RESUMO
Este artigo explora quais fatores contribuem para a socialização acadêmica entre um grupo de possíveis componentes desse processo. A questão se coloca no contexto de ampliação e diversificação do público estudantil nas universidades públicas brasileiras para além de grupos sociais detentores de elevado capital cultural. Para analisar a socialização acadêmica de estudantes universitários, elaborou-se uma escala abrangendo itens relativos a: atividades acadêmicas priorizadas na experiência estudantil; valoração de aprendizados; e dificuldades expressas pelos estudantes. Também foram analisadas variáveis de contexto. Trata-se de um estudo exploratório, de abordagem quantitativa com análises descritivas, examinando comparações de média e correlações. Os dados analisados foram obtidos de 1.185 respostas a um survey aplicado no ano de 2021 entre estudantes de graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Os resultados indicam socialização acadêmica mais intensa entre estudantes que participaram de programas acadêmicos extracurriculares. Convergindo com a literatura sociológica recente, há casos de alta socialização acadêmica relacionados a indicadores tradicionais de composição do capital cultural. Porém, verificou-se que outras experiências formativas disponíveis a estudantes de origens sociais menos favorecidas também repercutem em maior intensidade na socialização acadêmica, como é o caso de programas extracurriculares de iniciação à pesquisa, à extensão e à docência. A interpretação dos dados sugere que o investimento institucional em tais programas e no diálogo com formas variadas de capital cultural desenvolvidas pelos estudantes pode produzir um maior aproveitamento da experiência universitária.
Palavras-chave:
Socialização acadêmica; Educação superior; Estudantes; Capital cultural
ABSTRACT
This article explores which factors contribute to academic socialization among a group of possible components of this process. The topic is set in the context of expansion and diversification of student audiences in Brazilian public universities beyond social groups with high cultural capital. To analyze the academic socialization of university students, a scale was elaborated, composed of sections covering: academic activities prioritized in the student experience; valuation of learning; and difficulties expressed by students. Context variables were also analyzed. This is an exploratory study, with a quantitative approach that employs descriptive analyses, analyzing mean comparisons and correlations. The analyzed data were obtained from 1,185 responses to a survey applied in 2021 among undergraduate students at the Federal University of Rio Grande do Sul. The results indicate a more intense academic socialization among students who participated in extracurricular academic programs. Converging with recent sociological literature, there are cases of high academic socialization related to traditional indicators of cultural capital. However, other training experiences available to students of unprivileged social origins, such as extracurricular programs of research, extension, and teaching apprenticeship, were shown to also lead to higher intensity of academic socialization. Data interpretation suggests that institutional investment in such programs and in the dialogue with the various forms of cultural capital developed by the students may produce better fruition of the university experience.
Keywords:
Academic Socialization; Higher Education; Students; Cultural Capital
Introdução
Com a expansão das vagas e a implementação de ações afirmativas nas universidades públicas federais, as comunidades acadêmicas dessas instituições tornaram-se visivelmente mais diversificadas (RISTOFF, 2014RISTOFF, Dilvo. O novo perfil do campus brasileiro: uma análise do perfil socioeconômico do estudante de graduação. Avaliação, Sorocaba, v. 19, n. 3, p. 723-747, 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1414-40772014000300010. Acesso em: 16 jul. 2022.
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). Bertolin, Fioreze e Barão (2022BERTOLIN, Julio Cezar Godoy; FIOREZE, Cristina; BARÃO, Fabia Roberto. Higher education and educational inequality in Brazil: elitist heritage in a context of expanding access. SciELO Preprints, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.3563. Acesso em: 22 jul. 2022.
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) registram avanços na diversificação do público estudantil em termos socioeconômicos e culturais ao analisarem questionários do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (nas edições de 2011, 2014 e 2017). Constatam maior presença de “estudantes de raças excluídas, de famílias de baixa renda e egressos de ensino médio público” (BERTOLIN; FIOREZE; BARÃO, 2022BERTOLIN, Julio Cezar Godoy; FIOREZE, Cristina; BARÃO, Fabia Roberto. Higher education and educational inequality in Brazil: elitist heritage in a context of expanding access. SciELO Preprints, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.3563. Acesso em: 22 jul. 2022.
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, p. 10).
