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O Tempo de Aprender e o silenciamento do letramento no processo de alfabetização

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar a concepção de linguagem e aprendizagem presente na proposta didática de alfabetização do curso de formação continuada do programa Tempo de Aprender de 2020, tendo como pano de fundo a Política Nacional de Alfabetização (PNA) (Brasil, 2019). O estudo caracteriza-se como qualitativo com foco descritivo-analítico e a metodologia empregada contempla análises de texto documental. O material empírico selecionado para análise corresponde ao eixo 1 - Formação continuada de profissionais da alfabetização e eixo 2 - Apoio pedagógico para alfabetização do documento que orienta o programa de formação docente. No contexto da pesquisa, destacamos dois tópicos analíticos: (1) Cadê o estudo da consciência fonológica, a promoção da curiosidade metalinguística e a ludicidade que estavam presentes nos cursos de formação docente para alfabetizadoras? E (2) Cadê a reflexão sobre o processo de alfabetização aliada às práticas de leitura e produção de texto presentes em produções acadêmicas no Brasil? Neste artigo, a ênfase é no primeiro tópico analítico. Os resultados da pesquisa possibilitaram a identificação de algumas fragilidades na proposta do curso como: a hierarquização do conhecimento de unidades menores para unidades maiores no processo da aprendizagem da leitura e da escrita; a padronização da instrução fônica como proposta de ensino; e o treinamento motor para a correta grafia das letras. Os tópicos destacados colocaram em evidência o silenciamento do letramento no processo de alfabetização.

Palavras-chave:
Alfabetização; Tempo de Aprender; Instrução Fônica; Concepções de Linguagem; Formação Docente

ABSTRACT

This paper aims to analyse the conceptualisation of language and learning in the proposal of literacy in the continuing education course of the 2020 programme Tempo de Aprender for the National Policy for Literacy (Brasil, 2019). The study is characterised as qualitative with a descriptive and analytic focus, and the methodology will analyse official documents. The empirical material for analysis corresponds to axle 1 (Continuing education for literacy professionals) and axle 2 (pedagogical support guiding the teacher education programme). In the context of the investigation, we highlight two analytical topics: (1) Where are the study phonological awareness, promotion of metalinguistic curiosity and playfulness, which were current in the literacy education courses for teachers? and (2) where are reflection about the literacy united to practices of reading and writing in academic productions in Brazil? In this paper we will emphasise the first topic. Results of the investigation abled the identification of some weakness in the proposal of the course, that is: hierarchisation of knowledge from smaller units to larger ones in the process of learning to read and write; standardisation of phonics instruction as a teaching proposal; and motor training to improve spelling. The highlighted topics demonstrated the silenced literacy in the process of learning how to read and write.

Keywords:
Literacy; Programme Tempo de Aprender; Phonics instruction; Language conceptions; Teacher education

Caminhos traçados para constituição do programa Tempo de Aprender

O presente artigo1 1 A pesquisa foi realizada com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-Brasil (CAPES). traz o recorte da pesquisa Em tempos de reaprender o método fônico - algumas problematizações sobre o programa de formação docente - Tempo de Aprender (Kappi, 2021KAPPI, Ramona Graciela Alves de Melo. Em tempos de reaprender o método fônico: algumas problematizações sobre o programa de formação docente Tempo de Aprender. Orientadora: Darlize Teixeira de Mello. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Luterana do Brasil, Canoas, 2021. https://servicos.ulbra.br/BIBLIO/PPGEDUM319.pdf
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)2 2 Este estudo está inserido em uma pesquisa mais ampla, intitulada A implementação da BNCC e da PNA e os efeitos nos currículos das escolas públicas da região metropolitana de Porto Alegre/RS, pertencente a pesquisa interinstitucional A implementação da BNCC e os efeitos nos currículos das escolas públicas do Estado do Rio Grande do Sul (apoio CNPq) no grupo de pesquisa do Núcleo de Estudos sobre Currículo, Cultura e Sociedade (NECCSO/UFRGS) em parceria com o Programa de Pós-Graduação da ULBRA/Canoas. . Objetiva analisar a concepção de linguagem e aprendizagem presente na proposta didática de alfabetização do referido curso, tendo como pano de fundo a Política Nacional de Alfabetização (PNA) (Brasil, 2019).

O programa Tempo de Aprender e a consequente ação de Formação Continuada em Práticas de Alfabetização (Brasil, 2020) foram desenvolvidos a partir das diretrizes da PNA: “estímulos aos hábitos de leitura e escrita; priorização da alfabetização no 1º ano do Ensino Fundamental; integração de práticas motoras e expressões artísticas; respeito às particularidades das modalidades especializadas; valorização do professor alfabetizador” (Brasil, 2019, p. 39), em um cenário de disputas e embates ideológicos. Tal programa foi instituído pela Portaria nº 280, de 19 de fevereiro de 2020 (Brasil, 2020), através da Secretaria de Alfabetização do Ministério da Educação (MEC).

A PNA, instituída pelo Decreto nº 9.765, de 11 de abril de 2019, surge como uma iniciativa do MEC para implementar programas e ações voltadas à “promoção da alfabetização” baseada em dois principais parâmetros: as “experiências exitosas” e as “evidências científicas”.

A PNA constituiu-se com base nessa proposta de “progresso científico”, relacionando esse progresso à qualidade da educação do país. Considerando tal aspecto, o Caderno da PNA vale-se dos resultados obtidos pelas avaliações externas para justificar a sua elaboração, apontando os problemas no ensino e na aprendizagem de leitura, de escrita e de matemática. Como solução, propõe ao Brasil a adesão à ciência cognitiva como fundamento na elaboração de suas políticas públicas de alfabetização. Os objetivos da política, além da promessa de “elevar a qualidade da alfabetização”, incluem atingir as Metas 5 e 9 do Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014-2024 (Brasil, 2014). A Meta 5 refere-se a alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º ano do Ensino Fundamental, e a Meta 9, a elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015, além de, até o final da vigência desse PNE, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional (Brasil, 2019).

A PNA destaca os marcos históricos e normativos que tratam da Emenda Constitucional nº 59/2009, que torna obrigatória a Educação Infantil para as crianças de 4 e 5 anos (Brasil, 2009) e a Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017) como um marco histórico, tomando como referência o excerto que se refere à consolidação da alfabetização nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental e a “Ortografização” no 3º ano do Ensino Fundamental (Brasil, 2019). Embora o documento orientador da PNA destaque ser preciso consolidar o processo de alfabetização já no 1º ano e uma preparação para a alfabetização no contexto da pré-escola, deixa-se a leitura fluente, a compreensão de textos, a escrita ortográfica, com a boa caligrafia, a partir do 2º ano do Ensino Fundamental (Caldeira, 2023CALDEIRA, Maria Carolina da Silva. Bons currículos, boas práticas e o bom/boa professor/a: uma análise da Política Nacional de Alfabetização. Currículo sem Fronteiras, v. 23, e1135, p. 01-20, 2023. http://dx.doi.org/10.35786/1645-1384.v23.1135
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).

Considerando tais ações, a partir da PNA (Brasil, 2019), o MEC, pela Secretaria de Alfabetização (SEALF), ofereceu em 2020 o Curso de Formação Continuada em Práticas de Alfabetização, do programa Tempo de Aprender (Brasil, 2020), objetivando implementar e difundir nas redes públicas de ensino as contribuições das ciências cognitivas “valiosas” à alfabetização.

Contextualizando o programa Tempo de Aprender

A PNA é o documento que orientou a reconstrução dos currículos escolares para a alfabetização e, consequentemente, a base curricular do curso de formação docente do programa Tempo de Aprender. Entendemos o currículo concebido como “[...] um campo de luta acerca de significações e identidades, marcado pela disputa entre os diferentes grupos para estabelecer sua hegemonia e legitimação. [...] No currículo se produz e se define o que deve ser ensinado ou o que vale ser aprendido” (Pinho, 2006PINHO, Patrícia Moura. Currículo e alfabetização nos planos de estudos: construções interdiscursivas. Orientadora: Iole Maria Faviero Trindade. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/8920
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, p. 18).

