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ARTIGO-PARECER: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE ASPECTOS ONTOLÓGICOS E EPISTEMOLÓGICOS DA CIÊNCIA

INFORME DE ARBITRAJE: UNA REVISIÓN BIBLIOGRÁFICA SOBRE ASPECTOS ONTOLÓGICOS Y EPISTEMOLÓGICOS DE LA CIENCIA

ARTICLE-OPINION: A BIBLIOGRAPHIC REVIEW ON ONTOLOGICAL AND EPISTEMOLOGICAL ASPECTS OF SCIENCE

RESUMO:

Este artigo-parecer origina-se dos comentários críticos feitos ao artigo original de autoria de Carlos Sérgio Leonardo Junior, publicado no volume 25 de 2023 da revista Ensaio. É proposta uma discussão crítica de aspectos das reflexões ontológicas e epistemológicas da ciência discutidos pelo autor em sua revisão bibliográfica. É aprofundado o debate crítico iniciado no parecer sobre a aproximação feita pelo autor entre o materialismo dialético e concepções intituladas de realismo e concepções do chamado marxismo ocidental. São feitos apontamentos que contribuem para melhor definição das concepções do materialismo dialético visando desenvolver seu uso na Educação em Ciências. Demonstra-se que a concepção do realismo transcendental de Bhaskar, cuja revisão sugere aproximações ao materialismo dialético, guarda mais afinidades com o dualismo metafísico neokantiano. As reflexões contribuem para elevar a compreensão sobre o uso do materialismo dialético como referencial na Educação em Ciências.

Palavras-chave:
Marxismo; Realismo; Educação em Ciências; Realismo Crítico

RESUMEN:

Este artículo de opinión tiene origen en los comentarios críticos realizados al artículo original de Carlos Sérgio Leonardo Junior, publicado en el volumen 25 de 2023 de la revista Ensaio. Se propone una discusión crítica de aspectos de las reflexiones ontológicas y epistemológicas sobre la ciencia discutidos por el autor en su revisión bibliográfica. Se profundiza el debate crítico iniciado en el dictamen sobre el acercamiento realizado por el autor entre el materialismo dialéctico y las concepciones denominadas realismo y las concepciones del llamado marxismo occidental. Se realizan apuntes que contribuyen a una mejor definición de los conceptos de materialismo dialéctico con miras a desarrollar su uso en la Educación Científica. Se demuestra que la concepción del realismo trascendental de Bhaskar, cuya revisión sugiere aproximaciones al materialismo dialéctico, tiene más afinidades con el dualismo metafísico neokantiano. Las reflexiones contribuyen a aumentar la comprensión del uso del materialismo dialéctico como referencia en la Educación Científica.

Palabras clave:
Marxismo; Realismo; Enseñanza de las ciencias; Realismo crítico

ABSTRACT:

This opinion article originates from the critical comments made to the original article authored by Carlos Sérgio Leonardo Junior, published in volume 25 of 2023 of Ensaio journal. A critical discussion of aspects of ontological and epistemological reflections on science discussed by the author in his bibliographic review is proposed. The critical debate initiated in the peer review on the rapprochement made by the author between dialectical materialism and conceptions called realism and conceptions of so-called Western Marxism is deepened. Notes are made that contribute to a better definition of the concepts of dialectical materialism with a view to developing its use in Science Education. It is demonstrated that Bhaskar’s conception of transcendental realism, whose review suggests approximations to dialectical materialism, has more affinities with neo-Kantian metaphysical dualism. The reflections contribute to increasing understanding of the use of dialectical materialism as a theoretical reference in Science Education.

Keywords:
Marxism; Realism; Science Education; Critical Realism

INTRODUÇÃO

O debate sobre questões ontológicas e epistemológicas na Educação em Ciências é fundamental para elevar a compreensão de pesquisadores e professores sobre os fundamentos teórico-filosóficos de suas pesquisas, e, em particular, de seus referenciais teórico-metodológicos. A não tomada de consciência sobre tais fundamentos combinada com uma postura pragmática na investigação leva muitos pesquisadores da Educação em Ciências e de outras áreas a unirem por simples justaposição, de forma eclética e acrítica, distintas teorias e métodos sem se aperceberem dos conflitos e problemas ontológicos e epistemológicos que resultam. No caso da Educação em Ciências este problema se torna ainda mais grave na medida em que estamos quase sempre trabalhando com concepções filosóficas, historiográficas, pedagógicas e psicológicas combinadas, em que todas envolvem compromissos ontológicas e epistemológicos.

A questão do realismo versus idealismo é um dos aspectos candentes que mobiliza professores e pesquisadores na Educação em Ciências e que envolve polêmicas questões ontológicas e epistemológicas. O foco deste artigo-parecer é o de aprofundar as discussões acerca do uso do referencial marxista na Educação em Ciências iniciado no parecer dado ao artigo publicado em 2023 na revista Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências de autoria de Leonardo Junior. O autor (Leonardo Junior, 2023Leonardo Junior, C. S. (2023). Uma revisão bibliográfica sobre aspectos ontológicos e epistemológicos da ciência: A importância da concepção de mundo. Ensaio Pesquisa Em Educação Em Ciências , 25. https://doi.org/10.1590/1983-21172022240162
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) fez uma revisão bibliográfica de aspectos ontológicos e epistemológicos presentes em trabalhos publicados em periódicos e eventos importantes da área de Educação em Ciências a partir da perspectiva do marxismo. A revisão crítica proposta levantou os principais temas discutidos na literatura e trouxe reflexões importantes desde o materialismo dialético sobre aspectos ontológicos e epistemológicos nos 11 artigos elegidos. A análise crítica extrapolou os limites da lógica formal fazendo importantes aclarações sobre a posição realista na ciência, a concepção de mundo do marxismo e de seu uso na Educação em Ciências. Contudo, a análise da revisão sugere algumas aproximações do materialismo dialético com posições ecléticas denominadas arbitrariamente de realistas por alguns artigos de autores da Educação em Ciências presentes no corpus da revisão. Em particular, na primeira seção, pretendeu-se ampliar e/ou confrontar a análise feita na revisão quanto às delimitações da concepção marxista em relação a posições positivistas e pós-modernistas.

Na segunda seção foram feitos apontamentos que buscam precisar os pressupostos teóricos do marxismo em relação a concepções ecléticas dando ênfase ao problema da prática como fundamento da teoria do conhecimento marxista. Estes apontamentos críticos contribuem para a tomada de consciência de pesquisadores da área da Educação em Ciências acerca da controvérsia sobre a relação entre teoria e prática no marxismo e suas implicações pedagógicas. Debate este que ocorre já há mais de 40 anos entre pesquisadores do campo da Educação. Nas últimas duas seções são discutidas a aproximação sugerida na revisão entre marxismo e o realismo transcendental de Bhaskar. O realismo transcendental é uma filosofia da ciência que se propõe a superar as visões positivistas e pós-modernas e que tem seu mérito justamente em fomentar o debate sobre uma concepção realista de ciência. Demonstro que o realismo transcendental, por preservar em sua ontologia o dualismo kantiano desemboca necessariamente numa epistemologia idealista, de modo que seu realismo contém o germe destas concepções que irão se manifestar em sua obra tardia.

APROFUNDANDO ASPECTOS SOBRE A CRÍTICA DO PARECER

A questão da crítica ontológica é introduzida principalmente nos 5 trabalhos classificados pelo autor como “Concepção de mundo e de ciência” (Leonardo Junior, 2023Leonardo Junior, C. S. (2023). Uma revisão bibliográfica sobre aspectos ontológicos e epistemológicos da ciência: A importância da concepção de mundo. Ensaio Pesquisa Em Educação Em Ciências , 25. https://doi.org/10.1590/1983-21172022240162
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). A polêmica realismo versus antirrealismo aparece inicialmente a partir da discussão de três trabalhos: Bencze & Elshof (2004Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: an inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526.); Kang & Wallace, (2005Kang, N., & Wallace, C. S. (2005). Secondary science teachers’ use of laboratory activities: Linking epistemological beliefs, goals, and practices. Science Education, 89(1), 140-165.); Lin & Tsai (2017Lin, T.-J., & Tsai, C.-C. (2017). Eliciting Taiwanese high school students’ scientific ontological and epistemic beliefs. International Journal of Science Education, 39(17), 2321-2341.). Nesta seção discutimos os aspectos da crítica ao primeiro dos três trabalhos. A motivação para esta escolha deve-se ao fato de que a análise crítica feita pelo autor da revisão sobre este trabalho em específico apresenta problemas de ecletismo e de concepção no uso do referencial do marxismo. Também queremos demonstrar o quanto uma revisão bibliográfica crítica com base no materialismo dialético pode e deve ser profunda em discernir as concepções ontológicas e epistemológicas e criticá-las desde seu ponto de vista. Neste sentido queremos demonstrar o equívoco cometido pelo autor da revisão em associar, ainda que com algumas reservas, o realismo caracterizado por Bencze & Elshof com o materialismo dialético.

O trabalho de Bencze & Elshof (2004Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: an inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526.), apresenta um estudo de caso em que três professores de diferentes áreas da educação básica são convidados a participar de uma imersão em um campo de pesquisa ecológica com o intuito de desenvolver concepções mais realistas sobre ciências. As posições dos professores antes e depois da imersão são classificadas em termos de dois eixos (x e y) que representam contínuos ontológico (realista e antirrealista) e epistemológico (racionalista e naturalista). Os resultados apontam que através da imersão no trabalho de um grupo de cientistas e da subsequente reflexão sobre as experiências os professores participantes da pesquisa mudaram suas visões sobre a ciência e o ensino de ciências migrando de uma posição racionalista-realista para uma posição naturalista-antirrealista. A primeira classificada pelos autores de modernista e esta última de pós-modernista.