Esse fenômeno é perceptível inclusive em universidades tradicionais, que se caracterizavam até a década de 2010 por atenderem a um público predominantemente elitizado. As práticas universitárias desenhavam-se na suposição de que os estudantes poderiam se dedicar exclusivamente aos estudos, com apoio de famílias que dispunham de recursos para investir na formação superior de seus jovens. Considerando a modificação do público estudantil e a persistência dos padrões didáticos do período anterior1 1 Nos termos bourdieusianos, esse tipo de persistência é tematizada através do conceito de conatus, uma manutenção dos modos de funcionamento institucional associado à preservação de um nomos emanado de uma posição social, conforme “as pessoas que detêm um poder, um capital, agem, quer saibam ou não, de maneira a perpetuar ou aumentar seu poder e seu capital” e que “leva os diferentes corpos que detêm o capital a se enfrentarem e a instalarem os poderes que detêm nas lutas destinadas a manter ou a aumentar esse próprio poder” (BOURDIEU, 2014a, p. 351). , torna-se necessário nos atentarmos para as dificuldades enfrentadas e oportunidades acionadas nas trajetórias dos estudantes.
Neste artigo, utilizamos o conceito de socialização acadêmica para caracterizar o fenômeno pelo qual os indivíduos são construídos e se constroem por meio de relações com o espaço acadêmico, estabelecendo vínculos duradouros que proporcionam aprendizados ligados a dimensões normativas, cognitivas e afetivas. Em uma análise em perspectiva bourdieusiana, focalizamos aspectos do capital cultural e do habitus, como modos de fazer, sentir e julgar que mesclam o passado e o presente e que se apresentam nas experiências duradouras de convivência (VALLE, 2007VALLE, Ione Ribeiro. A obra do sociólogo Pierre Bourdieu: Uma irradiação incontestável. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 33, n. 1, p. 117-134, 2007. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1517-97022007000100008. Acesso em: 23 jul. 2022.
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; BOURDIEU, 2014bBOURDIEU, Pierre. Os herdeiros: Os estudantes e a cultura. Florianópolis: UFSC, 2014b.; DRAELANTS; BALLATORE, 2021DRAELANTS, Hugues; BALLATORE, Magali. Capital cultural e reprodução escolar: Um balanço crítico. Educação e Pesquisa, 2021, v. 47. .Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1517-97022021470100302. Acesso em: 15 jul. 2022.
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; NOGUEIRA, 2021NOGUEIRA, Maria Alice. O capital cultural e a produção das desigualdades escolares contemporâneas. Caderno de Pesquisa, São Paulo, v. 51, p. 1-13, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198053147468. Acesso em 19 jul. 2022.
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). Através de uma abordagem quantitativa, buscamos verificar o capital cultural como ponto de partida para a socialização acadêmica no âmbito de uma universidade pública.
Discutimos nas próximas seções os conceitos de socialização acadêmica e capital cultural. Relatamos, a seguir, o processo metodológico de elaboração de banco de dados próprio, por meio da realização de survey online durante o ano de 2021, bem como as técnicas de análise estatística utilizadas. Analisamos, então, os resultados obtidos na exploração das categorias observadas a fim de identificar indícios que possam caracterizar dinâmicas da vida acadêmica, na relação com a teoria. Com isso, apresentamos as considerações finais.
Relações entre socialização acadêmica e capital cultural
A pesquisa em socialização acadêmica difunde-se a partir do trabalho de Weidman (1989WEIDMAN, John C. Undergraduate socialization: A conceptual approach. In: SMART, John C. (Ed.). Higher education: Handbook of theory and research. v. 5. New York: Agathon Press, 1989. p. 289-322.), originado na realidade da educação superior norte-americana. O autor entende socialização como um fenômeno composto por processos pelos quais as pessoas adquirem os conhecimentos, as habilidades e as disposições que as tornam membros de dada comunidade (WEIDMAN, 2006WEIDMAN, John C. Socialization of students in higher education: Organizational perspectives. In: CONRAD, Clifton C.; SERLIN, Ronald C. (Eds.). The Sage handbook for research in education: Engaging ideas and enriching inquiry. Thousand Oaks: Sage, 2006. p. 253-262.). A socialização acadêmica, especificamente, envolve processos de interação interpessoal, aprendizagem e integração social que ligam estudantes a ambientes normativos. O autor enfatiza, portanto, processos relacionados ao ethos que mobiliza ações de indivíduos e grupos como os principais componentes da socialização acadêmica.
A abordagem de Weidman (1989WEIDMAN, John C. Undergraduate socialization: A conceptual approach. In: SMART, John C. (Ed.). Higher education: Handbook of theory and research. v. 5. New York: Agathon Press, 1989. p. 289-322.; 2006) inclui ainda relações extra-acadêmicas, como grupos de amizades que fornecem apoio frente a dificuldades, atividades educacionais extracurriculares, atividades culturais e engajamento político. O modelo original de Weidman (1989) organiza-se em torno dos domínios interpessoal, intrapessoal e de integração para expor o caráter transformacional da experiência da educação superior. Sua estrutura aborda as diferentes pressões normativas encontradas pelos estudantes na busca de seus objetivos pessoais e observa como esses estudantes mantêm ou modificam os valores, as aspirações e os objetivos que detinham ao ingressarem no curso. Essa estrutura analítica foi construída para informar o desenvolvimento de programas e práticas acadêmicas destinados ao fortalecimento da identidade estudantil. Reforçar a socialização acadêmica seria um meio de favorecer a inserção exitosa dos egressos no mercado de trabalho como membros de uma comunidade profissional.