Nessa perspectiva, consideramos que a política curricular para a alfabetização, implementada com a PNA nos últimos anos, toma a formação docente como um importante investimento para se efetivar (Caldeira, 2023CALDEIRA, Maria Carolina da Silva. Bons currículos, boas práticas e o bom/boa professor/a: uma análise da Política Nacional de Alfabetização. Currículo sem Fronteiras, v. 23, e1135, p. 01-20, 2023. http://dx.doi.org/10.35786/1645-1384.v23.1135
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). E, nesse sentido, faz-se necessário compreender o currículo em uma perspectiva pós-estruturalista, “como um campo de luta por significações, [...] tomando-o como um artefato cultural, portanto indissociado das condições históricas que o produziram, as quais também foram constituídas por ele” (Pinho, 2006PINHO, Patrícia Moura. Currículo e alfabetização nos planos de estudos: construções interdiscursivas. Orientadora: Iole Maria Faviero Trindade. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/8920
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, p. 18).

Assim, para justificar a ciência cognitiva da leitura3 3 Campo interdisciplinar que estuda a mente e sua relação com o cérebro, como a psicologia cognitiva e a neurociência cognitiva (Brasil, 2019). como um conjunto de saberes relevantes para o processo de alfabetização, a partir do “ensino explícito e sistemático das relações grafema-fonema como forma de garantir a aprendizagem da leitura e da escrita” (Caldeira, 2023CALDEIRA, Maria Carolina da Silva. Bons currículos, boas práticas e o bom/boa professor/a: uma análise da Política Nacional de Alfabetização. Currículo sem Fronteiras, v. 23, e1135, p. 01-20, 2023. http://dx.doi.org/10.35786/1645-1384.v23.1135
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, p. 7), a PNA aponta que o fracasso brasileiro na alfabetização se dá em razão do país não desenvolver políticas baseadas em evidências científicas para alfabetizar (Brasil, 2019; Caldeira, 2023).

Tendo tais evidências como forma de expressar seu “caráter inovador”, a PNA propõe diretrizes4 4 Estímulos aos hábitos de leitura e escrita; Priorização da alfabetização no 1º ano do Ensino Fundamental; Integração de práticas motoras e expressões artísticas; Respeito às particularidades das modalidades especializadas; Valorização do professor alfabetizador. a fim de evitar imprecisões e equívocos acerca da alfabetização, garantindo, desta forma, uma linearidade na compreensão dos elementos conceituais da política. Outro passo considerado importante pelos elaboradores é a definição de princípios que possibilitam a elaboração de uma política de alfabetização de maior eficácia. Ainda, para que haja “êxito” no processo de alfabetização, a PNA apresenta seis componentes “essenciais” a esse processo: a consciência fonêmica, a instrução fônica sistemática, a fluência em leitura oral, o desenvolvimento do vocabulário, a compreensão de textos e a produção textual. Os cinco primeiros componentes “essenciais” já eram apontados em relatórios como o National Reading Panel e o Educação de Qualidade, do Comitê Cearense para a Eliminação do Analfabetismo Escolar, sendo incorporados à PNA (Brasil, 2019). A PNA incorporou o componente “produção textual” a esses cinco componentes, tendo como justificativa as pesquisas recentes no campo da alfabetização (Brasil, 2019).

O Tempo de Aprender caracteriza-se como um programa de formação na área da alfabetização, cujo propósito é enfrentar as principais causas das deficiências da alfabetização no país, entre as quais se destacam: “[...] déficit na formação pedagógica [...]; falta de materiais e de recursos estruturados para alunos e professoras [...]; deficiências no acompanhamento dos alunos; e baixo incentivo ao desempenho de professoras alfabetizadoras e de gestores educacionais” (Brasil, 2020, grifo nosso). Está organizado em versões on-line5 5 O Programa ocorreu no primeiro semestre de 2020 no Ambiente Virtual de Aprendizagem do MEC. e destina-se a professoras6 6 No presente artigo, referimo-nos ao termo professora no gênero feminino em razão de que o maior número de docentes em classes de alfabetização é de professoras. Mas ressaltamos que esse esclarecimento não desconsidera o masculino que também atua nesse campo. , coordenadores pedagógicos, diretores escolares e assistentes de alfabetização, sendo indicado para a pré-escola e para o 1º e 2º ano do Ensino Fundamental das redes públicas estaduais, municipais e distrital (Brasil, 2020).

Ao analisar o programa Tempo de Aprender, observamos uma intencionalidade em destituir as propostas criadas anteriormente, apontando que elas não foram suficientes para garantir uma alfabetização plena. Não há menção às muitas rupturas e lacunas geradas em razão da descontinuidade de outros programas como o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) (Brasil, 2012)7 7 Programa oferecido pelo MEC. Trata-se de uma formação continuada de professores alfabetizadores com o objetivo de alfabetizar todas as crianças até os 8 anos de idade, no máximo até o 3º ano do Ensino Fundamental. Um compromisso formal assumido pelos governos federal, estadual e municipal (Brasil, 2012). e o Pró-Letramento (Brasil, 2007)8 8 O Pró-Letramento: Programa de Formação Continuada de Professores dos Anos/Séries Iniciais do Ensino Fundamental: Alfabetização e Linguagem era um programa de formação continuada de professores para a melhoria da qualidade de aprendizagem da leitura/escrita e matemática nos anos/séries iniciais do Ensino Fundamental. O programa foi criado pelo MEC, em parceria com universidades que integravam a Rede Nacional de Formação Continuada e com a adesão dos estados e municípios. Participavam todos os professores que estavam em exercício nas séries iniciais do Ensino Fundamental das escolas públicas (Brasil, 2007). , por exemplo. Além disso, desconsidera que os índices das avaliações externas não evidenciam, em sua totalidade, o processo de alfabetização no Brasil ao apontá-los como evidência do fracasso na alfabetização.

As causas das “deficiências da alfabetização”, elencadas pelo programa Tempo de Aprender, são transformadas em quatro eixos que compõem o conteúdo do curso: formação continuada de profissionais da alfabetização; apoio pedagógico para a alfabetização; aprimoramento das avaliações da alfabetização; e valorização dos profissionais de alfabetização (Brasil, 2020), os quais destacamos a seguir.

As Ações e Objetivos do Eixo 1 - Formação continuada de profissionais da alfabetização colocam em destaque a figura da professora, vista como “parceira mais importante do MEC” para somar os esforços e melhorar a qualidade da alfabetização. O objetivo da ação 1.1 formação prática para professoras alfabetizadoras é proporcionar aos docentes a aquisição de conhecimentos, habilidades e estratégias que os auxiliem a lidar com os desafios do ciclo de alfabetização; o objetivo da ação 1.2 formação prática para gestores alfabetizadores é auxiliar gestores educacionais a dar o suporte necessário em suas escolas e redes educacionais; e da ação 1.3 intercâmbio para professoras alfabetizadoras é iniciar com profissionais de alfabetização o processo de internacionalização do compartilhamento de evidências científicas, através de intercâmbios (Brasil, 2020). Vale ressaltar que, ao mesmo tempo em que esse eixo valoriza a professora, coloca-a como principal responsável pelo avanço na alfabetização.

As Ações e Objetivos do Eixo 2 - Apoio pedagógico para a alfabetização estão voltados aos recursos educacionais. O sistema on-line de Recursos para a Alfabetização - SORA é uma ação que oferece materiais, os quais auxiliam as professoras na elaboração do planejamento da aula. Objetiva democratizar o acesso a recursos educacionais de qualidade para a alfabetização baseada em evidências científicas. Trata-se de atividades prontas para a professora, baseadas em práticas “exitosas” já aplicadas em outros contextos. O subitem 2.1 refere-se a uma plataforma para acesso aos materiais e modelos de atividades para práticas de alfabetização, tal plataforma também possui as fichas de atividades práticas. O subitem 2.2, a ação Apoio financeiro para assistentes de alfabetização e custeio para escolas, tem como objetivo possibilitar, por meio de repasses financeiros da União, pagamento de despesas com assistentes de alfabetização e com custeio por escola e por aluno. Essa ação é um aprimoramento do antigo programa Mais Alfabetização9 9 Programa Mais Alfabetização fundamentava-se na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Brasil, 1996). Era pensado como estratégia do MEC para fortalecer e apoiar as unidades escolares no processo de alfabetização dos estudantes regularmente matriculados no 1º e 2º ano do Ensino Fundamental. . No subitem 2.3, a ação Reformulação do Programa Nacional do Livro Didático - PNLD tem como objetivo elevar a qualidade e adequar às evidências científicas mais recentes da ciência cognitiva da leitura os materiais do PNLD de Educação Infantil e alfabetização (Brasil, 2020).