Conforme comentado no artigo de revisão bibliográfica em tela os autores (Bencze & Elshof, 2004Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: an inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526.), não definem ou discutem o que classificam como realismo e antirrealismo. As classificações presentes no contínuo ontológico, de realismo e antirrealismo, e no contínuo epistemológico, de racionalismo e naturalismo são tomadas de Loving (1991Loving, C. C. (1991). The scientific theory profile: A philosophy of science model for science teachers. Journal of Research in Science Teaching, 28(9), 823-838.). Porém, este último também não apresenta em seu artigo reflexões claras sobre estas definições. Em que pese sua posição crítica em relação aos resultados da pesquisa de Bencze & Elshof (2004Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: an inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526.), a análise de Leonardo Junior (2023Leonardo Junior, C. S. (2023). Uma revisão bibliográfica sobre aspectos ontológicos e epistemológicos da ciência: A importância da concepção de mundo. Ensaio Pesquisa Em Educação Em Ciências , 25. https://doi.org/10.1590/1983-21172022240162
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), revela imprecisões quanto ao uso da concepção do materialismo dialético.

Sua crítica ao trabalho de Bencze & Elshof (2004Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: an inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526.) se limitou, grosso modo, a afirmar que neles “as crenças ontológicas e epistemológicas são trabalhadas a partir da perspectiva do sujeito (abordagem epistemológica)”, (Leonardo Junior, 2023Leonardo Junior, C. S. (2023). Uma revisão bibliográfica sobre aspectos ontológicos e epistemológicos da ciência: A importância da concepção de mundo. Ensaio Pesquisa Em Educação Em Ciências , 25. https://doi.org/10.1590/1983-21172022240162
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, p. 9). O autor toma a caracterização de Tonet (2013Tonet, I. (2013). Método científico: uma abordagem ontológica. 1. ed. São Paulo: Instituto Lukács. (1a ed.). Instituto Lukács.) de abordagem ou ponto de vista epistemológico/gnosiológico para tratar da problemática do conhecimento. Segundo Tonet (2013Tonet, I. (2013). Método científico: uma abordagem ontológica. 1. ed. São Paulo: Instituto Lukács. (1a ed.). Instituto Lukács.) as questões relativas ao conhecimento do homem sobre o mundo são tratadas tendo o sujeito como seu polo regente.

Ainda que tomássemos por correta a classificação feita por Tonet (2013Tonet, I. (2013). Método científico: uma abordagem ontológica. 1. ed. São Paulo: Instituto Lukács. (1a ed.). Instituto Lukács.), ou, indo ainda mais longe, que admitíssemos ontologia e epistemologia como dimensões rigidamente separadas como no pensamento metafísico,1 1 As questões ontológicas e epistemológicas não são tratadas separadamente no marxismo, ou seja, sem considerar que uma determinada ontologia se traduz em uma epistemologia e esta última, como termo mais geral do ato humano de conhecer o mundo, transforma-o. Ver por exemplo Lenin (1982) e Engels (2015). teríamos que admitir que a crítica não captura o erro fundamental do trabalho de Bencze & Elshof (2004Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: an inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526.). Nos objetivos da pesquisa se propunha uma metodologia (imersão em comunidade de prática, etc.) que buscava desenvolver visões mais realistas sobre ciência e, no entanto, nos resultados da pesquisa afirma-se que os professores assumiram visões supostamente antirrealistas. Como uma visão antirrealista pode ser classificada de realista?

Não se trata, porém, de uma mera contradição em termos. Pressupõe-se que se a ontologia realista for verdadeira uma imersão em um campo de pesquisa deveria desenvolver nos participantes uma concepção realista e não antirrealista. A contradição é, portanto, essencial e fundamental e sua solução coloca a pesquisa dos autores contra a parede. A crítica de fundo que deve ser feita aos autores, desde o ponto de vista do marxismo, é ao fato de haver no conteúdo de sua pesquisa uma defesa implícita da concepção idealista (pós-modernista) que rebaixa a racionalidade humana (irracionalismo) substituindo-a pelo senso comum (defesa da intuição frente a razão).

Cabe indagar se pode-se realmente inferir os resultados que os autores anunciaram (de que os professores assumiram posições antirrealistas) a partir dos dados coletados? Como parte da elaboração teórica do trabalho são apresentadas uma série de características para definir as categorias modernista e pós-modernista. Sem nos ater aqui aos problemas que decorrem da atribuição de determinações dicotômicas e generalizações tão amplas nas classificações de modernistas e pós-modernistas, as falas e interações dos professores apresentadas não parecem reforçar qualquer padrão pós-moderno e antirrealista. A amostragem de proposições apoiadas por um dos professores (Colleen) após a experiência de imersão no campo de pesquisa é apresentada como evidência de sua adesão a este ideário. Contudo, a afirmação, por exemplo, de que “o conhecimento científico é nossa compreensão da realidade, não a realidade como ela é” (Bencze & Elshof, 2004Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: an inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526., p. 1519) é demasiado genérica e ambígua. Mesmo o realista mais ingênuo tem a trivial intuição de que nosso conhecimento não é idêntico à realidade.

Se analisarmos uma a uma as proposições apoiadas por Colleen verificamos que nenhuma caracteriza uma defesa da intuição frente à razão ou uma defesa clara da ideia de que o conhecimento seja uma construção social no sentido que o pós-modernismo advoga. Ao contrário, o que indica é que há uma rejeição a uma posição positivista da ciência que busca uma distinção rígida para diferenciar o que é ciência e o que não é. A esta posição estaria associada à ideia de um método único, universal e absolutamente restritivo, condição única e exclusiva para o conhecimento. Portanto, os resultados da pesquisa parecem indicar a rejeição pelos professores de posições positivistas, e não modernistas em geral.

O outro questionamento que apenas levantamos como forma de chamar a atenção para os problemas metodológicos que resultam do ideário pós-modernista é o de que as concepções dos autores e pesquisadores do campo parecem enviesar os resultados da pesquisa. Os autores não delimitam se os resultados anunciados foram produzidos pela imersão concreta na atividade de pesquisa ou pela influência de posições teórico-filosóficas de outros agentes como os pesquisadores do campo ou os próprios autores. Ao mesmo tempo eles admitem a interferência dos pesquisadores do campo e a de si mesmos nos resultados da pesquisa.

Como mencionado anteriormente, nem Bencze & Elshof (2004Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: an inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526.), nem Loving (1991Loving, C. C. (1991). The scientific theory profile: A philosophy of science model for science teachers. Journal of Research in Science Teaching, 28(9), 823-838.), de onde os primeiros tiram as categorias usadas, discutem a fundo o conceito de realismo. Neste último, realismo e antirrealismo são apresentados erroneamente como categorias ontológicas quando, a despeito dessa classificação, são descritas como características puramente epistemológicas. Não há na definição dada por Loving (1991Loving, C. C. (1991). The scientific theory profile: A philosophy of science model for science teachers. Journal of Research in Science Teaching, 28(9), 823-838.) do eixo do contínuo ontológico qualquer enunciado de caráter realmente ontológico.

Para Loving, o contínuo realismo-antirrealismo está associado à noção de verdade. Vejamos como o autor define o contínuo, erroneamente nomeado de ontológico: “se as teorias reinantes representam a verdade e realidade (realista), meros modelos do que funciona melhor (antirrealista), ou algum lugar entre eles (no eixo y)” (Loving, 1991Loving, C. C. (1991). The scientific theory profile: A philosophy of science model for science teachers. Journal of Research in Science Teaching, 28(9), 823-838., p. 827, tradução livre).

Assim, o que figura como contínuo ontológico na abordagem de Loving é, na verdade, uma oposição entre o conhecimento tomado como busca pela verdade e a concepção convencionalista de modelos apresentados como polos de um contínuo. Há uma nítida confusão sobre ontologia e epistemologia aqui. O problema da verdade, ou seja, aquele que centra nos critérios que nos permitem distinguir uma proposição ou enunciado como verdadeiro, é, precipuamente, o problema epistemológico mais fundamental para muitas tradições filosóficas, especialmente as que tem origem no kantismo.

Se levado ao extremo, como problema da demarcação ou delimitação (do que é ciência e o que não é ciência) o problema da verdade deriva no pensamento do empirismo lógico ou neopositivismo do Círculo de Viena. Pensamento este que rejeita todo tipo de ontologia. Não é aleatória a classificação que faz Loving (1991Loving, C. C. (1991). The scientific theory profile: A philosophy of science model for science teachers. Journal of Research in Science Teaching, 28(9), 823-838.), atribuindo como um dos exemplos de uma posição supostamente racionalista-realista o filósofo neopositivista, reconhecido membro do Círculo de Viena Carl Hempel. A maioria dos filósofos ou cientistas membros do círculo de Viena não aceitaria o atributo de realista no sentido plenamente ontológico do termo, já que para eles falar em uma realidade para além do mundo empírico, além da experiência imediata, seria um grotesco preconceito metafísico.

Portanto, o erro cometido por Bencze & Elshof (2004Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: an inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526.) não se trata de assumir uma abordagem ou ponto de vista epistemológico no tratamento de questões ontológicas, tal como apontado pela revisão crítica aqui discutida. Trata-se antes, de um erro ainda mais fundamental, qual seja, o de classificar (do ponto de vista formal) como ontológicos enunciados de natureza puramente epistemológica. Se entendemos enunciados ontológicos como aqueles que versam sobre o próprio ser e não sobre o conhecer então, não há, na descrição do contínuo ontológico feita pelos autores, nenhum enunciado do tipo que possa ser abordado sob qualquer ponto de vista.

Evidentemente que, extrapolando-se o nível da análise formal, se pode falar em uma epistemologia realista como aquela que pressupõe que nosso conhecimento sobre o mundo parte da apreensão do objeto tal como ele é. Ou seja, que as percepções que temos dos objetos do mundo correspondem aos objetos reais e independentes de nossa consciência. Neste sentido, ela seria indubitavelmente uma epistemologia que se assenta em uma ontologia realista. Do mesmo modo, no outro extremo deste contínuo, que é formalmente epistemológico e não ontológico, teríamos uma epistemologia idealista, (assentada em ontologia idealista) denominada aqui de antirrealista.

Assim notamos que ao tomar ontologia e epistemologia como uma unidade dialética o erro dos autores se desfaz. Epistemologia, na medida em que devém de uma ontologia e é condicionada por ela, é ao mesmo tempo ontologia. Contudo, do ponto de vista formal, ou seja, ao tomarmos epistemologia e ontologia não em sua interrelação, mas isoladamente, temos um equívoco em classificar este contínuo de ontológico.

