e se projetou como uma das violências, assim como a psicológica, mais presente e identificada no espaço escolar. Abaixo, as narrativas exemplificam tal violência:

[...] as crianças também, não tem mais essa capacidade de conversar, dialogar, de entender, é tudo muito reativo, tudo no soco, tudo no empurrão, é criança do primeiro aninho dizendo “vou te pegar na hora da saída”, de 6 anos, bem pequenininho. (Entrevistada 1).

[...] Eu acompanho bastante os anos iniciais, principalmente o primeiro e segundo ano, que eu sou professora alfabetizadora, e me assusta, porque já tão pequenininhos as crianças já vem com tanta violência, e a agressão são socos, chutes, puxões de cabelo, beliscões, e isso acontece praticamente todos os dias e com frequência [...].

(Entrevistada 4).

Outro aspecto das violências, explicitadas por Priotto e Boneti ( 2009PRIOTTO, Elis Palma; BONETI, Lindomar Wessler. Violência escolar: na escola, da escola e contra a escola. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 9, n. 26, p. 161-179, 2009. ) é:

b) agressão física: homicídios, estupros, ferimentos, roubos, porte de armas que ferem, sangram e matam.

(Priotto; Boneti, 2009PRIOTTO, Elis Palma; BONETI, Lindomar Wessler. Violência escolar: na escola, da escola e contra a escola. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 9, n. 26, p. 161-179, 2009. , p. 166).

O sentido empregado à agressão física pelas autoras, por vezes, é identificado como violência física, demonstrando uma linha ténue entre ambas. Entretanto, a agressão física remete a uma intensidade não presente na violência física. Destacamos que a mesma não foi nomeada pelos(as) entrevistados(as), talvez, porque não a identificaram como tal ou não se fez presente na instituição, uma vez que as narrativas não remeteram às situações de agressão física.

Priotto e Boneti ( 2009PRIOTTO, Elis Palma; BONETI, Lindomar Wessler. Violência escolar: na escola, da escola e contra a escola. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 9, n. 26, p. 161-179, 2009. ) pontuam mais um aspecto:

c) violência simbólica: verbal - abuso do poder, baseado no consentimento que se estabelece e se impõe mediante o uso de símbolos de autoridade; institucional – marginalização, discriminação e práticas de assujeitamento utilizadas por instituições diversas que instrumentalizam estratégias de poder.

(Priotto; Bonetti, 2009PRIOTTO, Elis Palma; BONETI, Lindomar Wessler. Violência escolar: na escola, da escola e contra a escola. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 9, n. 26, p. 161-179, 2009. , p. 166).

Identificamos narrativas de violência simbólica perpetradas pela instituição escolar para com uma professora e de docentes para com os(as) discentes, embora ambas identificadas de modo residual. Entretanto, o abuso de poder da gestão contra a professora diz respeito a sua trajetória profissional anterior, levando-a à mudança do local de trabalho. A violência simbólica perpetrada pelos(as) docentes foi situada no ambiente da sala de aula, o que potencializa a reprodução da violência entre os(as) atores envolvidos(as) (professores(as) e estudantes.

Às vezes tem professoras mais alteradas, que quando tu chega na sala estão aos berros e aí [eles] acham que podem berrar contigo também, mas assim, a gente vai acalmando, vai entendendo, mas isso é bem pouco, sabe?

(Entrevistada 1).

A pouca expressividade da violência simbólica nas narrativas pode estar relacionada à hierarquia institucional, a identificação com os pares e/ou a falta de compreensão de tais situações como violência. Quando nominada, a entrevistada utilizou o termo agressões verbais.

De professor com aluno acontece, mas são agressões verbais que não deixam de ser uma agressão, né? Então já aconteceram alguns fatos aqui na nossa escola, infelizmente [...].

(Entrevistada 2).