As Ações e Objetivos do Eixo 3 - Aprimoramento das avaliações da alfabetização nos possibilitam perceber que as avaliações serão adaptadas, considerando os componentes “essenciais” à alfabetização, “sob a perspectiva da educação baseada em evidências científicas, a fim de melhorar os indicadores educacionais e garantir a qualidade de educação para todos” (Brasil, 2019, p. 20, grifo nosso).

Nas Ações e Objetivos do Eixo 4 - Valorização dos profissionais de alfabetização, o princípio que rege os fundamentos das ações e dos objetivos é o prêmio por merecimento, do qual seriam beneficiados os profissionais que obtivessem melhor desempenho em avaliações sistematizadas de alfabetização, especialmente de alunos do 2º ano do Ensino Fundamental. O desempenho seria aferido pela comparação das metas atingidas em cada escola, através de uma avaliação externa para aferição do desempenho dos alunos do 2º ano do Ensino Fundamental, e os resultados obtidos seriam os marcadores para os diretores, coordenadores e professores receberem o prêmio (Brasil, 2020). A ação para medir o desempenho de estudantes seria por meio de parceria entre Secretaria de Alfabetização e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). Segundo o curso, é uma forma de incentivar as escolas a promoverem o avanço no desempenho dos alunos. O objetivo da ação é melhorar a qualidade de aprendizagem da leitura e da escrita, concedendo incentivos financeiros para professoras, diretores e coordenadores pedagógicos do 1º e 2º ano do Ensino Fundamental que obtiverem bom desempenho em alfabetização (Brasil, 2020).

Na pesquisa, analisamos como material empírico: o Eixo 1 - Formação Continuada de Profissionais da Alfabetização, com foco na ação Formação Prática para Professoras Alfabetizadoras (subitem 1.1); e o Eixo 2 - Apoio Pedagógico para a Alfabetização, com foco de análise na ação Sistema On-line de Recursos para Alfabetização (SORA) (subitem 2.1), os quais fazem parte do material escrito.

Identificamos nesses dois eixos importantes possibilidades de análise, uma vez que é através deles que a professora recebe um manual de orientação: no Eixo 1 - Formação Continuada de Profissionais da Alfabetização, com foco na ação Formação Prática para Professoras Alfabetizadoras (subitem 1.1), há um guia para a prática docente, trazendo todas as orientações para que a professora realize o seu trabalho em sala de aula. Como poderemos observar a seguir, é uma proposta didática padronizada e homogênea, sem espaço para um planejamento de autoria da professora nem momentos de ludicidade; e no eixo 2 - Apoio Pedagógico para a Alfabetização, com foco de análise na ação Sistema On-line de Recursos para Alfabetização (SORA) (subitem 2.1), há um programa de ensino estruturado apresentando recursos pedagógicos para a professora utilizar.

Seguindo as diretrizes da PNA, o curso de formação continuada destinado à pré-escola e ao 1º e 2º ano do Ensino Fundamental das redes públicas considera a instrução fônica e o domínio do princípio alfabético como uma proposta metodológica científica que tem como base os estudos da ciência, especialmente da ciência cognitiva da leitura.

O Curso está dividido em sete módulos, sendo o primeiro composto pela apresentação geral do curso e os outros seis módulos denominados: aprendendo a ouvir, conhecimento alfabético, fluência em leitura oral, desenvolvimento de vocabulário, compreensão de textos e produção textual. Todos esses módulos têm correspondência com os componentes “essenciais” para a alfabetização presentes na PNA.

Os módulos dos componentes “essenciais” são organizados do seguinte modo: materiais escritos e vídeos com orientações didáticas que se encontram no site, explicando a parte conceitual de cada um dos componentes e materiais escritos de estratégias de ensino e recursos adicionais para a alfabetização. Neste estudo, foram analisados os materiais escritos, uma vez que a análise de vídeos implicaria outras trajetórias de pesquisa. Os conteúdos de cada módulo são trabalhados a partir do respectivo componente e, ao final, é disponibilizado um questionário para os participantes avaliarem o curso e receberem um certificado de conclusão de trinta horas.

Ferramentas teórico-metodológicas: situando a discussão

Em face de considerarmos que a instituição desse programa de formação docente esteve envolta em um processo de relações de poder, sendo produto e produtor, nada consensuais, de orientações políticas sobre as práticas alfabetizadoras, uma vez que sua construção foi mediada por contextos que envolveram textos e sujeitos específicos, atrelada e articulada a uma política nacional de alfabetização e a complexas relações que se estabeleceram durante a sua produção, utilizamos os estudos sobre o ciclo de políticas públicas, de Stephen Ball, para examinar como os discursos políticos funcionam, privilegiando certas ideias, assuntos e falas de alguns em detrimento de outros (Rosa, 2019ROSA, Sanny Silva. Uma Introdução às Ideias e às Contribuições de Stephen J. Ball para o tema da Implementação de Políticas Educacionais. Revista de Estudios Teóricos y Epistemológicos en Política Educativa, v. 4, p. 01-17, 2019. https://doi.org/10.5212/retepe.v.4.004
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).

A abordagem do ciclo de políticas proposta por Stephen Ball permite a análise crítica da trajetória de programas e políticas educacionais desde a sua formulação inicial até a sua “implementação” no contexto das práticas e de seus efeitos (Mainardes, 2006MAINARDES, Jefferson. Abordagem do Ciclo de Políticas: uma contribuição para a análise de políticas educacionais. Educação & Sociedade, v. 27, n. 94, p. 47-69, 2006. https://doi.org/10.1590/S0101-73302006000100003
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).

Ball e Bowe (1994, apudMainardes, 2006MAINARDES, Jefferson. Abordagem do Ciclo de Políticas: uma contribuição para a análise de políticas educacionais. Educação & Sociedade, v. 27, n. 94, p. 47-69, 2006. https://doi.org/10.1590/S0101-73302006000100003
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) apresentam o ciclo de políticas como “um ciclo contínuo constituído por três contextos principais: o contexto de influência, o contexto da produção de texto e o contexto da prática” (Ball; Bowe, 1994, apud Mainardes, 2006, p. 50), os quais são inter-relacionados e não têm uma dimensão temporal ou sequencial, não sendo, portanto, etapas lineares.

Para compreender esse contexto do ciclo da política e podermos lançar um olhar crítico para os diferentes contextos de produção do programa Tempo de Aprender, destacamos os estudos de Rezende e Baptista (2015REZENDE, Mônica; BAPTISTA, Tatiana Wargas de Faria. A Análise da Política proposta por Ball. In: MATTOS, Ruben Araujo; BAPTISTA, Tatiana Wargas de Faria (Orgs.). Caminhos para Análise das Políticas de Saúde. Porto Alegre: Rede UNIDA, 2015. p. 273-283.), em que as autoras explicam os contextos, atentando-se a elementos que os caracterizam dentro de uma rede inter-relacional.

[...] É no contexto da influência que os grupos de interesse e as redes sociais operam, dentro e em torno de partidos políticos, do governo e do processo legislativo, buscando adquirir apoio para seus argumentos e legitimidade para seus conceitos e soluções propostas para os problemas sociais destacados. No contexto da produção de textos, os textos políticos são produzidos. São resultado de disputas e acordos produzidos por grupos que atuam dentro dos diferentes lugares da produção de textos. Desta forma, os textos políticos não mantêm, necessariamente, clareza e coerência interna, e precisam ser lidos com relação ao tempo e ao local específico de sua produção. O contexto da prática é apontado como uma arena de conflitos e contestação, que envolve a interpretação e a tradução dos textos para a realidade, tal como ela é vista pelos “leitores” (Rezende; Baptista, 2015REZENDE, Mônica; BAPTISTA, Tatiana Wargas de Faria. A Análise da Política proposta por Ball. In: MATTOS, Ruben Araujo; BAPTISTA, Tatiana Wargas de Faria (Orgs.). Caminhos para Análise das Políticas de Saúde. Porto Alegre: Rede UNIDA, 2015. p. 273-283., p. 3, grifo nosso).

Para Mainardes (2006MAINARDES, Jefferson. Abordagem do Ciclo de Políticas: uma contribuição para a análise de políticas educacionais. Educação & Sociedade, v. 27, n. 94, p. 47-69, 2006. https://doi.org/10.1590/S0101-73302006000100003
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), esses contextos apresentam arenas, lugares e grupos de interesse e cada um deles envolve disputas e embates, sendo os textos políticos o resultado de disputas e acordos. Nesse sentido, vale destacar que tais grupos que atuam dentro dos diferentes lugares da produção de textos competem para controlar as representações da política (Mainardes, 2006).