A ABORDAGEM ONTOLÓGICA E A NEGAÇÃO DA PRÁTICA COMO FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO

Não é objeto deste trabalho discutir a fundo o erro da visão de Tonet (2013Tonet, I. (2013). Método científico: uma abordagem ontológica. 1. ed. São Paulo: Instituto Lukács. (1a ed.). Instituto Lukács.) e outros leitores contemporâneos do chamado marxismo ocidental. Contudo, com o objetivo de aprofundar o debate iniciado no parecer, problematizamos o modo como as referências teóricas são conjugadas de modo eclético pelo autor da revisão em sua fundamentação do marxismo. Como este é colocado indistintamente ao lado do marxismo ocidental, e como isso o conduz a este e outros erros apontados neste trabalho. Com este propósito, me preocupei em discutir, ainda que de modo introdutório, as categorias da prioridade do ontológico (Lukács, 2012Lukács, G. (2012). Para uma ontologia do ser social Vol. I. Boitempo.), e a do “ponto de vista ontológico” de Tonet (2013Tonet, I. (2013). Método científico: uma abordagem ontológica. 1. ed. São Paulo: Instituto Lukács. (1a ed.). Instituto Lukács.). Antes, porém faço uma breve contextualização do debate sobre o tema iniciado com o parecer.

No parecer ressaltei que, embora a opção do autor por diluir a exposição dos fundamentos e categorias teóricos ao longo da análise crítica dos 11 trabalhos elegidos ao invés de concentrá-la em uma seção não fosse em si uma escolha errada, ela tornara a explicitação de algumas categorias teóricas de difícil compreensão para o público de leitores da Educação em Ciências que não domina o referencial. Em especial, destaquei que uma das críticas de maior peso no trabalho, trata-se das considerações lukacsianas sobre a primazia gnosiológica nas teorias modernas, junto da abordagem desde o ponto de vista do sujeito no trato das questões epistemológicas (TONET, 2013Tonet, I. (2013). Método científico: uma abordagem ontológica. 1. ed. São Paulo: Instituto Lukács. (1a ed.). Instituto Lukács.), categorias que não apareciam anteriormente na exposição e fundamentação teórico-metodológica do trabalho (salvo em um breve comentário no segundo parágrafo da introdução).

Argumentando estar de acordo com os pressupostos do materialismo histórico e dialético, o autor defende que as categorias que utiliza são tanto apresentadas como explicadas na própria análise, de forma sucinta, dentro dos limites do trabalho. Este modo de proceder estaria, supostamente, em conformidade com a premissa marxista de que é a partir de seu objeto que o investigador identifica categorias que podem ser mobilizadas na análise/discussão, não podendo estas serem definidas a priori.

Aqui há uma nítida confusão entre método de investigação e método de exposição. O fato de o marxismo rejeitar qualquer noção de categorias apriorísticas (como em Kant) no processo investigativo não impede, ou melhor, não exime este investigador de, após concluída a análise (método de investigação), descrever as categorias teóricas com a máxima clareza e profundidade ao comunicar os resultados de sua pesquisa (método de exposição), para que o público consiga compreender a análise e seus resultados. A questão em discussão no parecer é que a opção de fazer a exposição das categorias junto da própria análise, como uma escolha metodológica que visa manter uma certa coerência entre a investigação e a exposição, não pode ser um impeditivo para a máxima clareza, riqueza de detalhes e profundidade. Ao contrário esta opção é conveniente sempre que isto tornar a exposição mais clara e profunda. Este é o caso de alguns momentos importantes dos alfarrábios do marxismo, como em O Capital onde a exposição de Marx de categorias fundamentais na obra como as de mercadoria e valor lhe custou alguns capítulos, mas, como nestes casos, quase sempre o autor o faz descrevendo o próprio objeto, mas nunca prescindindo de analogias e relações que o extrapolam indo do geral ao particular e do abstrato ao concreto.

Em comentários anexos ao parecer eu localizei a falta de clareza apontando para a crítica feita ao trabalho de Bencze & Elshof (2004Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: an inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526.), da necessidade de explicitar melhor o que significa tratar as visões e perspectivas a partir de uma abordagem epistemológica. Ocorre que o ato de explicitar uma categoria demonstrando em detalhe suas relações com o objeto é parte fundamental da análise (aqui fica expressa a unidade de investigação e exposição) e pode revelar possíveis erros conceituais importantes ou até mesmo a inadequação da categoria, como é o caso em tela. Por outro lado, em razão de a categoria em questão (ponto de vista ontológico), não ser de autoria própria, mas elaborada por Ivo Tonet (2013Tonet, I. (2013). Método científico: uma abordagem ontológica. 1. ed. São Paulo: Instituto Lukács. (1a ed.). Instituto Lukács.), recomendou-se uma exposição prévia diferindo dos casos mencionados acima em que uma categoria é formulada, ou suprassumida, no processo de análise. Evidentemente, isso não suprime a necessidade de um retorno à categoria no processo de análise, agora, unida ao objeto, o que tornaria a análise mais profunda e a exposição mais completa.

A teoria sobre o ponto de vista ou abordagem ontológica de Tonet é desenvolvida a partir de leitores lukacsianos2 2 Utilizo a expressão lukacsianos para me referir a um conjunto de autores nacionais como Carlos Nelson Coutinho, José Paulo Neto, José Chasin, Sergio Lessa, Ivo Tonet, etc, e internacionais como István Mészáros que propõem uma “renovação do marxismo” (Braz, 2012), a partir da obra do filósofo húngaro György Lukács. e do próprio Lukács com a teoria da prioridade do ontológico. Esta, por sua vez, se assenta na teoria marxiana (distinta, segundo os próprios autores lukacsianos, da marxista)3 3 Por exemplo, Tonet estende a crítica lukacsiana às tradições filosóficas modernas que colocam a prioridade no epistemológico ao próprio marxismo distinguindo de sua variante que denomina de perspectiva marxiana: “A esta centralidade e hipercentralidade da subjetividade também não escapou o marxismo. Como resultado da conjugação de diversos fatores objetivos e subjetivos, a que, por brevidade, não podemos nos referir aqui, a elaboração marxiana não foi compreendida como tendo um caráter ontológico. O que predominou como marxismo foi uma versão de caráter positivista e/ou idealista, o chamado marxismo do movimento operário, do qual alguns elementos já se encontram em Engels e que foi plenamente desenvolvida por Kautski, Bernstein e inúmeros outros seguidores. (...) Neste passo, o marxismo foi se empobrecendo e perdendo a sua marca distintiva, que era o seu caráter radicalmente crítico e revolucionário. (...) Em consequência, foi se aproximando cada vez mais da perspectiva da cientificidade burguesa que, como vimos, está marcada pela centralidade da subjetividade”. (Tonet, 2013, p. 62). da ontologia do ser social (Lukács, 2018Lukács, G. (2012). Para uma ontologia do ser social Vol. I. Boitempo.). Tonet (2013) afirma que as questões relativas ao conhecimento podem ser tratadas sob um ponto de vista ontológico ou sob um ponto de vista epistemológico. Ele resume assim sua ideia:

A problemática do conhecimento se resume, em seus termos mais essenciais, à relação entre um sujeito e um objeto. Simplificando, ainda, podemos dizer que, nessa relação, o peso maior (prioridade) pode estar do lado do sujeito ou do objeto. No primeiro caso teremos um ponto de vista gnosiológico. No segundo caso, um ponto de vista ontológico. Trata-se, portanto, aqui, da resposta à pergunta: quem é o polo regente do processo de conhecimento? (Tonet, 2013Tonet, I. (2013). Método científico: uma abordagem ontológica. 1. ed. São Paulo: Instituto Lukács. (1a ed.). Instituto Lukács., p. 13).

Considero que esta teoria constitui um centro de gravidade no artigo de revisão crítica aqui discutido. Logo na introdução do trabalho o autor cita a crítica de Lukács ao neopositivismo apontando como este “desterrou nominalmente a ontologia”, etc. (Leonardo Junior, 2023Leonardo Junior, C. S. (2023). Uma revisão bibliográfica sobre aspectos ontológicos e epistemológicos da ciência: A importância da concepção de mundo. Ensaio Pesquisa Em Educação Em Ciências , 25. https://doi.org/10.1590/1983-21172022240162
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, p. 2). No fim da introdução o autor destaca, antecipando suas considerações finais, que: “é necessário não apenas resgatar a discussão filosófica na pesquisa e na educação, mas também resgatar a prioridade da dimensão ontológica” (Leonardo Junior, 2023, p. 2).

O erro da visão dos leitores contemporâneos de Lukács como Tonet (2013Tonet, I. (2013). Método científico: uma abordagem ontológica. 1. ed. São Paulo: Instituto Lukács. (1a ed.). Instituto Lukács.), consiste, primeiramente, em sua rejeição implícita à prática. Dela segue-se o estabelecimento de uma separação rígida (própria do pensamento metafísico) entre ontologia e epistemologia. Embora os autores lukacsianos afirmem a unidade entre ontologia e epistemologia como o “ontoepistemológico” (Leonardo Junior, 2023Leonardo Junior, C. S. (2023). Uma revisão bibliográfica sobre aspectos ontológicos e epistemológicos da ciência: A importância da concepção de mundo. Ensaio Pesquisa Em Educação Em Ciências , 25. https://doi.org/10.1590/1983-21172022240162
https://doi.org/10.1590/1983-21172022240...
, p. 13), ao substituir a crítica materialista dialética por uma “crítica ontológica” pendem para um método especulativo que ao rejeitar a prática como mediação entre o ser e o conhecer rompem a unidade proferida.

