Resumo
A reforma do ensino médio pela Lei nº 13.415/17 estabelece uma organização curricular com carga horária dividida entre formação comum e itinerários formativos diversificados para lograr um currículo mais atraente para a juventude. Em vista do que estabelece esse marco legal e normas complementares, as redes estaduais produziram alterações nos currículos para essa etapa da educação básica. A intenção deste artigo é a de dar publicidade aos resultados de pesquisa que analisou as propostas curriculares das 16 unidades da federação que haviam concluído a adequação até dezembro de 2021, problematizando-as a partir da relação entre juventude e escolarização. Trata-se de estudo documental de abordagem qualitativa. É feita, inicialmente, uma contextualização sobre o acesso ao ensino médio e uma discussão acerca do que propõe a atual reforma, considerando aspectos que caracterizam os jovens dessa etapa educacional. Com base nessa discussão preliminar, são analisadas as propostas curriculares, especialmente quanto à composição dos itinerários formativos, e destacadas as proposições que adquirem centralidade com vistas a problematizar o projeto formativo aí presente. Dentre as conclusões se verifica uma expressiva variedade de formatos curriculares e a possibilidade de que se institua uma formação fragmentada e aligeirada, distante das necessidades de formação da juventude, seja para a vida em sociedade, seja para o mundo do trabalho ou para o acesso à educação superior.
Palavras-chave Juventudes; Itinerários formativos; Reforma do ensino médio; Novo ensino médio
Abstract
The high school reform through Act No. 13415/17 organizes the curriculum by dividing the academic load between common education and a variety of training itineraries in order to create a more attractive curriculum for the young. In view of the provisions set forth in this legal framework and complementary norms, state education systems have made changes to the curricula for this basic education level. The purpose of this paper is to publicize the results of a study that analyzed the curriculum proposals of the 16 Brazilian states that had finalized the adjustment by December 2021. It also discusses such proposals from the perspective of the relationship between youth and education. It is a documentary study with a qualitative approach. At first, access to high school is contextualized and the current reform proposes are discussed, considering aspects that characterize young people at this educational level. Based on this preliminary discussion, the curriculum proposals are analyzed, especially in terms how the formative paths are composed, highlighting the proposals that are central in order to debate the training project they present. The conclusions reveal a wide range of curricular formats and the possibility that a fragmented and shortened education may be introduced, which is quite far from young people’s educational needs for living in society, for their entry into the workplace or for their access to higher education.
Keywords Youth; Formative paths; High school reform; New High School
Considerações iniciais
No Estatuto da Juventude, elaborado em 2013 ( Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013), jovens são aquelas pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade. Isso significa que quando falamos de ensino médio estamos nos referindo a estudantes de aproximadamente 15 a 19 anos, que estão vivenciando suas primeiras experiências de sua trajetória na juventude e, ao mesmo tempo, na última etapa de sua formação básica.
No entanto, essa trajetória não é a-histórica nem igual para todos, pois os estudantes podem e seguramente têm e terão diferentes percursos. Um deles, profundamente arraigado na realidade da juventude brasileira, é a do trabalho, tanto é assim que alguns autores ( SPOSITO, 2005; TOMMASI; CORROCHANO, 2020; SILVA, 2023) consideram que o trabalho é uma parte significativa da identidade juvenil no país, ao lado de outros aspectos igualmente relevantes.
A relação educação e trabalho é um tema muito caro para a política educacional brasileira e acompanha o debate internacional, principalmente quando se refere à educação escolar destinada aos jovens. Esse debate faz parte de uma problemática mais ampla sobre a identidade do ensino médio ao longo de sua história. A escola secundária/média carrega múltiplos sentidos que expressam a complexidade desse nível de ensino. Esses sentidos às vezes se complementam na definição de políticas educacionais, em especial as que tomam o currículo como objeto, e outras se entrelaçam de forma bastante conflitante.
Falamos de sentido para os jovens (da interação com o entorno social, de sua experiência institucional e projeção para o futuro), sentido para o país (resultado de múltiplas esperanças: inclusão social, diminuição das desigualdades sociais, promover valores coletivos e democráticos, mas onde também se localizam diferentes projetos em disputa) e sentido para o mercado de trabalho (que hoje aposta na escola para criar uma nova subjetividade frente a uma face capitalista fortemente excludente). Todos estes sentidos estão presentes, explicita ou implicitamente, de forma conflitiva e, por isso, é tão difícil falar da identidade do ensino médio da e para a juventude.
O ensino médio brasileiro possui algumas características historicamente situadas, dentre elas a de ser pouco inclusivo e passar por uma expansão tardia concentrada na última década do século XX e anos iniciais do século XXI; e a de ter se tornado palco de disputas no que se refere à definição de suas finalidades, bases curriculares, tempos e espaços formativos.
Ao longo do século XX as reformas educacionais, pela via das mudanças na legislação do ensino, evidenciaram o que na literatura se convencionou chamar de “dualidade educacional” ( KUENZER, 2007; ARAÚJO, 2019). Ainda que o conceito de dualidade possua limitações explicativas diante da diversidade e desigualdade que marca a juventude brasileira, tal conceito permite fazer uma primeira incursão sobre a ideia de trajetórias e possibilidades formativas que passam a compor o modo como se organiza o sistema escolar no país.
