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Emergência do grupo escolar e produção, pela diferenciação, das escolas isoladas no Espírito Santo (1908-1916) 1 1- Disponibilidade de dados: todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi referenciado no próprio artigo e está disponível publicamente.

Resumo

Este artigo problematiza o percurso das escolas isoladas capixabas, considerando suas relações de oposição e concorrência perante a Escola Modelo, bem como a projeção e as condições de efetivo funcionamento do Grupo Escolar Gomes Cardim – o primeiro e durante um bom tempo único GE do Espírito Santo. O recorte temporal estabelecido, de 1908 a 1916, compreende o período decorrido desde a decretação da inconveniência das escolas isoladas em Vitória, capital do Espírito Santo, até a criação de uma instituição destinada à modelização da praticagem de professores para atuarem nessas mesmas escolas. O corpus documental trabalhado compreendeu: ofícios, requerimentos, relatórios, decretos, leis, atos oficiais da Secretaria de Instrução, fotografias e matérias jornalísticas. Por meio da análise indiciária dessas fontes, o texto focaliza espaços escolares, professorado e organização do ensino em escolas isoladas capixabas. Em linhas gerais, compreende-se que a avaliação negativa geralmente atribuída às escolas isoladas convivia com ambiguidades forçadas, por um lado, pela fragilidade do grupo escolar instituído localmente e, por outro – apesar da inconveniência decretada em 1908 –, pela atuação imprescindível de escolas isoladas, até o ponto da sua modelização em 1916. No caso do Espírito Santo, ao arrepio de binarismos construídos discursivamente acerca dos modos de escolarização no início do século passado, compreende-se a relação entre o grupo escolar e as escolas isoladas como um conflito permeado por desafios e empréstimos recíprocos, considerando-se que os marcadores da diferenciação estabelecida entre os dois dizem respeito, principalmente, às prescrições legais, ao status e à visibilidade conferida a cada instituição.

Palavras-chave
História da educação brasileira; Espírito Santo; Escola primária; Escola isolada; Século XX

Abstract

This article assesses the trajectory of isolated schools in Espírito Santo, in the context of opposition and competition with the model school, the projection, and the conditions for the effective functioning of the Gomes Cardim School Group, the first and for a long time the only school group in Espírito Santo. The period chosen (1908-1916) covers the period from the declaration of the inconvenience of the isolated schools in Vitória, capital city of the state of Espírito Santo, to the creation of an institution aimed at modeling the practice of teachers to work in those same schools. The documentary corpus worked on including letters, requests, reports, decrees, laws, official acts of the Brazilian Ministry of Education, photographs, and news articles. Through an indexical analysis of these sources, the text focuses on school spaces, teaching staff, and the organization of teaching in isolated schools in Espírito Santo. In general, it is understood that the generally negative evaluation attributed to isolated schools (Souza, 2016SOUZA, Rosa Fátima de. A configuração das Escolas Isoladas no estado de São Paulo (1846-1904). Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 16, n. 2, p. 341-377, abr. 2016. ) coexisted with forced ambiguities, on the one hand, due to the fragility of the locally established school group, and on the other hand — despite the inconvenience decreed in 1908 — due to the indispensable role of isolated schools, to the point of their modeling in 1916. In the case of Espírito Santo, contrary to the discursively constructed binarism about the modes of schooling in the early twentieth century, the relationship between the school group and the isolated schools is understood as a conflict permeated by challenges and mutual borrowings, considering that the markers of differentiation established between the two mainly concern the legal prescriptions, the status, and the visibility granted to each institution.

Keywords
History of Brazilian education; Espírito Santo; Elementary school; Isolated school; 20th century

Introdução

No início do século XX, a reforma educacional liderada pelo paulista Carlos Alberto Gomes Cardim (1908-1909) estabeleceu novas diretrizes relacionadas à formação de professores/as, à normatização da docência e à organização sistemática das escolas públicas no Espírito Santo (Simões, Salim, 2012SIMÕES, Regina Helena Silva; SALIM, Maria Alayde Alcantara. A organização de grupos escolares capixabas na cena republicana do início do século XX: um estudo sobre a reforma Gomes Cardim (1908-1909). Cadernos de Pesquisa em Educação - PPGE/Ufes, Vitória, v. 18, n. 35, p. 93-111, jan./jun. 2012. ). Dentre as medidas tomadas, destacou-se a ênfase à Escola Normal (EN) e à Escola Modelo (EM) como centros irradiadores do método analítico a ser adotado nas escolas primárias. Seguiram-se a reorganização do currículo da Escola Normal e a aprovação do decreto classificatório das escolas primárias em três categorias: isoladas, mistas e noturnas (Espírito Santo, 1908aESPÍRITO SANTO (Estado). Decreto nº 137, de 25 de julho de 1908. Classifica em tres categorias as escolas publicas de ensino primario do Estado e approva o programma das mesmas escolas. Diário da Manhã, Victoria, 1908a. ).

Nesse decreto encontra-se a primeira menção ao termo escola isolada (EI) na legislação capixaba. Portanto, diferentemente do caso paulista, no qual a denominação emerge após a implantação dos primeiros grupos escolares (Vidal, 2006VIDAL, Diana Gonçalves (org.). Grupos escolares: cultura escolar primária e escolarização da infância no Brasil (1893-1971). Campinas, SP: Mercado de Letras, 2006. ), no Espírito Santo a ideia de escola isolada contrapõe-se inicialmente à Escola Modelo, cujo funcionamento tanto inaugurava o modelo de escola graduada como pressupunha a futura implantação de grupos escolares.

Evidencia-se, dessa maneira, a força simbólica envolvida na diferenciação entre o grupo escolar (GE) e as demais instituições de ensino. Ou seja, a mera projeção do grupo escolar produz uma outra terminologia e, em decorrência, uma condição desfavorável para as demais escolas primárias: a classificação implicava, também, diferentes programas de ensino e duração do curso primário. Finalmente, em setembro de 1908, Gomes Cardim instituiu o primeiro grupo escolar, que recebeu o seu próprio nome.

No contexto da Reforma Cardim, a introdução do grupo escolar expressaria o ideário republicano modernizador subjacente às reformas da instrução pública no Brasil, razão pela qual, antes mesmo da sua efetivação, decretou-se: “[...] não convem que continuem a funccionar escolas isoladas nessa capital, desde que a instrucção está sendo facultada na escola Modelo, no grupo e nas escolas reunidas nocturnas ” (Espírito Santo, 1908bESPÍRITO SANTO (Estado). Decreto nº 197, de 10 de outubro de 1908. Supprime as escolas isoladas desta capital e dispensa os respectivos professores que não tenham sido aproveitados na nova organisação do ensino. Diário da Manhã, Victoria, 1908b. , p. 1, grifos nossos). Trata-se do mesmo decreto cujo artigo 1º suprimia “[...] as 1ª e 2ª cadeiras do sexo masculino e 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª mixtas” da capital, Vitória, dispensando “[...] os respectivos professores que não tenham sido approveitados na nova organisação do ensino, respeitados os direitos ou vantagens que lhes assegure a lei” (Espírito Santo, 1908bESPÍRITO SANTO (Estado). Decreto nº 197, de 10 de outubro de 1908. Supprime as escolas isoladas desta capital e dispensa os respectivos professores que não tenham sido aproveitados na nova organisação do ensino. Diário da Manhã, Victoria, 1908b. , p. 1).

A questão é: se em 1908 o objetivo era extinguir as EIs na capital, como explicar, oito anos depois, o funcionamento de “[...] uma escola isolada [anexa à Escola Modelo] para praticagem dos professores que se destinarem à regencia de cadeiras desta categoria” (Espírito Santo, 1916ESPÍRITO SANTO (Estado). Presidente de Estado (1912-1916: Souza). Relatório sobre os negócios do Estado no período governamental de 1912 a 1916 enviado ao Congresso Legislativo do Espírito Santo em 22 de maio de 1916 [por] Marcondes Alves de Souza, Presidente do Estado do Espírito Santo. Victoria: Typographia do Diário da Manhã, 1916. , p. 1)? A partir dessa circunstância, o presente estudo problematiza a produção das escolas isoladas no Espírito Santo, desde a decretação da sua inconveniência, em 1908, até a criação de uma escola isolada modelo, em 1916. Com isso, insere-se em um movimento mais amplo de releitura historiográfica do lugar ocupado pelos grupos escolares nos processos de escolarização, impulsionado, sobretudo, pelo deslocamento das narrativas homogeneizadoras produzidas a partir dos grandes centros para o esforço de compreensão das singularidades regionais na expansão do ensino público no Brasil (Souza, 2019SOUZA, Rosa Fátima de. A contribuição dos estudos sobre grupos escolares para a historiografia da educação brasileira: reflexões para debate. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 19, p. 1-24, 2019. ).

