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Redes de apoio à escolarização de estudantes da educação especial em sistemas públicos do Espírito Santo

Resumo

O estudo objetiva problematizar a composição de redes de apoio e suas implicações com a escolarização dos estudantes público-alvo da educação especial, adotando, como referência, quatro sistemas públicos municipais de ensino, localizados na Região Metropolitana da Grande Vitória/ES. Busca sustentação em autores dedicados a teorizar sobre a articulação de redes de apoio nas escolas comuns, visando à acessibilidade curricular. Apoia-se na pesquisa qualitativa e na cartografia, com dados produzidos a partir de levantamento de informações no Instituto Nacional Anísio Teixeira e realização de três grupos focais com profissionais da educação, entre os meses de setembro e outubro de 2020. Como resultados, o estudo evidencia que: a) a matrícula de estudantes com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nos sistemas de ensino analisados impulsiona as políticas educacionais, dentre elas, a criação de redes de apoio; b) essas redes têm se constituído de modo plural, ou seja, por meio de concursos públicos, contratação de professores temporários e remanejamento de docentes do ensino comum; c) composição de equipe central de educação especial, algumas com inserção de profissionais da área da saúde; d) instalação de salas de recursos multifuncionais; e) oferta do atendimento educacional especializado, mesmo com diferentes concepções. Como considerações finais, o estudo desvela a necessidade de problematizar a filantropia e articular as redes de apoio de modo que elas fortaleçam o direito de acesso, permanência e aprendizagem com qualidade socialmente referenciada para os estudantes apoiados pela educação especial.

Palavras-chave
Educação especial; Redes de apoio; Sistemas de ensino capixabas

Abstract

This study investigates the composition of support networks and its implications for special education students, adopting as reference four municipal public education systems located in Grande Vitória metropolitan region, Espírito Santo. Its theoretical background draws on authors whose work focus on the articulation of support networks in regular schools for curricular accessibility. A qualitative mapping study was conducted with data obtained from an information survey at the Anísio Teixeira National Institute and three focus groups conducted with education professionals, between September and October 2020. Results show that: a) the enrollment of students with disabilities, pervasive developmental disorders and giftedness in the analyzed education systems drives educational policies, including the creation of support networks; b) these networks are constituted in a plural manner by means of public calls, hiring of temporary teachers and relocation of regular school faculty; c) composition of a core special education team, some of which include health professionals; d) implementation of multifunctional resource rooms; e) provision of specialized educational services, even with different conceptions. As final considerations, this study unveils the need to question philanthropy and articulate support networks to strengthen the right to access, permanence and learning with socially referenced quality for special education students.

Keywords
Special education; Support networks; Espirito Santo education systems

Introdução

Os processos de escolarização de estudantes público-alvo da educação especial nas escolas comuns vêm sendo sustentados por um conjunto de normativas que reconhecem a educação como um direito social público e subjetivo (Brasil, 1988 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 22 nov. 2022.
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, 1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1996. ), inscrevendo a defesa pela promoção de condições político-pedagógicas para que esses sujeitos se apropriem dos conhecimentos curriculares, reconhecendo, simultaneamente, a intrínseca relação dessa apropriação com o atendimento às especificidades de aprendizagem que esse grupo de estudantes traz para os cotidianos escolares (Brasil, 2008 BRASIL. Ministério da Educação. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília, DF, jan. 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf . Acesso em: 10 set. 2022.
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, 2009 BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CBE nº 4, de 2 de outubro de 2009. Institui diretrizes operacionais para o atendimento educacional especializado na educação básica, modalidade de educação especial. Diário Oficial da União, Brasília, DF, seção 1, p. 17, 2009. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_09.pdf . Acesso em: 10 set. 2022.
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, 2011BRASIL. Ministério da Educação. Decreto nº 7611, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2011. ).

As normativas educacionais brasileiras compreendem que a inclusão desses alunos convoca os sistemas de ensino, de modo geral, a comporem redes de apoio para auxílio aos professores do ensino comum nos processos de mediação do conhecimento. Para prestar orientação na composição dessas redes de apoio, o Ministério da Educação promulgou documentos e normativas, destacando-se, a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da inclusão escolar (Brasil, 2008 BRASIL. Ministério da Educação. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília, DF, jan. 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf . Acesso em: 10 set. 2022.
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), que reconhece a necessidade das redes de apoio na classe comum e nos momentos de intervenções mais direcionadas às especificidades de aprendizagem. De acordo com Bendinelli, Andrade e Prieto ( 2012BENDINELLI, Rosanna Claudia; ANDRADE, Simone Girarde; PRIETRO, Rosangela Gavioli. Inclusão escolar, redes de apoio e políticas sociais. Revista Educação Especial, Santa Maria, v. 25, n. 42, p. 13-28, jan./abr. 2012. ) e Calheiros ( 2019CALHEIROS, David dos Santos. Rede de apoio à escolarização inclusiva na educação básica: dos limites às possibilidades. 2019. Tese (Doutorado em Educação Especial) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2019. ), palavras como: entrelaçamento, cooperação, colaboração, trabalhos conjuntos remetem ao conceito de redes de apoio, ao passo que elas envolvem diferentes articulações conjuntas entre pessoas e instituições em atendimento às necessidades específicas de um público, a fim de tencionar a implantação de serviços de apoio ao processo de inclusão escolar.

A partir de tais compreensões, fortaleceram-se as políticas para a contratação de profissionais da educação visando à acessibilidade curricular, atendendo ao disposto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9.394/96, quando prescreve “[...] professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns” (Brasil, 1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1996. , art. 59, Inciso III). Além da contratação desses profissionais, os sistemas de ensino buscaram assegurar recursos didáticos e estratégias pedagógicas para que os estudantes encontrem as devidas condições para a apropriação do conhecimento.

Outras políticas também foram constituídas como o Programa Sala de Recursos Multifuncionais que objetiva organizar ambientes para intervenções pedagógicas específicas no contraturno, visando à complementação/suplementação do trabalho pedagógico da classe comum. Reportamo-nos a uma parceria entre Secretarias de Educação, tanto municipais quanto estaduais, e Ministério da Educação (MEC) para oferta do atendimento educacional especializado (AEE) compreendido como ações pedagógicas voltadas a identificar, elaborar e organizar recursos acessíveis para eliminar barreiras e favorecer a participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas de aprendizagem.

As ações do atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não substitutivas à escolarização, visando autonomia e independência na escola e fora dela. Com isso, disponibiliza programas de enriquecimento curricular, o ensino de linguagens e códigos específicos de comunicação e sinalização, ajudas técnicas e tecnologia assistiva, dentre outros, estando, ao longo de todo processo de escolarização, articulado à proposta pedagógica do ensino comum (Brasil, 2008 BRASIL. Ministério da Educação. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília, DF, jan. 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf . Acesso em: 10 set. 2022.
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).