Trata-se de uma substituição da teoria do materialismo dialético pela teoria da ontologia do ser social de Lukács (2018Lukács, G. (2012). Para uma ontologia do ser social Vol. I. Boitempo.). Enfatizamos que não são equivalentes. Esses autores se distanciam do materialismo dialético ao definir como um critério geral suposto ponto de vista ontológico em substituição da visão corrente do marxismo, cuja crítica está fundada na distinção fundamental entre materialismo e idealismo conforme Lenin enfatiza retomando Engels:

Engels declara no seu Ludwig Feuerbach que o materialismo e o idealismo são as correntes filosóficas fundamentais. O materialismo toma a natureza como o primário e o espírito como o secundário, coloca em primeiro lugar o ser e em segundo o pensamento. O idealismo faz o contrário. Engels põe em relevo a importância desta distinção fundamental dos «dois grandes campos» em que se dividem os filósofos das «diferentes escolas» do idealismo e do materialismo, acusando diretamente de ‘Confusionismo’ os que empregam noutro sentido os termos idealismo e materialismo. (Lenin, 1982Lenin, V. I.(1982). Materialismo e empiriocriticismo: Notas críticas sobre uma filosofia reacionária. Editora Avante., p. 75)

Quando Engels afirma que materialismo e idealismo são as correntes filosóficas fundamentais ele estabelece um corte para toda crítica filosófica. Todo posicionamento teórico-filosófico deve ser feito considerando-se este critério fundamental, sob pena de se cair na completa inaptidão em resolver problemas teórico-práticos importantes.

Nos contentamos aqui em alertar para o equívoco de substituir este corte fundamental, critério de toda crítica marxista, pela ideia genérica da prioridade do ontológico em relação ao epistemológico. A rigor, dizer sobre a prioridade da ontologia não diz nada sobre que tipo de ontologia se está considerando como predominante? Aristotélica, heideggeriana, hegeliana ou marxista? É uma ontologia idealista ou materialista? O fundamento do marxismo é a concepção de mundo do materialismo dialético e não a prioridade do ontológico.4 4 A substituição de categorias fundamentais do marxismo (materialismo dialético, contradição, luta de classes, imperialismo, etc.) por outras, as do ideário marxiano (prioridade do ontológico; ontologia do ser social; pôr teleológico; estranhamento e alienação; mediação; ontométodo; metapolítica; ontonegatividade da política; etc), resulta em uma crítica escolástica. Crítica esta que renuncia à experiência histórica, como o fazem com a experiência do socialismo no século XX e junto com ela renunciam a todo o desenvolvimento da doutrina do marxismo (Lenin, Mao Tsetung, etc) proclamando que todos, com exceção de Marx, desviaram-se do ideário “marxiano” incluindo o próprio Engels. É proposta então, uma renovação da doutrina do marxismo (Chasin, 1987; Del Roio, 1997; Moraes, 1998; Netto, 1994), de dentro dos gabinetes da academia e exógena à luta de classes. Não se trata, portanto, de uma oposição declarada à concepção marxista. Ao contrário, estes autores mesclam longas citações de clássicos do marxismo com trechos de Lukács, Lefebvre, Mészáros, Kosik, etc, e autores nacionais como José Paulo Neto, José Chasin, Sergio Lessa, Carlos Nelson Coutinho.

Este problema fica evidente quando o autor da revisão que aqui analisamos argumenta em favor da aproximação da teoria do realismo crítico/transcendental de Roy Bhaskar com o marxismo afirmando que aquela reivindica a “prioridade da ontologia na produção de conhecimento científico sem que ela seja relativizada” (Wagner & Silveira, 2019Wagner, G., & Silveira, E. (2019). Realismo crítico e marxismo: Contribuições à filosofia da Educação Matemática. Revista Contexto & Educação, 34(109), 234-251.; Yucel, 2018, citados por Leonardo Junior, 2023Leonardo Junior, C. S. (2023). Uma revisão bibliográfica sobre aspectos ontológicos e epistemológicos da ciência: A importância da concepção de mundo. Ensaio Pesquisa Em Educação Em Ciências , 25. https://doi.org/10.1590/1983-21172022240162
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, p. 10). Aproximação esta que discutiremos mais a fundo na parte final deste trabalho. De momento, queremos apenas salientar o modo como a substituição aparentemente despretensiosa das categorias fundamentais do marxismo (materialismo dialético e histórico, contradição, exploração, imperialismo, etc.), contribui para tornar mais palatável sua mistura eclética com outras tradições metafísicas e/ou idealistas transformando sutilmente seu conteúdo.

Do ponto de vista do marxismo a questão da prática se coloca na ordem do dia como fundamento do conhecimento, de modo que, compreende-se que é precisamente ao intervir na realidade transformando-a que se criam as condições para o conhecimento das determinações mais essenciais. Para o pensamento marxiano, ao contrário, o que se coloca na ordem do dia é uma espécie de dissecação interna do pensamento e obra dos autores da tradição, da de Marx em especial, visando a referida reconstrução da doutrina que julgam necessária. A questão da prática sempre aparece para os autores lukacsianos como uma nota de rodapé, como forma de se repetir formalmente sua importância ao lado e em unidade dialética com a teoria.

Só se pode alcançar toda a amplitude do sentido que a dimensão da prática toma na concepção dialética do conhecimento se se extrapolam os limites do academicismo em voga, em que o fazer teórico é tomado como um labor ensimesmado e auto justificado. Para exemplificar essa problemática recorro a citações que colocam a questão da relação teoria e prática no próprio desenvolvimento da doutrina do marxismo e suas implicações para o campo da educação em ciências. Tonet (2007Tonet, I. (2007). As tarefas dos intelectuais, hoje. Revista Novos Rumos, 29., p. 10), tratando das perspectivas do campo denominado por ele de intelectuais de esquerda, apresenta de modo claro, como a suposta demanda de uma refundação puramente escolástica do marxismo coloca a questão da prática, como prática política revolucionária, em segundo plano:

Neste contexto, os intelectuais verdadeiramente de esquerda - aqueles que defendem - não apenas proclamam, mas sustentam de modo articulado e sólido - a superação radical do capital como conditio sine qua non para a entificação da humanidade numa forma superior são uma ínfima minoria. E é inevitável e justa a pergunta: o que fazer? (...) De modo que é nesta situação adversa que cabe à intelectualidade de esquerda uma tarefa extremamente importante e complexa: reconstruir a teoria revolucionária. Daí, pois, a importância da ideia de refundação [do marxismo] que não deve ser entendida em sentido nem meramente nem principalmente político, mas no sentido de reconstruir, a partir da própria base o conjunto da teoria revolucionária. Aliás, seja dito de passagem, tomar esta ideia pelo lado político, ou seja, como organização de um novo (?) partido, ainda que armado de novas (?) ideias, é índice de que não se entendeu, em profundidade, a natureza da crise da perspectiva do trabalho.

A ideia de uma reconstrução do marxismo desvinculada da prática política educativa e revolucionária conduz à perda de seu núcleo ativo e crítico, transformando-o numa doutrina petrificada como um conjunto de dogmas. Um exemplo concreto das implicações deste afastamento da prática como fundamento da doutrina, trata-se da seguinte polêmica que se desenrola no campo da educação há pelo menos três décadas5 5 Ver por exemplo Saviani & Duarte (2012), Lazarini (2010), Frigotto (2009) e Tumolo (Tumolo, 2003). e que Duarte et al. (2011Duarte, N., Ferreira, B. de J. P., Malanchen, J., & Muller, H. V. de O. (2011). A pedagogia histórico-crítica e o marxismo: equívocos de (mais) uma crítica à obra de Dermeval Saviani. Revista HISTEDBR On-Line, 38-57.) sintetizam do seguinte modo: pode o marxismo fundamentar uma pedagogia que oriente a elaboração e realização de uma proposta pedagógica orientada pela perspectiva da superação do capitalismo, ou seja, pela perspectiva socialista?

A resposta dada pelas diferentes correntes de interpretação do marxismo a esta questão, coloca de modo essencial o sentido da relação entre teoria e prática na concepção marxista. Ela expressa a divergência entre aquela posição especulativa que se põe a teorizar sobre uma póstera e genérica educação anticapitalista que promova a emancipação humana em um futuro distante sem se atrever a pisar o espinhoso terreno da prática educativa no chão da escola e aquela que, sem perder de vista o horizonte da emancipação do homem, se coloca hoje no chão da sala de aula a construir prática e teoricamente uma proposta pedagógica concreta. Vejamos a resposta de Tonet a esta indagação:

Dissemos, acima, que a educação é uma mediação para a reprodução social. E que, numa sociedade de classes, ela, necessariamente, contribuirá predominantemente para a reprodução dos interesses das classes dominantes. Daí a impossibilidade de estruturar a educação, no seu conjunto, de modo a estar voltada para a emancipação humana. É por isso que entendemos não ser possível “uma educação emancipadora”, mas apenas a realização de “atividades educativas emancipadoras”. A nosso ver, é perda de tempo querer pensar uma educação emancipadora (conteúdos, métodos, técnicas, currículos, programas, formas de avaliação, etc.) como um conjunto sistematizado que possa se transformar em uma política educacional (Tonet, 2007Tonet, I. (2007). As tarefas dos intelectuais, hoje. Revista Novos Rumos, 29., p. 38).

Nesta polêmica com Ivo Tonet e outros lukacsianos, Saviani (2013Tonet, I. (2013). Método científico: uma abordagem ontológica. 1. ed. São Paulo: Instituto Lukács. (1a ed.). Instituto Lukács.), discorre sobre a postura do investigador demonstrando qual o papel da elaboração teórica e o erro de tal método especulativo:

Não sou dado a exegese ou hermenêutica de textos. Por isso sempre me recusei a tomar um autor por ele mesmo e me debruçar sobre seus escritos tentando decifrá-los para expor o núcleo de seu conteúdo. (...) Em suma, recorro aos autores não para chegar à interpretação supostamente correta de seus textos na linha filológica ou hermenêutica. Nunca estudei os autores pelos autores. Recorro a eles para poder compreender melhor a realidade e responder aos problemas enfrentados [na prática]. (...) O problema é que, em geral, as cobranças que me são feitas justificadas pela exigência de uma leitura fiel de Marx, nuns casos, e de Gramsci, em outros, via de regra decorrem de leituras de gabinete, que se comprazem em confrontar textos (os meus) com textos (os dos autores de referência) quando o que importa, conforme a tese 2 de Marx sobre Feuerbach, é confrontar os textos com a realidade (p. 188-189).