Para tanto, o corpus documental utilizado compreendeu: ofícios, requerimentos, relatórios, decretos, leis, atos oficiais da Secretaria de Instrução, fotografias e matérias jornalísticas. Por meio da análise indiciária dessas fontes (Ginzburg, 1989GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. , 2002GINZBURG, Carlo. Relações de força: história, retórica, prova. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. ), procurou-se compreender o percurso das escolas isoladas capixabas, considerando suas relações de oposição e concorrência perante a EM, bem como a projeção e as condições de efetivo funcionamento do Grupo Escolar Gomes Cardim (GEGC), a partir de três eixos analíticos: espaços escolares, professorado e organização do ensino.

Espaços escolares: a arquitetura do possível

Na idealização republicana, a suntuosa arquitetura projetada para o grupo escolar refletia o papel social conferido à instrução pública. No Espírito Santo, contudo, o GEGC ocupou inicialmente instalações improvisadas, em espaço anexo à Escola Modelo (Locatelli, 2012LOCATELLI, Andréa Brandão. Espaços e tempos de grupos escolares capixabas na cena republicana do início do século XX: arquitetura, memórias e história. 2012. 206 p. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2012. ). Posteriormente, transferiu-se para um prédio adaptado que, “[...] apesar das modificações nelle feitas, não corresponde às condições de hygiene e commodidade indispensaveis ao estabelecimento de ensino” (Espírito Santo, 1910cESPÍRITO SANTO (Estado). Inspetor geral do Ensino (Oliveira). Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Presidente do Estado Dr. Jeronymo de Souza Monteiro em 30 de julho de 1910 [por] Deocleciano Nunes de Oliveira, Inspector Geral do Ensino. Victoria: Imprensa Estadual, 1910c. , p. 10). No improviso das suas primeiras instalações, atribuía-se a baixa frequência estudantil a dois fatores: a inconveniência do horário das aulas (das 8h às 12h), que precisava ser compatível com o funcionamento da EN; e a proximidade com a EM, já que ambas funcionavam em anexo à Escola Normal (Espírito Santo, 1909bESPÍRITO SANTO (Estado). Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Jeronymo de Souza Monteiro, Presidente do Estado do Espírito Santo, pelo Sr. Inspector Geral do Ensino Carlos A. Gomes Cardim em 28 de julho de 1909. Victoria: Imprensa Official, 1909b. ).

No contexto capixaba, portanto, conclui-se que o palácio da propaganda do governo republicano “[...] era de vidro, espelhando a fragilidade das políticas locais para a instrução pública” (Simões, Salim, 2012SIMÕES, Regina Helena Silva; SALIM, Maria Alayde Alcantara. A organização de grupos escolares capixabas na cena republicana do início do século XX: um estudo sobre a reforma Gomes Cardim (1908-1909). Cadernos de Pesquisa em Educação - PPGE/Ufes, Vitória, v. 18, n. 35, p. 93-111, jan./jun. 2012. , p. 100), instituídas por um estado predominantemente agrícola movido pela monocultura cafeeira, cujos recursos mostravam-se insuficientes para a implantação de escolas primárias de qualidade.

Nos municípios de Santa Leopoldina e São Mateus, por exemplo, os prédios destinados à instalação do GE abrigaram uma EI, “[...] por não haver nessas cidades numero sufficiente de alumnos” (Espírito Santo, 1913bESPÍRITO SANTO (Estado). Presidente de Estado (1912-1916: Souza). Mensagem enviada ao Congresso Legislativo do Espírito Santo em 22 de outubro de 1913 [por] Marcondes Alves de Souza, Presidente do Estado do Espírito Santo. Victoria: Papelaria e Typographia Pimenta & Comp., 1913b. , p. 27). Na capital, a existência de inúmeros lugarejos de difícil acesso e a baixa densidade demográfica contribuíram para a manutenção das escolas isoladas. Nessas circunstâncias, um mês após o decreto que pretendia extingui-las na capital, uma nova lei previa a organização do ensino em: a) isoladas para cada sexo, regidas por um professor nas escolas masculinas e por uma professora nas escolas femininas; b) isoladas mistas, regidas por uma professora; c) noturnas, para alunos maiores de 12 anos; d) reunidas; e) grupos escolares e; f) Escola Modelo, anexa à escola Normal (Espírito Santo, 1908cESPÍRITO SANTO (Estado). Lei nº. 545, de 16 de novembro de 1908. Dá nova organização à Instrução Pública Primária e Secundária. Diário da Manhã, Victoria, 1908c. ). De acordo com o texto legal:

Art. 13. Nos logares, em que accusar, pelo menos, a existencia de quarenta alumnos analphabetos, será creada uma escola isolada mixta.

Art. 14. Nas localidades em que a densidade da população o exigir, serão creadas tantas escolas isoladas, para cada sexo, quantos forem os grupos de quarenta cinco alumnos, em edade escolar, ahi existentes para cada uma d’ellas.

Art. 15. Sempre que haja em uma localidade mais de quarenta alumnos analphabetos, maiores de doze annos se creará uma escola nocturna. (Espírito Santo, 1908cESPÍRITO SANTO (Estado). Lei nº. 545, de 16 de novembro de 1908. Dá nova organização à Instrução Pública Primária e Secundária. Diário da Manhã, Victoria, 1908c. , p. 1).

Como demonstra o quadro a seguir, entre 1908 e 1916 a expansão das escolas isoladas contrasta fortemente com a tímida evolução numérica dos grupos escolares.

Quadro 1 - Quantidade de escolas primárias capixabas entre 1908 e 1916

1908 1909 1910 1911 1914 1916
ESCOLAS ISOLADAS 107 139 203 238 218 210
GRUPOS ESCOLARES 1 1 1 1 2 2
ESCOLAS MODELO 1 1 1 1 1 2
Fonte: Mensagens de governo enviadas ao Congresso Legislativo do Espírito Santo (1908-1916).

No ano de 1910, as EIs de Vitória localizavam-se nas seguintes sedes: Vila Rubim, Jucutuquara, Queimado, Pitanga, Carapina, Goiabeiras, Ilha das Caieiras, Itaoibaia e Jacuhy (Espírito Santo, 1910cESPÍRITO SANTO (Estado). Inspetor geral do Ensino (Oliveira). Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Presidente do Estado Dr. Jeronymo de Souza Monteiro em 30 de julho de 1910 [por] Deocleciano Nunes de Oliveira, Inspector Geral do Ensino. Victoria: Imprensa Estadual, 1910c. ). Essa distribuição vinculava-se à proximidade com o perímetro urbano, de modo que a EI de Argolas, situada em município vizinho 3 3- Naquele período, Argolas pertencia ao município de Vila Velha. O porto ficava localizado em frente à baía de Vitória, na margem oposta ao antigo Cais do Imperador. Na mesma região, havia a estação da Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo, responsável pela ligação da capital com o interior do estado e, posteriormente, com Minas Gerais. Em 1924, o distrito de Argolas foi anexado oficialmente ao município da capital. , figurava entre as instituições da capital em requerimentos enviados à Secretaria da Instrução e na frequência escolar publicada diariamente no Diário da Manhã , periódico oficial do governo, enquanto aquelas localizadas nos distritos de Queimado e Carapina, regiões predominantemente rurais, não aparecem nesses documentos 4 4- Em 1911, o município de Vitória compunha-se de três distritos: Vitória, Carapina e Queimado (Brasil, 1913 ). .