O Programa Sala de Recursos Multifuncionais, entre os anos de 2005 a 2011, implementou 39.301 salas, sendo a esfera municipal a que mais as recebeu, necessitando problematizar a não redução do direito à escolarização aos espaços especializados ou à concessão de uma carteira na classe comum. Por isso, a necessidade de não associar as salas de recursos multifuncionais a um lócus de acomodação da diferença que provoca pouco ou nenhum impacto na escola. O desafio que se coloca é ressignificar as unidades de ensino para processos de ensino-aprendizagem, inclusive para os estudantes apoiados pela modalidade de educação especial (Mendes; Maturana, 2016MENDES Enicéia Gonçalves; MATURANA, Ana Paula Pacheco Moraes. O apoio à escolarização de estudantes com deficiência intelectual: salas de recursos multifuncionais e/ou instituições especializadas? Revista Pedagogia em Ação, Belo Horizonte, v. 8, n. 2, p. 1-23, jul./dez. 2016. ).

Com o impulsionamento das normativas educacionais para a criação de redes de apoio à escolarização de estudantes público-alvo da educação especial nas escolas comuns, desafiamo-nos compreender os movimentos produzidos por sistemas de ensino públicos capixabas na constituição dessa política. Para tanto, recorremos a um estudo cartográfico constituído por meio de dados obtidos na página do Instituto Nacional Anísio Teixeira referente ao Censo Escolar/2022 (Brasil, 2022 BRASIL; INEP. Instituto Nacional Anísio Teixeira. Censo escolar 2022. Brasília, DF: MEC, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-escolar . Acesso em: 21 mar. 2024.
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), com o objetivo de levantar o número de matrículas e de profissionais de educação especial, além da realização de grupos focais coordenados por professores universitários, estudantes de pós-graduação e de iniciação científica, envolvendo profissionais da educação básica vinculados a quatro sistemas públicos municipais de ensino localizados na região metropolitana da Grande Vitória/ES (identificados, neste artigo, como Sistemas A, B, C e D), com a premissa de entender as redes apoio e seus processos de configuração. Trata-se de sujeitos que atuam diretamente com a escolarização de estudantes público-alvo da educação especial, quais sejam gestores de educação especial de secretarias de educação, diretores escolares, coordenadores pedagógicos, professores de educação especial, além de docentes do ensino comum.

Diante dessa configuração, o presente texto se vincula a uma pesquisa maior, que objetivou compreender as implicações da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva (Brasil, 2008 BRASIL. Ministério da Educação. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília, DF, jan. 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf . Acesso em: 10 set. 2022.
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) no contexto capixaba, estando, dentre as temáticas discutidas, as redes de apoio à escolarização de estudantes com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas comuns. Nesse sentido, o objetivo deste texto é problematizar a composição dessas redes e suas implicações com a escolarização dos discentes apoiados pela educação especial. Para a condução das discussões, trazemos, nas seções que seguem, o aporte teórico, a metodologia que conduziu a produção dos dados, os resultados/análises, seguidamente, das considerações finais e das referências.

Referencial teórico

Como alertam Kassar e Rebelo ( 2013KASSAR, Mônica Carvalho de Magalhães; REBELO, Andressa Santos. O especial na educação, o atendimento educacional especializado e a educação especial. In: JESUS, Denise Meyrelles de; BAPTISTA, Claudio Roberto; CAIADO, Kátia Regina Moreno (org.). Prática pedagógica na educação especial: multiplicidade do atendimento educacional especializado. Araraquara: Junqueira Marin, 2013. p. 21-42. ), Baptista ( 2011 BAPTISTA, Cláudio Roberto. Ação pedagógica e educação especial: a sala de recursos como prioridade na oferta de serviços especializados. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 17, n. 1, maio/ago. 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbee/a/B4mkmTPHqg8HQYsLYxb6tXb/abstract/?lang=pt . Acesso em: 22 nov. 2022.
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, 2013BAPTISTA, Cláudio Roberto. Ação pedagógica e educação especial: para além do AEE. In: JESUS, Denise Meyrelles de; BAPTISTA, Cláudio Roberto; CAIADO, Kátia Regina Moreno (org.). Prática pedagógica na educação especial: multiplicidade do atendimento educacional especializado. Araraquara: Junqueira Marin, 2013. p. 43-61. ), Jesus et al . ( 2015JESUS, Denise Meyrelles de et al. Avaliação e educação especial: diálogos sobre diagnósticos, planejamento e rendimento escolar nas salas de recursos multifuncionais. In: MENDES, Enicéia Gonçalves; CIA, Fabiana; D’AFFONSECA, Sabrina Mazzo (org.). Inclusão escolar e a avaliação do público-alvo da educação especial. São Carlos: ABPEE, 2015. p. 327-348. ) e Haas ( 2016 HAAS, Clarissa. O papel complementar do Atendimento Educacional Especializado (AEE): implicações para a ação pedagógica. In: ANPED SUL, 11., 2016, Curitiba. Anais: Reunião científica regional da ANPED: educação, movimentos sociais e políticas governamentais. Curitiba: UFPR, 2016. Curitiba, 24 a 27 de julho de 2016. Disponível em: http://www.anpedsul2016.ufpr.br/portal/wp-content/uploads/2015/11/eixo22_CLARISSAHAAS.pdf . Acesso em: 15 de out. 2020.
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), o reconhecimento da educação como direito social público e subjetivo (Brasil, 1988 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 22 nov. 2022.
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, 1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1996. , 2008 BRASIL. Ministério da Educação. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília, DF, jan. 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf . Acesso em: 10 set. 2022.
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) convocou os sistemas de ensino e as escolas a assumirem a educação especial sob uma perspectiva educacional, constituindo redes de apoio aos processos de inclusão dos estudantes com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas comuns.

O reconhecimento da educação e da educação especial nas perspectivas anunciadas se aproximam das teorizações de Boaventura de Sousa Santos ( 2007SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2007. ) e nos inspiram a defender a escola comum como espaço-tempo de todos, primando pelo diálogo entre igualdade-diferença, tendo em vista termos o direito à igualdade quando a nossa diferença nos inferioriza, e o direito à diferença quando a nossa igualdade nos descaracteriza. “Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades” (Santos, B., 2007SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2007. , p. 56).

Os pressupostos da igualdade-diferença em educação especial têm favorecido a defesa pela acessibilidade curricular na classe comum e intervenções mais específicas, por exemplo, no contraturno, cenário que evidencia a criação de redes de apoio à escolarização dos estudantes público-alvo da citada modalidade de ensino, fazendo emergir uma leitura crítica sobre a política do atendimento educacional especializado assumida como “[...] redes de interação das quais o sujeito-aluno participa, colocando [o professor] seu conhecimento específico a serviço dessa rede e agindo mais sobre as interações do que sobre o sujeito-aluno” (Baptista, 2013BAPTISTA, Cláudio Roberto. Ação pedagógica e educação especial: para além do AEE. In: JESUS, Denise Meyrelles de; BAPTISTA, Cláudio Roberto; CAIADO, Kátia Regina Moreno (org.). Prática pedagógica na educação especial: multiplicidade do atendimento educacional especializado. Araraquara: Junqueira Marin, 2013. p. 43-61. , p. 48).