Ainda, de acordo com Priotto e Bonetti ( 2009PRIOTTO, Elis Palma; BONETI, Lindomar Wessler. Violência escolar: na escola, da escola e contra a escola. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 9, n. 26, p. 161-179, 2009. ), destaca-se:

d) violência verbal: incivilidades (pressão psicológica), humilhações, palavras grosseiras, desrespeito, intimidação ou “bullying”.

(Priotto; Boneti, 2009PRIOTTO, Elis Palma; BONETI, Lindomar Wessler. Violência escolar: na escola, da escola e contra a escola. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 9, n. 26, p. 161-179, 2009. , p. 166).

Do conjunto das narrativas sobre violência verbal, a fala das entrevistadas 2 e 5 são representativas dessa realidade:

Ele xingou ela [aluna] de vagabunda, vadia, vaca, todos os palavrões que ele lembrou. E aí ela [aluna] veio, estava trêmula, me contando da situação, então foi assim uma violência. (Entrevista 2).

Verbal. De briga assim física, eu acho que não presenciei, mas já ouvi falar. Escrita, outra coisa que acontece, por exemplo, de bullying. Ele é um bullying infinito com alguns estudantes, tipo o aluno sofre na escola, ele vai para casa e em rede social, não acaba mais, é muito sério.

(Entrevistada 5).

De todas as violências identificadas, as violências verbal e física foram as mais citadas, o que converge com os dados identificados na pesquisa sobre “Violências de gênero no espaço escolar: narrativa das professoras da educação básica” 5 5 Dados da pesquisa disponíveis em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/239282 . Contudo, é a mais relativizada, não sendo denominada como tal, mas como indisciplina. Descaracteriza-se, assim, a situação de violência, logo, a intervenção não corresponde à sua magnitude, minimizando as ações desenvolvidas para com os(as) autores(as) da violência e as pessoas que as vivem. Priotto e Bonetti ( 2009PRIOTTO, Elis Palma; BONETI, Lindomar Wessler. Violência escolar: na escola, da escola e contra a escola. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 9, n. 26, p. 161-179, 2009. ) indicam que a indisciplina está relacionada com a manifestação contra a exigência ou quebra de regras e normas, que podem ocasionar prejuízos ou danos, sem necessariamente romper com o trabalho pedagógico. As violências escolares, por sua vez, divergem da indisciplina por causar danos e/ou sofrimento ao outro ou a algo que lhe pertence.

Nos casos em que a violência é compreendida como indisciplina, normalmente, as primeiras mediações são realizadas pelos(as) profissionais que lidam diretamente com os(as) estudantes, não sendo mobilizados(as) orientadores(as) educacionais e gestores(as). Segundo o que podemos apreender com a pesquisa, os casos de indisciplina podem abranger um leque de ações dos(as) estudantes, desde dormir em sala de aula, esquecer materiais escolares, até situações de violência. Neste sentido, ressaltamos que o próprio conceito de indisciplina indica um grande guarda-chuva, que remete a um conjunto de entendimentos e, consequentemente, de práticas escolares tanto dos(as) estudantes quanto dos(as) profissionais de educação.

Aquino ( 1998AQUINO, Julio Groppa. A indisciplina e a escola atual. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 181-204, 1998. ) nos ajuda a projetar as imprecisões em relação à temática por parte da comunidade escolar. O corpo docente assume uma postura de advertência, no entanto, a indisciplina pode representar a necessidade de participação dos(as) estudantes nas deliberações institucionais. Logo, poderia se caracterizar como uma forma de resistência dos(as) discentes à dinâmica escolar preestabelecida, que desconsidera, muitas vezes, as mudanças históricas e culturais. Assim, “[...] se trata de uma recusa desse novo sujeito histórico a práticas fortemente arraigadas no cotidiano escolar, assim como uma tentativa de apropriação da escola de outra maneira, mais aberta, mais fluida, mais democrática” (Aquino, 1998AQUINO, Julio Groppa. A indisciplina e a escola atual. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 181-204, 1998. , p. 189).