Em outros termos, a determinação das escolas que integravam a capital baseou-se mais no reconhecimento social das localidades do que nos limites municipais. O investimento do governo estadual nas escolas primárias associava-se, por um lado, à rota do progresso traçada pelo governo Monteiro, favorecendo as localidades que interessavam ao plano de desenvolvimento estadual; por outro, às práticas políticas baseadas no coronelismo e no poderio das oligarquias rurais 5 5- A família Monteiro, proprietária de rica fazenda produtora de café, compunha essa oligarquia rural e assentava seu poderio político sobre o pilar do coronelismo: “[...] o pacto elitista, cujas estratégias se fundavam na violência, na vingança, na solidariedade intrafamiliar, na corrupção eleitoral e, sobretudo, na política de distribuição de favores e punições, bem como na apropriação privada do estado” (Costa, 2016 , p. 46). Portanto, as medidas propostas por Jerônimo Monteiro foram atravessadas por ambiguidades que marcavam a política capixaba durante a Primeira República, sendo delineadas em um contexto de tensão entre a modernização de certos elementos da vida pública e a manutenção da estrutura mais larga dos privilégios sociais (Vasconcellos, 1995 ). .

Assim, os investimentos feitos em diferentes setores traduzem tanto uma atenção estética às regiões de maior circulação social ou comercial quanto uma ação de cunho civilizatório por meio da qual se buscava disciplinar e regenerar as classes populares pela via da instrução. A configuração dos edifícios escolares na Vila Rubim e em Argolas, por exemplo, associava-se ao plano de urbanização, articulado em torno das obras de estruturação e aparelhamento do porto e da estação ferroviária. Embora a expansão prevista não se tenha concretizado por razões financeiras, “[...] foram reiniciadas as obras do porto, de maneira bem modesta, entre a Vila Rubim e o complexo de São Tiago ” (Siqueira, Vasconcelos, 2012SIQUEIRA, Maria da Penha Smarzaro; VASCONCELOS, Flavia Nico. Urbanização da cidade e nova concepção portuária: a trajetória compartilhada pela cidade e porto de Vitória na construção do progresso e de identidades. In: CONGRESO LATINOAMERICANO DE HISTORIA ECONÓMICA Y XXIII JORNADAS DE HISTORIA ECONÓMICA, 3., 2012, San Carlos de Bariloche. Anais [...]. San Carlos de Bariloche: Asociación Argentina de Historia Economica, 2012. p. 1-26. , p. 17, grifos nossos) 6 6- Na região populosa da Vila Rubim, residiam principalmente operários. A área, outrora chamada de cidade de palha devido às suas construções precárias, foi beneficiada pela administração Monteiro, passando a constituir um espaço loteado e a integrar o perímetro urbano da capital. A urbanização, entretanto, não ocorreu sem conflito de interesses entre os moradores e o Estado e, pelo viés higienista, a reforma muitas vezes promoveu a expulsão de grupos populares (Rostoldo, 2008 ). .

O desenvolvimento portuário dependia, ainda, de vias de comunicação necessárias ao escoamento da produção interiorana. Em 1907, a Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo passou a ser controlada pela Leopoldina Railway (Siqueira; Vasconcelos, 2012SIQUEIRA, Maria da Penha Smarzaro; VASCONCELOS, Flavia Nico. Urbanização da cidade e nova concepção portuária: a trajetória compartilhada pela cidade e porto de Vitória na construção do progresso e de identidades. In: CONGRESO LATINOAMERICANO DE HISTORIA ECONÓMICA Y XXIII JORNADAS DE HISTORIA ECONÓMICA, 3., 2012, San Carlos de Bariloche. Anais [...]. San Carlos de Bariloche: Asociación Argentina de Historia Economica, 2012. p. 1-26. ), quando a linha férrea, que partia do Porto de Argolas, passou a ligar Vitória a diversas regiões do interior capixaba e mineiro.

Figura 1
- Escola da Vila Rubim

Figura 2
- Escola de Argolas

Seguindo essa lógica desenvolvimentista, antes mesmo da destinação de um edifício próprio para o funcionamento do GE Gomes Cardim, escolas localizadas na Vila Rubim ( Figura 1 ) e em Porto de Argolas ( Figura 2 ) ocuparam prédios cuja construção obedecia “[...] a todas as prescripções prophylaticas” e contavam com “[...] mobiliario e material necessarios a casas dessa ordem” (Espírito Santo, 1909bESPÍRITO SANTO (Estado). Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Jeronymo de Souza Monteiro, Presidente do Estado do Espírito Santo, pelo Sr. Inspector Geral do Ensino Carlos A. Gomes Cardim em 28 de julho de 1909. Victoria: Imprensa Official, 1909b. , p. 6).

Como se observa, trata-se de espaços similares em termos de estrutura física e mobiliário, abrigando duas escolas isoladas cada: ambas mistas no Porto de Argolas; uma masculina e uma feminina na Vila Rubim. Nota-se que as construções seguiram o mesmo padrão, cumprindo recomendações higiênicas da época – como pé direito duplo e portas e janelas destinadas à garantia de ventilação, iluminação e salubridade.

A escola de Jucutuquara ( Figura 3 ), por outro lado, ilustra condições de funcionamento da maioria das escolas de Vitória, que ocupavam casas alugadas (em alguns casos, as residências das professoras), considerando-se que, apesar dos ímpetos modernizadores, arquitetonicamente a cidade “[...] mantinha grande parte de seu complexo residencial com estrutura colonial” (Rostoldo, 2008ROSTOLDO, Jadir Peçanha. A cidade republicana na belle époque capixaba: espaço urbano, poder e sociedade. 2008. 211 f. Tese (Doutorado em História Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. , p. 115).

Figura 3
- Escola de Jucutuquara

Quando comparada com as escolas citadas anteriormente, a fotografia da escola de Jucutuquara evidencia a redução do número de portas e janelas, podendo-se indagar de que modo comportaria as quinze carteiras duplas distribuídas pela Secretaria da Instrução e, principalmente, as 25 alunas matriculadas na instituição (Espírito Santo, 1910cESPÍRITO SANTO (Estado). Inspetor geral do Ensino (Oliveira). Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Presidente do Estado Dr. Jeronymo de Souza Monteiro em 30 de julho de 1910 [por] Deocleciano Nunes de Oliveira, Inspector Geral do Ensino. Victoria: Imprensa Estadual, 1910c. ).

A oferta de aluguel para fins escolares partia principalmente da iniciativa popular, cabendo ao estado indicar as adaptações necessárias, em geral mais focadas no saneamento do que na organização do espaço escolar. Foi o que aconteceu com um morador, que cedera à professora Margarida Neves a sala da sua casa, “[...] a unica em local suficiente” na localidade de Santo Antônio, para que ali funcionasse “[...] a Escola da séde a seu cargo”. Propunha a ampliação do espaço cedido para que pudesse “[...] comportar 96 alumnos de ambos os sexos; isto é, 75 matriculados e 21 que anciozos esperavam a acertadissima mudança autorizada pelo Governo”. Para solucionar o problema, pretendia “[...] demolir todas as paredes centraes da casa de sua residencia, deixando a em um só salão o qual comportará perfeitamente 100 alumnos”, além de “[...] dar os referidos salões divizas em dois, em caso de necessitar duas Escolas”. Propunha, ainda, “[...] dois compartimentos ao lado da sua casa; um, onde manterá cosinha e outro um quarto especial para descanço das professoras em horas de recreio”. Por fim, instalaria “[...] agua, luz e exgotto, podendo [ilegível] uma torneira na varanda da mesma casa que ora circula as Escolas, dividamente cimintada e coberta as varandas, as quaes se prestam perfeitamente para as manobras escolares” (Espírito Santo, 1912ESPÍRITO SANTO (Estado). Requerimento enviado ao Presidente do Estado referente ao aluguel de uma casa para funcionamento da escola de Santo Antônio. Victória: Fundo de Educação do Arquivo Público Estadual do Espírito Santo, 1912. Caixa nº 30A, 5 out. 1912. , s/p).