O dicionário Aurélio de Língua Portuguesa (Ferreira, 1999FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário eletrônico Aurélio Século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Lexikon Informática, 1999. Versão 3.0. 1 CD-ROM. ) permite entender que a palavra atendimento caminha no sentido de prestar atenção à especificidade/necessidade de uma determinada pessoa, enquanto o educacional se reporta ao planejamento intencional da ação educativa para que o sujeito possa acessar, socializar e produzir conhecimentos necessários ao processo de humanização e o especializado se dirige a um conjunto de saberes e experiências aprimoradas e refinadas, constituídas por estudos, reflexões e práticas, tendo como foco as possibilidades de envolvimento da pessoa no ato educativo.

Essas expressões, juntas, constituem a concepção de atendimento educacional especializado como redes de apoio capazes de promover intervenções pedagógicas que reconhecem o estudante como um sujeito que tem o direito de se envolver com a produção do conhecimento, necessitando, para tanto, de intervenções mais contextualizadas e atentas às trajetórias intelectuais que produz para se apropriar de uma determinada experiência ou conhecimento.

A oferta do atendimento educacional especializado pressupõe redes de apoio para se conjugar igualdade e diferença, tendo em vista, na escola, os alunos apresentarem necessidades similares, mas também, singularidades. O acesso ao conhecimento sistematizado é um movimento comum que os interliga e gera os pressupostos da igualdade. O reconhecimento de cada sujeito singular eleva os princípios da diferença, pois reconhece a necessidade de constituir um elenco de estratégias para conduzir e praticar o ato educativo na escola (Givigi, 2007GIVIGI, Rosana Carla do Nascimento. Tecendo redes, pescando ideias: (re)significando a inclusão nas práticas educativas da escola. 2007. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2007. ; Buss, 2020BUSS, Joziane Jaske. A formação continuada de professores, profissionais da educação e colaboradores na perspectiva da inclusão escolar. 2020. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2020. ).

Boaventura de Sousa Santos ( 2007SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2007. ) nos inspira a refletir sobre a importância das redes de apoio à escolarização dos estudantes apoiados pela educação especial de modo a não atrelar a existência desses serviços à segregação e à produção da incapacidade do estudante, problematizando os pressupostos da diferença e da igualdade, pois na sociedade contemporânea “[...] não se sabe pensar diferenças com igualdade; as diferenças são sempre desiguais” (Santos, 2007SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2007. , p. 30).

Para Silva ( 2005SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. ), é importante entender a diferença não como uma característica natural, mas como situação discursivamente produzida, permeada por relações de poder, portanto, mais do que ser tolerada ou respeitada, precisa ser colocada em questão e em debate. As discussões entre os pressupostos da igualdade-diferença convocam defender o direito social à educação para os estudantes apoiados pela modalidade de educação especial, conjugando esforços para avanços nas matrículas nas escolas comuns e criação das condições de permanência e aprendizagem com qualidade socialmente referenciada, destacando-se a contratação de profissionais especializados, implementação de salas de recursos multifuncionais e investimentos na formação dos professores e demais servidores das escolas, dentre outras políticas, como também problematizam os estudos de Vaz e Michels ( 2017VAZ, Kamille; MICHELS, Maria Helena. O escárnio de uma política: a formação para os professores da educação especial. In: MICHELS, Maria Helena (org.). A formação de professores de educação especial no Brasil: propostas em questão. Florianópolis: UFSC; CED; NUP, 2017. p. 59-88. ), Buss ( 2020BUSS, Joziane Jaske. A formação continuada de professores, profissionais da educação e colaboradores na perspectiva da inclusão escolar. 2020. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2020. ) e Buss e Caetano ( 2021BUSS, Joziane Jaske; CAETANO, Andressa Mafezoni. Formação continuada em foco: a inclusão escolar e a construção de conhecimentos coletivos. São Carlos: Pedro & João, 2021. ).

Para esse direito, conforme problematizam Vieira, Mariano e Martins ( 2020VIEIRA, Alexandro Braga; MARIANO, Clayde Aparecida Belo da Silva; MARTINS, Conceição Aparecida Correia. Professores e educação especial e cuidadores: atravessamentos nas políticas de formação continuada. In: TEZZARI, Mauren Lúcia et al. (org.). Docência e inclusão escolar: percursos de formação e de pesquisa. Marília: Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial, 2020. p. 43-60. ), as redes de apoio se colocam necessárias, pois a aprendizagem se dá entre pares e permeada por processo de mediação, consequentemente, as condições de permanência envolvem redes de sustentação ao ato educativo que perpassam pela reorganização da instituição escolar, a articulação de serviços diversos e a promoção de novos/outros pensamentos acerca da educação assumida como um direito de todos.

Metodologia

O estudo sustenta-se nos pressupostos da pesquisa qualitativa que “[...] concebe o conhecimento como um processo socialmente construído pelos sujeitos nas suas interações cotidianas, enquanto atuam na realidade, transformando-a e sendo por ela transformados” (André, 2013ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso. O que é um estudo de caso qualitativo em educação? Revista da Faeeba: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 22, n. 40, p. 95-103, jul./dez. 2013. , p. 97). Nesse tipo de pesquisa, “[...] o mundo do sujeito, os significados que atribui às suas experiências cotidianas, sua linguagem, suas produções culturais e suas formas de interações sociais constituem os núcleos centrais de preocupação dos pesquisadores” (André, 2013ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso. O que é um estudo de caso qualitativo em educação? Revista da Faeeba: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 22, n. 40, p. 95-103, jul./dez. 2013. , p. 97).

O estudo se fundamenta nos pressupostos da cartografia por buscar a constituição de mapas capazes de caracterizar o terreno investigado e possibilitar ao pesquisador acompanhar as transformações ocorridas nesse ambiente, implicando, esse sujeito, como percebedor no mundo cartografado (Fonseca; Kirst, 2003FONSECA, Tania Mara Galli; KIRST, Patrícia Gomes. Cartografia e devires: a construção do presente. Porto Alegre: UFRGS, 2003. ). Boaventura de Sousa Santos ( 2007SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2007. ) caracteriza o método como mapeamentos produzidos a partir da articulação de dados, compondo “[...] um campo estruturado de intencionalidades, uma língua franca que permite a conversa sempre inacabada entre a representação do que somos e a orienta” (Santos, B., 2007SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2007. , p. 224).

Para a produção desses mapas, o pesquisador recorre a entrevistas, grupos focais, análise de documentos, observações, dentre outros, lançando lentes para escalas que o ajudem a compreender as questões investigadas no território analisado. A partir desses pressupostos, utiliza-se diferentes escalas sobre os fenômenos analisados, direcionando atenções para os processos de produção dos dados e a constituição das políticas e menos para os resultados, já que “[...] para ser prático, o mapa não pode coincidir ponto por ponto com a realidade” (Santos, M., 2008SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica. São Paulo: EdUSP, 2008. , p. 65).