Na citação de Marx mencionada por Saviani se encontra exposta a determinação mais fundamental de uma epistemologia de orientação marxista em que o problema de fundo é o de conceber teoria e prática como uma unidade de modo a confrontar a todo momento a teoria com a prática.

A questão de saber se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não é uma questão teórica, mas prática. É na práxis que o homem deve demonstrar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno de seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não-realidade do pensamento isolado da práxis - é uma questão puramente escolástica. (Marx & Engels, 2007Marx, K., & Engels, F. (2007). A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas(1a ed.). Boitempo., p. 533).

Este é o erro fundamental da visão marxiana/Lukacsiana e de outros autores do “marxismo” acadêmico. Trata-se de uma contradição que opõe de modo claro e decisivo duas posturas metodológicas distintas, a marxista e a marxiana. Nesta última a elaboração teórica está voltada à análise introspectiva das categorias, enquanto na primeira as categorias teóricas emergem da reflexão das determinações do mundo real e estão, no processo de seu desenvolvimento, sempre em unidade com estas. Deste modo, não se encontram nos alfarrábios do marxismo qualquer problema teórico que não seja considerado apenas em sua interação com as questões candentes e práticas das necessidades humanas de transformação da realidade existente. Esta é uma condição de salubridade do método. A razão entregue à pura hermenêutica das categorias perde sua conexão com o real, dado ao pensamento por intermédio da prática social, e pende de modo inevitável para o idealismo com suas formulações hipostasiantes do pensamento introvertido.

SOBRE O REALISMO CRÍTICO DE BHASKAR: O QUE É TRANSCENDENTAL PODE SER REALISTA?

Nesta seção discuto as aproximações feitas pelo autor da revisão (Leonardo Junior, 2023Leonardo Junior, C. S. (2023). Uma revisão bibliográfica sobre aspectos ontológicos e epistemológicos da ciência: A importância da concepção de mundo. Ensaio Pesquisa Em Educação Em Ciências , 25. https://doi.org/10.1590/1983-21172022240162
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) entre marxismo e realismo crítico (2008). O realismo crítico ou realismo transcendental é uma corrente de pensamento em filosofia que se originou com as ideias do britânico Roy Bhaskar em 1975 com a publicação de sua obra A realist theory of Science (Bhaskar, 2008aBhaskar, R. (2008a). A realist theory of science(2a Ed.). Verso.). Se propõe a oferecer uma filosofia da ciência realista alternativa às tradições positivistas e pós-modernistas da ciência.

Partindo do método transcendental kantiano o autor se propõe a construir uma ontologia realista que descreve o mundo a partir de categorias ontológicas determinadas, através de argumentos transcendentais em relação às condições de possibilidade da ciência (Bhaskar, 2008aBhaskar, R. (2008a). A realist theory of science(2a Ed.). Verso.). Deste modo, a pergunta que fundamenta o método transcendental kantiano, quais as condições a priori que tornam nossa experiência inteligível, é substituída pela seguinte: dado que possuímos teorias científicas que funcionam bastante bem como explicações do mundo, como deve ser o mundo para que a ciência seja possível? Como resposta a esta pergunta fundante o autor propõe, então, uma ontologia com base em um mundo estruturado e diferenciado. Assim, um aspecto fundamental de sua ontologia é a consideração de duas dimensões distintas, a transitiva e a intransitiva. A primeira é composta pelo conhecimento previamente estabelecido, tal como teorias científicas, tecnologias, os fatos observacionais e as ferramentas para a investigação científica, tais como métodos e modelos, etc. Sua caracterização da dimensão transitiva diz respeito, conforme argumenta o autor, ao caráter transitório e relativo das teorias.

A dimensão intransitiva, por sua vez, numa analogia com o sentido gramatical de não depender de complementos para assegurar uma existência em si (Rodriguez, 2020Rodriguez, R. (2020). Ontologia, ciência e crítica social: uma interpretação de Marx a partir do realismo crítico. https://app.uff.br/riuff/handle/1/24085
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), é a do mundo objetivo em que operam uma série de mecanismos reais. Portanto, a categoria ontológica da dimensão intransitiva está assentada na concepção da necessidade natural em que o real é constituído por mecanismos geradores que existem e atuam de forma bastante independente do homem.

Há, segundo Bhaskar (2008aBhaskar, R. (2008a). A realist theory of science(2a Ed.). Verso.) uma distinção ontológica entre uma conjunção constante de eventos e as leis causais. Ou seja, deve haver, segundo o autor, uma independência entre os mecanismos geradores e uma sequência causal de eventos por eles produzidos. Mais ainda, o autor distingue entre mecanismos, eventos e experiências, de modo que o objetivo final da atividade científica seja o do conhecimento dos mecanismos que geram os eventos e as experiências. Analogamente, os eventos ocorrem de modo independente das experiências em que eles são apreendidos pelos homens.

Das distinções acima descritas decorre que a realidade é considerada estratificada em três domínios: real, factual e empírico. No empírico estão contidos todos os entes apreendidos pela experiência do homem constituindo o conhecimento sensível. O domínio factual abrange os entes e processos que não necessariamente são percebidos, mas que estão disponíveis à percepção do homem. Constitui aquilo que potencialmente pode se tornar conhecimento sensível. Já o domínio do real é constituído pelos mecanismos geradores, duradouros e independentes do homem. Estes não podem ser imediatamente percebidos pela mente do homem, sendo percebidos apenas pela mediação dos resultados que seus poderes causais provocam sobre os eventos e experiências.

A obra de Bhaskar, segundo Mervyn Hartwig, que escreve a introdução do livro Dialectic the pulse of freedom (Bhaskar, 2008bBhaskar, R. (2008b). Dialectic the pulse of the freedom(1a Ed.). Taylor & Francis e-Library.), passou por uma evolução que tem seis diferentes momentos: 1) realismo transcendental; 2) naturalismo crítico; 3) críticas explicativas; 4) realismo crítico dialético; 5) realismo crítico dialético transcendental; e 6) filosofia da meta-realidade. Um erro muito comum que se apresenta em vários trabalhos que discutem a filosofia da ciência de Bhaskar é a de tomar a primeira parte de sua obra (realismo transcendental) de forma isolada do conjunto.

Embora existam diversos autores que façam críticas às tentativas de aproximação entre a filosofia de Bhaskar e o Marxismo (Almeida & Vaz, 2011Marx, K. (2011). Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858 ; esboços da crítica da economia política. Boitempo Editorial.; Della Fonte, 2005Della Fonte, S. S. (2005). Contra o ceticismo epistemológico: a contribuição de Lukács e Bhaskar. Colóquio Marx e Engels - Unicamp. https://www.unicamp.br/cemarx/ANAIS%20IV%20COLOQUIO/comunica%E7%F5es/GT1/gt1m3c6.pdf
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; Duayer, 2001Duayer, M. (2001). Marx, verdade e discurso. Perspectiva, 19(1), 15-39., 2010Duayer, M. (2010). Relativismo, certeza e conformismo: para uma crítica das filosofias da perenidade do capital. Revista Da Sociedade Brasileira de Economia Política, 1(27). https://revistasep.org.br/index.php/SEP/article/view/906
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; José et al., 2012José, A., Alves, L., & Duayer, M. (2012). Antirrealismo e absolutas crenças relativas. Verinotio - Revista on-Line de Filosofia e Ciências Humanas, 14(14), 12-12. https://www.verinotio.org/sistema/index.php/verinotio/article/view/127
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; Prado, 2009Prado, E. (2009). Dialética e Realismo Crítico. https://www.researchgate.net/profile/Eleuterio-Prado/publication/268418768_Dialetica_e_Realismo_Critico/links/575addd408aec91374a61c8a/Dialetica-e-Realismo-Critico.pdf
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; Rodriguez, 2020Rodriguez, R. (2020). Ontologia, ciência e crítica social: uma interpretação de Marx a partir do realismo crítico. https://app.uff.br/riuff/handle/1/24085
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), as dissonâncias são mais significativas e profundas que as congruências consideradas pelos referidos autores. Como afirma Prado (2009Prado, E. (2009). Dialética e Realismo Crítico. https://www.researchgate.net/profile/Eleuterio-Prado/publication/268418768_Dialetica_e_Realismo_Critico/links/575addd408aec91374a61c8a/Dialetica-e-Realismo-Critico.pdf
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, p. 19) há “certa convergência entre Hegel e Marx na compreensão do método da ciência e que, justamente em virtude dela, existe uma distância considerável entre as teses desses dois autores clássicos e as teses de Bhaskar”. Callinicos (Bhaskar & Callinicos, 2003Bhaskar, R. (2008b). Dialectic the pulse of the freedom(1a Ed.). Taylor & Francis e-Library.), pretende discutir a obra de Bhaskar desde o ponto de vista marxista. Contudo, o autor sugere uma adesão crítica ao realismo crítico de Bhaskar mesmo apontando incoerências no método transcendental deste e no uso da categoria liberdade como fundamento de sua ontologia.

Na obra Critical realism and marxism (Brown et al., 2005Brown, A., Fleetwood, S., & Roberts, J. M. (2005). Critical Realism and Marxism. Tayler & Francis e-Library.) os autores tentam sumarizar argumentos do debate entre favoráveis e contrários à conciliação entre marxismo e realismo crítico. No entanto, nesta obra a maior parte dos argumentos são em favor da aproximação de ambos e os argumentos contrários são rasos. Rodriguez (2020Rodriguez, R. (2020). Ontologia, ciência e crítica social: uma interpretação de Marx a partir do realismo crítico. https://app.uff.br/riuff/handle/1/24085
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), em uma tese de doutorado nacional, afirma que a ontologia proposta por Bhaskar está baseada na de Marx e tenta associar o método transcendental de Bhaskar ao método de Marx em O capital. De outro lado, Prado (2009Prado, E. (2009). Dialética e Realismo Crítico. https://www.researchgate.net/profile/Eleuterio-Prado/publication/268418768_Dialetica_e_Realismo_Critico/links/575addd408aec91374a61c8a/Dialetica-e-Realismo-Critico.pdf
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, p. 21) argumenta que enquanto o método de Marx “concebe a investigação como momento da compreensão da totalidade social que vai do concreto aparente às determinações abstratas da realidade social, Bhaskar não escapa da perspectiva fragmentada da ciência positiva”.