A que custo (não apenas financeiro) se davam as acomodações propostas para o bom funcionamento estrutural, higiênico e pedagógico da instalação escolar? A reunião de uma grande quantidade de alunos/as sob a regência de uma única professora, por exemplo, implicava condições de trabalho e de estudo inadequadas, especialmente quando o regulamento do ensino estabelecia a adoção do método intuitivo em todas as escolas primárias do estado. A questão se estendeu por um longo período: somente em 1915 a região recebeu outra escola mista, suprimida ao término daquele mesmo ano (Espírito Santo, 1915ESPIRITO SANTO (Estado). Presidente de Estado (1912-1916: Souza). Mensagem enviada ao Congresso Legislativo do Espirito Santo em 08 de setembro de 1915 [por] Marcondes Alves de Souza, Presidente do Estado do Espirito Santo. Victoria: Typographia do Diario da Manhã, 1915. ).

Segundo o regulamento da instrução primária, a mobília escolar seria “[...] confeccionada de modo a facilitar a inspecção e a responsabilidade individual do alumno, bem como as exigencias dos preceitos hygienicos”. Ao/à professor/a, cada classe ou escola destinaria “[...] uma mesa, uma cadeira e um armário”, itens inexistentes no inventário dessa instituição (Espírito Santo, 1909aESPÍRITO SANTO (Estado). Decreto nº 230, de 3 de fevereiro de 1909. Diário da Manhã, Victoria, 1909a. , p. 1).

Nas escolas urbanas de Vitória, o mobiliário e o material didático variavam pouco. A Escola Modelo, no entanto, distinguia-se das demais ( Quadro 2 ). Ou seja, o resultado da divisão dos objetos adquiridos pelo número de classes do GEGC diferia minimamente da quantidade do material distribuído pelas instituições isoladas urbanas, levando-nos a pensar que a Escola Modelo absorvia os parcos recursos destinados ao ensino primário, restando aos grupos escolares um simbolismo antes de tudo discursivo.

Quadro 2
- Relação dos móveis e objetos de ensino adquiridos entre 1908 e 1912

Outro elemento significativo na relação do material didático destinado às instituições públicas de ensino são as cartas de Parker 7 7- Produzido pelo professor norte-americano Francis Wayland Parker, o material apresentava uma proposta moderna de ensino de aritmética baseada no método intuitivo, em contraponto às práticas tradicionais de memorização e repetição (Portela, 2014 ). , uma vez que, ainda que o currículo das escolas isoladas contemplasse o cálculo nas cartas de Parker (conteúdo do 1º ano), o material chegava somente à EM e ao GE. Embora seja o único item que difere na listagem dos objetos adquiridos para o grupo escolar e para as escolas urbanas de Vitória, a sua ausência fornece indícios de que o investimento no método intuitivo seria maior nas escolas graduadas.

A escola de Goiabeiras, pertencente ao distrito de Carapina, foi a menos favorecida na distribuição de mobiliário e material escolar, registrando-se a ausência de mapas e contadores e o uso de bancos em vez de carteiras duplas (Espírito Santo, 1910cESPÍRITO SANTO (Estado). Inspetor geral do Ensino (Oliveira). Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Presidente do Estado Dr. Jeronymo de Souza Monteiro em 30 de julho de 1910 [por] Deocleciano Nunes de Oliveira, Inspector Geral do Ensino. Victoria: Imprensa Estadual, 1910c. ). Em visita às escolas do estado, Cardim expressa o desprazer de haver encontrado “[...] caixões de kerozene substituindo carteiras e salas sem ar e sem luz, infectas, servindo para aulas publicas” (Espírito Santo, 1909bESPÍRITO SANTO (Estado). Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Jeronymo de Souza Monteiro, Presidente do Estado do Espírito Santo, pelo Sr. Inspector Geral do Ensino Carlos A. Gomes Cardim em 28 de julho de 1909. Victoria: Imprensa Official, 1909b. , p. 9). Relata, ainda: “Na escola do Campinho de Jacuhy, como não estava a professora, tive difficuldade de saber qual era a sala destinada à aula, porque encontrei uns quartinhos repellentes, sem o mais ligeiro indício de escola!” (Espírito Santo, 1909bESPÍRITO SANTO (Estado). Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Jeronymo de Souza Monteiro, Presidente do Estado do Espírito Santo, pelo Sr. Inspector Geral do Ensino Carlos A. Gomes Cardim em 28 de julho de 1909. Victoria: Imprensa Official, 1909b. , p. 9).

Em ofícios e requerimentos enviados à Secretaria da Instrução, inspetores também relatam alunos e alunas “[...] impossibilitados, por sua extrema pobreza, de frequentar as aulas das escolas, por falta de roupa decente, livros, papel, penna, tinta, lápis e etc etc, exigidos pelo Reg. Da Instrucção Publica do Estado ” (Espírito Santo, 1911ESPÍRITO SANTO (Estado). Requerimento enviado ao Inspetor Geral do Ensino com abaixo-assinado solicitando a criação de uma escola mista em Divisa. Victoria: Fundo de Educação do Arquivo Público Estadual do Espírito Santo, 1911. Caixa nº 30, 15 fev. 1911. , s/p, grifos nossos). Mesmo com a criação da Caixa Escolar em 1915, a falta de recursos familiares obstaculizava o acesso e a permanência nas escolas. Abaixo-assinados indicam, também, a ausência ou o funcionamento inadequado de instituições escolares. Em geral, pais ou responsáveis solicitavam a construção de prédios, a liberação de professores/as e o envio de material escolar.

Em 1909, um grupo de pais requereu ao presidente do estado a continuidade da escola da Ilha das Caieiras para que seus filhos, “[...] em numero de trinta e sete, dos quaes vinte e cinco mais ou menos ja se acham matriculados”, a frequentassem. Segundo os requerentes, a baixa frequência – motivo pelo qual a escola seria suprimida – devia-se à irregularidade do funcionamento da instituição, uma vez que a referida escola fora “[...] installada no dia dezesete do mez de Outubro, vesperas de férias” (Espírito Santo, 1909cESPÍRITO SANTO (Estado). Requerimento enviado ao Inspetor Geral do Ensino com abaixo-assinado contra supressão da escola da Ilha das Caieiras. Fundo de Educação do Arquivo Público Estadual do Espírito Santo. Victoria: [s. n.], 1909c. Caixa nº 28, 26 fev. 1909c. , s/p).

Em 1915, residentes de Goiabeiras lamentavam “[...] a falta de uma escola pública para garantir o florescente futuro litterario desta mocidade que conta com número superior a noventa”. Solicitavam, dessa maneira, o envio de uma professora “[...] para salvar estes infelizes que vivem em densas trevas implorando instrução”, assim como a disponibilidade de uma casa adequada ao funcionamento escolar (Abaixo-assinado, 1915 apud Locatelli, 2012LOCATELLI, Andréa Brandão. Espaços e tempos de grupos escolares capixabas na cena republicana do início do século XX: arquitetura, memórias e história. 2012. 206 p. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2012. , p. 146).

Fora do foco de documentos e imagens produzidos pela ótica do poder público, documentos como esses indiciam escolas negligenciadas, suprimidas ou firmemente reivindicadas, deixando ver lutas e expectativas de grupos sociais heterogêneos e desiguais, que convergiam no interesse e na demanda pela instrução pública. Juntamente com as demandas por espaços escolares, destaca-se a figura da professora, sobre quem se lança uma expectativa imodesta: redimir das trevas crianças infelizes e sedentas pela instrução escolar. Quem era esse/a professor/a a quem se queria debitar a redenção de crianças privadas das luzes do conhecimento, bem ao molde de um ideário iluminista em circulação no início do século passado? Como se configurava, naquele momento, o exercício do magistério público em escolas isoladas?

Professores/as de escolas isoladas no Espírito Santo: entre a idealização e o real

A maioria do corpo docente das EIs compunha-se de professores/as concursados/as (Salim, Manso, 2016SALIM, Maria Alayde Alcântara; MANSO, Márcia Helena Siervi. O cenário da política educacional no Espírito Santo durante a Primeira República. Temas em Educação, João Pessoa, v. 25, n. 1, p. 22-42, jan./jun. 2016. ), embora os/as normalistas predominassem na zona urbana 8 8- Mapeamento produzido a partir do cruzamento de atos oficiais publicados no Diário da Manhã com ofícios e requerimentos localizados no acervo do Fundo Educação do Arquivo Público Estadual do Espírito Santo. , como acontecia nas escolas isoladas de Vitória, onde funcionavam a Escola Normal e o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, cujos egressos tendiam a priorizar cadeiras localizadas na capital.