Como procedimentos metodológicos, foram adotados: a) encaminhamento do projeto e correspondência eletrônica às redes de ensino para autorização, sendo solicitada a assinatura de carta de anuência e indicação de profissionais para comporem a investigação; b) levantamento de dados no Instituto Nacional Anísio Teixeira, Censo Escolar/2022 (Brasil, 2022 BRASIL; INEP. Instituto Nacional Anísio Teixeira. Censo escolar 2022. Brasília, DF: MEC, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-escolar . Acesso em: 21 mar. 2024.
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), sobre o quantitativo de estudantes público-alvo da educação especial matriculados nos sistemas de ensino analisados e de professores especializados que atuam na modalidade de ensino; c) constituição de grupos focais (Gatti, 2005GATTI, Bernadete Angelina. Grupo focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. São Paulo: Autores Associados, 2005. ), com cerca de oito participantes de cada rede de ensino, dentre gestores de educação especial, diretores de escolas, coordenadores pedagógicos, docentes da sala de aula comum e de educação especial, objetivando compreender as redes de apoio implementadas para sustentação da escolarização de estudantes público-alvo da educação especial nas escolas comuns.

Gatti ( 2005GATTI, Bernadete Angelina. Grupo focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. São Paulo: Autores Associados, 2005. , p. 7) caracteriza os grupos focais como “[...] derivação das diferentes formas de trabalho com grupos, amplamente desenvolvidas na psicologia social”, privilegiando a seleção dos participantes, em conformidade com o problema de pesquisa. Para tanto, torna-se necessário cautela para que eles possuam características que os qualificam para a discussão da questão-foco e a interatividade.

Foram constituídos três grupos focais, entre os meses de setembro a outubro de 2020, tendo, cada um, duração de duas horas. Os encontros, realizados virtualmente por intermédio da ferramenta Google Meet, considerando a necessidade de isolamento social produzido pela pandemia da Covid-19, foram gravados no próprio sistema para posterior transcrição e análise. Para tratamento dos dados, trabalhou-se com os seguintes procedimentos: a) transcrição dos grupos focais; b) leitura seletiva dos dados produzidos de modo a responder ao objetivo do texto; c) levantamento das narrativas que sinalizavam as redes de apoio constituídas pelos sistemas de ensino envolvidos na pesquisa; d) reflexão crítica dos dados a partir dos aportes teóricos adotados. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Espírito Santo, sendo colhida a assinatura dos envolvidos no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados e discussões

Os dados apontam que os quatro sistemas de ensino contam com a matrícula de estudantes público-alvo da educação especial nas escolas comuns, o que tem implicado na constituição de redes de apoio, no horário de aula regular e momentos de intervenções específicas, ofertadas no contraturno. A Quadro 1 expressa o quantitativo dos estudantes mencionados, conforme dados obtidos na página do Instituto Nacional Anísio Teixeira, Censo Escolar/2022 (Brasil, 2022 BRASIL; INEP. Instituto Nacional Anísio Teixeira. Censo escolar 2022. Brasília, DF: MEC, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-escolar . Acesso em: 21 mar. 2024.
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).

Quadro 1-
Matrícula de estudantes público-alvo da educação especial nos sistemas de ensino analisados

Para a constituição das redes de apoio, políticas vêm sendo implementadas. Um ponto comum entre os sistemas de ensino é a incorporação do professor de educação especial nas unidades escolares, no entanto, com modos peculiares de contratação. Essa incorporação acompanha a processualidade das políticas voltadas à modalidade, fazendo-nos entender que cada sistema, a seu tempo e seu modo, trabalhou em função da inserção desse profissional como rede de apoio nas escolas comuns.

Quadro 2- Quantitativo de professores em atuação na modalidade de ensino de educação especial nos sistemas de ensino analisados
Identificação da rede de ensino Número de professores de educação especial
Sistema de Ensino A * * No referido sistema de ensino não há professores efetivos. Todos são contratados em regime de designação temporária. 208
Sistema de Ensino B 14
Sistema de Ensino C 367
Sistema de Ensino D 490
  • *
    No referido sistema de ensino não há professores efetivos. Todos são contratados em regime de designação temporária.
  • Fonte: Elaboração nossa com dados das Secretarias Municipais de Educação.

    Encontramos narrativas que apontam movimentos para a criação do cargo, consequentemente, a realização de concurso público, mesmo existindo docentes em designação temporária, conforme informa uma participante no grupo focal:

    [...] temos o cargo de professor de educação especial. Com isso, podemos fazer concursos. Temos professores de todas as áreas: deficiência intelectual, surdez, deficiência visual e altas habilidades/superdotação. (Sistema de Ensino D).

    Deparamo-nos, também, com narrativas que trazem movimentações-outras quando se analisa a contratação de professores para a modalidade de ensino. Há contextos com a inexistência do cargo de professor de educação especial, mas, para amenizar , remanejam os professores efetivos e com formação, assim como recorrem à designação temporária, utilizando-se de vagas oriundas do ensino comum.

    Outra questão é sobre os profissionais que estão trabalhando com a educação especial. É um rodízio muito grande, porque a gente não tem concurso que localize esse profissional para que dê continuidade na escola. Eles estão em um contrato que, às vezes, vale por dois anos ou só um ano. Enfim, há um rodízio, uma mudança. A gente sabe que quando acontece isso há muita descontinuidade do trabalho do professor de educação especial na escola. (Sistema de Ensino A).

    Não foi possível fazer um concurso público na área específica, mas, aquele professor que tem formação, que tem perfil para trabalhar com esses alunos e já efetivos da rede, foi feito esse convite para trabalhar na sala de recursos [...], porque uma coisa que não funcionava muito bem era a grande troca dos profissionais. Um professor começava em fevereiro, em abril já era outro, em junho já entrava outro, então, era difícil segurar um professor de um ano para outro. Acabamos com essa troca constante de professor com esse remanejamento. No município, temos professores especialistas na sala de recursos e professores especialistas para o trabalho colaborativo em sala de aula com o aluno. (Sistema de Ensino B).

    Outros relatos se reportam à estratégia explicitada, no entanto, em função de orientações da Procuradoria do Município, trabalhou-se para a criação do cargo de professor de educação especial, consequentemente, o concurso público, conforme discurso de uma participante no grupo focal:

    [...] esse ano foi aprovado o cargo de professor de educação especial. É algo recente. Desde a gestão passada, o procurador da prefeitura já dizia que era ilegal o modo como contratávamos. Agora, é só esperar o concurso. (Sistema de Ensino C).