A primeira grande reforma que incide diretamente na composição do então chamado ensino secundário foi a realizada na década de 40 do século passado com as Leis Orgânicas do Ensino, já estruturadas com base em uma oferta dual, isto é, formação propedêutica ou formação técnico-profissional. A primeira LDB ( Lei nº 4.024/61) pouco alterou esse modelo, e foi reformulada com a Lei nº 5.692/71 em que, ao menos nos primeiros anos de implementação, tornou todo o ensino de segundo grau compulsoriamente profissionalizante. E, por fim, a atual LDB ( Lei nº 9.394/96) na qual o ensino médio passou a compor a educação básica, sem ter sido, no entanto, alçado à condição de etapa escolar obrigatória.
Principalmente a partir das décadas de 80/90 podemos dizer que se re-significam os sentidos fundacionais do ensino médio (formação de uma elite dirigente/ garantia de diferenciação social com alguns matizes de integração). E outros novos sentidos aparecem frente a novas conjunturas sociais, políticas e econômicas, bem como frente às mudanças da condição juvenil, que resultam de múltiplos aspectos envolvidos, decorrentes, especialmente, da ampliação do acesso. São reformas que tiveram sempre no horizonte a perspectiva de resolver a tensão entre universalização e seleção, entre articulação interna e segmentação.
As inúmeras e variadas reformas curriculares do ensino médio ao longo da segunda metade do século XX, de diferentes raciocínios político-pedagógico, associam o sentido a uma linguagem determinada. Raciocínio que atualmente se dirige para o atendimento das demandas econômicas, intensificada no marco da “economização da vida social”, onde a escolarização/aprendizagem juvenil está diretamente vinculada à “subjetividade, expertise e individualidade do trabalhador, criando um ‘imaginário individualista’, baseado no mérito e na recompensa individual e seletiva (FUMAGALLI, 2016 apud SILVA, 2018, p. 432-433).
É a partir desse cenário que podemos compreender o contexto e formulações presentes na atual reforma, marcada por polêmicas e controvérsias desde a sua origem. Umas das principais alterações em curso diz respeito à proposição da organização curricular com base em Itinerários Formativos (IF) como forma de assegurar a diversificação e a flexibilização curricular.
Em vista das desigualdades sociais e educacionais e da diversidade que marca a(s) juventude(s) da última etapa da educação básica, a ideia de currículos menos rígidos e mais flexíveis parece responder a uma necessidade. Com vistas a problematizar essa proposição, nos debruçamos sobre os enunciados presentes na Lei nº 13.415/17, que passou a ser conhecida como “Novo Ensino Médio”, e sobre as propostas curriculares elaboradas em 16 redes estaduais com vistas a atender ao que nela se encontra estabelecido. A análise dessas propostas teve como fio condutor o debate sobre juventude e sobre flexibilização curricular por meio dos itinerários formativos.
Currículo é sempre tema de disputas e controvérsias, seja quanto ao entendimento do que se entende por currículo, seja quanto ao que é proposto no âmbito das escolas, sistemas escolares e políticas curriculares. Compreendido em uma perspectiva restritiva que compreende apenas a dimensão do currículo como texto escrito e de caráter técnico e prescritivo, falar em currículo implica em considerar, para além disso, as dimensões de poder e de disputas por hegemonia. Implica, ainda, em compreendê-lo no movimento que se faz nos diferentes contextos das formulações e das práticas curriculares. Quando se trata de políticas curriculares, como é o caso do presente estudo, é preciso considerar que os documentos exarados por órgãos oficiais são reinterpretados, recontextualizados e têm seus sentidos e significados disputados, o que ocasiona distanciamentos entre as formulações originais e outras produções textuais.
Para a realização da pesquisa foram selecionados apenas os documentos curriculares homologados disponíveis pelos sites oficiais das Secretarias Estaduais de Educação até a data de 22 de dezembro de 2021. Foram 16 propostas selecionadas, correspondentes às seguintes unidades da federação: Acre, Amazonas, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Para a realização do levantamento das informações referentes às propostas curriculares, foi necessário o acompanhamento sistemático dos sites das Secretarias de Educação, bem como a homologação de seus currículos pelos respectivos Conselhos Estaduais de Educação. Ao longo do processo de levantamento dos dados, foi identificado que as equipes de cada estado incluíam informações em suas plataformas e, portanto, foi necessário um acompanhamento minucioso ao longo da pesquisa, tendo em vista a compreensão das formas que foram assumindo a organização dos currículos.
A primeira etapa da pesquisa se ateve ao levantamento das propostas curriculares homologadas pelos Conselhos Estaduais de Educação, como também de outros documentos normativos que pudessem ajudar na compressão da dinâmica que a reforma assumia localmente. As informações consideradas relevantes foram agrupadas nas seguintes categorias de análise: Composição da parte diversificada por estado; Composição dos IF e possibilidade de escolha por parte dos estudantes; Oferta de IF integrados; Denominação dos IF por estado; Oferta de Itinerários na modalidade a distância (EaD); Oferta do Itinerário de Formação Técnica e Profissional. Com vistas ao mapeamento e análise do material coligido, foi desenvolvido um roteiro que permitiu identificar uma linearidade entre aspectos comuns e, também, localizar aspectos divergentes entre os documentos curriculares.