No que se refere à remuneração ( Figura 4 ), a diferença entre os salários pagos aos/às professores/as da primeira entrância e dos grupos escolares revela-se pequena, ao contrário do que ocorria com relação às escolas rurais ou periféricas.

Figura 4
- Vencimentos mensais do magistério público

Em Vitória, a circulação de professores/as entre o GEGC e escolas isoladas indicia aproximações quanto ao padrão do ensino ministrado em ambas as instituições. Algumas dessas professoras, inclusive, integravam a elite local, com direito a destaque pela imprensa. O Diário da Manhã , por exemplo, elogiava “[...] o esforço e dedicação empregados por aquella illustre preceptora para o brilhantismo da exposição”, realizada por uma escola isolada “[...] onde as exigencias do ensino requerem multiplicidade de actividade para a sua regente attingir áquelle resultado” (Exposição [...], 1909aEXPOSIÇÃO de prendas. Diário da Manhã, Victoria, p. 2, 28 nov. 1909a. , p. 2).

Significativamente, o elogio do jornal Commercio do Espirito Santo às instituições escolares e ao professorado da capital não faz distinção entre o GE e as EIs:

A nossa escola modelo, o nosso grupo escolar, a nossa escola normal e as escolas isoladas da nossa capital , são estabelecimentos de ensino, cuidadosamente montados e apparelhados do material pedagogico necessario á pratica dos methodos mais modernos e dirigidos por um professorado de que devemos nos orgulhar, pela sua habilitação e pelo seu correctismo .

(Nossa primazia, 1910NOSSA PRIMAZIA. Commercio do Espirito Santo, Victoria, p. 1, 16 maio 1910. , p. 1, grifos nossos).

Quer atuassem em escolas isoladas ou em grupos escolares, funcionários do magistério público eram de livre nomeação e demissão pelo governo estadual. Quanto ao professorado de concurso, a vulnerabilidade aumentava, uma vez que o direito à cadeira poderia ser requisitado em caso de supressão ou transferência ordenada pelo presidente do estado (Espírito Santo, 1910aESPÍRITO SANTO (Estado). Decreto nº 43, de 5 de março de 1910. Dá regulamento aos diversos ramos da administração do Estado. Diário da Manhã, Victoria, 1910a. ).

Pelo regulamento, “[...] fugir à execução do programa de ensino” ou “[...] usar de livro que não tenha sido aprovado pelo governo” eram motivos de punição (Espírito Santo, 1910aESPÍRITO SANTO (Estado). Decreto nº 43, de 5 de março de 1910. Dá regulamento aos diversos ramos da administração do Estado. Diário da Manhã, Victoria, 1910a. , s/p). A regulação ocorria também pela via da moralidade: “[...] a negliencia ou a pratica de actos reprovados pela sociedade” implicaria suspensão (Espírito Santo, 1910aESPÍRITO SANTO (Estado). Decreto nº 43, de 5 de março de 1910. Dá regulamento aos diversos ramos da administração do Estado. Diário da Manhã, Victoria, 1910a. , s/p). Entretanto, o estreito controle não se deu sem resistência. Por meio da imprensa, o professor Olyntho Batalha indignou-se com a suspensão recebida por alegada desobediência aos métodos de ensino. Embora a transcrição seja longa, vale a pena acompanhar o seu relato:

[...] estando exercendo as funcções do meu cargo, na villa Rubim, de pleno accordo com o programma estabelecido , compareceu em minha aula o sr. fiscal Archimimo [...]. Chamou o alumno Olympio Vieira [...] para examinar os numeros traçados na pedra e que elle procurava imitar. Ora, porque o coitadinho não imitasse com perfeição, entrou logo em supapos, isto por mais de uma vez.

Em seguida, sentou-se junto ao alumno Bemvindo Alves de Abreu, [...] o qual procurava copiar uma sentença, e porque tambem não soubesse o menino fazel-o, satisfactoriamente, passou pelo mesmo processo, entrando em sopapos. Depois que o sr. Archimimo saciou sua colera , retirou-se e voltando depois [...] chamou-me para perguntar como era que eu explicava Historia Patria . Respondi que dava a conhecer aos meus alumnos o descobrimento do Brazil, os homens notaveis da Republica, etc.

O sr. Archimimo, prevenido contra mim não sei porque, disse asperamente que eu era um arbitrario.

Eu embora humilde como sou fitei-o dizendo que nenhuma razão tinha elle para tratar-me mal e a meus alumnos. Sem replicar o sr. Archimimo retirou-se.

Em vista do que acabo de narrar, quem devia ser suspenso ou demittido ?

(Batalha, 1908BATALHA, Olyntho Rodrigues. Quem deve ser suspenso ou demettido? Estado do Espirito Santo, Victoria, p. 3, 7 nov. 1908. , p. 3, grifos nossos).

Ao questionar quem deveria ser suspenso, o professor, muito provavelmente, referia-se ao artigo 310 do Decreto nº 43 , que expressamente proibia, sob pena de suspensão, castigos corporais de qualquer espécie. Ao mesmo tempo, o depoimento docente deixa ver o infortúnio de estudantes submetidos à cólera de um fiscal do ensino.

Quando fotografada, a uniformização de estudantes dessa mesma escola indicia um elemento essencial ao regime de aparências característico da escola moderna (Dussel, 2005DUSSEL, Inés. Cuando las apariencias no engañan: una historia comparada de los uniformes escolares en Argentina y Estados Unidos (siglos XIX - XX). Pro-Posições, Campinas, v. 16, n. 1, p. 65-86, jan./abr. 2005. ), que, por meio da criação de uma estética própria, estabelece os limites entre a escola e o mundo exterior ( Figura 5 ).

Figura 5
- Sala de aula da escola da Vila Rubim

Em contrapartida, os uniformes escolares desaparecem do retrato de uma das turmas da escola de Argolas, indiciando condições materiais desiguais no atendimento às crianças que frequentavam as escolas isoladas ( Figura 6 ).

Figura 6
- Sala de aula da escola de Argolas

Entre fotografias, documentos legislativos e notícias sobre a escola e os seus sujeitos, esta pesquisa percorreu o arrojo discursivo das prescrições para a escola moderna, o autoritarismo do Estado, o controle sobre o exercício do magistério público e a tentativa de homogeneização do comportamento discente. Às margens dessas forças indutoras, a leitura indiciária de fontes em cruzamento deixa ver, antes de tudo, profundos contrastes entre o discurso monolítico e frequentemente idealizador que dirigia as políticas públicas para a educação e a heterogeneidade da vida escolar.

Organização do ensino nas escolas isoladas: pedagogias possíveis

De acordo com a reforma da instrução pública capixaba iniciada em 1908, as lições escolares seriam “[...] praticas, concretas, essencialmente empíricas e com exclusão completa das regras abstratas”, de modo que as faculdades da criança se desenvolvessem “[...] gradual e harmonicamente, por meio dos processos intuitivos, tendo o professor sempre em vista desenvolver a observação” (Espírito Santo, 1910aESPÍRITO SANTO (Estado). Decreto nº 43, de 5 de março de 1910. Dá regulamento aos diversos ramos da administração do Estado. Diário da Manhã, Victoria, 1910a. , s/p). Acreditava-se, portanto, que a observação minuciosa e organizada possibilitaria a passagem progressiva de um conhecimento sensível para uma elaboração mental superior dos conhecimentos (Faria Filho, 2000FARIA FILHO, Luciano Mendes. Instrução Elementar no Século XIX. In: LOPES, Eliana Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes; VEIGA, Cynthia Greive (org.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 135-150. ).