Sob esse ponto de vista, a prevenção e enfrentamento da violência figuraria como um tema transversal à formação escolar e cidadã na condição de política institucional. A desconstrução da ideia de indisciplina envolveria ações aos(às) docentes e discentes de sensibilização dos diferentes tipos de violência que se fazem presentes na, da e contra a escola e, consequentemente, da promoção de novas práticas escolares.

Ainda buscando compreender o conceito de violência na escola, Priotto ( 2008PRIOTTO, Elis Palma. Violência escolar: políticas públicas e práticas educativas. 2008. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2008. ) caracteriza a violência na escola como um conjunto de diferentes manifestações que acontecem no cotidiano da instituição entre professores(as), estudantes, gestores(as), funcionários(as), familiares, ex-alunos(as), pessoas da comunidade e estranhos(as). Essas podem ocorrer no âmbito da escola (pátio, quadra, salas de aula), no seu portão de entrada e na via pública no entorno da escola. Em geral, as situações de violência envolvem indivíduos pertencentes à comunidade escolar. O relato abaixo evidencia a violência na escola em suas diferentes expressões e magnitudes:

Teve até um caso [...] Eu chamei os dois meninos para conversar, porque me falaram que eles estavam brigando já na chegada, segundo aninho [segunda série do ensino fundamental I] na fila estavam brigando. Botei eles caladinhos, na mesa para conversar, “o que aconteceu? Por que estão brigando?”. Do nada eles começaram a se ofender e pularam um para cima do outro, que eu tive que chamar ajuda de uma outra colega para separá-los [...]. Claro que eles tinham uma história de casa, que eles já brincavam juntos ali fora da escola, as famílias se conheciam e tal, mas trouxeram isso para dentro da escola [...].

(Entrevistada 1).

A violência contra a escola, por sua vez, é representada por atos de vandalismo e destruição do patrimônio, como: paredes, carteiras, cadeiras, portas, materiais e equipamentos das instituições escolares. Esses atos podem ocorrer por membros(as) da escola, da comunidade e estranhos(as) à escola (Priotto; Bonetti, 2009PRIOTTO, Elis Palma; BONETI, Lindomar Wessler. Violência escolar: na escola, da escola e contra a escola. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 9, n. 26, p. 161-179, 2009. ).

[...] Quando eu cheguei aqui [nome da instituição], a escola estava toda riscada, as carteiras riscadas [...].

(Entrevistada 2).

A violência da escola refere-se às práticas utilizadas pela instituição escolar que afetam negativamente a comunidade escolar. Estas têm como consequências: a falta de interesse dos(as) estudantes em permanecer na escola; indisciplina; indiferença; abuso do poder; desvalorização profissional do(a) professor(a); despreparo profissional; falta de estímulos e interesse em educação continuada; conteúdo alheio aos interesses dos(as) estudantes; entre outros (Priotto; Bonetti, 2009PRIOTTO, Elis Palma; BONETI, Lindomar Wessler. Violência escolar: na escola, da escola e contra a escola. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 9, n. 26, p. 161-179, 2009. ).

[...] E aí eu virei uma vez e comecei a falar, dar aquele sermão de que eles tem que sentar, que tem que ter um primeiro momento de se ouvir, tem que ouvir o professor. Quando eu virei pra sala, voou um apagador, um apagador não, um estojo na minha cabeça, só que eu virei e vi quem tava em pé atirando. Peguei o estudante e levei para a direção, e ali foi o último caso, já tava muito estressada, porque eu não costumo tirar de sala, eu procuro resolver em sala, tento conversar em sala, e tiro em últimos casos. A diretora pegou e bateu assim no meu ombro “vai pra sala, que ele vai ficar aqui um tempinho e depois da tua aula, ele volta pra sala”. Eu disse: “o quê? Não vai acontecer nada?”, daí eu estourei com a direção também comecei “Quê? Não vai acontecer nada? Não aguento mais essa turma” e comecei a chorar, e saí [...].