O artigo está estruturado em seis seções, além desta Introdução. Na primeira tratamos do acesso ao ensino médio no Brasil, considerando aspectos da diversidade das juventudes e as desigualdades sociais e escolares; na segunda, a diversificação e a flexibilização curricular: o que propõe o Novo Ensino Médio; na terceira, o Novo Ensino Médio e suas propostas nas redes estaduais; na quarta, a composição dos IF e a escolha dos estudantes; e, na quinta, por fim, os novos formatos de oferta da educação escolar. Na última seção trazemos, como síntese das análises realizadas, algumas reflexões com vistas a futuras pesquisas e debates.
O acesso ao ensino médio no Brasil: diversidade das juventudes e desigualdades sociais e escolares
A ampliação do acesso ao ensino médio se verifica a partir dos anos iniciais da década de 90. A taxa líquida de matrícula que era de aproximadamente 25% em 1991 chega a 48,4% em 2004. Em números absolutos, salta de pouco mais de 3.700.000 para 9 milhões no período. A partir daí a matrícula passa a decrescer, ocorrendo diminuição, no entanto, da presença de pessoas com 18 anos ou mais. A expansão permanece em crescimento para aqueles com idade entre 15 e 17 anos, reforçada com a aprovação da Emenda Constitucional nº 59/2009 que tornou obrigatória a inclusão escolar dessa faixa etária. ( SILVA, 2020).
No ano de 2019, dez anos depois, portanto, da EC 59/2009, dos 9,5 milhões de jovens entre 15 e 17 anos, o país contava com 7.465.891 milhões de matrículas no ensino médio (Taxa líquida de 71,1%). Isso significa que parcela considerável dessa população se mantinha ainda no ensino fundamental ou totalmente fora da escola. Os dados do Censo Escolar da Educação Básica desse ano mostram que 674.814 (7,6%) das pessoas dessa idade se encontravam totalmente excluídos do sistema escolar.
No mesmo ano a matrícula na etapa final da educação básica estava concentrada nas redes públicas estaduais com uma participação da ordem de 83,9%. A rede federal detinha 3% da matrícula e a rede privada 12,5%.
Ainda que os dados atestem maior inclusão educacional, um dos aspectos centrais do acesso ao sistema escolar pela juventude permanece. A desigualdade de acesso é visível ainda nos tempos atuais. A taxa de conclusão no ensino médio é de 76,8% entre brancos e de 61,8% entre pretos e pardos ( INEP, 2019b). O número médio de anos de escolaridade é substantivamente maior entre os 25% com maior renda (13,4 anos) para 9,9 anos entre os com menor renda. Outro aspecto preocupante diz respeito à evasão escolar. Em 2019, a taxa de distorção idade-série era de 26,2%. Para o primeiro ano, esse valor chegava a 32,9%, indicando sucessivos abandonos e/ou reprovação.
Em meio à desigualdade social, educacional e escolar, também a diversidade que caracteriza a juventude que acessa essa etapa da educação necessita ser considerada. A diversidade de formas de viver a juventude é o que faz com se passe a falar em juventudes, no plural. Trata-se, portanto, de admitir a dimensão histórica, social e cultural que a permeia. Por essa razão, retomamos a afirmação de Bourdieu quando assevera que
A idade é um dado biológico socialmente manipulado e manipulável; e que o fato de falar dos jovens como se fossem uma unidade social, um grupo constituído, dotado de interesses comuns, e relacionar estes interesses a uma idade definida biologicamente, já constitui uma manipulação evidente ( 1983, p. 2).
As abordagens conceituais que padronizam e uniformizam o comportamento, ou reduzem a ideia de juventude ao critério etário, dificultam que se perceba a construção das identidades juvenis como sendo marcadas por percursos diferenciados e relacionados à condição histórica e social de cada indivíduo. Por essa razão, falar em “juventudes”, permite situar os sujeitos em face da heterogeneidade de classe, gênero, cor, credo, enfim, da diversidade de condições em que os jovens produzem suas identidades. Nessa perspectiva, entende-se que a identidade juvenil não é dada simplesmente pela idade biológica ou psicológica, mas configura-se a partir de um processo contínuo de transformação individual e coletiva ( CARRANO, 2000).
No caso brasileiro, ao lado de outros condicionantes sociais e culturais, o trabalho se firma como mais um dos aspectos centrais da vida para os jovens. Nesse sentido,
O trabalho é uma das dimensões constitutivas da experiência juvenil brasileira. Ainda que os dados mais recentes evidenciem alterações na importância relativa de escola e trabalho nas duas últimas décadas, com ampliação significativa da presença do sistema educacional entre as jovens gerações, o trabalho e a busca por trabalho são realidades presentes nas trajetórias de um conjunto significativo deles e delas: 38,1% dos jovens brasileiros entre 15 e 29 anos trabalhavam e 11,6% estudavam e trabalhavam no Brasil em 2019, sendo essa presença ainda mais intensa a partir dos 18 anos, para jovens de todos os segmentos sociais ( TOMMASI; CORROCHANO, 2020).
Vivemos, no entanto, uma nova fase do capitalismo, caracterizada por brutal concentração de poder e renda e, ao mesmo tempo, em um cenário de desemprego estrutural. Ou seja, estamos nos deparando com um processo de superexploração do trabalho e aumento exorbitante da desigualdade, majoritariamente desagregada, que atinge principalmente os jovens. São, portanto, muitos os desafios que a educação enfrenta diante dessa situação.