Nessa linha de pensamento, defendia-se a modernização pedagógica, com o objetivo de tornar a escola mais atrativa, creditando-se o aumento da frequência escolar aos “[...] bons resultados do novo methodo e da actual organisação do ensino”. Celebrava-se, dessa maneira, o “[...] phenomeno de não poderem actualmente os pais evitar que seus filhos deixem de ir a escola, sem grandissima contrariedade para estes, quando dantes a escola era apontada como castigo” (Espírito Santo, 1910bESPÍRITO SANTO (Estado). Presidente de Estado (1908-1912: Monteiro). Mensagem enviada ao Congresso Legislativo do Espírito Santo em 23 de setembro de 1910 [por] Jeronymo de Souza Monteiro, Presidente do Estado do Espírito Santo. Victoria: Imprensa Estadual, 1910b. , p. 22).

Nesse sentido, observa-se a valorização de novos meios disciplinares em detrimento dos castigos corporais, associando-se os métodos intuitivos às ideias de domesticidade e maternidade (Durães, 2011DURÃES, Sarah Jane Alves. Aprendendo a ser professor(a) no século XIX: algumas influências de Pestalozzi, Froebel e Herbart. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 37, n. 3, p. 465-480, dez. 2011. ). Na crônica As escolas de hoje , publicada no Diário da Manhã , o autor comparava a escola da sua infância – “[...] solitária masmorra onde iria purgar” – às escolas primárias renovadas, vistas como “prolongamento do lar”, onde “[...] à palmatoria substituem os affagos maternaes e aos autos e cartas manuscriptas - livros com lindas historias ornadas de gravuras finas”. Elogiava práticas festivas e premiações, celebrando a substituição do “[...] mestre pesadão, de grandes oculos e de lenço de Alcobaça” por “[...] uma jovem carinhosa e quasi sempre bonita” (Braga, 1908BRAGA, Belmir. As escolas de hoje. Diário da Manhã, Victoria, p. 1, 28 ago. 1908. , p. 1).

Esse cenário de idealizações coincide com a crescente presença de mulheres no magistério primário, especialmente para atender à exigência do atendimento de escolas mistas por docentes do sexo feminino (Espírito Santo, 1908cESPÍRITO SANTO (Estado). Lei nº. 545, de 16 de novembro de 1908. Dá nova organização à Instrução Pública Primária e Secundária. Diário da Manhã, Victoria, 1908c. ). Nesse contexto, o Decreto nº 43 estabelecia que a afeição orientasse a disciplina escolar, utilizando-se o conselho e a persuasão amistosa (Espírito Santo, 1910aESPÍRITO SANTO (Estado). Decreto nº 43, de 5 de março de 1910. Dá regulamento aos diversos ramos da administração do Estado. Diário da Manhã, Victoria, 1910a. ). Como meio disciplinar – seja correcional ou de estímulo – propunha-se a concessão de prêmios e a aplicação de penas.

Quanto ao programa de ensino, Leitura, Linguagem Oral, Linguagem Escrita e Aritmética abrangiam conteúdos idênticos aos trabalhados nas classes equivalentes dos GEs. As demais matérias reuniam abordagens superficiais de conteúdos ensinados nas escolas primárias graduadas. Desse modo, se na EI uma das lições de História Natural incluía “[...] palestra sobre folhas, flores, frutos, raízes e caules” (Espírito Santo, 1910aESPÍRITO SANTO (Estado). Decreto nº 43, de 5 de março de 1910. Dá regulamento aos diversos ramos da administração do Estado. Diário da Manhã, Victoria, 1910a. , s/p), no GE aprofundava-se o estudo de cada parte das plantas, acompanhado de exercícios práticos. Ou, enquanto nos grupos escolares experiências sobre a composição do ar, da água, a combustão e a evaporação compunham a disciplina Física e Química, para as escolas isoladas previa-se uma palestra geral sobre o tema. Por motivos dos quais trataremos adiante, a única disciplina dirigida ao 4º ano do GE cujos conteúdos eram integralmente contemplados nas EIs era Noções de Agricultura.

Na lógica do governador Monteiro, o programa dirigido às EIs mostrava-se “perfeitamente exequivel”, tendo em vista a sua organização modesta e, sobretudo, o seu “[...] fim essencial de preparo das creanças para as primeiras necessidades da vida pratica” (Espírito Santo, 1909bESPÍRITO SANTO (Estado). Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Jeronymo de Souza Monteiro, Presidente do Estado do Espírito Santo, pelo Sr. Inspector Geral do Ensino Carlos A. Gomes Cardim em 28 de julho de 1909. Victoria: Imprensa Official, 1909b. , p. 5). Nessa linha de pensamento, programas de ensino diferentes indiciam a função social atribuída a cada modalidade de escola primária, entendendo-se que os conteúdos relacionados às instituições isoladas, ao atribuírem necessidades restritamente dimensionadas pela posição social dos alunos e alunas, sancionavam e perpetuavam desigualdades existentes (Cardoso, 2013CARDOSO, Maria Angélica. A organização do trabalho didático nas escolas isoladas paulistas: 1893 a 1932. 2013. 259 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013. ).

Ao abordar os trabalhos realizados pelas alunas da EI Vila Rubim, a nota publicada pelo Commercio do Espírito Santo não poderia ser mais explícita:

Prenderam particularmente nossa atenção as confecções de peças de enxoval de uso comum, remendos, emendas de fazendas, bainhas de ponto atraz, abertura de casas e outros pequenos trabalhos que uma boa dona de casa, principalmente nas classes pobres, deve conhecer perfeitamente .

(Exposição [...], 1909bEXPOSIÇÃO. Commercio do Espirito Santo, Victoria, p. 2, 26 nov. 1909b. , p. 2, grifos nossos).

A disparidade entre os conteúdos de Ginástica e Instrução Cívica e Moral ( Quadro 3 ) torna-se igualmente significativa, considerando-se a centralidade dessas disciplinas no contexto da instrução republicana. Nas EIs replicavam-se, de forma reduzida, lições destinadas ao 1º ano dos grupos escolares, que contemplavam um programa minucioso e extenso, em conformidade com a chamada tríade da educação integral – educação física, moral e intelectual – destinada à formação do novo cidadão (Campos, 2016CAMPOS, Karen Calegari Santos. A educação do corpo no projeto republicano na cidade de Vitória (1908-1912). 2016. 214 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2016. ).

Quadro 3
- Programas de Instrução Cívica e Moral para as escolas primárias públicas

Seguindo-se o entendimento de que “[...] todas as disciplinas da escola primaria se prestam a educação cívica” (Espírito Santo, 1910aESPÍRITO SANTO (Estado). Decreto nº 43, de 5 de março de 1910. Dá regulamento aos diversos ramos da administração do Estado. Diário da Manhã, Victoria, 1910a. , s/p), as diferenças na instrução cívico-moral não se restringiam a essa matéria específica. Examinado na contraface do currículo do GE, o escasso conteúdo de instrução cívica destinado às escolas isoladas revela a que grupo populacional se destinava a preparação do novo homem , republicano e moderno.

As noções de cidadania ativa e cidadania inativa lançam luzes sobre essas questões, entendendo-se que a alfabetização requerida para a participação eleitoral evidencia um contexto no qual o direito político não se apresentava natural, sendo concedido somente àqueles que fossem considerados merecedores (Carvalho, 2004CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. ). Ou seja, cidadãos inativos ou simples, portadores de direitos civis da cidadania, distinguiam-se dos cidadãos ativos ou plenos, detentores também dos direitos políticos.

Nessa linha de raciocínio compreendem-se os programas de ensino das escolas isoladas, normalmente destinadas à instrução da população rural e periférica aos centros urbanos. Não por acaso, como apontamos anteriormente, Noções de Agricultura era a única disciplina ofertada nas escolas isoladas que abrangia conteúdos comuns aos programas de ensino das escolas primárias em geral, inclusive aqueles destinados ao 4º ano dos grupos escolares.