O processo de construção do programa Tempo de Aprender contou com a participação de representantes que estavam à frente do governo federal, sendo aliados às ideias defendidas na época, à PNA (Brasil, 2019). Isso mostra que, no contexto da influência, há um poder de decisão sobre outro, pois os grupos de interesse legitimam seus argumentos propondo “solução para os problemas da alfabetização”.

Pontuamos aqui três contextos de influência importantes para a constituição da PNA (Brasil, 2019): o Relatório National Reading Panel (2000) que selecionou uma pequena fração de toda a literatura de pesquisas sobre alfabetização, elegendo somente pesquisas da psicologia experimental baseadas em “evidências científicas” com ensino sistemático da instrução fônica (Morais, 2020MORAIS, Artur Gomes de. Relatório do “National Reading Panel” dos Estados Unidos (2000). Em Aberto, v. 33, n. 108, p. 211-215, 2020. https://rbep.inep.gov.br/ojs3/index.php/emaberto/article/view/4494/3829
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); o relatório final Alfabetização Infantil: os novos caminhos (Cardoso-Martins et al., 2003) elaborado por um grupo de cientistas a pedido da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, sob a justificativa da “ausência” de debates na área da alfabetização no Brasil; e o documento Aprendizagem Infantil: uma abordagem da neurociência, economia e psicologia cognitiva publicado pela Academia Brasileira de Ciências, corroborando a tese do relatório Alfabetização Infantil: os novos caminhos (Cardoso-Martins et al., 2003). Em ambos os relatórios, o método fônico é defendido explicitamente. Conforme observado, fica evidente o contexto de influência para a formulação de políticas públicas, uma vez que os que estão à frente da gestão operam segundo seus interesses políticos e ideológicos (Mortatti, 2019MORTATTI, Maria do Rosário Longo. A “Política Nacional de Alfabetização” (BRASIL, 2019): uma guinada (ideo)metodológica para trás e pela direita. Revista Brasileira de Alfabetização - ABAlf, v. 1, n. 10 (Edição Especial), p. 26-31, 2019.).

Do mesmo modo que o contexto de influência, o contexto do texto se constitui em espaço de disputas, acordos e negociações entre grupos, sendo um espaço no qual também se constrói e se produzem discursos (Mainardes, 2006MAINARDES, Jefferson. Abordagem do Ciclo de Políticas: uma contribuição para a análise de políticas educacionais. Educação & Sociedade, v. 27, n. 94, p. 47-69, 2006. https://doi.org/10.1590/S0101-73302006000100003
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). Sendo assim, é interessante destacarmos, neste momento, as reflexões de Mortatti (2019MORTATTI, Maria do Rosário Longo. A “Política Nacional de Alfabetização” (BRASIL, 2019): uma guinada (ideo)metodológica para trás e pela direita. Revista Brasileira de Alfabetização - ABAlf, v. 1, n. 10 (Edição Especial), p. 26-31, 2019.) que ressaltam o caráter antidemocrático e autoritário para a produção da PNA, texto balizador do programa Tempo de Aprender. Para a autora, há a infração de princípios da Constituição Federal do Brasil (1988), uma vez que a produção deste contexto de produção textual não possibilitou a participação de alfabetizadores e representantes da comunidade acadêmica, sendo gestado apenas por representantes de instâncias internas do MEC.

Este estudo de análise documental considera os “textos políticos” como textos de ação que geram desdobramentos no contexto da prática. Destacamos que o contexto da prática não foi contemplado nos propósitos deste estudo devido ao tempo para a sua realização. Contudo, ressaltamos que pesquisa realizada pelo Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Educação Pública (GIPEP)10 10 Esse grupo faz parte da Pesquisa Nacional “Alfabetização em Rede: uma investigação sobre o ensino remoto da alfabetização na pandemia Covid-19 e da recepção da PNA pelos docentes da Educação Infantil e Anos Iniciais do EF”. Esta rede de pesquisadores tem mapeado a implantação da PNA e o contexto que orienta a organização pedagógica da alfabetização durante o ensino remoto em diferentes regiões do Brasil. , em um município gaúcho, sobre a recepção da PNA, indicou que, mesmo havendo adesão da política na rede de ensino do referido município, não se concretizaram movimentos efetivos para a implementação da política. Além disso, a pesquisa tem revelado que muitos professores discordaram do caráter homogêneo da proposta (Porto et al., 2021PORTO, Gilceane Caetano; DEL PINO, Mauro Augusto Burkert; ALLEGRETTI, Giovanna; MESENBURG, Fernanda Arndt; HIRDES, João Carlos Roedel; DIAS, Eugênia Antunes; JESUS, Annelise Costa de. A Política Nacional de Alfabetização: retrocesso e resistência docente. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ALFABETIZAÇÃO: POLÍTICAS, PRÁTICAS E RESISTÊNCIAS, 5., 2021, Florianópolis. Anais... Florianópolis: ABAlf, 2021.).

Ainda que os autores das políticas estabeleçam certos limites e significados, os quais resultam em determinadas ações a partir daqueles que as põem em prática, “as políticas [...] estão sujeitas à interpretação e, então, a serem ‘recriadas’” (Mainardes, 2006MAINARDES, Jefferson. Abordagem do Ciclo de Políticas: uma contribuição para a análise de políticas educacionais. Educação & Sociedade, v. 27, n. 94, p. 47-69, 2006. https://doi.org/10.1590/S0101-73302006000100003
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, p. 53). Os significados que os leitores atribuem às políticas sofrem influências da história e das experiências de vida, além dos interesses que cada grupo pode apresentar. Dessa forma, Bowe et al. (1992, apud Mainardes, 2006) destacam que “os autores dos textos políticos não podem controlar os significados de seus textos. Partes podem ser rejeitadas, selecionadas, ignoradas, deliberadamente mal-entendidas” (Bowe et al., 1992, p. 22, apud Mainardes, 2006, p. 53), como parece ter ocorrido com a PNA.

Assim, centramos nosso olhar no ciclo das políticas, a partir do contexto de influência e do contexto do texto, pois esses foram contextos do ciclo de políticas importantes à medida em que, enquanto ferramenta metodológica, permitiram uma análise crítica e contextualizada da trajetória política, possibilitando contribuir para o entendimento da dinâmica e da dimensão processual que envolveu a produção do programa Tempo de Aprender - Curso de Formação Continuada em Práticas de Alfabetização.

Nessa abordagem documental analítica, há a suspensão da crença daquilo que é escrito como algo dado, de forma a tornar estranho o familiar. Implica questionar nossos próprios pressupostos e a maneira como damos sentido às coisas (Gill, 2002GILL, Rosalin. Análise de discurso. In: BAUER, Martin; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 244-270.). Seguindo esse entendimento, poderíamos considerar que tal perspectiva analítica nos permite evidenciar o quanto as análises são circunstanciadas histórica e contextualmente por nossas inquietações sobre o documento examinado na pesquisa. Sendo assim, certa insatisfação, certa instabilidade, certa dúvida, certa desconfiança do que esteve posto no programa Tempo de Aprender foram movimentos importantes para a análise do documento.

Assim, lançando mão dessa ferramenta metodológica conceitual, a presente pesquisa buscará problematizar o programa Tempo de Aprender com foco no Curso de Formação Continuada em Práticas de Alfabetização - em especial na ação que estrutura o eixo 1 - Formação Continuada de Profissionais da Alfabetização e eixo 2 - Apoio Pedagógico para Alfabetização, os quais fazem parte do material escrito do programa Tempo de Aprender.

Considerando os dois eixos analíticos, nos quais identificamos importantes possibilidades de análise, examinamos os documentos orientadores do programa Tempo de Aprender, tendo como foco de análise o ensino da leitura e da escrita, baseado em “evidências científicas”. No processo de análise, buscou-se problematizar a concepção de linguagem e de aprendizagem presente na proposta didática do referido Curso.

Na análise desse material, foram identificados aspectos recorrentes, tais como a hierarquização do conhecimento de unidades menores para unidades maiores no processo da aprendizagem da leitura e da escrita; a padronização da instrução fônica como proposta de ensino; e o treinamento motor para a correta grafia das letras.

Assim, a partir da análise dos eixos, os quais constituíram o material empírico da pesquisa, consideramos ser relevantes dois tópicos analíticos: Cadê o estudo da consciência fonológica, a promoção da curiosidade metalinguística e a ludicidade que estavam presentes nos cursos de formação docente para alfabetizadoras? e Cadê a reflexão sobre o processo de alfabetização aliada às práticas de leitura e produção de texto presentes em produções acadêmicas no Brasil?