É imperioso ressaltar que a crítica à identificação entre marxismo e realismo crítico e outras críticas criteriosas ao realismo crítico de Bhaskar já foram realizadas (Creaven, 2014Creaven, S. (2014). Against the Spiritual Turn: Marxism, realism and critical theory. In Against the Spiritual Turn: Marxism, Realism and Critical Theory. Taylor and Francis. https://doi.org/10.4324/9780203878439/SPIRITUAL-TURN-SEAN-CREAVEN
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; Gunn, 1989Gunn, R. (1989). Marxism and philosophy: a critique of critical realism. Capital & Class, 13(1), 87-116. https://doi.org/10.1177/030981688903700106
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; Magill, 1994Magill, K. (1994). Against Critical Realism. Capital & Class, 18(3), 113-136. https://doi.org/10.1177/030981689405400106
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; Prado, 2009Prado, E. (2009). Dialética e Realismo Crítico. https://www.researchgate.net/profile/Eleuterio-Prado/publication/268418768_Dialetica_e_Realismo_Critico/links/575addd408aec91374a61c8a/Dialetica-e-Realismo-Critico.pdf
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), ainda que, algumas das quais feitas a partir do marxismo ocidental e outras, estas menos criteriosas, feitas a partir de pontos de vistas relativistas e idealistas (Zhang, 2023Zhang, T. (2023). Critical Realism: A Critical Evaluation. Social Epistemology, 37(1), 15-29. https://doi.org/10.1080/02691728.2022.2080127
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).

Mesmo que o autor da revisão não argumente explicitamente em favor da referida identificação, ademais de estar implícito em suas análises um suposto ideário compartilhado, são citadas, sem qualquer menção crítica, pesquisas que, efetivamente, perseguem essa aproximação. Um dos 11 artigos elegidos para a análise utiliza o realismo crítico de Bhaskar como uma espécie de referencial teórico-metodológico. Este artigo não faz qualquer referência ao marxismo. Contudo, percebe-se que além de lançar mão de referências e categorias consideradas pelo autor como marxistas, este cita o trabalho de Wagner & Silveira (2019Wagner, G., & Silveira, E. (2019). Realismo crítico e marxismo: Contribuições à filosofia da Educação Matemática. Revista Contexto & Educação, 34(109), 234-251.), que também sugerem a referida aproximação.

Em outro trabalho (Valero et al., 2022Valero, R., Leonardo Júnior, C. S., Massi, L., & Gomes, L. B. M. (2022). Análise marxista de elementos da concepção de ciência nos principais filósofos abordados na Educação em Ciências: aspectos ontológicos e epistemológicos. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 39(3), 828-858. https://doi.org/10.5007/2175-7941.2022.e86571
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) produzido pelo autor da revisão aqui discutida em conjunto com outros autores da educação em ciências, estes propõem uma análise marxista das concepções ontológicas e epistemológicas da ciência nos principais filósofos abordados na educação em ciências. Nele, os autores afirmam concordar com as concepções do realismo ontológico e com a estrutura da realidade apresentada na primeira fase da obra de Bhaskar.

Em um trabalho intitulado “Contra o ceticismo epistemológico: a contribuição de Lukács e Bhaskar” (Della Fonte, 2005Della Fonte, S. S. (2005). Contra o ceticismo epistemológico: a contribuição de Lukács e Bhaskar. Colóquio Marx e Engels - Unicamp. https://www.unicamp.br/cemarx/ANAIS%20IV%20COLOQUIO/comunica%E7%F5es/GT1/gt1m3c6.pdf
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), de mesma autoria de dois outros trabalhos citados na revisão (2007, 2011), a aproximação entre o marxismo e o realismo transcendental ganha o tom de uma pura identidade, na medida em que os autores parecem sugerir que Bhaskar é parte da tradição marxista:

Meu objetivo é contribuir para a crítica dessa perspectiva. Para tanto, recorro a alguns intelectuais da tradição marxista que refutaram, do ponto de vista onto-gnosiológico, os ceticismos de sua época. Destaco, assim, o debate empreendido por Lukács contra o neopositivismo e por R. Bhaskar contra a ontologia empiricista (Della Fonte, 2005Della Fonte, S. S. (2005). Contra o ceticismo epistemológico: a contribuição de Lukács e Bhaskar. Colóquio Marx e Engels - Unicamp. https://www.unicamp.br/cemarx/ANAIS%20IV%20COLOQUIO/comunica%E7%F5es/GT1/gt1m3c6.pdf
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, p. 2, grifo nosso).

Magill (1994Magill, K. (1994). Against Critical Realism. Capital & Class, 18(3), 113-136. https://doi.org/10.1177/030981689405400106
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, p. 130, tradução do autor) alertou sobre como o realismo crítico se apresentara de modo atraente para os marxistas e outros que pretendem ansiosamente defender conceitos caros como o de ideologia ou o do caráter ilusório das manifestações fenomênicas diante dos ataques de pós-modernistas e similares; “Felizmente podemos reter tais conceitos sem a ajuda do realismo crítico”.

Não nos ateremos aqui aos posteriores desenvolvimentos da obra de Bhaskar que enveredaram pelo caminho da negação explícita do realismo. Nele, o autor se propõe a realizar uma síntese entre filosofia e teologia6 6 Cabe ressaltar, como afirma Creaven (2014), que o objetivo de Bhaskar em seu Realismo Crítico Dialético Transcendental foi o de realizar uma síntese de tradições filosóficas e teístas absolutamente diferentes e, acrescentamos, incompatíveis entre si, como materialismo dialético, idealismo transcendental kantiano, budismo, hinduísmo, o espiritualismo da Nova Era, entre outros. (Creaven, 2014Creaven, S. (2014). Against the Spiritual Turn: Marxism, realism and critical theory. In Against the Spiritual Turn: Marxism, Realism and Critical Theory. Taylor and Francis. https://doi.org/10.4324/9780203878439/SPIRITUAL-TURN-SEAN-CREAVEN
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), passando pela defesa de deus como estrutura categorial última do mundo (Bhaskar, 2002Bhaskar, R. (2008a). A realist theory of science(2a Ed.). Verso.), e chegando em uma suposta meta-realidade, filosofia abertamente idealista carregada de esoterismos e misticismos. Contudo, cabe apenas ressaltar que sua virada espiritual, iniciada com From east to West: Odyssey of a soul,7 7 Segundo Hartwig escreve na introdução de From east to West, alguns detalhes da narrativa, na segunda metade do livro, que “narra quinze vidas da alma Bhaskariana em sua jornada para a iluminação, foram fornecidos por charlatões, como o próprio Bhaskar veio a admitir, com quem ele se envolveu durante a fase investigativa de sua virada espiritual” (Bhaskar, 2002, p. 3). como o próprio autor declara, não se trata de uma negação completa do realismo transcendental presente na primeira fase de sua obra. Assim explica o autor: “Pelo contrário, constitui um desenvolvimento (...) do realismo crítico dialético, envolvendo uma maior radicalização transcendental do mesmo, implicando inter alia um novo realismo sobre a transcendência e Deus (Bhaskar, 2002Bhaskar, R. (2008a). A realist theory of science(2a Ed.). Verso., p. ix-x).

Neste sentido, e conforme pretende-se demonstrar na próxima seção deste trabalho, no essencial, o idealismo contido no desenvolvimento ulterior de sua obra já estava presente (enquanto germe) em sua formulação teórica transcendental, em especial, em sua ontologia estratificada. É precisamente esta ontologia e, portanto, também a natureza transcendental de seu método, a fonte do idealismo. Neste sentido é que afirmo, correndo o risco de cometer algum excesso, por antecipar-me à apresentação dos argumentos que serão expostos na próxima seção, que o realismo transcendental não é realista, mas idealista.

REALIDADE ESTRATIFICADA VERSUS UNITÁRIA: O QUE É TRANSCENDENTAL PODE SER DIALÉTICO?

No artigo de revisão aqui discutido o autor defende a concepção de uma realidade estratificada sugerindo ser esta uma concepção compartilhada pelo marxismo e pelo realismo crítico de Bhaskar. Ao fazer referência às dimensões do ser inorgânico, orgânico e o ser social, para explicar a concepção da estratificação o autor argumenta que “considerar diferentes níveis de realidade não implica que cada nível seja uma realidade única e independente; ambos pertencem a uma unidade indissolúvel histórica e natural da única realidade material e objetiva” (Leonardo Junior, 2023Leonardo Junior, C. S. (2023). Uma revisão bibliográfica sobre aspectos ontológicos e epistemológicos da ciência: A importância da concepção de mundo. Ensaio Pesquisa Em Educação Em Ciências , 25. https://doi.org/10.1590/1983-21172022240162
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, p. 9). Em que pese esta ressalva feita pelo autor é necessário pontuar que, tomando-se o contexto geral da referida aproximação entre marxismo e realismo crítico presente no trabalho, a não explicitação das profundas diferenças entre a concepção materialista e dialética de uma realidade material unitária que se especifica como unidade do diverso e a concepção de realidade estratificada defendida por Bhaskar contribui para tornar impreciso o uso do referencial marxista na Educação em Ciências.

Neste sentido, argumento que a ontologia estratificada nos domínios do real, factual e empírico, dita não-antropocêntrica, por promover uma disjunção radical entre um mundo (intransitivo) de estruturas e mecanismos geradores independentes dos homens e, de outro lado, um mundo (transitivo) do conhecimento fixado pelo homem, constitui um tipo particular de neokantismo metafísico irreconciliável com o materialismo dialético. Deste modo, considero que a única aproximação possível é de crítica e oposição.

O sintoma mais claro desta posição filosófica é dado pela maneira como aborda o problema da causalidade. Bhaskar denomina por conjunção constante de eventos uma sequência ou cadeia causal de acontecimentos perceptíveis aos sentidos humanos e de onde os empiristas positivistas alegam poder inferir a existência de leis causais. No entanto, uma das teses basilares de sua filosofia, declarando ir além da crítica usual às teses positivistas, afirma que conjunções constantes de eventos não são uma condição sequer necessária para a atribuição de leis causais. Os críticos do empirismo radical haviam até então, argumentado que uma conjunção constante de eventos não era suficiente para inferir-se uma lei causal ou lei científica. O positivismo em sua fé cega e unilateral na indução como processo do conhecer, inferia as leis da natureza e da sociedade a partir da mera apreensão de regularidades imediatamente observadas.