Especificamente na cidade de Vitória, como vimos, algumas EIs se aproximavam do padrão do GE. Entretanto, fontes relacionadas à participação de escolas em festejos públicos denotam procedimentos hierárquicos adotados nessas ocasiões. Por exemplo, ao reportar uma comemoração ao encerramento do ano escolar, a imprensa estampa a saída de um navio do Cais do Imperador, “[...] conduzindo alem dos alumnos das Escolas Normal e Modelo Jeronymo Monteiro, Grupo Escolar Gomes Cardim, e escolas isoladas, o respectivo professorado e varias outras pessoas gradas” (Festa [...], 1908FESTA escolar. Commercio do Espirito Santo, Victoria, p. 1, 30 nov. 1908. , p. 1). A ordem do desembarque, no entanto, torna visível um primeiro ordenamento:

[...] saltou primeiro o batalhão escolar Jeronymo Monteiro [pertencente à Escola Modelo do mesmo nome], que postando-se ao lado direito da Hospedaria, fez, após as primeiras evoluções, continencia ao terreno, e depois os demais alumnos que formaram do lado esquerdo , cantando por essa occasião o Hymno Nacional.

(Festa [...], 1908FESTA escolar. Commercio do Espirito Santo, Victoria, p. 1, 30 nov. 1908. , p. 1, grifos nossos).

Em seguida, realizou-se uma série recreativa – competições esportivas entre alunos/as da Escola Normal e da Escola Modelo, lunch e sarau dançante –, encerrada com a distribuição de diplomas de aptidão aos/às egressos/as da Escola Modelo, que seguiriam estudando na Escola Normal.

No ano seguinte, o mesmo local foi palco da Festa das Árvores, constituída por três momentos principais: o desfile escolar, as demonstrações cívico-esportivas e o plantio das árvores. Embora o jornal Commercio relatasse a participação das escolas isoladas da capital, de acordo com o Diário da Manhã somente as escolas da Vila Rubim e de Argolas marcaram presença.

Em linhas gerais, observa-se que quando as escolas isoladas participavam das solenidades, o corpo docente não integrava os espetáculos programados. Afora a participação nos momentos coletivos – como a declamação do hino nacional e o sarau dançante –, os discentes das instituições isoladas da capital frequentaram os eventos como espectadores. Na divulgação oficial das imagens relativas à Festa das Árvores, as EIs desaparecem.

Em uma conjuntura de normatização da docência, a predominância das escolas isoladas levou à criação, em novembro de 1916, de uma instituição destinada à orientação de professores/as que nelas atuavam. Segundo o governador Marcondes de Souza (1912-1916):

Outra necessidade de que muito se resente o serviço do ensino publico é a de uma escola isolada modelo, mixta, para aprendizagem dos professorandos.

Actualmente, tanto os alumnos do 4º anno da Escola Normal como os candidatos a concurso para o magisterio primaria praticam na Escola Modelo da Capital.

Acontece, porém, que nesse estabelecimento faz-se a aprendizagem do ensino ministrado nos Grupos Escolares, que differe muito das escolas isoladas . A escola isolada modelo poderá funccionar annexa á Escola Normal, a cargo de uma professora normalista, com o pequeno accrescimo de despesa, relativo aos vencimentos da professora. (Espírito Santo, 1916ESPÍRITO SANTO (Estado). Presidente de Estado (1912-1916: Souza). Relatório sobre os negócios do Estado no período governamental de 1912 a 1916 enviado ao Congresso Legislativo do Espírito Santo em 22 de maio de 1916 [por] Marcondes Alves de Souza, Presidente do Estado do Espírito Santo. Victoria: Typographia do Diário da Manhã, 1916. , p. 30, grifos nossos).

A Escola Isolada Modelo, anexa à Escola Normal, era regida por uma professora normalista e contava com três classes. No relatório de governo de 1917, consta que a instituição funcionava regularmente, preenchendo o fim a que se destinava: a aprendizagem das alunas do 4º ano da Escola Normal e do professorado de concurso do estado. Em síntese, “[...] na escola isolada modelo, faz-se a aprendizagem do ensino das escolas isoladas, emquanto que na escola modelo Jeronymo Monteiro é feita a aprendizagem do ensino dos grupos escolares” (Espírito Santo, 1917ESPÍRITO SANTO (Estado). Presidente de Estado (1916-1920: Monteiro). Mensagem enviada ao Congresso Legislativo do Espírito Santo em 13 de setembro de 1917 [por] Bernardino de Souza Monteiro, Presidente do Estado do Espírito Santo. Victoria, 1917. , p. 67) 9 9- Verifica-se a existência de escolas isoladas modelo em ao menos três outros estados: São Paulo, Alagoas e Paraná. A primeira instituição desse tipo foi criada em São Paulo, em 1908, e se expandiu por todo o estado. Em 1913, já eram quatorze escolas isoladas modelo, distribuídas em sete municípios paulistas (Cardoso, 2013 ). A de Alagoas, por sua vez, foi criada em 1911 e a do Paraná, em 1921 (Bonato, 2010 ). .

Ao contrário da Escola Modelo Jerônimo Monteiro, porém, a Isolada Modelo recebeu pouco espaço na imprensa e nos documentos oficiais. O Diário da Manhã e os relatórios de governo limitaram-se a relatar que a instituição funcionava regularmente e a informar o número de matrícula, que variou entre 30 e 60 alunas 10 10- Conforme relatórios de governo publicados entre 1918 e 1930 e a frequência escolar veiculada no Diário da Manhã durante o mesmo período. .

Em que pese a ênfase discursiva à modelização das escolas isoladas no Espírito Santo, compreende-se que a disparidade das condições de funcionamento da grande maioria dessas instituições no período investigado, associada ao tom rarefeito e monossilábico dos relatórios de governo e de notas veiculadas pela imprensa governista, sempre disposta ao elogio fácil, indicia o esvaziamento prático das prescrições normativas relacionadas às escolas isoladas. Consequentemente, as poucas alterações formais observadas com relação a essas escolas, que configuravam a oferta maciça da instrução pública local, não foram capazes de evitar a produção das escolas isoladas pelo déficit e, o que é mais grave, no processo de diferenciação com relação ao único grupo escolar local que, na prática, também desmentia a idealização formulada em torno da instituição republicana.

Considerações finais

A historiografia da educação brasileira aponta relações de oposição e concorrência intrinsecamente estabelecidas entre escola isolada e grupo escolar (Souza, 2016SOUZA, Rosa Fátima de. A configuração das Escolas Isoladas no estado de São Paulo (1846-1904). Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 16, n. 2, p. 341-377, abr. 2016. ), uma vez que o surgimento deste último explicaria a designação isolada , atribuída à escola unitária – também chamada de escola de primeiras letras ou elementar. Por outro lado, ainda que a denominação se justifique pelo funcionamento unitário dessas instituições, em contraposição ao agrupamento de escolas graduadas, a escolha do adjetivo isolada acabaria por inferiorizar o modelo escolar vigente, compreendido como a antítese da instituição primária idealizada segundo os moldes da modernização republicana. Desse modo, a condição de escola isolada opera uma mudança simbólica com a qual se pretende demarcar a oposição entre a escola do passado e a escola moderna. Argumenta-se, assim, que essa designação ratificou “[...] uma condição organizacional cuja representação incorporou vários elementos negativos, dentre os quais a associação desse tipo de escola com o atraso, a precariedade e a ineficácia” (Souza, 2016SOUZA, Rosa Fátima de. A configuração das Escolas Isoladas no estado de São Paulo (1846-1904). Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 16, n. 2, p. 341-377, abr. 2016. , p. 371).

No Espírito Santo, por força de dinâmicas locais, ao mesmo tempo em que a criação do grupo escolar – e, antes de tudo, a força simbólica que a acompanhou – produziu, pela diferenciação, a desvalorização das escolas primárias isoladas, a frágil e lenta efetivação dos grupos escolares motivou também a qualificação de algumas dessas instituições, especialmente daquelas localizadas no perímetro urbano de Vitória. Na capital capixaba, essa avaliação negativa convivia com ambiguidades forçadas, por um lado, pela fragilidade do grupo escolar instituído localmente e, por outro – apesar da inconveniência decretada em 1908 –, pela atuação imprescindível de escolas isoladas, até o ponto da sua modelização em 1916.

Pelo exposto, ao arrepio de binarismos construídos discursivamente acerca da oposição qualidade versus precariedade dos modos de escolarização no início do século passado, entende-se a diferenciação entre o grupo escolar e as escolas isoladas como “[...] um conflito feito de desafios, empréstimos recíprocos” (Ginzburg, 2007GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. , p. 9), considerando-se que os marcadores das diferenças entre essas três instituições dizem respeito, em sua maioria, às prescrições legais, ao status e à visibilidade conferida a cada uma delas.