(Entrevistada 5).

Ressaltamos que a violência escolar não pode ser analisada fora do meio social e cultural de onde a escola está inserida, pois esta possui uma relação intrínseca com o contexto. Nessa perspectiva, a pandemia foi um fenômeno que impactou toda a comunidade escolar, pois além de não ter infraestrutura para viabilizar o processo pedagógico, a escola teve que lidar com a vulnerabilidade econômica, social e de saúde dos sujeitos. Os relatos são categóricos sobre os desdobramentos da pandemia na vida dos(as) estudantes, suas famílias e instituição escolar, envolvendo violências e processo de ensino-aprendizado.

Violência no espaço escolar: a pandemia

No início de 2020, o isolamento social imposto pela pandemia de Covid-19, com objetivo de frear a disseminação do vírus, trouxe novas realidades e impôs novos hábitos e comportamentos (Arndt et al ., 2021 ARNDT, Gilmara Joanol et al. “Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda toma… Vacina”. Psicologia Política, [online], v. 21, n. 51, p. 608-626, 2021. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1519-549X2021000200021 . Acesso em: 18. mar 2024.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
). Atualmente, os efeitos primários da pandemia são conhecidos e, com a volta das atividades presenciais, os efeitos secundários ganharam a esfera pública, como: a redução da renda familiar; a insegurança alimentar; a defasagem no ensino; as lacunas de aprendizagem; a violência doméstica fortemente agravada durante este período (Rocha; Rezende, 2022ROCHA, Enid; REZENDE, Valéria. Políticas sociais: acompanhamento e análise. In: IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Educação. Brasília, DF: IPEA, 2022. p. 1-39. ).

Uma das medidas do isolamento social, necessária para o enfrentamento da pandemia de Covid-19, foi o fechamento das escolas. O ensino remoto foi a principal ferramenta oferecida pelas instituições de ensino aos alunos(as) e suas famílias (Rocha; Rezende, 2022ROCHA, Enid; REZENDE, Valéria. Políticas sociais: acompanhamento e análise. In: IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Educação. Brasília, DF: IPEA, 2022. p. 1-39. ). Diversos impactos de tais medidas podem ser elencados. Dois deles refletem problemas antigos e graves da educação brasileira: as desigualdades de acesso à educação de qualidade e a evasão escolar (Rocha; Rezende, 2022ROCHA, Enid; REZENDE, Valéria. Políticas sociais: acompanhamento e análise. In: IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Educação. Brasília, DF: IPEA, 2022. p. 1-39. ):

Durante as aulas, foi muito difícil [...] a maioria não acessava as aulas online, a grande maioria. Quem acessava as aulas online era um público menor, porque tem que ter acesso à internet, tem que ter o aparelho, mesmo com o chip da prefeitura isso não foi tão fácil. (Entrevistada 1).

A gente ficou sem atender mais de 70% de algumas turmas, porque aí eram famílias que moravam com 5 ou 6 crianças em uma casa de um cômodo, sem telefone para acessar, muito menos computador para acessar a aula online, se um fizesse a aula, os outros não fariam. E quando acessavam, não ligavam câmera. E quando a gente voltou da pandemia, dois anos depois, a gente notou que parece que eles estavam lá no 5° ano, e a gente pega agora eles no 6°, 7°, 8° [...]. Parece que esse isolamento social tirou, privou eles desse tempo de amadurecimento social.

(Entrevistada 5).

No ano de 2019, como demonstram Rocha e Rezende ( 2022ROCHA, Enid; REZENDE, Valéria. Políticas sociais: acompanhamento e análise. In: IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Educação. Brasília, DF: IPEA, 2022. p. 1-39. ), os dados coletados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) indicam que apenas 49,7% dos(as) estudantes de escola pública de 13 a 17 anos possuíam computador ou notebook em casa. Em contrapartida, 89,6% dos(as) estudantes de escola privada com a mesma faixa etária possuíam os equipamentos em casa. Ademais, a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) mostrou desigualdade ainda maior entre as áreas urbanas e rurais, onde apenas 24,4% dos(as) estudantes de 13 a 17 anos das escolas rurais tinham computador e notebook em casa (IBGE, 2021 IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional de saúde do escolar - PeNSE: coordenação de população e indicadores sociais. Rio de Janeiro: IBGE, 2021. ).