O que propõe o Novo Ensino Médio: diversificação e flexibilização curricular
Em vista da diversidade que marca a(s) juventude(s) da última etapa da educação básica e os índices de matrícula e evasão que continuam sendo bastante problemáticos e, ainda, as avaliações externas indicando baixo rendimento, a ideia de uma Lei cujas diretrizes fossem suficientemente flexíveis com a possibilidade de uma maior diversidade curricular entre os estados e as escolas e que permitisse aos jovens construir sua trajetória escolar foram alçados como argumentos em defesa de uma ampla reformulação do ensino médio. O diagnóstico sustentava que a organização curricular vigente possuía uma estrutura rígida, com excesso de disciplinas, que engessava qualquer inovação, que a escola não respondia às necessidades requeridas pelo mercado de trabalho atual e resultava pouco ou nada interessante para os jovens.
No ano de 2016 foi exarada a Medida Provisória 746/16 que, desde o início, foi alvo de muitas controvérsias, o que resultou na ocupação de escolas pelos jovens e em manifestos de entidades científicas e de representação docente. Os questionamentos recaíam na ausência da obrigatoriedade de disciplinas até então consideradas obrigatórias e na proposição de “notório saber” em substituição da formação docente, dentre outras. Em meio às polêmicas e após 11 audiências públicas, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 13.415/17 que altera as formas de organização e de oferta da última etapa da educação básica.
Para os currículos, ficou estabelecida a divisão da carga horária entre formação básica comum e Itinerários Formativos (IF). A ampliação da carga horária para o mínimo de três mil horas impôs o limite de até 1.800 horas para a formação comum e o restante, em torno de 1.200 horas, para a diversificação curricular, enunciada, na Lei, considerando as quatro áreas do conhecimento (Linguagens e suas tecnologias; Matemática e suas tecnologias; Ciências da Natureza e suas tecnologias; Ciências Humanas e Sociais Aplicadas) e o itinerário de formação técnica e profissional. Além dessas proposições, restou definido que parte da carga horária pode ser administrada na modalidade a distância (EaD), bem como realizadas parcerias com o setor privado com vistas à implementação dessas mudanças. O currículo, assim, passou a estar obrigatoriamente vinculado ao documento de Base Nacional Comum Curricular ( BRASIL, 2017).
A partir da aprovação da Lei várias normativas e orientações passaram a ser exaradas pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Neste texto nos concentramos nas prescrições relacionadas aos itinerários formativos. A Portaria nº 1.432/18 publicada pelo MEC em 28 de dezembro de 2018 estabeleceu os Referenciais para a Elaboração dos Itinerários Formativos, em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio reformuladas pelo CNE ( Resolução CNE/CEB nº 03/2018) com vistas a normatizar as alterações produzidas pela Lei n° 13.415/17. Nesses documentos, é indicado que a oferta dos itinerários formativos deve se dar a partir de quatro eixos estruturantes (investigação científica, processos criativos, mediação e intervenção sociocultural e empreendedorismo) e que estes devem ser tratados de forma intercomplementar. ( BRASIL, 2018, 2018b). Em janeiro de 2021 foram também exaradas novas Diretrizes Curriculares para a Educação Profissional e Tecnológica. A respeito do itinerário da formação técnica e profissional a Resolução CNE/CP nº 01/2021 estabeleceu que este pode ser ofertado como um curso de habilitação ou pelo somatório de cursos de formação inicial ou, ainda, de qualificação, integralizando as 1.200 horas mínimas exigidas. Em todos os casos, o argumento da flexibilidade curricular adquire centralidade.
Com base nas orientações mencionadas, as redes estaduais de ensino passaram a reorganizar seus currículos. O que se percebe, de imediato, é que tais normativas passaram ser reinterpretadas e apropriadas de modo a configurar uma expressiva diversificação na composição das bases curriculares em cada uma das redes de ensino. Este é o foco da análise realizada e exposta a seguir.
O Novo Ensino Médio e suas propostas nas redes estaduais
Tal como estipulado na Lei nº 13.415/17, as unidades da federação analisadas adequaram seus currículos prevendo a ampliação da carga horária de 2.400 horas (com pequenas diferenças em alguns estados) para 3.000 horas no ensino médio regular. A Lei instituiu também a “Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral”, contando inclusive com apoio financeiro do MEC (Art. 13), mas não estipula a carga horária correspondente. São muito poucos os estados que fazem referência à organização curricular das escolas de tempo integral.
Para poder atingir o total de 3.000 horas no período regular, consta nos currículos dessas redes a opção híbrida de oferta de disciplinas e componentes dos itinerários formativos, como veremos mais adiante.