Referências

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  • CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
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  • ESPÍRITO SANTO (Estado). Requerimento enviado ao Inspetor Geral do Ensino com abaixo-assinado contra supressão da escola da Ilha das Caieiras. Fundo de Educação do Arquivo Público Estadual do Espírito Santo. Victoria: [s. n.], 1909c. Caixa nº 28, 26 fev. 1909c.
  • ESPÍRITO SANTO (Estado). Requerimento enviado ao Inspetor Geral do Ensino com abaixo-assinado solicitando a criação de uma escola mista em Divisa. Victoria: Fundo de Educação do Arquivo Público Estadual do Espírito Santo, 1911. Caixa nº 30, 15 fev. 1911.
  • ESPÍRITO SANTO (Estado). Requerimento enviado ao Presidente do Estado referente ao aluguel de uma casa para funcionamento da escola de Santo Antônio. Victória: Fundo de Educação do Arquivo Público Estadual do Espírito Santo, 1912. Caixa nº 30A, 5 out. 1912.
  • ESPÍRITO SANTO (Estado). Inspetor geral do Ensino (Oliveira). Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Presidente do Estado Dr. Jeronymo de Souza Monteiro em 30 de julho de 1910 [por] Deocleciano Nunes de Oliveira, Inspector Geral do Ensino. Victoria: Imprensa Estadual, 1910c.
  • ESPÍRITO SANTO (Estado). Presidente de Estado (1908-1912: Monteiro). Exposição sobre os negócios do Estado no quadriênio de 1909 a 1912 enviada ao Congresso Legislativo do Espírito Santo em 23 de maio de 1912 [por] Jeronymo de Souza Monteiro, Presidente do Estado do Espírito Santo. Victoria: Imprensa Official, 1913a.
  • ESPÍRITO SANTO (Estado). Presidente de Estado (1908-1912: Monteiro). Mensagem enviada ao Congresso Legislativo do Espírito Santo em 23 de setembro de 1910 [por] Jeronymo de Souza Monteiro, Presidente do Estado do Espírito Santo. Victoria: Imprensa Estadual, 1910b.
  • ESPÍRITO SANTO (Estado). Presidente de Estado (1916-1920: Monteiro). Mensagem enviada ao Congresso Legislativo do Espírito Santo em 13 de setembro de 1917 [por] Bernardino de Souza Monteiro, Presidente do Estado do Espírito Santo. Victoria, 1917.
  • ESPÍRITO SANTO (Estado). Presidente de Estado (1912-1916: Souza). Mensagem enviada ao Congresso Legislativo do Espírito Santo em 22 de outubro de 1913 [por] Marcondes Alves de Souza, Presidente do Estado do Espírito Santo. Victoria: Papelaria e Typographia Pimenta & Comp., 1913b.
  • ESPIRITO SANTO (Estado). Presidente de Estado (1912-1916: Souza). Mensagem enviada ao Congresso Legislativo do Espirito Santo em 08 de setembro de 1915 [por] Marcondes Alves de Souza, Presidente do Estado do Espirito Santo. Victoria: Typographia do Diario da Manhã, 1915.
  • ESPÍRITO SANTO (Estado). Presidente de Estado (1912-1916: Souza). Relatório sobre os negócios do Estado no período governamental de 1912 a 1916 enviado ao Congresso Legislativo do Espírito Santo em 22 de maio de 1916 [por] Marcondes Alves de Souza, Presidente do Estado do Espírito Santo. Victoria: Typographia do Diário da Manhã, 1916.
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  • 1-
    Disponibilidade de dados: todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi referenciado no próprio artigo e está disponível publicamente.
  • 3-
    Naquele período, Argolas pertencia ao município de Vila Velha. O porto ficava localizado em frente à baía de Vitória, na margem oposta ao antigo Cais do Imperador. Na mesma região, havia a estação da Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo, responsável pela ligação da capital com o interior do estado e, posteriormente, com Minas Gerais. Em 1924, o distrito de Argolas foi anexado oficialmente ao município da capital.
  • 4-
    Em 1911, o município de Vitória compunha-se de três distritos: Vitória, Carapina e Queimado (Brasil, 1913BRASIL. Divisão administrativa em 1911 da República dos Estados Unidos do Brazil. Rio de Janeiro: Directoria do Serviço de Estatística, 1913. Trabalho organisado na Primeira Secção da Directoria do Serviço de Estatística. ).
  • 5-
    A família Monteiro, proprietária de rica fazenda produtora de café, compunha essa oligarquia rural e assentava seu poderio político sobre o pilar do coronelismo: “[...] o pacto elitista, cujas estratégias se fundavam na violência, na vingança, na solidariedade intrafamiliar, na corrupção eleitoral e, sobretudo, na política de distribuição de favores e punições, bem como na apropriação privada do estado” (Costa, 2016COSTA, Cíntia Moreira. “O éden desejado e querido”: história, fotografia e educação no Espírito Santo durante a Primeira República (1908-1912). 2016. 177 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2016. , p. 46). Portanto, as medidas propostas por Jerônimo Monteiro foram atravessadas por ambiguidades que marcavam a política capixaba durante a Primeira República, sendo delineadas em um contexto de tensão entre a modernização de certos elementos da vida pública e a manutenção da estrutura mais larga dos privilégios sociais (Vasconcellos, 1995VASCONCELLOS, João Gualberto Moreira. A invenção do coronel: ensaio sobre as raízes do imaginário político brasileiro. Vitória: Ufes, 1995. ).
  • 6-
    Na região populosa da Vila Rubim, residiam principalmente operários. A área, outrora chamada de cidade de palha devido às suas construções precárias, foi beneficiada pela administração Monteiro, passando a constituir um espaço loteado e a integrar o perímetro urbano da capital. A urbanização, entretanto, não ocorreu sem conflito de interesses entre os moradores e o Estado e, pelo viés higienista, a reforma muitas vezes promoveu a expulsão de grupos populares (Rostoldo, 2008ROSTOLDO, Jadir Peçanha. A cidade republicana na belle époque capixaba: espaço urbano, poder e sociedade. 2008. 211 f. Tese (Doutorado em História Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. ).
  • 7-
    Produzido pelo professor norte-americano Francis Wayland Parker, o material apresentava uma proposta moderna de ensino de aritmética baseada no método intuitivo, em contraponto às práticas tradicionais de memorização e repetição (Portela, 2014PORTELA, Mariliza Simonete. As Cartas de Parker na matemática da escola primária paranaense na primeira metade do século XX: circulação e apropriação de um dispositivo didático pedagógico. 2014. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2014. ).
  • 8-
    Mapeamento produzido a partir do cruzamento de atos oficiais publicados no Diário da Manhã com ofícios e requerimentos localizados no acervo do Fundo Educação do Arquivo Público Estadual do Espírito Santo.
  • 9-
    Verifica-se a existência de escolas isoladas modelo em ao menos três outros estados: São Paulo, Alagoas e Paraná. A primeira instituição desse tipo foi criada em São Paulo, em 1908, e se expandiu por todo o estado. Em 1913, já eram quatorze escolas isoladas modelo, distribuídas em sete municípios paulistas (Cardoso, 2013CARDOSO, Maria Angélica. A organização do trabalho didático nas escolas isoladas paulistas: 1893 a 1932. 2013. 259 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013. ). A de Alagoas, por sua vez, foi criada em 1911 e a do Paraná, em 1921 (Bonato, 2010BONATO, Elaine Maria. A formação de professores para as séries/anos iniciais do ensino fundamental e a avaliação de seu desempenho no município de Dois Vizinhos no período de 1971 a 2008. 2010. 202 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2010. ).
  • 10-
    Conforme relatórios de governo publicados entre 1918 e 1930 e a frequência escolar veiculada no Diário da Manhã durante o mesmo período.

Editado por

Editor: Prof. Dr. Roni Cleber Dias de Menezes

Disponibilidade de dados

Disponibilidade de dados: todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi referenciado no próprio artigo e está disponível publicamente.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2023
  • Aceito
    30 Out 2023
  • Revisado
    12 Set 2023
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