Acessibilidade / Reportar erro

O MAPA ENQUANTO DISCURSO E O DISCURSO DO MAPA: ALGUMAS QUESTÕES

MAPS AS DISCOURSE AND THE MAP'S DISCOURSE: A FEW ISSUES

Resumo:

Este artigo procura analisar o discurso presente em alguns mapas políticos em pequena escala. Os referenciais teóricos para essa análise estão presentes no campo da Análise do Discurso. Se os mapas políticos elaborados em pequena escala exercem uma função "mistificadora", esta se apresenta sob a forma da "neutralidade e cientificidade" aparen temente presentes em sua elaboração, e a partir de nossa familiarização com eles, construída no contato cotidiano nas aulas de geografia da escola básica, e mesmo na grande imprensa.

Palavras-chave:
análise do discurso; ideologia; mapas políticos em pequena escala; geografia.

Abstract:

This paper aims to analyze the discourse present in political maps in small escala. The theoretical framework for this analyses come from the field of discourse analysis. If the maps play a role of "mystification", this role is presented as "neutral and scientific", characteristics apparently present in the process of elaboration of the maps. Moreover, the "mystification" results from the way they became more familiar to us, in geography classes at school, as well as in the press.

Keywords:
discourse analysis; ideology; politic maps in small escala; geography.

Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

  • ANDERSON, B. Nação e consciência nacional Ed. Ática, São Paulo, SP, 1989
  • ALTHUSSER, L. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. In: ZIZEK, S. Um mapa da ideologia . Contraponto editora, Rio de Janeiro, RJ, 1996.
  • BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem . Hucitec, São Paulo, SP, 6a edição, 1992
  • CHALIAND, G. e RAGEAU, J.P. Atlas Strategique Paris: editions Complexe, pág.81, 1991.
  • FOUCAULT, M. A Ordem do Discurso - aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 02 de dezembro de 1970 Edições Loyola, São Paulo, SP, 6a edição, 2000.
  • JOLY, F. A Cartografia . Papirus Editora, Campinas, SP, 1990.
  • LACOSTE, Y. A Geografia - isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra Papirus Editora, Campinas, SP, 4a edição, 1997.
  • LONGHI, R.S.D.G. Unidade e Fragmentação: o movimento separatista do Triângulo Mineiro Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) dissertação de mestrado, 1997.
  • MAGNOLI, D. O corpo da pátria: imaginação geográfica e política externa no Brasil (1808 - 1912) Editora da Universidade Estadual Paulista(Unesp)/Moderna Editora, São Paulo, SP, 1997.
  • MAGNOLI, D. e SCALZARETTO, R. Atlas Geopolítica Editora Scipione. São Paulo, SP, 1996.
  • MARTIN, A. R. Fronteiras e nações Ed. Contexto, São Paulo, SP, 2aedição 1994.
  • PÊCHEUX, M. O mecanismo do (des)conhecimento ideológic". In: ZIZEK, S. Um mapa da ideologia . Contraponto Editora, Rio De Janeiro, RJ, 1996.
  • RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder Ed. Ática, São Paulo, SP, 1993.
  • 1
    Para a geografia, a escala do mapa representa numérica ou graficamente a relação de proporção entre o real e a representação. Existem geralmente três tipos de escala: a grande, que representa pequenas áreas em seus múltiplos detalhes; a média, normalmente usada em mapas temáticos como os de topografia e finalmente, aqueles mapas em pequena escala, que representam grandes áreas, porém com muito menos detalhes. Neste texto serão analisados apenas mapas elaborados em pequena escala.
  • 2
    Segundo Raffestin (1993:143,144), " o espaço (...) é a real-idade material preexistente a qualquer conhecimento e a qualquer prática dos quais será objeto a partir do momento em que um ator manifeste a intenção de dele se apoderar ."
  • 3
    " O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível.Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo pela representação) o ator 'territorializa' o espaço.(...) O território, nessa perspectiva, é um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo poder." (RAFESTIN: 1993:143,144 - Grifos nossos)
  • 4
    A distinção entre mapas e cartas geográficas é realizada normalmente a partir da escala. Os mapas que representam grandes áreas, contendo informações genéricas e poucos detalhes, são elaborados em geral em pequena escala; as cartas por sua vez, representam espaços menores, aumentando os detalhes, porém perdendo informações gerais, sendo elaboradas normalmente em médias e grandes escalas.
  • 5
    De acordo com Martin (1994:46/47) " no período moderno as fronteiras aparecem como as molduras dos Estados-nações, de modo que tanto o seu estabelecimento, como eventuais modificações, são manifestações de transformações que estão se processando no interior das sociedades (...) Fronteira, ocupando umafaixa, constitui uma zona, muitas vezes bastante povoada onde os habitantes de estados vizinhos podem desenvolver intenso intercâmbio, em particular sob aforma de contrabando."
  • 6
    Para Althusser (1996:114) " convém lembrar que, na teoria marxista, o A-parelho de Estado (AE) contém o governo, os ministérios, o exército, a polícia, os tribunais, os presídios, etc, que constituem o que doravante denominaremos de Aparelho Repressivo de Estado. (...) Daremos o nome deAparelhos Ideológicos de Estado a um certo número de realidades que se apresentam ao observador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas. (...) Podemos, de momento, considerar as seguintes instituições como Aparelhos Ideológicos de Estado: o AIE religioso; o AIE escolar; o AIEfamiliar; o AIE jurídico; o AIE político; o AIE sindical; o AIE da informação; o AIE cultural ".
  • 7
    A guerra fria se estendeu de 1944/46 a 1989 e foi caracterizada por uma disputa ideológica e político-militar entre duas superpotências EUA e URSS, tendo como elementos marcantes a corrida armamentista e aeroespacial e o alinhamento ideológico, econômico e político dos demais países a uma ou à outra superpotência.
  • 8
    Não é intenção deste texto discorrer sobre o teor desse alinhamento ou sobre suas características ou formas de implantação/coerção. Apesar de ter ocorrido um movimento de implantação de ditaduras pró EUA na quase totalidade dos países americanos, o fato é que, forçadamente ou não, a maioria desses países efetivamente se alinharam aos EUA durante a Guerra Fria.
  • 9
    Não se pretende questionar os processos matemático-estatísticos que levaram à elaboração dos mapas. Mas é preciso explicitar que, mesmo usando critérios matemáticos, o que representar, o que excluir e como, foi objeto de escolhas e determinações tanto por parte de quem foi responsável por sua elaboração, quanto por parte de quem os "encomendou" e com que finalidade o fez.
  • 10
    Esse período foi marcado por grandes alterações das fronteiras européias, consideradas "estáveis" desde o fim da II Guerra Mundial. Com a Queda do Muro de Berlim em 1989 e com a derrocada soviética em 1991/92, as fronteiras políticas da antiga Europa Oriental foram profundamente alteradas, pacificamente (Ex- Tchecoeslováquia) ou não (Bálcãs). De certo modo, muitos de nós, professores de geografia, fomos "pegos de surpresa" por essas mudanças, justamente por não considerarmos adequadamente os processos de construções territoriais e os processos de nacionalismo nessa região. O mesmo pode ser dito em relação às fronteiras africanas, que somente são "evidentes" para nós, mas não necessariamente para os povos que ali vivem e que lutam por sua real demarcação/ significação.
  • 11
    Segundo Anderson (1989:14), " nação é uma comunidade política imaginada - e imaginada como implicitamente limitada e soberana ."
  • 12
    De acordo com Magnoli (1997:32/33) "Foucault (1979:162) observa que algumas narrativas geográficas imaginárias não passavam de estratagemas de camuflagem: 'uma pessoa especializada em documentos da época de LuísXIV, consultando a correspondência diplomática do séculoXVII, se apercebeu de que muitas narrativas, que foram em seguida reproduzidas como narrativas de viajantes e que revelavam um monte de maravilhas, plantas incríveis, animais monstruosos, eram na verdade narrativas codificadas. Eram informações precisas sobre a situação militar do país visitado, os recursos econômicos, os mercados, as riquezas, as possibilidades de relação. De modo que muita gente atribui à ingenuidade tardia de certos naturalistas e geógrafos do século XVIII coisas que na real-idade eram informações extraordinariamente precisas...' (...). Frederico, o Grande, da Prússia,parece ter sido um adepto extremado do sigilo cartográfico: 'Conta-se que o rei guardava sua coleção de mapas no castelo de Potsdam propositadamente num cômodo situado em cima de seu dormitório; o ranger dos degraus da escada que levava à cartoteca tinha afunção de uma espécie de alarme' (...)" Citações encontradas em Magnoli:1997:32/33, (grifos nossos).
  • 13
    Nesse caso é notória a falta de referência aos povos indígenas, habitantes primeiros de tais lugares. De fato, os Araxás eram um povo indígena bastante resistente à dominação, tendo sido, por isso mesmo, dizimado. Sobrou uma referência no nome da famosa cidade mineira; no caso de Goiás, em mapas mais antigos - século XVIII, por exemplo - a região era conhecida e demarcada como a "Terra dos Goyaz", habitantes ali encontrados pelos colonizadores. Sobraram pelo menos no nome do Estado...
  • 14
    Empreguei esse termo em minha dissertação de mestrado, como referência à transposição de sentimentos, expressões, desejos e trejeitos humanos aos mapas, representantes dos territórios.
  • 15
    Para maiores detalhes ver: LONGHI, R.S.D.G. (1997) Unidade e fragmentação: o movimento separatista do Triângulo Mineiro. Dissertação de mestrado, PUC/SP.
  • 16
    ANDERSON, B. Nação e consciência nacional. São Paulo, Ática, 1989.
  • 17
    Obviamente guardadas as proporções. Ao trabalhar com AD, nos reportamos à palavra, seja ela escrita ou pronunciada. No caso específico dessa análise, estamos nos reportando aos mapas políticos em pequena escala. Todavia, apesar de a análise carecer também de um aprofundamento em semiótica, nada impede a utilização desse instrumental nesta análise, na medida em que tais mapas são considerados como um discurso sobre o real, como destacado anteriormente.
  • 18
    Esse conceito é trabalhado em Anderson. Para ele, " as nações são comunidades imaginadas (...)porque nem mesmo os membros das menores nações jamais conhecerão a maioria de seus compatriotas, nem os encontrarão, nem sequer ouvirão falar deles, embora na mente de cada um esteja viva a imagem de sua comunhão. " (Anderson:1989:14)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2003
Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antonio Carlos, 6627, CEP 31270-901 Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, Tel.: (55 31) 3409-5338, Fax: (55 31) 3409-5337 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: ensaio@fae.ufmg.br