A seguir, apresentaremos as análises correspondentes ao primeiro eixo analítico - Cadê o estudo da consciência fonológica, a promoção da curiosidade metalinguística e a ludicidade que estavam presentes nos cursos de formação docente para alfabetizadoras? - do qual destacaremos a ausência do trabalho com a consciência fonológica, do sentido lúdico e da promoção da curiosidade metalinguística na concepção de ensino do programa Tempo de Aprender.

Cadê o estudo da consciência fonológica, a promoção da curiosidade metalinguística e a ludicidade que estavam presentes nos cursos de formação docente para alfabetizadoras?

Começamos com uma paródia à parlenda “Cadê o toucinho que estava aqui?” para, desde o início, apontar que procuramos, na proposta do Curso de Formação Continuada em Práticas de Alfabetização, conquistas que têm sido feitas no campo da alfabetização no Brasil, e que, na análise da proposta do curso, percebemos invisibilizadas: Cadê o estudo da consciência fonológica, a promoção da curiosidade metalinguística e a ludicidade que estavam presentes nos cursos de formação docente para alfabetizadoras, como o PNAIC (Brasil, 2012) e o Pró-letramento (Brasil, 2007) já citados anteriormente?

No silenciamento desses cursos de formação, observamos que o curso de formação docente do programa Tempo de Aprender traz como proposta didática para a aprendizagem do sistema alfabético da escrita, exclusivamente, a instrução fônica.

Tal proposta pedagógica está em relação direta com o contexto da PNA (Brasil, 2019), tendo a padronização da instrução fônica como proposta de ensino. Assim, no curso é priorizado o trabalho por meio da instrução fônica em que, para a criança se apropriar do sistema de escrita, ela precisa inicialmente aprender as correspondências entre grafema e fonema. Nesta proposta didática, a criança deve seguir o modelo estabelecido na estratégia de ensino: treinar as relações entre grafema e fonema, deixando de lado a sua curiosidade metalinguística.

Considerando o interesse em atender à demanda de um grupo que comunga de ideias conservadoras, os defensores da instrução fônica, o curso de formação docente colocou em xeque pesquisas que consideram o espaço local e passa a aderir a resultados de pesquisas que nada se aproximam da nação brasileira, pelo contrário, respaldam-se em estudos internacionais, produzidos nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Austrália, em Israel e na Finlândia. Este posicionamento colocou em pauta o silenciamento de muitas vozes de pesquisas produzidas sobre alfabetização de crianças no Ensino Fundamental, ao longo de 40 anos no Brasil.

Deste modo, a tentativa de fixação do sentido do que é alfabetização “[...] entra na disputa pelo verdadeiro no campo da alfabetização. Porém, como se percebe, essa tentativa não se dá sem problematizações, embates e resistências” (Caldeira, 2023CALDEIRA, Maria Carolina da Silva. Bons currículos, boas práticas e o bom/boa professor/a: uma análise da Política Nacional de Alfabetização. Currículo sem Fronteiras, v. 23, e1135, p. 01-20, 2023. http://dx.doi.org/10.35786/1645-1384.v23.1135
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, p. 11). Para Soares (2018SOARES, Magda Becker. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo: Contexto, 2018.), nessa concepção de ensino, instrução fônica - método sintético, há um “pressuposto de que para a criança aprender o sistema de escrita, depende de estímulos externos cuidadosamente e artificialmente construídos com o único fim de levá-la a apropriar-se da tecnologia da escrita” (Soares, 2018, p. 19). Ainda para a autora, os métodos sintéticos, não diferentemente dos métodos analíticos, “inserem-se no mesmo paradigma pedagógico e no mesmo paradigma psicológico: o associacionismo11 11 Para a perspectiva do associacionismo, o reconhecimento de fonemas (segmentos sonoros) seria “a chave miraculosa” para garantir a associação dos mesmos com seus equivalentes, os grafemas (segmentos escritos), e assim para o sucesso na alfabetização. Essa perspectiva teórica desconsidera o papel da notação escrita e o jogo complexo e instável dos segmentos sonoros para o processo de apropriação do sistema de escrita alfabética (Morais, 2006). ” (Soares, 2018, p. 19-20).

Como podemos observar, necessários embates políticos e pedagógicos foram intensificados durante o período de vigência da PNA, revogada recentemente pelo Decreto nº 11.556, de 2023 (Brasil, 2023), que institui o Programa Compromisso Nacional Criança Alfabetizada.

Desse modo, considerando as fragilidades - hierarquização do conhecimento de unidades menores para unidades maiores no processo da aprendizagem da leitura e da escrita; padronização da instrução fônica como proposta de ensino; e treinamento motor para a correta grafia das letras encontradas - presentes na proposta do curso, selecionamos dois módulos para a análise: o “Aprendendo a Ouvir” e o “Conhecimento Alfabético”, uma vez que ambos tratam da apropriação do sistema de escrita alfabética.

Módulo Aprendendo a Ouvir - discriminação de som

O módulo “Aprendendo a Ouvir” está dividido em nove aulas (Discriminação de sons; Consciência de palavras; Consciência de sílabas; Consciência de aliteração; Consciência de rimas; Isolamento de sons; Síntese de sons; Segmentação de sons; e Substituição de sons), as quais foram pensadas para desenvolver nas crianças a consciência fonêmica, “que consiste no conhecimento de que os fonemas se relacionam com grafemas ou, dito de outro modo, de que as letras representam os sons da fala” (Brasil, 2019, p. 33, grifo nosso), como proposto por um dos seis componentes “essenciais” para a alfabetização presente na PNA (Brasil, 2019). Deste módulo, para o presente artigo, destacaremos a análise da aula Discriminação de som.

A estratégia de ensino dessa aula, discriminação do som (Módulo - Aprendendo a ouvir), tem por objetivo ensinar a criança a distinguir sons e identificar o timbre e a posição da fonte sonora. No material da aula, há orientações para a professora demonstrar como a atividade funciona. A ordem para tal demonstração é inicialmente pedir para uma criança produzir algum som. Neste caso, foi bater palmas e, de olhos fechados, a professora indica de onde veio o som. Após isso, pratica as mesmas ações com as crianças, utilizando outros recursos sonoros, como apito ou batida do pé no chão. Tal sequência pode ser observada na atividade denominada Discriminação de sons (Figura 1).

Figura 1:
Estratégia de Ensino Discriminação de Sons. Módulo Aprendendo a Ouvir.

Essa estratégia de ensino é direcionada às turmas da pré-escola e do 1º ano, sob a justificativa de que tal faixa etária precisa desenvolver essas habilidades antes de aprender o sistema de escrita alfabético. Observamos que esta estratégia de ensino está em consonância direta com o trabalho da instrução fônica e com as pesquisas em neurociências presentes na PNA (Brasil, 2019).

De acordo com as pesquisas em neurociências na PNA (Brasil, 2019), há uma área do cérebro denominada de “Área da Forma Visual das Palavras (AFVP), situada na região occipitotemporal esquerda, [...], onde se conectam as regiões de processamento visual com as regiões de processamento fonológico [...]” (Brasil, 2019, p. 26). Segundo as pesquisas de neurociências, tal área se especializa no reconhecimento das letras quando se aprende a ler e a escrever, “por isso, é ideal para responder ao processo de leitura e de escrita” (Brasil, 2019, p. 26).

Nesse sentido, observamos a articulação da estratégia didática destinada ao processo de alfabetização com a ciência cognitiva da leitura, uma vez que são organizadas tendo como objetivo o desenvolvimento de habilidades visomotoras e auditivo-motoras, processos linguísticos, cognitivos e cerebrais envolvidos na aprendizagem e no ensino das habilidades de leitura e de escrita.