    Se a incorporação de professores de educação especial é adotada como parte das redes de apoio, narrativas também apontam a existência de estagiários de cursos de licenciatura e de cuidadores como segmentos utilizados para sustentação dos processos de inclusão dos sujeitos aqui mencionados.

    [...] estagiário, ele vem mais para a parte pedagógica. Nós temos não uma legislação, mas é um documento orientador, o PAC, um Termo de Ajuste e Conduta com o Ministério Público que orienta quem são os estudantes público-alvo da educação especial que vão ser acompanhados pelos estagiários: os estudantes com deficiência severa que necessitam de um apoio mais próximo. Como o professor de educação especial não está o tempo todo com esse estudante, o estagiário entra nesse processo. (Sistema de Ensino D).

    A contratação de estagiários se faz presente na maioria dos sistemas de ensino participantes da pesquisa e, porque não dizer, de muitos que compõem o Espírito Santo, trazendo questões a serem consideradas quando se analisa o direito à escolarização nas escolas comuns. Givigi ( 2007GIVIGI, Rosana Carla do Nascimento. Tecendo redes, pescando ideias: (re)significando a inclusão nas práticas educativas da escola. 2007. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2007. ) e Buss ( 2020BUSS, Joziane Jaske. A formação continuada de professores, profissionais da educação e colaboradores na perspectiva da inclusão escolar. 2020. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2020. ) sinalizam que o estagiário não é responsável pelo aluno, mas, o que se constata, é a transferência do cuidado e do aprendizado desse estudante para esse futuro professor.

    Essa responsabilização para com o estagiário é uma prática recorrente no contexto capixaba, o que remete a necessidade de investimentos na efetivação de professores de educação especial e na formação desses profissionais. Em concordância com Vaz e Michels ( 2017VAZ, Kamille; MICHELS, Maria Helena. O escárnio de uma política: a formação para os professores da educação especial. In: MICHELS, Maria Helena (org.). A formação de professores de educação especial no Brasil: propostas em questão. Florianópolis: UFSC; CED; NUP, 2017. p. 59-88. ) e Buss ( 2020BUSS, Joziane Jaske. A formação continuada de professores, profissionais da educação e colaboradores na perspectiva da inclusão escolar. 2020. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2020. ), compreendemos que a formação desses sujeitos, não pode ser analisada fora das proposições políticas para a escola pública.

    Estudos anteriormente constituídos no âmbito da Universidade Federal do Espírito Santo 4 2- Políticas de Educação, Inclusão Escolar e Diversidade pelo olhar daqueles que as praticam: por diferentes trilhas (2008-2010); Formação Continuada para Gestores Públicos em Educação Especial (2010-2012); Observatório Nacional de Educação Especial: um estudo em rede sobre o funcionamento das salas de recursos multifuncionais (2012-2015). apontam a dependência dos professores da sala de aula comum quanto à contratação de estagiários como apoio pedagógico, sendo que, muitas vezes, tais contratações são condições impostas pelas escolas para a permanência dos estudantes em sala de aula (Jesus et al. , 2015JESUS, Denise Meyrelles de et al. Avaliação e educação especial: diálogos sobre diagnósticos, planejamento e rendimento escolar nas salas de recursos multifuncionais. In: MENDES, Enicéia Gonçalves; CIA, Fabiana; D’AFFONSECA, Sabrina Mazzo (org.). Inclusão escolar e a avaliação do público-alvo da educação especial. São Carlos: ABPEE, 2015. p. 327-348. ).

    Embora percebam-se esforços para a contratação de professores de educação especial, na maioria dos municípios capixabas, o quantitativo de estagiários é maior do que desses docentes. Em muitas escolas, ocorre o encaminhamento de um ou dois professores de educação especial para apoiar várias classes e atender os estudantes no contraturno. Com esse cenário, a figura do estagiário passa a ser condição para o aluno estar na escola, já que, em alguns casos, ele acompanha vários estudantes, a depender da situação do discente.

    A presença do cuidador também foi apontada durante os grupos focais. Segundo a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva (Brasil, 2008 BRASIL. Ministério da Educação. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília, DF, jan. 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf . Acesso em: 10 set. 2022.
    http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/po...
    ), esse profissional presta auxílio aos estudantes que demandam respaldo na locomoção, alimentação e higienização. Nem sempre, essa orientação é assumida nos cotidianos escolares, quando esses sujeitos passam a fazer parte das redes de apoio de cunho pedagógico, conforme narrativa de uma professora: “[...] temos os cuidadores que acompanham os alunos no trabalho pedagógico da classe comum” (Sistema de Ensino A).

    Também há dependência para com o trabalho dos cuidadores. Eles passam a ser requisitados, atrelando-os à permanência do estudante na escola. O percentual de cuidadores também é maior do que de professores. Vieira, Mariano e Martins ( 2020VIEIRA, Alexandro Braga; MARIANO, Clayde Aparecida Belo da Silva; MARTINS, Conceição Aparecida Correia. Professores e educação especial e cuidadores: atravessamentos nas políticas de formação continuada. In: TEZZARI, Mauren Lúcia et al. (org.). Docência e inclusão escolar: percursos de formação e de pesquisa. Marília: Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial, 2020. p. 43-60. ) discutem os modos como os cuidadores são incorporados às redes de apoio pedagógicas, fragilizando o atendimento aos alunos, o lugar do professor de educação especial, a formação continuada e o acesso ao conhecimento. Segundo os autores, a apropriação dos cuidadores pelas escolas tem constituído um círculo vicioso: as famílias se mostram satisfeitas, porque há alguém cuidando de seu filho; os professores se mostram aliviados, delegando, à alguém, a tarefa de cuidar/controlar o sujeito que desvia; os cuidadores se veem valorizados, porque gostam das crianças e se sentem com a missão e/ou vocação de apoiá-los; e a gestão dos sistemas de ensino entende que em tempos de cortes de gastos, a política de cuidadores é proveitosa, pois, embora os professores sejam mal remunerados, paga-se, até três cuidadores, com os vencimentos de um professor com especialização (Vieira; Mariano; Martins, 2020VIEIRA, Alexandro Braga; MARIANO, Clayde Aparecida Belo da Silva; MARTINS, Conceição Aparecida Correia. Professores e educação especial e cuidadores: atravessamentos nas políticas de formação continuada. In: TEZZARI, Mauren Lúcia et al. (org.). Docência e inclusão escolar: percursos de formação e de pesquisa. Marília: Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial, 2020. p. 43-60. ).

    Tanto os estagiários quanto os cuidadores sinalizam a difícil tarefa de se responsabilizar pela escolarização dos estudantes, dada a falta de conhecimentos pedagógicos que a ação requer. No caso dos estagiários, assumir tal tarefa se mostra de tamanha complexidade, então, o que dizer dos cuidadores que, literalmente, não trazem formação, não estão em processo de formação inicial no magistério e muito menos dela necessitam para desempenhar as atribuições para a qual foram contratados, quais sejam, apoios nos momentos de alimentação, locomoção e higienização aos estudantes com tais demandas. Para esses profissionais, é exigida a formação em nível médio, acrescida de um curso de capacitação como cuidador.