Em todas propostas analisados o currículo do Novo Ensino Médio está composto por duas partes, tal como definido na Lei. Uma delas, como mencionado, destinada à Formação Geral Básica (FGB) com base na BNCC, com até 1.800 horas e a outra, diversificada, com em média 1.200 horas. A parte diversificada está composta pelos itinerários formativos, disciplinas eletivas, projeto de vida e algum componente criado de forma localizada, conforme o quadro a seguir:
Quadro 1 - Composição da parte diversificada do currículo por estado
Itinerário formativo; eletivas e projeto de vida e | Estado |
---|---|
Estudo orientado | SP, PB, MT, SC, PE, AM, SP, PR |
Tecnologia e Inovação | SP; PE |
Cultura digital | SP; ES; DF; RS |
Intervenção comunitária | MS |
Investigação/iniciação cientifica | PE, RS |
Práticas experimentais | MA |
Tutorias | MA |
Preparação pós-médio | MA, AC |
Projetos de corresponsabilidade social e projetos empreendedores | MA |
Língua estrangeira | SC, DF, AC |
Mundo do trabalho | RS |
A organização curricular responde às quatro áreas de conhecimento – Ciências Humanas e Sociais aplicadas; Ciências da Natureza e suas tecnologias; Linguagem e suas tecnologias; Matemática e suas tecnologias – e à promoção de competências cognitivas e socioemocionais, tanto na formação geral básica quanto nos itinerários formativos. A inclusão da expressão “e suas tecnologias” foi retomada dos enunciados presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio da década de 90 ( BRASIL, 1999), em que cada área de conhecimento se fundamenta nos documentos normativos, na necessidade de relacionar o currículo ao mundo da produção de bens e serviços, evitando, desse modo, a existência de disciplinas “tecnológicas” isoladas e separadas dos conhecimentos que lhes servem de fundamento. ( SÃO PAULO, 2012, p. 24).
Além disso, a inclusão de “e suas tecnologias” em cada área de conhecimento incorpora a possibilidade de empregabilidade que, junto com a centralidade que adquire o componente Projeto de Vida, o empreendorismo como valor e o foco no desenvolvimento de competências cognitivas e socioemocionais, indicam uma forte orientação que se reproduz nos currículos ( MACEDO; SILVA, 2022). O economicismo educacional se torna estruturante, amalgamando a vida escolar ao contexto do mercado do trabalho para além do itinerário de formação técnica e profissional, tal como começa a se evidenciar nas pesquisas qualitativas.
Esse conjunto de “valores” associado à escolha dos estudantes de um IF remete ao protagonismo juvenil e a seu “projeto de vida”, isto é, os jovens enquanto autores de seu percurso escolar materializado nos currículos e a possibilidade de potencializar a competitividade com relação ao acesso a postos de trabalho. Por outro lado, essa visão do protagonismo juvenil, no entanto, não envolve a participação ativa dos jovens na construção da vida escolar, da comunidade e de toda a sociedade.
A Lei estipula um teto de 1.800 horas para a formação geral dos jovens, o que está permitindo em alguns estados a redução do espaço para a Formação Geral Básica nas matrizes curriculares para 2023. Além disso, o tempo reservado aos percursos formativos deixa clara a intencionalidade de valorização de tais percursos em detrimento da formação de caráter mais amplo. Tal ênfase remete à ideia de flexibilização curricular.
Sobre a expressão “flexibilização”, em que pese ser ela bastante tentadora por remeter, no imaginário coletivo, à “autonomia, livre escolha, espaço de criatividade e inovação”, a palavra pode assumir, também, o caráter de “desregulamentação, precarização, instabilidade da proteção contra a concentração da riqueza material e de conhecimento, permitindo a exacerbação dos processos de exclusão e desigualdade social”. ( KRAWCZYK; FERRETTI, 2017). Uma oferta diversificada pode resultar, ademais, em maior desigualdade de oportunidades, haja vista que “a diferenciação seletiva do sistema escolar não somente reflete as desigualdades sociais na educação, mas também as reforça” ( VIEIRA, ANDRADE; VIDAL, 2022, p. 2238).
Composição dos IF e possibilidade de escolha por parte dos estudantes
O formato curricular contempla, em todas as redes de ensino, itinerários de aprofundamento e o itinerário de formação técnica e profissional. As nomeações que definem os formatos dos IF e sua composição se mostraram bastante diferentes entre os estados. Isso inclui as distintas formas de nomeá-los e a forma de sua composição.
Quadro 2 - Denominação dos para os IF por estado
Itinerário de aprofundamento | SP, MS, SC, AM, RS, PR, SC, PB |
Itinerário propedêutico | MA, MS |
Rotas de aprofundamento | AC |
Trilhas de aprendizagem / aprofundamento | MT, DF, GO, PE e PR |
Essa heterogeneidade de nomenclaturas se completa com os nomes de fantasia que na maioria dos estados recebem os IF e/ou suas unidades curriculares. Esses nomes indicam temas e projetos a serem desenvolvidos e parecem buscar uma maior aproximação ao universo juvenil e capturar seu interesse. Essa heterogeneidade que acabamos de descrever, ancorada na ideia de “flexibilidade” promovida pela Lei, dificulta bastante a leitura conjunta dos currículos estaduais e coloca em discussão o potencial e o risco da desregulamentação e formas de controle previstas na Lei.
Foram encontrados também IF integrados entre duas ou mais áreas de conhecimento. No conjunto, dos 16 estados analisados, vamos encontrar desde casos que não preveem IF integrados, até aqueles que propõem um número bastante grande e/ou integrando todas as áreas de conhecimento. Por exemplo, no documento de SC estão previstos 12 IF integrados, ao passo que o currículo de ES tem, entre os IF integrados, apenas dois que contemplam todas as áreas de conhecimento 3. No outro extremo, temos o caso de PB que oferece apenas um IF integrado, contemplando todas as áreas de conhecimento 4.