Com a pandemia, a desigualdade social e a evasão escolar ficaram ainda mais acentuadas. Segundo a Agência Brasil ( 2022 AGÊNCIA BRASIL. Em 2021, 82% dos domicílios brasileiros tinham acesso à internet. Brasília, DF: Agência Brasil, 2022. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-06/em-2021-82-dos-domicilios-brasileiros-tinham-acesso-internet . Acesso em: 18.mar. 2024.
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), a proporção de brasileiros com acesso à internet cresceu entre 2019 e 2021, apesar disso, o país ainda contabiliza 35,5 milhões de pessoas sem acesso à internet. Outro dado relevante para refletirmos sobre os impactos da pandemia e do ensino remoto na educação é que o número de domicílios das classes B, C e D/E com computadores diminuiu no mesmo período. Além disso, enquanto a classe B apresentava um total de 98% dos domicílios com acesso à internet no ano de 2021, as classes D/E possuíam 61%, evidenciando uma discrepância no acesso à internet e, consequentemente, à educação durante este período (Agência Brasil, 2022 AGÊNCIA BRASIL. Em 2021, 82% dos domicílios brasileiros tinham acesso à internet. Brasília, DF: Agência Brasil, 2022. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-06/em-2021-82-dos-domicilios-brasileiros-tinham-acesso-internet . Acesso em: 18.mar. 2024.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/n...
; Rocha; Rezende, 2022ROCHA, Enid; REZENDE, Valéria. Políticas sociais: acompanhamento e análise. In: IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Educação. Brasília, DF: IPEA, 2022. p. 1-39. ).

Por sua vez, o retorno ao ensino presencial é marcado pelo aumento da violência entre os(as) estudantes. Uma questão bastante abordada pelos(as) entrevistados(as) foi a intolerância acentuada decorrente do isolamento social e que permeia as relações no espaço escolar, envolvendo a todos. As dificuldades de conviver com a diferença, de reinserção à dinâmica institucional, bem como de apreensão do processo de aprendizagem e desenvolvimento cognitivo tem sido o estopim para manifestações de violência:

A gente via aqui na escola, principalmente antes da pandemia, que a gente já estava em outro nível. Aconteciam situações mais pontuais de violência [...], mas eram bem pontuais, sem esse desgaste todo que teve durante e agora, principalmente. Até a questão dos pais mesmo, a forma como eles chegam na escola, mais violentos, mais agressivos, ameaçando professoras, isso a gente já não tinha, não passava mais por isso dessa forma. Durante a pandemia, a gente teve até um ataque dos pais contra os professores.

(Entrevistada 1).

A diferença é que parece que agora tá mais acentuada, né? Parece que eles estão mais violentos, então, tem situações que a gente via que aconteciam, mas eram raras e agora são muito frequentes.

(Entrevistada 2).

A pandemia se mostrou como uma situação de saúde pública sem precedentes, evidenciando as fragilidades das políticas sociais públicas e, sobretudo, do ensino, a ausência das inovações tecnológicas como política educacional e a necessidade de capacitação do corpo docente.

Soma-se a essa realidade o aumento do desemprego, provocando fluxos de transição direta de trabalhadores da ocupação para inatividade (Rocha; Rezende, 2022ROCHA, Enid; REZENDE, Valéria. Políticas sociais: acompanhamento e análise. In: IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Educação. Brasília, DF: IPEA, 2022. p. 1-39. ). As consequências foram ainda piores para grupos da população historicamente mais expostas a vulnerabilidades, como a população negra, os mais jovens, as mulheres e os menos escolarizados.