    As narrativas também apontam outros profissionais inseridos nas redes de apoio, como os intérpretes da Língua Brasileira de Sinais e professores para o ensino da Língua Portuguesa na modalidade escrita para os surdos. Temos aqui outra questão a ser analisada. De um lado, os participantes sinalizam desafios quanto a tais contratações, informando que “[...] há carência de profissionais com formação e com conhecimentos na área da surdez. As requisições trazidas pelas escolas são muitas. Disputamos esses profissionais, porque eles são poucos e a demanda é grande” (Sistema de Ensino B). De outro lado, apontam dúvidas quanto ao lugar da educação de surdos a partir da atualização da LDB nº 9.394/96 , pela Lei nº 14.191/2021 (Brasil, 2021 BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 14.191, de 03 de agosto de 2021. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para dispor sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos. Brasília, DF: MEC, 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/\_ato2019-2022/2021/lei/l14191.htm . Acesso em: 10 set. 2022.
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    ), agora, como modalidade de ensino apartada da educação especial.

    Novas-outras rotas foram direcionadas pela legislação educacional nacional, no entanto, esses encaminhamentos não foram incorporados às políticas locais, sendo, os surdos, significados como parte das políticas de educação especial. As unidades de ensino capixabas se organizam a partir de uma perspectiva curricular mais convencional, não existindo escolas bilíngues que adotam a Língua Brasileira de Sinais para surdos e ouvintes, conforme defende a atualização da LDB 9.394/96 (Brasil, 2021 BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 14.191, de 03 de agosto de 2021. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para dispor sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos. Brasília, DF: MEC, 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/\_ato2019-2022/2021/lei/l14191.htm . Acesso em: 10 set. 2022.
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    ). Além disso, os sistemas de ensino se ressentem de orientações sobre como lidar com surdos que trazem outras especificidades (como deficiência intelectual, cegueira e autismo), questionando em que modalidades de ensino eles se vinculam e como as redes de apoio serão articuladas para a acessibilidade curricular na escola comum.

    Ainda no que se refere a profissionais constituindo redes de apoio, encontramos sistemas de ensino que sinalizaram trazer para a Equipe Central de Educação Especial aqueles com formação na área clínica e social, com o objetivo de prestar apoio/assessoria às unidades escolares/responsáveis pelos alunos na avaliação diagnóstica para encaminhamento aos serviços especializados, assim como para atendimentos clínico-terapêuticos, quando possível.

    Nós ainda temos o trabalho de Fono, Psicólogo, Assistente Social e, por a lei ser extremamente nova, estamos aguardando Terapeuta Ocupacional para dar todo esse apoio para os alunos com foco na educação especial e esses com dificuldades de aprendizagem. (Sistema de Ensino B).

    Já tivemos uma fonoaudióloga na equipe. Ela era mais direcionada para apoio à inclusão dos alunos surdos. Ela solicitou ser remanejada para a área da Saúde. Agora, temos, somente, um profissional da Psicologia. (Sistema de Ensino D).

    Tanto os sistemas de ensino que trazem essa incorporação quanto os constituídos por profissionais da área da educação, as ações intersetoriais entre educação, saúde, assistência social se colocam como desafios. Questões burocráticas para os agendamentos das consultas e a insuficiência de especialidades clínicas desafiam os familiares dos estudantes. Os sistemas/unidades de ensino, ao requerem os diagnósticos clínicos, levam as famílias a enfrentar filas nos serviços públicos de saúde para consultas e acesso aos laudos médicos.

    A literatura produzida na área da educação especial (Jesus et al ., 2015JESUS, Denise Meyrelles de et al. Avaliação e educação especial: diálogos sobre diagnósticos, planejamento e rendimento escolar nas salas de recursos multifuncionais. In: MENDES, Enicéia Gonçalves; CIA, Fabiana; D’AFFONSECA, Sabrina Mazzo (org.). Inclusão escolar e a avaliação do público-alvo da educação especial. São Carlos: ABPEE, 2015. p. 327-348. ; Martins, 2019MARTINS, Conceição Aparecida Correa. Diferentes vozes e suas contribuições na elaboração da política municipal de educação especial de Cachoeiro de Itapemirim/ES. 2019. 222 f. Dissertação (Mestrado em Ensino, Educação Básica e Formação de Professores) –Universidade Federal do Espírito Santo, Alegre, 2019. ; Will; Caetano, 2022WILL, Francilene dos Santos; CAETANO, Andressa Mafezoni. A escolarização de estudantes público-alvo da educação especial: reflexões sobre o laudo clínico. Campos dos Goytacazes: Encontrografia, 2022. ) problematiza a necessidade de as ações intersetoriais se colocarem como fortalecedoras do trabalho pedagógico, desviando-se de abordagens clínicas que associam a condição do estudante apoiado pela educação especial como sujeito impróprio à escola/classe comum. Esses estudos apontam tensões trazidas pela educação especializada, historicamente ofertada em instituições privadas de caráter filantrópico, que reafirmam a dependência das unidades de ensino para com os diagnósticos e o atendimento dos estudantes por profissionais técnicos especializados, desresponsabilizando a escola comum e os docentes do compromisso com a escolarização como direito de todos, e o Estado da implementação de ações e políticas, dentre elas, a formação continuada dos professores.

    Jesus et al. ( 2015JESUS, Denise Meyrelles de et al. Avaliação e educação especial: diálogos sobre diagnósticos, planejamento e rendimento escolar nas salas de recursos multifuncionais. In: MENDES, Enicéia Gonçalves; CIA, Fabiana; D’AFFONSECA, Sabrina Mazzo (org.). Inclusão escolar e a avaliação do público-alvo da educação especial. São Carlos: ABPEE, 2015. p. 327-348. ) evidencia que, na ausência do diagnóstico clínico, as unidades de ensino constituem um ciclo de avaliação para identificação do estudante com suspeita de uma possível deficiência. Tal ciclo se inicia com o professor da classe comum que, primordialmente, adota a dificuldade de aprendizagem, a não apropriação da leitura e da escrita e os comportamentos como parâmetros para o diagnóstico. A partir desse primeiro olhar, o coordenador pedagógico é acionado, assim como os profissionais de educação especial, para chancelar as suspeitas emergidas da classe comum, tendo, como ponto final, o chamamento das famílias para encaminhamento do aluno aos serviços de saúde.