É interessante perceber a importância dada aos processos de desenvolvimento cerebrais, como a maturação, uma vez que “acreditava-se que, para aprender a ler e a escrever os aprendizes precisariam desenvolver uma série de habilidades psiconeurológicas ou perceptivo-motoras” (Morais, 2005MORAIS, Artur Gomes de. Se a escrita alfabética é um sistema notacional (e não um código), que implicações isto tem para a alfabetização? In: MORAIS, Artur Gomes de; ALBUQUERQUE, Eliane Borges Correia; LEAL, Telma Ferraz. Alfabetização: apropriação do sistema de escrita alfabética. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p. 29-46., p. 39), como no período preparatório12 12 Lourenço Filho (1934), idealizador dessa proposta na década de 60 e 70, considerava a hipótese “confirmada” pelas pesquisas experimentais sobre a existência de um nível de maturidade - passível de medida - como requisito para a aprendizagem da leitura e da escrita, através do período preparatório e dos Testes ABC (Mortatti, 2000). Os Testes ABC eram testes “diagnósticos” para verificação da maturidade necessária à aprendizagem da leitura e da escrita aplicados anteriormente ao ingresso no primeiro ano primário (Mortatti, 2000). . Desse modo, a prontidão servia como parâmetro, já que os alunos necessitavam apresentar um estado de “prontidão”, no tocante às habilidades como: “coordenação motora fina e grossa, discriminação visual, discriminação auditiva, memória visual, memória auditiva, equilíbrio, lateralidade etc.” (Morais, 2005, p. 39) para dominar o código da escrita, pois a escrita não era considerada um sistema notacional.

Conforme tem demonstrado a teoria da psicogênese da escrita, para compreender o Sistema de Escrita Alfabética (SEA), o aluno necessita dar conta dos aspectos conceituais do SEA. Nesse caso, precisa tratar cada letra como uma classe de objetos substitutos equivalentes (de modo que P, p, P, p são a mesma letra), além de analisar a ordem serial das letras e fazer correspondências, termo a termo, entre segmentos falados e escritos. Precisam compreender no “princípio alfabético” que, em nossa Língua, as letras substituem segmentos sonoros pequenos, os fonemas, não se reduzindo a memorizar quais letras substituem quais fonemas (Morais, 2012MORAIS, Arthur Gomes de. Sistema de Escrita Alfabética. São Paulo: Melhoramentos, 2012.).

Assim, a estratégia de ensino proposta no programa Tempo de Aprender, conforme Figura 1 - Estratégia de Ensino Discriminação de Sons. Módulo Aprendendo a Ouvir, remete-nos ao trabalho com a consciência fonêmica, um dos seis componentes “essenciais” para a alfabetização da PNA, que devem apoiar os “bons currículos” e as “boas práticas” de alfabetização baseada em evidências científicas (Brasil, 2019). Como pode ser observado na estratégia de ensino apresentada, dominar os fonemas parece ser o primeiro passo para alcançar o princípio alfabético, e saber distinguir, inicialmente, de onde veio o som e quem o produziu parece ser uma estratégia a ser considerada para este trabalho.

Sabemos que o desenvolvimento de habilidades fonológicas, incluindo a discriminação de sons, é importante para o processo de alfabetização. Contudo, segundo estudos de Morais (2012MORAIS, Arthur Gomes de. Sistema de Escrita Alfabética. São Paulo: Melhoramentos, 2012.), tal condição não é suficiente para uma criança atingir uma hipótese alfabética. O autor ainda lembra que “atingir uma hipótese alfabética não é o mesmo que estar alfabetizado” (Morais, 2012, p. 91), por isso torna-se perigoso trabalhar com a ideia da consciência fonológica como um preditor do sucesso da alfabetização. Para Morais (2020), estaríamos alimentando uma mentalidade semelhante à dos defensores do período preparatório e dos testes de prontidão e cobraríamos que as crianças tivessem um determinado desenvolvimento de consciência fonológica para terem o direito de ser alfabetizadas.

Outro aspecto a ser considerado na análise é o fato de essa estratégia de ensino de discriminação de som (Módulo - Aprendendo a ouvir) não contemplar a dimensão lúdica da aprendizagem para a Educação Infantil e 1º ano, pois a criança é conduzida pela professora em todas as suas ações e, antes de ser conduzida, a professora explica e demonstra: Vou fechar os olhos e apontar para o local que o som foi emitido e dizer o que o produziu. Na vez das crianças a professora diz: Fechem os olhos e só abram quando eu disser. Ao ouvirem o som, apontem para o local.De onde veio o som”, “O que o produziu”.

Dessa maneira, observamos que a proposta da “aula” deixa a desejar no trabalho de reflexão sobre as partes orais das palavras, que poderia no espaço a que se destina - Educação Infantil/pré-escola e 1º ano - possibilitar a brincadeira com os sons. Ainda para Morais (2012MORAIS, Arthur Gomes de. Sistema de Escrita Alfabética. São Paulo: Melhoramentos, 2012.),

[...] a habilidade de identificar rimas, antes vistas como “mais complexas” para crianças brasileiras (do que detectar palavras com a mesma sílaba inicial, cf. Cardoso-Martins, 1991), se desenvolve rapidamente e sem problemas quando na sala de aula se desenvolvem brincadeiras que exploram cantigas, parlendas ou jogos fonológicos (Morais, 2012MORAIS, Arthur Gomes de. Sistema de Escrita Alfabética. São Paulo: Melhoramentos, 2012., p. 90).

Por conseguinte, concordamos ainda com Morais (2012MORAIS, Arthur Gomes de. Sistema de Escrita Alfabética. São Paulo: Melhoramentos, 2012.) que é preciso superar essa visão reducionista, “segundo a qual as crianças deveriam refletir sobre as partes orais das palavras, sem ver suas formas escritas” (Morais, 2012, p. 92).

Essa estratégia de ensino - discriminação do som - pretende desenvolver a consciência fonêmica, a partir da “discriminação auditiva”. Esse fato tem nos provocado algumas indagações sobre o ensino sistematizado de acordo com esses princípios no curso de formação docente do programa Tempo de Aprender, a começar pela produtividade da atividade no contexto da escola contemporânea, pela forma pouco interativa do modo como é conduzida. Considerando que as crianças da pré-escola e do 1º ano estão sob forte influência do lúdico, essa proposta poderia partir de brincadeiras com as palavras, promovendo a vivência de situações que desafiem a criança a refletir de forma lúdica sobre as palavras (Morais, 2019aMORAIS, Artur Gomes de. Consciência Fonológica na Educação Infantil e no Ciclo da Alfabetização. Belo Horizonte: Autêntica, 2019a.).

Módulo Conhecimento Alfabético - nomeação de letras

O módulo Conhecimento Alfabético está dividido em seis aulas: Nomeação de letras e relação - letra-som; Regras de ortografia; Leitura de palavras; Leitura de palavras com sinais ortográficos; Leitura de frases; e Criação de palavras, que compreendem conhecer os nomes das letras e seus sons. No curso é defendido que o conhecimento dessas regras permitirá que os alunos se tornem proficientes em leitura e em escrita (Brasil, 2020, grifo nosso). Desse módulo, para o presente artigo, destacaremos a análise da aula Nomeação de letras.

A estratégia de ensino dessa aula, Nomeação de letras (Módulo - Conhecimento Alfabético), dá sequência às habilidades adquiridas anteriormente, ou seja, assim que as crianças tivessem aprendido a segmentar e discriminar os sons, o passo seguinte seria relacionar os sons da fala com os grafemas da escrita. A atividade inicia com a professora informando que o alfabeto é composto por vinte e seis letras e que, neste dia, a turma irá aprender uma, a letra “A”.

Na estratégia de ensino, há a orientação de uma ordem, que consiste em a professora mostrar o cartão com a letra “A”, demonstrar o som dela, apresentar uma ficha com o personagem da letra “A”, nesse caso a “Abelha”, e escrever a letra “A” no ar e no quadro, como forma de ensinar a sua forma gráfica. Por último, ler uma estrofe do poema “A Abelha Amarela”, de Paulo Briguet, enfatizando o som da letra /a/. Tal sequência pode ser observada na atividade denominada Nomeação de letras (Figura 2).

Figura 2:
Estratégia de ensino Nomeação de letras. Módulo conhecimento alfabético.

Após todas essas ações realizadas pela professora, a orientação é que ela as realize novamente em conjunto com as crianças. Neste segundo momento, a atividade consiste em, além de apresentar novamente a letra “A” e demonstrar o seu som, a professora perguntar às crianças: “que letra é essa?”, “qual o som dessa letra?”, “vamos escrever a letra ‘A’ no ar?”. Esse mesmo modelo de atividade, em que as letras são ensinadas de forma gradual e isolada, é realizado com todas as letras do alfabeto.

Nesta estratégia, novamente se fazem presentes os princípios balizadores da ciência cognitiva da leitura, constantes na PNA (Brasil, 2019), em que para a aprendizagem da leitura e da escrita é preciso que a leitura e a escrita sejam ensinadas de modo explícito e sistemático. Assim, ainda de acordo com a PNA (Brasil, 2019), afirma-se que “a leitura deve ser objeto de um ensino explícito em suas diferentes dimensões e que, para alcançar as habilidades de bom leitor, é necessário que a atividade seja repetida de modo regular e frequente, a fim de se tornar automática” (Brasil, 2019, p. 26).