Os níveis de vulnerabilidade e privação a que as famílias pobres foram submetidas são ainda maiores para a população infantil. O aumento da vulnerabilidade ampliou a exposição de crianças a situações de risco, como: restrição alimentar; evasão escolar; violência; exploração; abuso (Rocha; Rezende, 2022ROCHA, Enid; REZENDE, Valéria. Políticas sociais: acompanhamento e análise. In: IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Educação. Brasília, DF: IPEA, 2022. p. 1-39. ). Segundo dados apresentados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), considerando o ano de 2020 em relação à pobreza monetária, a proporção de pobres na faixa etária de 0 a 14 anos era de 38,6%, quatro vezes maior que a proporção de pobres entre as pessoas com mais e 60 anos. Assim, em termos absolutos, em 2020, 8 milhões de crianças e adolescentes de até 14 anos se encontravam em situação de extrema pobreza e 17 milhões em situação de pobreza (IBGE, 2020 IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional por amostra de domicílios - PNAD: síntese de indicadores sociais. Brasília, DF: IBGE, 2020. ; Rocha; Rezende, 2022ROCHA, Enid; REZENDE, Valéria. Políticas sociais: acompanhamento e análise. In: IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Educação. Brasília, DF: IPEA, 2022. p. 1-39. ).

As vulnerabilidades socioeconômicas se fizeram presentes nas condições de acesso dos(as) estudantes, acentuando as situações de violência estrutural identificadas pelos(as) participantes da pesquisa:

Eu trabalhava com os estudantes os diários de ciências no 8° ano, porque é o corpo humano. Eles tinham que escrever sobre quem comprou o alimento, quem prepara, que horas eles se alimentam, quais as refeições que eles conseguem fazer juntos, quais os alimentos prediletos da família, quem costuma cozinhar, quem cuida da higiene dos alimentos, do preparo, narrar como é que é a rotina alimentar deles […] É uma violência não ter acesso à alimentação. Muitos não tinham acesso à alimentação. Era uma mãe de 8 filhos, a única que trabalhava era ela. Ela é que cuidava dos oito filhos, que comprava os alimentos, que preparava os alimentos, só que nem todos tinham acesso à quantidade suficiente, à segurança alimentar.

(Entrevistada 5).

A única coisa que a gente consegue fazer é encaminhar para o Conselho Tutelar, e a escola também, só que assim, é só apagar incêndio. A gente, muitas vezes, na pandemia, distribuía cestas básicas. Eles têm acesso às orientações aqui na escola, ao lanche, ao almoço, aí tem o contraturno. Muitos estudantes ficam por causa da alimentação pros projetos que acontecem à tarde. Isso vem muito na escrita deles, e a gente só enxerga isso quando lê, quando pede esse tipo de trabalho. Isso acontecia e acontece ainda, então são tipos de violências que nossos estudantes sofrem.

(Entrevistada 5).

O aumento da vulnerabilidade social também agravou casos de violência e abuso sofridos por crianças e adolescentes no ambiente familiar. A necessidade do isolamento social provocou uma convivência maior entre crianças, adolescentes e adultos no âmbito doméstico, muitas vezes com pouco espaço e desprovidos de privacidade, o que acarretou o aumento dos conflitos e dos crimes sexuais. Além disso, a vivência do período pandêmico, o estresse do isolamento, as preocupações financeiras e o aumento do consumo de bebidas alcoólicas e outras drogas, podem ter sido fatores que potencializaram a ocorrência de episódios violentos (Rocha; Rezende, 2022ROCHA, Enid; REZENDE, Valéria. Políticas sociais: acompanhamento e análise. In: IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Educação. Brasília, DF: IPEA, 2022. p. 1-39. ).