Quadro 3 - Itinerários formativos integrados oferecidos por estado
Nenhum IF integrado | MS, DF |
Possui 1 ou mais IF integrado | ES, PB, MT, SC, PE, AM, GO, SP |
Possui IF integrado entre área de conhecimento e IF técnico-profissional | MG, AM |
Uma situação ainda mais séria encontramos no IF técnico profissional porque a forma de composição dos cursos varia bastante entre as propostas. Em duas delas é feita menção a itinerários que integram o aprofundamento e a formação técnica e profissional (MG, AM), ainda que se tenha verificado indícios dessa possibilidade em outras propostas, ao constar a expressão “itinerários integrados”.
Na rede estadual do Espírito Santo, o itinerário da formação técnica e profissional está organizada por meio de “componentes integradores” (projeto de vida, estudo orientado, práticas experimentais, práticas e vivências em protagonismo). Esses componentes se desdobram em formação para o mundo do trabalho e aprofundamento. Estes seriam componentes específicos por eixo ou curso oferecido.
No estado do Pará, a forma de oferta da educação profissional se diferencia bastante dos demais. São mantidos os cursos de forma integrada, aparentemente sem concomitância. Nos planos dos cursos são incluídos itinerários formativos por ano/curso. O total da carga horária dos cursos, no entanto, soma 1.200 horas, o que se configura como complementação à carga horária da Formação Geral Básica, o que permite a dúvida sobre se se trata mesmo de curso integrado.
A Educação Profissional Técnica de Nível Médio, conforme previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação ( LDB nº 9.39/96), pode se dar de duas formas: articulada, nas modalidades integrada, concomitante, e subsequente, para aqueles que já obtiveram certificado de ensino médio. A alteração dada pela Lei nº 13.415/17, que incorpora a Educação Profissional Técnica de Nível Médio como um dos IF possíveis de serem ofertados, sugere uma predominância da oferta desse itinerário na modalidade concomitante, o que é também reforçado na resolução do Conselho Nacional de Educação por meio das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Profissional e Tecnológica. ( Resolução CNE/CP n º 01/ 2021. Isto se vê facilitado ao permitir que o itinerário seja composto pelo somatório de vários cursos de curta duração, indicando maior fragmentação no percurso formativo inclusive através de certificação intermediária.
Dos 16 estados analisados, 09 deles trazem referência às formas integrada e concomitante (SP, MT, ES, GO, AM, DF, MT, PB, PR) e em oito sugere que haverá predominância da forma concomitante realizada por meio de cursos de qualificação ou de cursos FIC (SP, MG, PE, MA, AM, PR, SC, PA). A certificação intermediária está prevista em 12 das propostas (SP, MA, PR, RS, PB, MG, ES, MT, PE, AM, SC, PA).
Várias são as situações identificadas nas formas de oferta dos itinerários formativos. Falar de escolha por parte dos estudantes é, no mínimo, uma meia verdade. A própria Lei o insinua quando deixa claro que a oferta dos IF estará sujeita às condições materiais e humanas das redes de ensino e das escolas, o que restringe enormemente o leque de opções dos jovens, tal como já está sendo observado por pesquisadores ( REPU, 2022), ainda que a Portaria 1.432/2018 estabeleça que “os sistemas de ensino devem garantir a oferta de mais de um Itinerário Formativo em cada município, em áreas distintas”. ( BRASIL, 2018), art. 4º).
Silva ( 2019) aponta a centralidade de práticas de individualização na organização do currículo do Novo Ensino Médio que ancoram a diferenciação curricular. Elas são, entre outras, as disciplinas eletivas e os IF. De acordo com Laval (2004, p. 57), citado por Silva (p. 2), o cenário que permite a multiplicação dos dispositivos de individualização associa-se também a uma mudança do próprio estatuto do conhecimento. O conhecimento, então, torna-se produto de “um investimento mais ou menos rentável em indivíduos desigualmente dotados e capacitados”. Segundo Beck ( 2010), através dos processos de individualização a pobreza passa a ser lida em termos de destino individual. ( BECK, 2010, p. 134). Silva ( 2019, p. 195), seguindo a análise de Beck, afirma que “a individualização tende a bloquear as possibilidades de uma ‘existência individual emancipada’, pois ela significa uma”dependência do mercado em todas as dimensões da conduta na vida”. Em outras palavras, poderíamos concluir que “a individualização intensifica novos modos de padronização da vida”.
Novos formatos de oferta da educação escolar
A diversidade nos “arranjos curriculares”, como é chamada nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio de 2018 ( BRASIL, CNE/CEB, 2018), não se expressa somente nas nomenclaturas e na composição dos IF, mas também no espaço que ocupa o ensino remoto e o serviço privado de educação, gerando novas formas de oferta escolar.
A educação a distância e as parcerias estão contempladas na Lei nº 13.415/17 como forma de “cumprimento das exigências curriculares do ensino médio” ( BRASIL, 2017) e, no caso do IF Técnico Profissional, está pressuposto, explicitamente, que essa formação poderá ser oferecida em parceria com instituições privadas.