    Martins ( 2019MARTINS, Conceição Aparecida Correa. Diferentes vozes e suas contribuições na elaboração da política municipal de educação especial de Cachoeiro de Itapemirim/ES. 2019. 222 f. Dissertação (Mestrado em Ensino, Educação Básica e Formação de Professores) –Universidade Federal do Espírito Santo, Alegre, 2019. ) e Will e Caetano ( 2022WILL, Francilene dos Santos; CAETANO, Andressa Mafezoni. A escolarização de estudantes público-alvo da educação especial: reflexões sobre o laudo clínico. Campos dos Goytacazes: Encontrografia, 2022. ), ao discutirem as relações das escolas para com os laudos médicos, problematizam as dificuldades que os responsáveis pelos estudantes se deparam em consegui-los, até porque, as famílias levam um ou um ano e meio para conseguir a consulta, consequentemente, o laudo de seu filho. Com isso, o professor continua cobrando esse diagnóstico, mesmo que a escola promova a avaliação diagnóstica para encaminhamento dos alunos ao atendimento educacional especializado.

    A criação de espaços-tempos também se coloca como uma política presente nos sistemas de ensino, destacando-se a instalação de salas de recursos multifuncionais (SRMs), sendo algumas caracterizadas como do Tipo 1 e outras do Tipo 2 5 3- As salas do Tipo 1 trazem materiais didáticos para atendimentos aos estudantes público-alvo da educação especial de modo mais amplo, enquanto a do Tipo 2, são acrescidos recursos destinados aos discentes com deficiência visual. São direcionadas a realizar o atendimento educacional especializado no contraturno de matrícula do ensino regular. . Alguns desses espaços-tempos foram implementados pela parceria entre as Secretarias de Educação e MEC, e outras exclusivamente com recursos próprios dos sistemas de ensino capixabas. A Quadro 3 traz o quantitativo de SRMs informado pelos envolvidos na pesquisa.

    Quadro 3-
    Quantitativo de salas de recursos multifuncionais implementadas pelos sistemas de ensino envolvidos na pesquisa

    A implementação das salas de recursos multifuncionais desvela a necessidade de não simplificação do atendimento educacional especializado no trabalho pedagógico que nelas é realizado. Estudos produzidos na área da educação especial (Baptista, 2011 BAPTISTA, Cláudio Roberto. Ação pedagógica e educação especial: a sala de recursos como prioridade na oferta de serviços especializados. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 17, n. 1, maio/ago. 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbee/a/B4mkmTPHqg8HQYsLYxb6tXb/abstract/?lang=pt . Acesso em: 22 nov. 2022.
    https://www.scielo.br/j/rbee/a/B4mkmTPHq...
    , 2013BAPTISTA, Cláudio Roberto. Ação pedagógica e educação especial: para além do AEE. In: JESUS, Denise Meyrelles de; BAPTISTA, Cláudio Roberto; CAIADO, Kátia Regina Moreno (org.). Prática pedagógica na educação especial: multiplicidade do atendimento educacional especializado. Araraquara: Junqueira Marin, 2013. p. 43-61. ; Vieira, 2015VIEIRA, Alexandro Braga. Táticas e estratégias constituídas por professores para articulação do currículo escolar e o atendimento educacional especializado. 2015. 285 f. Relatório de Pós-Doutorado (Pós-Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2015. ; Haas, 2016 HAAS, Clarissa. O papel complementar do Atendimento Educacional Especializado (AEE): implicações para a ação pedagógica. In: ANPED SUL, 11., 2016, Curitiba. Anais: Reunião científica regional da ANPED: educação, movimentos sociais e políticas governamentais. Curitiba: UFPR, 2016. Curitiba, 24 a 27 de julho de 2016. Disponível em: http://www.anpedsul2016.ufpr.br/portal/wp-content/uploads/2015/11/eixo22_CLARISSAHAAS.pdf . Acesso em: 15 de out. 2020.
    http://www.anpedsul2016.ufpr.br/portal/w...
    ; Buss, Caetano, 2021BUSS, Joziane Jaske; CAETANO, Andressa Mafezoni. Formação continuada em foco: a inclusão escolar e a construção de conhecimentos coletivos. São Carlos: Pedro & João, 2021. ) buscam compreender esses ambientes como um dos espaços-tempos para a realização dos serviços aqui retratados, mas não os únicos.

    Diante disso, o atendimento educacional especializado não deve ser uma ação para corrigir um sujeito que desvia, mas apoiar processos de ensino-aprendizagem de estudantes que têm o direito de aprender. Com isso, essa política passa a ser significada como ação pedagógica em educação especial, apoiando as atividades escolares direcionadas à escolarização dos alunos com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, no turno e no contraturno (Baptista, 2011 BAPTISTA, Cláudio Roberto. Ação pedagógica e educação especial: a sala de recursos como prioridade na oferta de serviços especializados. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 17, n. 1, maio/ago. 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbee/a/B4mkmTPHqg8HQYsLYxb6tXb/abstract/?lang=pt . Acesso em: 22 nov. 2022.
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    , 2013BAPTISTA, Cláudio Roberto. Ação pedagógica e educação especial: para além do AEE. In: JESUS, Denise Meyrelles de; BAPTISTA, Cláudio Roberto; CAIADO, Kátia Regina Moreno (org.). Prática pedagógica na educação especial: multiplicidade do atendimento educacional especializado. Araraquara: Junqueira Marin, 2013. p. 43-61. ).

    É importante promover a interação do trabalho realizado nessas salas com a mediação dos currículos nas classes comuns, até porque os sistemas de ensino se ressentem em compreender o que vêm a ser as ações complementares/suplementares, quando a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva (Brasil, 2008 BRASIL. Ministério da Educação. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília, DF, jan. 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf . Acesso em: 10 set. 2022.
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    ) sinaliza que as atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado “[...] diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela” (Brasil, 2008 BRASIL. Ministério da Educação. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília, DF, jan. 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf . Acesso em: 10 set. 2022.
    http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/po...
    , p. 16).

    Diante disso, é relevante promover o equilíbrio entre os apoios ao horário comum e as intervenções de contraturno. Os sistemas de ensino trazem diferenciadas concepções de atendimento educacional especializado. Em alguns, esses serviços se resumem ao trabalho das salas de recursos multifuncionais, consequentemente, buscam nomear os demais apoios para diferenciá-los, tratando, os da classe comum, como trabalho colaborativo. Com isso, contratam-se dois tipos de professores de educação especial: os do AEE e os do colaborativo.

    O primeiro é destinado às intervenções no contraturno e visam à complementação/suplementação curricular, enquanto o segundo, à colaboração ao ensino comum para a acessibilidade ao trabalho pedagógico. Diante disso, emergem perguntas: o professor do AEE, ao atender os estudantes nas salas de recursos multifuncionais, deixa de colaborar com o trabalho da classe comum? Os docentes do colaborativo não complementam/suplementam os currículos?

    Esses questionamentos nos reportam a Baptista ( 2011 BAPTISTA, Cláudio Roberto. Ação pedagógica e educação especial: a sala de recursos como prioridade na oferta de serviços especializados. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 17, n. 1, maio/ago. 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbee/a/B4mkmTPHqg8HQYsLYxb6tXb/abstract/?lang=pt . Acesso em: 22 nov. 2022.
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    ) que compreende a necessidade de equilibrar as práticas pedagógicas centradas no atendimento direto ao aluno com o compartilhamento de apoios aos docentes do ensino comum, por isso a defesa do atendimento educacional especializado com atividades realizadas no turno e no contraturno, objetivando a criação de estratégias pedagógicas para que o estudante acesse o currículo comum, sem desmerecer suas especificidades de aprendizagem.