As aulas remotas e o fechamento das escolas dificultaram ainda mais a identificação e realização de denúncias durante o período da pandemia. Tal fato contribuiu para uma subnotificação das situações de violência, o que evidencia o importante papel que as escolas desempenham na identificação e realização de denúncias de maus tratos e violência doméstica contra crianças e adolescentes.

O que a gente conseguiu identificar foi nas aulas online, a impaciência dos pais, alguns, de brigar mesmo, expor a criança a situações vexatórias, de humilhação, às vezes, de tirar de forma abrupta a criança da frente do computador ou xingar de alguma coisa. Isso foi o que mais a gente viu, e as questões que chegavam pra nós do Conselho Tutelar, de saber de crianças que estavam em casa e teve alguma denúncia de violência sexual. [...] nesse retorno para a escola, a gente tem visto a violência sexual, crianças relatando abuso, ali na família, na relação familiar.

(Entrevistada 1).

Eu acho que as violências em geral, elas não mudaram. A gente identificava os casos de violência tanto física quanto sexual no contexto familiar. Inclusive, eu acho que a pandemia e a necessidade de ficar em casa para quem já tinha esse contexto, a coisa pode ter ficado um pouco mais complicada, porque afinal de contas ficava em casa o dia todo, durante dois anos.

(Entrevistado 3).

Os relatos de violência sexual dos(as) participantes da pesquisa não se restringiram às meninas e adolescentes. Casos de meninos também foram identificados pela equipe da escola, embora os dados do Anuário Brasileiro Segurança Pública de 2022 (constatam que as vítimas de estupro e estupro de vunerável são de 86,9% do sexo feminino e 13,1% do sexo masculino (Bohnenberger; Bueno, 2021 BOHNENBERGER, Marina; BUENO, Samira. Os registros de violência sexual durante a pandemia de Covid-19. [S. l.: s. n.], 2021. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/07/7-os-registros-de-violencia-sexual-durante-a-pandemia-de-covid-19.pdf . Acesso em: 12 abr. 2024.
https://forumseguranca.org.br/wp-content...
). Os dados ainda demonstram que no período de 2020 a 2021 houve um aumento dos registros de estupro, de 14.744 para 14.921, nada comparado ao aumento de estupro de vulnerável, que sobe de 43.427 para 45.994 (Temer, 2022TEMER, Luciana. Violência sexual infantil, os dados estão aqui, para quem quiser ver. In: FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2022, São Paulo. Anuário brasileiro de segurança pública. São Paulo: FBSP, 2022. p. 1-9. ).

Chama a atenção que, independentemente dos tipos de violência, há uma dificuldade institucional em lidar e encaminhar internamente e para a rede de serviços os casos de violência, principalmente quando envolve os crimes de violência sexual. Tal constatação nos leva a presumir que as discussões sobre direitos humanos e violências nas grades curriculares dos profissionais das áreas das Ciências Sociais e Humanas são recentes. Os dados nos levam, ainda, a inferir que dois dos objetivos dos órgãos de gestão educacional são o planejamento e a avaliação de programas e projetos que dêem as diretrizes às instituições e profissionais nos casos de prevenção e enfrentamento das violências educacionais. Logo, a fragilidade de políticas públicas e técnicas para o desenvolvimento de atividades no ambiente escolar sugere a necessidade de tecnologias pedagógicas, redes informacionais voltadas ao ensino, bem como sistemas tecnológicos de notificação e protocolos formalizados para casos de violência.

Considerações finais

Dentre as principais considerações, ressaltamos um conjunto de expressões da violência reconhecidas pelos(as) entrevistados(as), que remetem, de modo articulado, ao cotidiano escolar e a um contexto mais amplo, referente à gestão e planejamento da política educacional.

Em uma instância micro, chamamos a atenção para a identificação das formas como as violências se apresentam para os(as) professores(as) e, segundo eles(as), para os demais sujeitos da comunidade escolar, sendo denominadas como tais a partir de sua exposição, intensidade e magnitude. Quando sutis, geram hesitação em alguns(mas) professores(as) em nominá-las. Contudo, seus relatos convergem para um sentimento de impotência diante dos casos identificados como violentos, gerado pelas decisões e encaminhamentos a serem tomados.