Bhaskar (2008aBhaskar, R. (2008a). A realist theory of science(2a Ed.). Verso.) justifica a negativa de se tomar as cadeias de eventos causais como necessárias à definição de leis com o argumento de que estas juntamente com as estruturas e mecanismos são independentes do homem, ao passo que conjunções constantes de eventos não são. Disto decorreria que existe uma distinção ontológica entre eles. O autor admite a existência de problemas decorrente desta canonização de tal distinção:

Obviamente isto cria um problema prima facie para qualquer teoria da ciência. Penso que isso pode ser resolvido da seguinte forma: Para atribuir uma lei é necessária uma teoria. Pois só se for apoiada por uma teoria, contendo um modelo ou concepção de uma suposta “ligação” causal ou explicativa, é que uma lei pode ser distinguida de uma concordância puramente acidental (Bhaskar, 2008aBhaskar, R. (2008a). A realist theory of science(2a Ed.). Verso., p. 12).

Ocorre que o ato de tomar uma sequência de eventos necessária por acidental ou vice-versa é um ato de falseamento do real pelo pensamento. O pensamento que, em razão de tendências intrínsecas ou alheias é momentaneamente incapaz de distinguir entre o necessário e o acidental não pode, de modo algum, superar tal condição se apoiando em teorias como pressupõe o autor. Supor que o pensamento deva se apoiar fundamentalmente em teorias para distinguir entre verdadeiro e falso conhecimento é idealismo epistemológico e não realismo. “Ideias nunca podem levar além de um antigo estado de coisas. Apenas podem levar além das ideias do antigo estado de coisas. De resto, ideias nada podem realizar. Para a realização das ideias são necessários homens que ponham em jogo uma força prática”. (Marx & Engels, 1987Marx, K., & Engels, F. (1987). A Sagrada Família. Editora Moraes., p. 118).

A filosofia da ciência de Bhaskar, ademais, distingue eventos das experiências, criando assim a disjunção ontológica entre o domínio factual e o empírico, além daquela entre estes e o domínio do real. O estabelecimento de três domínios (real, factual e empírico) ao invés de dois (fenomênico e noumênico) não altera a natureza da disjunção essencial entre ser e conhecer posta como fundamento da ontologia transcendental kantiana. Ademais, mesmo em Kant é possível identificar coisa muito semelhante à distinção feita por Bhaskar entre os domínios factual e o empírico nas sutis diferenciações metafísicas que o ilustrado pensador de Königsberg faz entre aparecimento e fenômeno8 8 Em Kant, aparecimento tem o sentido de um objeto indeterminado que provém de uma intuição e que ainda não foi submetido às faculdades do entendimento, ou seja, é a pura manifestação sensível do real que ainda não foi apreendida pela razão mais que pelas intuições empíricas e puras. Já o fenômeno, constitui o objeto que já foi confrontado com o entendimento, ou seja, as manifestações sensíveis pensadas como objetos a partir das categorias do entendimento (Calabria, 2006). (Calabria, 2006Calabria, O. P. (2006). A distinção kantiana entre aparecimento e fenômeno. Kant E-Prints, 1(1), 119-126.; Miranda, 2014Miranda, M. L. (2014). Hegel sobre o aparecer : os conceitos de aparência (schein) e fenômeno (erscheinung) na Ciência da Lógica. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/96164
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).

Afirmar a distinção entre leis causais e conjunções de eventos de um lado e entre eventos e experiência de outro não habilita o autor a tirar as conclusões que sua teoria sustenta, em particular, a de que a existência de conjunções constantes de eventos não são condição necessária para a definição de leis causais. As leis causais são, de fato e em certa medida, distintas da regularidade ou conjunção constante de eventos. Contudo, não relativizar esta distinção é tornar absoluta a separação entre a essência de uma coisa e sua manifestação. Cadeias de eventos causais são a forma como a causalidade essencial aparece.

O problema que emerge aqui é que a concepção supostamente realista de Bhaskar de afirmar que os objetos e processos no mundo existem independentemente de nossa percepção sobre eles é estendida o suficiente para se transformar em uma oposição rígida própria das ontologias metafísicas, em que os objetos do mundo pertenceriam a uma dimensão ontológica absolutamente distinta daquela em que estão os eventos percebidos por nossa consciência. Deste modo, um dos aspectos mais fundamentais do idealismo transcendental kantiano, sua oposição metafísica entre um mundo da coisa em si (noumênico) e um mundo da coisa para nós (fenomênico), é essencialmente mantido como uma oposição rígida entre ser e conhecer (intransitivo e transitivo). A afirmação de que no realismo transcendental as estruturas e mecanismo geradores são possíveis de serem conhecidas está em contradição com a disjunção proposta entre os domínios de sua ontologia estratificada. Toda a argumentação do realismo transcendental de Bhaskar em defesa de uma suposta posição realista na ciência não passa de retórica, já que o dualismo ontológico é mantido no essencial.

Bem antes de Marx o impulso da dialética dado com Hegel confere ao problema do conhecimento um conteúdo relativamente objetivo que arremetia contra os dualismos metafísicos. Em sua crítica à filosofia transcendental Hegel via o modo como em Kant a verdade é condicionada ao plano fenomênico, ou seja, perdia todo o vínculo relacional com o objeto em si, onde estava, em última instância localizada para Hegel.

Posta desta maneira, sobre o domínio do plano fenomênico ensimesmado “a razão fica restrita a conhecer somente a verdade subjetiva, apenas o fenômeno [Erscheinung], apenas aquilo a que não corresponde à natureza da própria coisa, o saber recaiu à opinião” (Hegel, 2016Hegel, G. W. F. (2016). Ciência da lógica: 1. A doutrina do ser. Editora Vozes Limitada., p. 49). Tal cristalização dos domínios do ser e do conhecer impossibilitam o conhecimento efetivo deixando o pensamento imobilizado nos polos dessa dicotomia. A solução dada por ele, bem como pelo materialismo dialético de Marx, ao problema epistemológico assim exposto, é o de suprassumir as oposições polares tomando como uma unidade os domínios fenomênico e essencial. Logo que apreendida uma determinação essencial ela se converte em aparência que revela e oculta uma outra essência ainda mais profunda.

Portanto, a verdade objetiva, como pensamento que coincide com o objeto, não é dada a este como uma propriedade externa (transcendental), como incondicional e imutável. É processo do movimento do pensamento que vai de encontro ao ser em si das coisas convertendo-o em ser para nós. Vai do subjetivo ao objetivo, e deste, novamente àquele. Do concreto empírico ao abstrato e deste ao concreto pensado como síntese de múltiplas determinações (Marx, 2011Marx, K. (2011). Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858 ; esboços da crítica da economia política. Boitempo Editorial.). A dialética consiste, portanto, na superação deste dualismo, diluindo a coisa como fenômeno para alcançar a coisa em sua essência.

É fundamental aqui a consideração de que o processo do conhecimento deve partir da aparência. “O saber que, de início ou imediatamente, é nosso objeto, não pode ser nenhum outro senão o saber que é também imediato” (Hegel, 1992, p. 74). Contudo, o saber não deve estacionar aí, deve logo negá-la. As expressões empíricas imediatamente capturadas, a diversidade de suas manifestações fenomênicas, convertem-se em conceito, logo, as regularidades apreendidas em leis e, ambas, pelo ininterrupto processo da atividade humana, convertem-se em totalidade.

O cerne da problemática está na rejeição de Bhaskar ao conceito de unidade de contrários, que ficará mais bem expressa em sua obra Dialectic the pulse of the freedom. Nesta obra o autor vai exprimir uma crítica a Marx e Hegel negando a lei da unidade dos contrários como lei fundamental da dialética, assumindo como sua única lei a negação da negação (Bhaskar, 2008bBhaskar, R. (2008b). Dialectic the pulse of the freedom(1a Ed.). Taylor & Francis e-Library.). De fato, quando Bhaskar fala em dialética ele pensa outra coisa inteiramente distinta da que compreende o marxismo, algo que compreende a justaposição de contrários como junção puramente mecânica (relações puramente externas) entre teoria e prática, essência e aparência, etc. A negação da lei da contradição resulta em uma apreciação incorreta sobre o problema do conhecimento: a unidade dialética entre ser e conhecer.

Uma cadeia causal de eventos em interação com a atividade de indivíduos singulares, pressupõe sempre uma relação complexa em que se conjugam o auto movimento dos eventos da cadeia gerado pelos poderes causais em jogo nela com os resultados das ações dos indivíduos sobre ela. Em uma atividade experimental, portanto, a ação humana pode agir tanto para desencadear um processo causal dando início a uma cadeia de interações e eventos, e neste caso o sujeito que o desencadeou não tem quaisquer poderes sobre seu ulterior auto movimento, quanto para atuar sobre uma determinada sequência causal cujo encadeamento já estaria em curso antes e independentemente da ação humana.

A ação humana neste último caso apenas modifica o curso natural do encadeamento como o ato de aproveitar o curso do rio ou do vento para produzir energia elétrica. Ela não é capaz de modificar suas propriedades senão que apenas torná-las mais ou menos manifestas. O fator decisivo na reflexão sobre as relações complexas que concatenam movimentos da consciência e o auto movimento da matéria (teleologia e causalidade), é o de considera-los como uma unidade.

Ademais, o fato de a atividade social modificar as condições desta manifestação não significa que o encadeamento de eventos que ocorre sob condições controladas não tenha qualquer outra manifestação em condições não controladas. A essência deve aparecer (Hegel, 2016Hegel, G. W. F. (2016). Ciência da lógica: 1. A doutrina do ser. Editora Vozes Limitada.).