Ao revisarem pesquisas realizadas a partir desse modelo nas duas décadas e meia após sua publicação original, Weidman, DeAngelo e Bethea (2014WEIDMAN, John C.; DEANGELO, Linda; BETHEA, Kathryn A. Understanding student identity from a socialization perspective. New Directions for Higher Education, n. 166, 2014. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/263274888_Understanding_Student_Identity_From_a_Socialization_Perspective. Acesso em: 22 jul. 2022.
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) concluíram que o aspecto que mais carecia de desenvolvimento era a relação entre demandas do ambiente acadêmico e disposições cultivadas na família e em outros espaços de socialização informal. Apontaram que, para o aperfeiçoamento da formação superior, seria necessário explorar pontos de contato entre fatores de parentalidade e atividades de instrução, uma vez que elementos antecipatórios da socialização influenciam resultados cognitivos e afetivos da educação superior, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento da identidade pelos estudantes. Weidman (2015) associa elementos antecipatórios da experiência de educação superior ao capital cultural e seus resultados a um habitus alinhado ao funcionamento institucional.
Nesse aspecto, é importante sublinhar o caráter do habitus como conceito mediador, que permite explorar a apreensão do social pelo individual ao identificar mecanismos subjetivos de captação da realidade objetiva (WACQUANT, 2017WACQUANT, Loïc. Habitus. In: CATANI, Afrânio Mendes et al. (Orgs.). Vocabulário Bourdieu. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. p. 213-216.). Segundo Bourdieu, a noção de habitus
é importante para lembrar que os agentes têm uma história, que são o produto de uma história individual, de uma educação associada a determinado meio, além de serem o produto de uma história coletiva, e que em particular as categorias de pensamento, as categorias do juízo, os esquemas de percepção, os sistemas de valores, etc. são o produto da incorporação de estruturas sociais (BOURDIEU; CHARTIER, 2017BOURDIEU, Pierre; CHARTIER, Roger. O sociólogo e o historiador. 1. ed. 3. reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2017., p. 58).
Loïc Wacquant esclarece, ademais, que habitus é social, transferível, não é estático ou eterno, tem inércia incorporada, gerando “práticas moldadas depois das estruturas sociais que o geraram e na medida em que uma das suas camadas opera como um prisma a partir do qual as últimas experiências são filtradas e os subsequentes estratos de disposições são sobrepostos” (WACQUANT, 2017WACQUANT, Loïc. Habitus. In: CATANI, Afrânio Mendes et al. (Orgs.). Vocabulário Bourdieu. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. p. 213-216., p. 214). É por essa mediação que o passado se reproduz no presente:
Os esquemas do habitus, princípios de visão e de divisão de aplicação muito geral, como produto da incorporação das estruturas e tendências do mundo a que se ajustam ao menos grosseiramente, também permitem adaptar-se incessantemente a contextos parcialmente modificados e construir a situação como um conjunto dotado de sentido, numa operação prática de antecipação quase corporal das tendências imanentes do campo e das condutas engendradas por todos os habitus isomorfos com os quais, como numa equipe bem treinada ou numa orquestra, estão em comunicação imediata pois lhes são espontaneamente concedidos (BOURDIEU, 2001BOURDIEU, Pierre. Meditações pascalianas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001., p. 170, grifos do autor).
Contudo, de acordo com Bourdieu, esse é um processo que envolve descontinuidades e com espaço para a mudança, uma vez que “o habitus - por ser um sistema de virtualidade - só se revela em referência a uma situação. [...] Ele é semelhante a uma mola, mas é necessário um desencadeador; e, dependendo da situação, ele pode fazer coisas opostas” (BOURDIEU; CHARTIER, 2017BOURDIEU, Pierre; CHARTIER, Roger. O sociólogo e o historiador. 1. ed. 3. reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2017., p. 62). Assim, a correspondência ou não entre habitus desenvolvidos por estudantes em seus espaços de origem social e as demandas normativas que regem as situações típicas do campo acadêmico gera respostas diferenciadas conforme a incidência de outras variáveis presentes no contexto.
Em um estudo de psicologia sobre a socialização de jovens latinos na educação superior dos Estados Unidos, Mena (2022MENA, Jasmine A. From cradle to college: Cultural socialization, identity development, and the college experiences of Latinx students. Journal of Latinx Psychology. Advance online publication, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1037/lat0000207. Acesso em 8 jul. 2022.