Podem ser ofertadas atividades em EaD, prioritariamente dos IF, até 20% no ensino diurno e 30% no ensino noturno da carga horaria total. São poucos os estados que definem as atividades que serão ou poderão ser oferecidas nas escolas, pois, na maioria dos documentos curriculares encontramos a possibilidade de EaD enunciada e amparada na Lei e/ou nas suas resoluções posteriores.
Quadro 4 - Educação a distância contemplada no currículo por estado
Não há informação | MT, ES, PA, SP, ES |
Enuncia a Lei que indica a possibilidade de contemplar EaD, mas sem especificação no currículo | RS, SC, MA, GO, DF, AM, MS. |
Contempla EaD para IF técnico profissional | AC, PR, PE, PA |
Com vistas à oferta desse itinerário, considerando que na maioria das escolas não haveria condições para tal, dada a ausência de um quadro permanente de docentes e de outras condições necessárias, a Lei indica a possibilidade de que se realizem parcerias com o setor privado para esse fim. Isso por si só pode significar uma mudança de configuração dessa etapa da educação básica, se estabelecendo um modelo de ensino médio de matrícula pública, mas de oferta público-privada.
Esse quadro pode ser agravado por meio da modalidade a distância, como alerta o GT 09 de ANPEd 5:
Além disso, a prática profissional, elemento estruturante do processo formativo teórico-prático, quando inserida no contexto de uma oferta não presencial, como é autorizado pelas DCNs, perde seu sentido humano-operacional ao permitir que os educandos se formem numa profissão sem vivenciarem o sentido ontocriativo do trabalho. A combinação da EPT com a EAD possibilita, ainda, o barateamento da oferta da educação profissional que prescindirá de infraestrutura, podendo reduzir-se ao uso de vídeos e simulações sem a participação direta dos educandos no processo de trabalho. (GT 09/ANPEd/Nota/2021).
Poucos estados deixam explícita a participação no processo de elaboração das propostas curriculares. A parceria com instituições do terceiro setor na elaboração dos currículos estaduais aparece em 6 estados dos 16 analisados focando diferentes aspectos do currículo. São citadas 3 instituições privadas, das quais o Instituto Reúna é o mais presente.
Quadro 5 - Parcerias na elaboração do currículo por estado
Não consta | AC, AM, ES, MT, MG, SC, SP |
Instituto Reúna | GO, MS, DF, PB e PA |
Instituto Itaú Educação e Trabalho | MS |
Instituto de Corresponsabilidade Educacional | MA |
Instituições internacionais: Unesco ou OEI | PR, RS |
Em alguns estados está associada a parceria como forma de oferta da educação a distância, e em outros não está explicitado de que maneira a EaD será oferecida. A modalidade presencial ou EaD está na maioria dos casos apenas mencionada em vários documentos oficiais, mas sem especificar de que maneira nem em que circunstâncias. É assim nas redes estaduais do AM, SC, RS, SC, MT e MS que a contempla no item “Diversidade e modalidades educacionais”. Em outros encontramos algum tipo de regulamentação, isto é, em qual parte do currículo e como pode ser ofertada a modalidade EaD, como é o caso do AM, PE, AC, PR, DF e SP em que está explicitada a possibilidade de “oferecer cursos e programas de EaD”, inclusive na educação técnico profissional de nível médio.
Apenas nos documentos do Rio Grande do Sul e da Paraíba não é feita menção explícita a parcerias no itinerário técnico profissional, ainda que no Rio Grande do Sul seja prevista a oferta na modalidade à distância. Para os demais estados estão previstas parcerias para a oferta desse itinerário ou para a modalidade EaD. Na maioria delas é feita menção a credenciamento ou à necessidade de cumprimento de critérios para esse credenciamento. Em cinco das propostas analisadas a menção à oferta de EaD ocorre de forma bastante genérica, sem qualquer grau de detalhamento.
Considerações finais
O ensino médio brasileiro, última etapa da educação básica desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, estava definido como momento de aprofundamento dos conhecimentos adquiridos nas etapas anteriores, tendo em vista a formar para a vida em sociedade, para o mundo do trabalho e para o prosseguimento nos estudos. Uma etapa marcada pela desigualdade de acesso, permanência e conclusão, considerando a diversidade que caracteriza a(s) juventude(s).
Qual currículo poderia responder às imensas desigualdades e à diversidade de formas de viver a juventude? Essa pergunta adquiriu centralidade haja vista as disputas em torno das políticas curriculares relacionadas ao ensino médio, sinalizadas no artigo. É em meio a esse cenário que se produz a atual reforma do ensino médio.
Um dos tantos questionamentos ao chamado Novo Ensino Médio, que emergiu da problemática da presente pesquisa, é o de que, ainda que possa parecer num primeiro momento atrativo para os jovens, flexibilizando sua formação e dando-lhe algumas possibilidades de escolha e certificados intermediários, a composição dos currículos pelas redes estaduais permite afirmar que se avança em direção a uma formação ainda mais fragmentada e aligeirada. A ausência de uma integração com o Ensino Fundamental é mais uma face da fragmentação já existente entre as etapas da educação básica.
A análise das propostas curriculares dos estados analisados evidenciou, ainda, que, no que se refere à formação para o trabalho, o Novo Ensino Médio, ao incluir a formação técnica e profissional como um dos itinerários formativos, podendo ser composto pelo somatório de cursos de curta duração desarticulados entre si, sequer assegura uma habilitação profissional. Ao ser ofertado, como visto, na modalidade a distância, passa-se a oferecer uma formação profissional precarizada e aligeirada.