Tomemos o exemplo das leis do movimento uniforme. Um encadeamento natural de eventos como o de sucessivas posições assumidas e intervalos de distância percorridos por um corpo quando não submetido a forças externas (a invariância da velocidade de um corpo) é a manifestação de uma relação de causalidade, mais precisamente, aquela relação causal que figura na lei do movimento. É notório como, embora, de modo geral, obnubilado em decorrência das resistências proporcionadas pelo contato imediato com outros corpos materiais adjacentes (atrito, resistência do ar, etc.), não se manifeste de modo imediato nos eventos da vida cotidiana, a percepção humana é, todavia, capaz de captar suas manifestações difusas e em camadas.

Percebe-as cada vez mais e com maior profundidade, na diversidade de suas manifestações. Ora o movimento uniforme aparece como seu contrário, o repouso, neste caso a aparência está invertida, negando sua essência. Ora a veremos expressando determinados aspectos da essência e ocultando outros e, por vezes, sua manifestação pode revelar toda a essência, numa identidade dos contrários. Este é o caso quando vemos um astronauta lançar um objeto no espaço (nos limites de distâncias curtas em que a trajetória é retilínea), ali o movimento uniforme aparece em sua plenitude.

É natural, todavia, que a ação planificada do cientista no laboratório visa sempre minimizar o efeito das interações produzidas pela ação mútua de processos e coisas alheios àquele que se deseja investigar. Criando-se assim as condições para a manifestação mais clara e limpa possível das regularidades objetivamente presentes na coisa ou processo investigado, sem as difusas imagens criadas por aquelas interações indesejadas. “O físico observa processos naturais, em que eles aparecem mais nitidamente e menos obscurecidos por influências perturbadoras ou, quando possível, realiza experimentos em condições que asseguram o transcurso puro do processo” (Marx, 2013Marx, K. (2013). O Capital: Crítica da economia Política. Livro I O processo de produção do capital(1a ed). Boitempo Editorial., p. 113).

O erro de Bhaskar nessa questão é o de conceber a atividade humana cristalizada no domínio da subjetividade (transitivo) e rigidamente apartada do domínio que denomina de intransitivo. O problema da prática emerge aqui, novamente, como decisivo para contrastar com o idealismo subjacente do realismo transcendental. Engels (2013Engels, F. (2013). Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã. Germinal: Marxismo e Educação Em Debate, 4(2), 131-166. https://doi.org/10.9771/gmed.v4i2.9391
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, p. 7-8) apresenta de modo claro a importância filosófica da prática social como capaz de dissolver a dualidade entre ser e conhecer:

A refutação mais contundente dessas manias, como de todas as outras manias filosóficas, é a prática, principalmente a experimentação e a indústria. Se podemos demonstrar a exatidão de nossa maneira de conceber um processo natural, reproduzindo-o nós mesmos, criando-o a partir de suas condições próprias; e se, além disso, o colocamos a serviço de nossos próprios objetivos, então acabamos com a «coisa em si» inacessível de Kant.

O trabalho enquanto prática social tira a consciência humana de seu estado de contemplação caracterizado pela passividade do sujeito frente ao objeto. A atividade social converte constantemente sujeito em objeto e vice-versa. Ao negligenciar a importância da prática no processo do conhecimento Bhakar fica preso às dualidades que susteve de Kant. Não consegue ver que a prática humana cria novas objetividades. Contra esse tipo de realismo mecanicista protestou Marx & Engels, 2007Marx, K., & Engels, F. (2007). A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas(1a ed.). Boitempo., p. 533):

O principal defeito de todo o materialismo existente até agora - o de Feuerbach incluído - é que o objeto [Gegenstand], a realidade, o sensível só é apreendido sob a forma do objeto [Objekt] ou da contemplação; mas não como atividade humana sensível, como prática, não subjetivamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo-parecer traz apontamentos críticos desenvolvendo o debate iniciado no parecer dado ao artigo de revisão bibliográfica de Leonardo Junior (Leonardo Junior, 2023Leonardo Junior, C. S. (2023). Uma revisão bibliográfica sobre aspectos ontológicos e epistemológicos da ciência: A importância da concepção de mundo. Ensaio Pesquisa Em Educação Em Ciências , 25. https://doi.org/10.1590/1983-21172022240162
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) publicado nesta revista. O artigo original fazia uma revisão bibliográfica sobre aspectos ontológicos e epistemológicos presentes na literatura da área de Educação em Ciências a partir do materialismo dialético. Um mapeamento das principais questões filosóficas discutidas na área e uma crítica com base na concepção de mundo do materialismo dialético, extrapolaram o nível da análise formal e trouxeram contribuições importantes para a área demonstrando o potencial do uso deste referencial teórico para a educação em ciências.

As reflexões feitas aqui objetivaram elevar a compreensão sobre o uso do referencial marxista na educação em ciências buscando maior clareza e definição dos pressupostos teóricos e metodológicos que ele proporciona. Com o objetivo de reforçar a necessidade de discutir aspectos ontológicos e epistemológicos desde o ponto de vista do marxismo fez-se apontamentos críticos à aproximação feita no artigo de revisão entre o materialismo dialético e concepções denominadas por autores da educação em ciência de realistas. Demonstrou-se nas primeiras seções que tais concepções são mais próximas das concepções positivistas.

Foram discutidos aspectos metodológicos e teóricos referentes ao uso eclético e indiferenciado de distintas correntes teóricas que reivindicam o uso do materialismo dialético. Por fim é feita uma reflexão sobre o realismo crítico de Bhaskar mostrando-se que este não supera as dualidades que preserva da filosofia transcendental kantiana, o que se traduz em elementos de idealismo epistemológico em sua filosofia da ciência. Os apontamentos feitos contribuem para elevar a consciência de pesquisadores e professores de ciência sobre o uso da dialética marxista nos contextos da pesquisa e da própria Educação em Ciências.

O CECIMIG agradece ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico) e à FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) pela verba para a editoração deste artigo.

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  • 1
    As questões ontológicas e epistemológicas não são tratadas separadamente no marxismo, ou seja, sem considerar que uma determinada ontologia se traduz em uma epistemologia e esta última, como termo mais geral do ato humano de conhecer o mundo, transforma-o. Ver por exemplo Lenin (1982) e Engels (2015).
  • 2
    Utilizo a expressão lukacsianos para me referir a um conjunto de autores nacionais como Carlos Nelson Coutinho, José Paulo Neto, José Chasin, Sergio Lessa, Ivo Tonet, etc, e internacionais como István Mészáros que propõem uma “renovação do marxismo” (Braz, 2012), a partir da obra do filósofo húngaro György Lukács.
  • 3
    Por exemplo, Tonet estende a crítica lukacsiana às tradições filosóficas modernas que colocam a prioridade no epistemológico ao próprio marxismo distinguindo de sua variante que denomina de perspectiva marxiana: “A esta centralidade e hipercentralidade da subjetividade também não escapou o marxismo. Como resultado da conjugação de diversos fatores objetivos e subjetivos, a que, por brevidade, não podemos nos referir aqui, a elaboração marxiana não foi compreendida como tendo um caráter ontológico. O que predominou como marxismo foi uma versão de caráter positivista e/ou idealista, o chamado marxismo do movimento operário, do qual alguns elementos já se encontram em Engels e que foi plenamente desenvolvida por Kautski, Bernstein e inúmeros outros seguidores. (...) Neste passo, o marxismo foi se empobrecendo e perdendo a sua marca distintiva, que era o seu caráter radicalmente crítico e revolucionário. (...) Em consequência, foi se aproximando cada vez mais da perspectiva da cientificidade burguesa que, como vimos, está marcada pela centralidade da subjetividade”. (Tonet, 2013, p. 62).
  • 4
    A substituição de categorias fundamentais do marxismo (materialismo dialético, contradição, luta de classes, imperialismo, etc.) por outras, as do ideário marxiano (prioridade do ontológico; ontologia do ser social; pôr teleológico; estranhamento e alienação; mediação; ontométodo; metapolítica; ontonegatividade da política; etc), resulta em uma crítica escolástica. Crítica esta que renuncia à experiência histórica, como o fazem com a experiência do socialismo no século XX e junto com ela renunciam a todo o desenvolvimento da doutrina do marxismo (Lenin, Mao Tsetung, etc) proclamando que todos, com exceção de Marx, desviaram-se do ideário “marxiano” incluindo o próprio Engels. É proposta então, uma renovação da doutrina do marxismo (Chasin, 1987; Del Roio, 1997; Moraes, 1998; Netto, 1994), de dentro dos gabinetes da academia e exógena à luta de classes. Não se trata, portanto, de uma oposição declarada à concepção marxista. Ao contrário, estes autores mesclam longas citações de clássicos do marxismo com trechos de Lukács, Lefebvre, Mészáros, Kosik, etc, e autores nacionais como José Paulo Neto, José Chasin, Sergio Lessa, Carlos Nelson Coutinho.
  • 5
    Ver por exemplo Saviani & Duarte (2012), Lazarini (2010), Frigotto (2009) e Tumolo (Tumolo, 2003).
  • 6
    Cabe ressaltar, como afirma Creaven (2014), que o objetivo de Bhaskar em seu Realismo Crítico Dialético Transcendental foi o de realizar uma síntese de tradições filosóficas e teístas absolutamente diferentes e, acrescentamos, incompatíveis entre si, como materialismo dialético, idealismo transcendental kantiano, budismo, hinduísmo, o espiritualismo da Nova Era, entre outros.
  • 7
    Segundo Hartwig escreve na introdução de From east to West, alguns detalhes da narrativa, na segunda metade do livro, que “narra quinze vidas da alma Bhaskariana em sua jornada para a iluminação, foram fornecidos por charlatões, como o próprio Bhaskar veio a admitir, com quem ele se envolveu durante a fase investigativa de sua virada espiritual” (Bhaskar, 2002, p. 3).
  • 8
    Em Kant, aparecimento tem o sentido de um objeto indeterminado que provém de uma intuição e que ainda não foi submetido às faculdades do entendimento, ou seja, é a pura manifestação sensível do real que ainda não foi apreendida pela razão mais que pelas intuições empíricas e puras. Já o fenômeno, constitui o objeto que já foi confrontado com o entendimento, ou seja, as manifestações sensíveis pensadas como objetos a partir das categorias do entendimento (Calabria, 2006).

Editado por

Editora responsável: Luciana Massi

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024
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