Observamos também a relevância dada ao ensino explícito da leitura pela consciência fonêmica e à decodificação de palavras, resultando no reconhecimento automático de palavras. Nesta abordagem de alfabetização, é como se essas habilidades fossem se articulando gradualmente, de modo que o leitor iniciante se torne cada vez mais “proficiente” na leitura, uma vez que com a “automatização das habilidades de reconhecimento de palavras é liberado espaço na memória para os processos de compreensão” (Brasil, 2019, p. 28).

No entanto, há uma série de questões que contradizem as relações entre sons e letras quando trabalhados de igual forma e isolados tanto com as vogais quanto com as consoantes. Para Lemle (2005LEMLE, Miriam. Guia teórico do Alfabetizador. São Paulo: Ática, 2005.), durante o processo de ensino sobre a relação entre grafema e fonema, o professor “deve estar apto a explicar que a posição da letra na palavra precisa ser levada em conta para a correspondência entre sons e letras” (Lemle, 2005, p. 20). Imaginemos que a criança tenha aprendido a identificar a letra [L] e a pronunciar seu som num modelo de ensino no qual não é considerada a sua posição, em que foi ensinada a letra somente no meio da palavra. Ela poderá questionar, por exemplo, por que a palavra [anzol] termina com [L] e não com [U], pois pronunciamos [anzou]. A professora poderá, de forma equivocada, corrigir o modo da criança falar, convencendo-a de que está falando errado, o que seria um equívoco para a autora.

Responder que as pessoas falam errado é um equívoco linguístico, um desrespeito humano e um erro político. Um equívoco linguístico, pois ignora o fato de que as unidades de som são afetadas pelo ambiente em que ocorrem, ou seja, sons vizinhos afetam-se uns aos outros. Um desrespeito humano, pois humilha e desvaloriza a pessoa que recebe a qualificação de quem fala errado. Um erro político, pois ao se rebaixar a autoestima linguística de uma pessoa ou de uma comunidade contribui para amedrontá-la (Lemle, 2005LEMLE, Miriam. Guia teórico do Alfabetizador. São Paulo: Ática, 2005., p. 20).

Destacamos também que, neste módulo, a criança é ensinada a nomear e grafar as letras do alfabeto de forma isolada, como se as letras e as palavras não estivessem em escritas do cotidiano escolar e familiar, bem como expostas em placas, cartazes e muitos outros espaços em que as crianças convivem. Ferreiro e Teberosky (1999FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999.), em seus estudos, fazem uma crítica às propostas de ensino que não compreendem o acesso ao universo letrado que as crianças possuem. Segundo as autoras:

[...] é bem difícil imaginar que uma criança de 4 e 5 anos, que cresce num meio urbano no qual vai encontrar, necessariamente, textos escritos em qualquer lugar (em seus brinquedos, nos cartazes publicitários ou nas placas informativas, na sua roupa, na TV, etc.), não faça nenhuma ideia a respeito da natureza desse objeto cultural até ter 6 anos e uma professora à sua frente. Torna-se bem difícil, sabendo o que sabemos sobre crianças de tais idades: crianças que se perguntam sobre todos os fenômenos que observam, que realizam as perguntas mais difíceis de responder, que constroem teorias sobre a origem do homem e do universo (Ferreiro; Teberosky, 1999FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999., p. 29).

Diante disso, é possível dizer que essa proposta de ensino subestima o potencial de reflexão metalinguística da criança. Pensar que, para o processo de alfabetização, as crianças precisam passar por uma sequência didática como a descrita e seguindo a lógica de primeiro apresentar as vogais, após a introdução de outras letras do alfabeto para trabalhar as combinações sonoras das sílabas e palavras e, por último, o texto, é desconhecer a criança de hoje, que recorre a diferentes recursos em busca de respostas para as suas dúvidas.

O destaque dado à atividade é seguir o modelo, a partir de rotinas de aprendizagem. De acordo com especialistas que compunham os balizadores da ciência cognitiva da leitura na PNA (Brasil, 2019), tais rotinas de aprendizagens “são fundamentais para o engajamento dos alunos nas atividades de alfabetização, porque promovem sentimentos de autonomia, pertencimento, competência e significado” (Brasil, 2019, p. 32). Ao mesmo tempo, segundo esses, “elas dão aos professores oportunidade para observar e ouvir os alunos enquanto estão aprendendo” (Brasil, 2019, p. 32), sendo um componente essencial de ensino para a alfabetização.

À vista disso, corroboramos com Caldeira (2023CALDEIRA, Maria Carolina da Silva. Bons currículos, boas práticas e o bom/boa professor/a: uma análise da Política Nacional de Alfabetização. Currículo sem Fronteiras, v. 23, e1135, p. 01-20, 2023. http://dx.doi.org/10.35786/1645-1384.v23.1135
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) ao apontar como esses balizadores que orientam o curso de formação docente do programa Tempo de Aprender, considerando a concepção de alfabetização da PNA, “pretendem fixar o significado de que alfabetizar corresponde a uma técnica, a de codificar e decodificar, tarefa inicial que, posteriormente, produzirá crianças capazes de aprender outras coisas por meio da leitura” (Caldeira, 2023, p. 9).

Em nossa análise, observamos que não há ênfase à proposta do interacionismo linguístico em alfabetização, considerando os estudos de Smolka (1989), no qual o “texto (discurso) é a unidade de sentido da linguagem e deve ser tomado como objeto de leitura e escrita, estabelecendo-se o texto como conteúdo de ensino, que permite um processo de interlocução real entre professor e alunos [...] para ensinar a ler e escrever” (Mortatti, 2006MORTATTI, Maria do Rosário Longo. História dos Métodos de Alfabetização no Brasil. In: SEMINÁRIO “ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO EM DEBATE, 1., 2006. Anais... Brasília, DF: MEC/SEF, 2006. p. 1-16. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/alf_mortattihisttextalfbbr.pdf
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, p. 11).

Para Mortatti (2000MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Os Sentidos da Alfabetização (São Paulo 1876-1994). São Paulo: UNESP; CONPED, 2000.), as tematizações sobre o interacionismo linguístico abordam “a alfabetização como um processo discursivo, enfocando as relações de ensino como fundamentais nesse processo e deslocando a discussão de como para porquê e para quê ensinar a ler e escrever” (Mortatti, 2000, p. 275).

Estudos de Smolka (1993SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo. 5. ed. São Paulo: Cortez; UNICAMP, 1993.)13 13 A primeira edição do livro A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo, de Ana Luiza Bustamante Smolka, é datada em 1989. No entanto, no presente artigo será usada a 5ª edição, datada em 1993, uma vez que essa edição é a que tivemos acesso. apontam que “pedagogicamente [...] é fundamental observar e considerar, no processo de alfabetização, as situações e as condições em que se processa e se produz o conhecimento escolar sobre a escrita. (Quem usa a escrita na sala de aula? Para quê? Como? Por quê?)” (Smolka, 1993, p. 61). Com isso destacamos a relevância do trabalho com a consciência fonológica envolver a relação metalinguística-ludicidade, em que os alunos possam compreender os princípios de funcionamento do sistema notacional de escrita alfabética brincando com as palavras e textos e socializando suas aprendizagens com os colegas de modo interativo.

É, portanto, tempo de voltarmos à pergunta inicial que intitula a seção: cadê o estudo da consciência fonológica, a promoção da curiosidade metalinguística e a ludicidade que estavam presentes nos cursos de formação docente para alfabetizadoras?

Finalizando a discussão

O programa Tempo de Aprender, a partir da análise empreendida, inscreve-se numa lógica marcada pela tensão entre continuidade e descontinuidade de concepções teóricas sobre o campo da alfabetização, inserindo-se em disputas políticas. As concepções de linguagem e de aprendizagem nas políticas públicas de alfabetização parecem competir a fim de se mostrarem mais eficazes, impondo uma única linha de ensino, o que contraria o papel de garantir o direito constitucional das escolas e dos docentes escolherem as metodologias que julgam adequadas e necessárias às turmas de alfabetização (Morais, 2019bMORAIS, Artur Gomes de. Análise crítica da PNA (Política Nacional de Alfabetização) imposta pelo MEC através de decreto em 2019. Revista Brasileira de Alfabetização - ABAlf, v. 1, n. 10 (Edição Especial), p. 66-75, 2019b. https://revistaabalf.com.br/index.html/index.php/rabalf/article/view/357
https://revistaabalf.com.br/index.html/i...
).