A dificuldade em intervir explicitou, ainda, a limitação de recursos comunitários e sociais existentes e possíveis de a escola recorrer nas situações em que a violência ultrapassa os muros institucionais, quando a equipe escolar esgota as possibilidades de administrá-la. Além do sentimento de impotência, constatamos, em alguma medida, a sensação de isolamento institucional em relação à estrutura educacional.

Outro ponto relevante sobre o cotidiano escolar, ou seja, à instância micro, foi a reprodução das violências pelo corpo discente, creditada pelos(as) entrevistados(as) ao contexto cultural e de vulnerabilidade das famílias e no qual elas estão inseridas. A pandemia teria acentuado as manifestações de violência, assim como sua recorrência, desencadeadas tanto pelos(as) estudantes entre si, como para com os(as) profissionais, quanto pelos(as) familiares ao corpo docente e gestores(as). Nesse sentido, a violência escolar é destacada como uma expressão da violência estrutural.

Em um contexto mais amplo, os resultados apontam para a necessidade de um planejamento por parte da gestão da política educacional em âmbito municipal sobre temáticas que envolvam as diferentes violências, bem como para um protocolo que assegure uma diretriz para as ações promovidas nos casos de violência.

A carência de um protocolo municipal de gestão evidencia lacunas no campo das respostas diante das situações de violência. Cabe salientar que a existência de procedimentos pré estabelecidos fazem parte de um conjunto de outras medidas de prevenção e enfrentamento às violências escolares. No entanto, sua construção no âmbito da gestão municipal pauta as violências como tema transversal ao conteúdo educacional e intersetorial, contribuindo para a organização do trabalho em rede, além de assegurar uma diretriz geral aos(às) gestores(as) e ao corpo docente. O protocolo seria, dessa forma, estabelecer estratégias preliminares de ações de enfrentamento e prevenção a curto prazo.

A fragilidade de diretrizes e propostas educacionais gerais relacionadas às violências acarreta intervenções e encaminhamentos segundo a gestão da escola e expertise dos(as) profissionais em lidar com a temática. Tal realidade produz medidas institucionais pontuais, pautadas em procedimentos e encaminhamentos, oriundas de orientações para o trabalho nos casos de conflitos e indisciplina, que são utilizados para o enfrentamento das violências.

Em síntese, a temática das violências não está incorporada no currículo escolar e, tampouco, há uma diretriz municipal de abordá-la como política de educação local. Embora o órgão gestor municipal durante a pandemia tenha possibilitado diferentes cursos e palestras sobre a política educacional, não identificamos temas relacionados às violências. A insuficiência de materiais institucionais sobre o fenômeno, as intervenções e os encaminhamentos, dentro e fora da instituição escolar, reforçam a dificuldade no campo educacional de discutir as violências escolares, que também é pouco presente no processo de formação dos profissionais da educação.

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  • 1
    Disponibilidade de dados: Disponibilidade de dados: O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível no site do Insttituto de Gênero da Universidae Federal de Santa Catarina (IEG/UFSC). Pode ser acessado em: https://ieg.ufsc.br/projetos/1
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    Agradecemos à Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica de Santa Catarina pelo apoio financeiro para realização desta pesquisa.
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    We wish to the thank the Santa Catarina State Research Support Foundation for the funding to conduct this study.
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    Dados da pesquisa disponíveis em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/239282

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Editora responsável:
Profa. Dra. Renata Marcílio Cândido

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Disponibilidade de dados: Disponibilidade de dados: O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível no site do Insttituto de Gênero da Universidae Federal de Santa Catarina (IEG/UFSC). Pode ser acessado em: https://ieg.ufsc.br/projetos/1

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2023
  • Aceito
    25 Set 2023
  • Revisado
    09 Ago 2023
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