Tampouco o preparo para o acesso aos prosseguimentos dos estudos em nível superior pode estar assegurado, considerando a imensa competição por uma vaga. A diversificação das formas de oferta e dos formatos curriculares derivada da ênfase dada aos Itinerários Formativos sugere uma possível secundarização da formação geral básica.
As análises realizadas permitem depreender que a reforma do ensino médio, e seus desdobramentos nos currículos estaduais, foi realizada mediante a ausência de uma avaliação séria e responsável da situação em que se encontrava a última etapa da educação básica, bem como das necessidades da/s juventude/s brasileira. É preciso lembrar que a Medida Provisória que deu início à reformulação da etapa teve suas justificativas baseadas na eficiência do desempenho aferido nas avaliações em larga escala e em exemplos descontextualizados de currículos de outros países.
Como vimos, as propostas curriculares estaduais seguem os princípios e formatos estipulados na Lei. No entanto, em algumas delas pode se observar certo hibridismo de conceitos/concepções/normativas. Essa hibridização de conceitos, concepções e propostas se deve, provavelmente, às várias tentativas de reformulação na organização pedagógica e curricular do ensino médio desde a aprovação da LDB de 1996. Em pouco mais de 20 anos foram exaradas três diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio e três para a educação profissional técnica de nível médio. Foram produzidos três documentos pelo Ministério da Educação com proposições para as bases curriculares dessa etapa educacional: Parâmetros Curriculares Nacionais ( BRASIL, 1999), Orientações Curriculares para o Ensino Médio ( BRASIL, 2003) e a Base Nacional Comum Curricular. ( BRASIL, 2018). Entre esses textos verificam-se formulações com origens teóricas e epistemológicas distintas que, certamente, incidem sobre o grau de regulamentação centralizada nacionalmente e a diversificação presente nas propostas estaduais.
A condição juvenil contemporânea está imbuída dos desafios de seu presente, ingressando num mundo de conhecimentos e desafios novos e, ao mesmo tempo, são acuados por suas condições objetivas, por uma sociedade que promove e encoraja um estilo de vida consumista ( BAUMAN, 2008; SENNETT, 2019), meritocrático, que mensura o potencial, isto é, a aptidão potencial do indivíduo e a recompensa individual e seletiva, bem como caracterizada pela incerteza do futuro ( SENNETT, 2019) e desemprego crescente. Esta condição juvenil contemporânea é totalmente ignorada pelo espírito imediatista e utilitarista com que estão sendo tratados os desafios do ensino médio.
A redução do tempo e conteúdo da formação geral básica, comum a todos, não tem se mostrado uma escolha por parte dos jovens, tal como se intenta convencer através da agressiva propaganda mediática que acompanha a reforma. Pelo contrário, esse argumento tem sido confrontado pelas mobilizações e demandas juvenis que buscam, sobretudo, serem autônomos e críticos, possuir uma formação cientifica e humanística sólida que lhes permita compreender a realidade e afrontar os desafios naturais, sociais, políticos, culturais e econômicos contemporâneos.
Sem dúvida, será a prática do NEM que dirá como essas propostas curriculares serão implementadas e, principalmente, como ocorrerão as interpretações, estratégias e ações estaduais e institucionais que definirão as dinâmicas do Novo Ensino Médio caracterizadas por expressiva diferenciação de propostas entre as redes estaduais. São esses aspectos que evidenciarão o suposto potencial de transformação da escola média e que direção essa transformação tomará e como poderá afetar o grave problema da desigualdade educacional e social de nosso país. Transformação esta que se embasa em novas formas de gestão que a literatura nomeia de Nova Gestão Pública, a qual se caracteriza por uma forte desregulamentação, novas formas de controle e por uma significativa incorporação do setor privado no serviço público. Resulta, também, numa concepção restrita de trabalho e em um projeto educacional para nossa juventude, dimensões que sem dúvida dialogam entre si, de tal forma que é difícil separar até com espírito didático.
Para finalizar, é preciso constar que o ano de 2023, considerando o novo governo, inicia com intensas mobilizações pela revogação do Novo Ensino Médio. Após consulta pública, o Ministério da Educação anuncia, em 07 de agosto, a intenção de promover alterações, dentre elas, a redução do número de itinerários com alguma padronização de abrangência nacional.
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3
Chamados “Energias Renováveis e Eficiência Energética” e outras “aspirações docentes”.
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4
Chamado Vasto mundo: quintal é global.
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5
Nota de Repúdio às Novas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Profissional e Tecnológica (DCNEPT - Resolução CNE/CP n 0 01-2021). Disponível em: https://anped.org.br/news/nota-de-repudio-novas-diretrizes-curriculares-nacionais-para-educacao-profissional-e#:~:text=No%20dia%2005%20de%20janeiro,pelo%20Conselho%20Nacional%20de%20Educa%C3%A7%C3%A3o.
Editado por
-
Editor:
Prof. Dr. Leandro Rogério Pinheiro
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
23 Out 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
06 Fev 2023 -
Revisado
10 Abr 2023 -
Aceito
30 Maio 2023