O alfabeto enquanto código, conforme concepção adotada no curso, ora em análise, impede uma reflexão sobre a forma como a criança aprende e, assim, não se formulam explicações teóricas sobre como ocorre esse processo, apenas fornece um passo a passo. Essa forma de ensino também impede a reflexão sobre as práticas de letramento, contrariando os estudos trazidos para o Brasil por Magda Soares e teorizados por outros autores, em que se destaca que o ensino da leitura e da escrita esteja aliado ao que se denominou letramento, entendido como não somente alfabetizar, mas alfabetizar e letrar (Soares, 2020).

Embora haja uma aparente versão lúdica na proposta do curso para o ensino da instrução fônica, as estratégias que as professoras “utilizariam” em sua prática em sala de aula dão ênfase à repetição das atividades numa ordem fixa de realização, não apresentando uma possível flexibilização capaz de tornar a proposta significativa para a criança. Na medida em que o curso foca no ensino, não valorizando o processo de aprendizagem, a curiosidade metalinguística aos poucos vai sendo silenciada.

Dessa forma, apontamos estudos de Cardoso-Martins (1995) sobre o importante papel que a consciência fonológica poderia desempenhar na aprendizagem da leitura e da escrita, alertando que uma estratégia puramente fonológica não é suficiente para o desenvolvimento pleno da leitura e da escrita. Não é suficiente como também não atende a um dos principais objetivos da escola, que “é justamente possibilitar que os alunos possam participar das várias práticas sociais que se utilizem da leitura e da escrita (letramentos) na vida em sociedade, de maneira ética, crítica e democrática” (Rojo, 2009ROJO, Roxane. Letramentos Múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola, 2009., p. 107).

Assim, conforme Morais (2019aMORAIS, Artur Gomes de. Consciência Fonológica na Educação Infantil e no Ciclo da Alfabetização. Belo Horizonte: Autêntica, 2019a.) destaca ainda, muitas crianças têm curiosidade natural pelas palavras e refletem sobre suas partes orais, estabelecendo relações com as letras antes mesmo de escrever convencionalmente. Essa curiosidade pode ser estimulada com o tipo de consciência fonológica que envolve a detecção de rima, conforme sugerem Bryant et al. (1990, apud Cardoso-Martins, 1995). Segundo os autores, a habilidade de crianças pré-escolares em detectar rima está relacionada ao sucesso posterior na aprendizagem da leitura e escrita. A partir disso, a criança baseia-se na habilidade de isolar o segmento fonológico compartilhado por palavras que rimam.

Importante destacar que os estudos trazidos por Cardoso-Martins e colaboradores (1995) explicam que a habilidade de detectar rima parte da ideia de semelhança global, não assegurando, portanto, a análise ortográfica da palavra, a não ser quando a criança já possua alguma capacidade de decodificação letra-som.

Conforme expomos aqui, a consciência fonológica auxilia em muitas outras habilidades, por isso a questão do presente estudo fazer críticas à instrução fônica do curso, uma vez que, em tal concepção de ensino, as atividades pedagógicas propostas estão inseridas numa perspectiva de trabalho pedagógico repetitivo e “ritualístico”, sem embasamento linguístico consistente, sem muita permissão para a ludicidade ou promoção da curiosidade metalinguística, tão presentes em estudos acadêmicos no Brasil, desde a década de 80.

Deste modo, ao finalizarmos a análise, inferimos que a metodologia adotada na proposta do curso contraria o que vem sendo pesquisado e discutido a partir dos anos de 1980, cenário este que revolucionou o campo da alfabetização no Brasil em termos de avanço e de reconhecimento do sujeito que se alfabetiza.

Referências

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  • APOIO/FINANCIAMENTO

    A pesquisa teve apoio da CAPES, a partir de bolsa destinada a primeira autora
  • DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA

    Não se aplica.
  • 1
    A pesquisa foi realizada com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-Brasil (CAPES).
  • 2
    Este estudo está inserido em uma pesquisa mais ampla, intitulada A implementação da BNCC e da PNA e os efeitos nos currículos das escolas públicas da região metropolitana de Porto Alegre/RS, pertencente a pesquisa interinstitucional A implementação da BNCC e os efeitos nos currículos das escolas públicas do Estado do Rio Grande do Sul (apoio CNPq) no grupo de pesquisa do Núcleo de Estudos sobre Currículo, Cultura e Sociedade (NECCSO/UFRGS) em parceria com o Programa de Pós-Graduação da ULBRA/Canoas.
  • 3
    Campo interdisciplinar que estuda a mente e sua relação com o cérebro, como a psicologia cognitiva e a neurociência cognitiva (Brasil, 2019).
  • 4
    Estímulos aos hábitos de leitura e escrita; Priorização da alfabetização no 1º ano do Ensino Fundamental; Integração de práticas motoras e expressões artísticas; Respeito às particularidades das modalidades especializadas; Valorização do professor alfabetizador.
  • 5
    O Programa ocorreu no primeiro semestre de 2020 no Ambiente Virtual de Aprendizagem do MEC.
  • 6
    No presente artigo, referimo-nos ao termo professora no gênero feminino em razão de que o maior número de docentes em classes de alfabetização é de professoras. Mas ressaltamos que esse esclarecimento não desconsidera o masculino que também atua nesse campo.
  • 7
    Programa oferecido pelo MEC. Trata-se de uma formação continuada de professores alfabetizadores com o objetivo de alfabetizar todas as crianças até os 8 anos de idade, no máximo até o 3º ano do Ensino Fundamental. Um compromisso formal assumido pelos governos federal, estadual e municipal (Brasil, 2012).
  • 8
    O Pró-Letramento: Programa de Formação Continuada de Professores dos Anos/Séries Iniciais do Ensino Fundamental: Alfabetização e Linguagem era um programa de formação continuada de professores para a melhoria da qualidade de aprendizagem da leitura/escrita e matemática nos anos/séries iniciais do Ensino Fundamental. O programa foi criado pelo MEC, em parceria com universidades que integravam a Rede Nacional de Formação Continuada e com a adesão dos estados e municípios. Participavam todos os professores que estavam em exercício nas séries iniciais do Ensino Fundamental das escolas públicas (Brasil, 2007).
  • 9
    Programa Mais Alfabetização fundamentava-se na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Brasil, 1996). Era pensado como estratégia do MEC para fortalecer e apoiar as unidades escolares no processo de alfabetização dos estudantes regularmente matriculados no 1º e 2º ano do Ensino Fundamental.
  • 10
    Esse grupo faz parte da Pesquisa Nacional “Alfabetização em Rede: uma investigação sobre o ensino remoto da alfabetização na pandemia Covid-19 e da recepção da PNA pelos docentes da Educação Infantil e Anos Iniciais do EF”. Esta rede de pesquisadores tem mapeado a implantação da PNA e o contexto que orienta a organização pedagógica da alfabetização durante o ensino remoto em diferentes regiões do Brasil.
  • 11
    Para a perspectiva do associacionismo, o reconhecimento de fonemas (segmentos sonoros) seria “a chave miraculosa” para garantir a associação dos mesmos com seus equivalentes, os grafemas (segmentos escritos), e assim para o sucesso na alfabetização. Essa perspectiva teórica desconsidera o papel da notação escrita e o jogo complexo e instável dos segmentos sonoros para o processo de apropriação do sistema de escrita alfabética (Morais, 2006).
  • 12
    Lourenço Filho (1934), idealizador dessa proposta na década de 60 e 70, considerava a hipótese “confirmada” pelas pesquisas experimentais sobre a existência de um nível de maturidade - passível de medida - como requisito para a aprendizagem da leitura e da escrita, através do período preparatório e dos Testes ABC (Mortatti, 2000). Os Testes ABC eram testes “diagnósticos” para verificação da maturidade necessária à aprendizagem da leitura e da escrita aplicados anteriormente ao ingresso no primeiro ano primário (Mortatti, 2000).
  • 13
    A primeira edição do livro A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo, de Ana Luiza Bustamante Smolka, é datada em 1989. No entanto, no presente artigo será usada a 5ª edição, datada em 1993, uma vez que essa edição é a que tivemos acesso.

Disponibilidade de dados

Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2023
  • Aceito
    07 Maio 2024
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