    Ainda sobre as concepções de atendimento educacional especializado, outros sistemas de ensino buscam adotá-lo como atividades de apoio ao turno e ao contraturno, no entanto, dividindo a carga horária dos professores de educação especial. Esse encaminhamento não é, muitas vezes, acompanhado da ampliação do número de docentes nas escolas, fazendo com que emerja a dependência de estagiários/cuidadores com as questões já trazidas neste texto.

    As narrativas dos professores evidenciam que as redes de ensino envolvidas no estudo reconhecem que os processos de inclusão de estudantes com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação perpassam pelo direito de matrícula na escola comum, assim como condições de permanência e aprendizagem. Boaventura de Sousa Santos ( 2007SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2007. ) nos permite pensar que a defesa de escolas inclusivas requer a constituição de políticas públicas e a criação de ações pedagógicas capazes de assumir a classe comum como espaço-tempo de todos e as redes de apoio como dispositivos comprometidos com a acessibilidade curricular.

    Para tanto, como nos faz refletir Boaventura de Sousa Santos ( 2007SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2007. ), precisamos nos aproximar de subjetividades rebeldes para pensar em alternativas para tornar os conhecimentos curriculares acessíveis às pessoas, podendo a educação especial, como área de conhecimento, articular as redes de apoio de modo que os professores constituam outras lógicas de ensino, alternativas diferenciadas para explorar o ambiente escolar e articular saberes-fazeres da sala de aula comum e dos demais ambientes que se dedicam a apoiar os processos de escolarização dos estudantes.

    Considerações finais

    O estudo, ao buscar responder ao objetivo que o move, ou seja, problematizar a composição de redes de apoio em educação especial no contexto capixaba para a escolarização de estudantes com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas comuns, possibilita um conjunto de reflexões. Desvela que a matrícula desses sujeitos tem requisitado redes de apoio, verificando, em alguns sistemas, a realização de concursos públicos para efetivação de profissionais, outros promovendo a contratação de temporários e alguns remanejando docentes do ensino comum com experiência/formação na área para atuação na modalidade de ensino.

    Muitas vezes, os sistemas de ensino produzem ações para a contratação de profissionais, mas que atuam de modo desarticulado, pouco favorecendo a apropriação dos conhecimentos pelos estudantes apoiados pela educação especial. A colaboração entre os profissionais da educação se coloca como uma ação que, se satisfeita, pode auxiliar esses sujeitos a encontrarem melhores condições de mediação dos conhecimentos na escola comum, na relação igualdade-diferença.

    A pesquisa desvela, ainda, que a criação de redes de apoio busca possibilitar que os professores da classe regular encontrem melhores condições de envolvimento dos estudantes nas proposições curriculares, assim como para atendimento às especificidades de aprendizagem. Constata-se, também, a contratação de outros apoios, como estagiários e cuidadores, necessitando de olhares crítico-reflexivos sobre como incorporá-los às redes de apoio sem promover o barateamento das políticas de educação especial. Além das redes de apoio explicitadas, a criação de espaços-tempos, como as salas de recursos multifuncionais, também se coloca presente nas ações dos sistemas de ensino, convocando o desafio de não conjugar esses ambientes ao acolhimento dos impróprios à classe comum.

    Nesse contexto, a instalação de salas de recursos multifuncionais se apresenta como outra rede de apoio, fazendo emergir a importância da concepção de atendimento educacional especializado como ação pedagógica para apoiar a apropriação do conhecimento, tarefa central da escola. Verificam-se diferentes concepções de atendimento educacional especializado, prevalecendo aquelas como sinônimo de intervenções específicas de contraturno. Com isso, as redes de apoio da classe comum passam a ser denominadas de trabalho colaborativo , levando-nos a questionar se o contraturno não colabora com a classe comum e se os apoios a esse espaço-tempo não complementam/suplementam os currículos. Os dados apontam a necessidade de problematizar as ações da filantropia e do assistencialismo presentes nas instituições especializadas que requerem o financiamento da educação especial, convocando as famílias/responsáveis pelos estudantes a matriculá-los no atendimento educacional especializado nelas ofertados, adotando, como barganha, os atendimentos clínicos-terapêuticos, muitas vezes, ainda incipientes no serviço público de saúde.

    O diálogo com os movimentos produzidos pelos sistemas públicos de ensino capixabas concorda com as teorizações de Boaventura de Sousa Santos ( 2007SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2007. ), quando alerta para a necessidade de reconhecimento dos pressupostos da igualdade e da diferença. O direito à aprendizagem se apresenta como uma ação político-pedagógica comum a todos os estudantes, reconhecendo, que alguns desses sujeitos poderão necessitar de redes de apoio para apropriação do conhecimento e envolvimento no trabalho pedagógico mediado na escola comum. Por isso, o autor alerta, ainda, sobre a importância do equilíbrio entre esses dois pressupostos para não transformar a diferença em desigualdade e esta última em invisibilidade de sujeitos e de trajetórias singulares de aprendizagem.

    Referências

    • ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso. O que é um estudo de caso qualitativo em educação? Revista da Faeeba: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 22, n. 40, p. 95-103, jul./dez. 2013.
    • BAPTISTA, Cláudio Roberto. Ação pedagógica e educação especial: a sala de recursos como prioridade na oferta de serviços especializados. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 17, n. 1, maio/ago. 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbee/a/B4mkmTPHqg8HQYsLYxb6tXb/abstract/?lang=pt . Acesso em: 22 nov. 2022.
      » https://www.scielo.br/j/rbee/a/B4mkmTPHqg8HQYsLYxb6tXb/abstract/?lang=pt
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    • 2-
      Políticas de Educação, Inclusão Escolar e Diversidade pelo olhar daqueles que as praticam: por diferentes trilhas (2008-2010); Formação Continuada para Gestores Públicos em Educação Especial (2010-2012); Observatório Nacional de Educação Especial: um estudo em rede sobre o funcionamento das salas de recursos multifuncionais (2012-2015).
    • 3-
      As salas do Tipo 1 trazem materiais didáticos para atendimentos aos estudantes público-alvo da educação especial de modo mais amplo, enquanto a do Tipo 2, são acrescidos recursos destinados aos discentes com deficiência visual. São direcionadas a realizar o atendimento educacional especializado no contraturno de matrícula do ensino regular.

    Editado por

    Editora: Profa. Dra. Renata Marcílio Cândido

    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2024
    • Data do Fascículo
      2024

    Histórico

    • Recebido
      21 Dez 2022
    • Aceito
      12 Dez 2023
    • Revisado
      22 Nov 2023
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