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) constatou que, a partir de identificações étnico-raciais, estudantes podem recorrer com sucesso a grupos de afinidade, cursos de afirmação e ações de ativismo para lidar com situações de inferiorização e culpa diante do que percebem como fracasso acadêmico. Todas essas possibilidades seriam mediadas por capital social e teriam o fenótipo como variável influente nos sentidos de autoidentificação cultural e avaliação da estrutura social.
Pesquisando estudantes de primeira geração em uma universidade sueca, Ivermark e Ambrose (2021IVERMARK, Biörn; AMBROSE, Anna. Habitus adaptation and first-generation university students’ adjustment to higher education: A life course perspective. Sociology of Education, v. 94, n. 3, p. 191-207, 2021. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/00380407211017060. Acesso em: 4 de jul. 2022
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) identificaram perfis distintos quanto à adaptação ao ambiente universitário e à convivência com os pares, considerando as condições de socialização acadêmica a partir do habitus relacionado à sua origem social. Concluíram que os desafios de adaptação ao ethos universitário são enfrentados com maior facilidade por estudantes portadores de capital cultural adquirido em processos prévios de socialização que geraram um habitus pré-adaptado à experiência universitária. Por outro lado, encontraram estudantes capazes de lidar com as exigências institucionais operando um habitus clivado, nos termos de Bourdieu (2012aBOURDIEU, Pierre. As contradições da herança. In: BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2012a. p. 229-238.), a partir de recursos obtidos ao longo da vida em ambientes sociais diversificados que proporcionam imersão em experiências culturais. Constataram, assim, posições de classe ambíguas, em que o descompasso entre a escolarização dos pais e os resultados educacionais dos filhos aponta para uma maior influência de outros aspectos das trajetórias sociais na experiência acadêmica.
Se a socialização acadêmica tem como principais interlocutores o currículo, os agentes institucionais e a legislação correspondente, a experiência da educação superior é interpelada pelos sentidos presentes nos espaços não acadêmicos, ou acadêmicos não obrigatórios, frequentados pelos indivíduos. A justaposição de processos de socialização com demandas normativas muitas vezes conflitantes tensiona a tendência dos habitus à estase - seja entre os indivíduos, seja na instituição. Weidman (2020WEIDMAN, John C. Conceptualizing student socialization in higher education: An intellectual journey. To be published. In: WEIDMAN, John C.; DEANGELO, Linda (Eds.). Socialization in higher education and the early career: Theory, research and application. Cham: Springer, 2020. p. 11-28.) assevera a necessidade de atenção à agência humana sobre os contextos institucionais, considerando que o processo de socialização acadêmica não é uma via de mão única: os resultados das pressões normativas modificam-se conforme a pluralidade é colocada em jogo, atualizando o ethos, por exemplo, ao influenciar agendas de pesquisa e políticas institucionais.
Ainda que os estudos sobre socialização acadêmica tenham se originado na sociologia da educação norte-americana em um momento em que esse ramo de pesquisa ainda mantinha escassa relação com a obra de Pierre Bourdieu, Weidman posteriormente associou elementos de seu modelo a conceitos desenvolvidos pelo sociólogo francês. Entre eles, está a configuração do habitus a partir de disposições formadas na trajetória de vida pregressa, especialmente aquelas mediadas pelo capital cultural. Pesquisas no contexto brasileiro também assinalam a importância dos fenômenos que consolidam esse tipo de capital para a educação formal.
Há ampla literatura que desdobra a acepção bourdieusiana de capital cultural no contexto brasileiro, relacionando heranças culturais, trajetórias de estudantes e suas relações com instituições (SETTON, 2005SETTON, Maria da Graça. Um novo capital cultural: Pré-disposições e disposições à cultura informal nos segmentos com baixa escolaridade. Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 90, p. 77-105, 2005. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-73302005000100004. Acesso em: 16 jul. 2022.
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; ZAGO, 2006ZAGO, Nadir. Do acesso à permanência no ensino superior: percursos de estudantes universitários de camadas populares. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 11, n. 32, p. 226-370, 2006. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-24782006000200003. Acesso 19 jul. 2022.
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; BONAMINO; ALVES; FRANCO, 2010BONAMINO, Alicia; ALVES, Fátima; FRANCO, Creso. Os efeitos das diferentes formas de capital no desempenho escolar: um estudo à luz de Bourdieu e de Coleman. Revista Brasileira de Educação, v. 15 n. 45, 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-24782010000300007. Acesso em: 25 jul. 2022.
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; BRANDÃO; CARVALHO, 2011BRANDÃO, Zaia; CARVALHO, Cynthia Paes de. Processos de produção das elites escolares. Educação & Sociedade, v. 32, p. 507-522, 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/YvgKjXCt67n6zycPJLwHQhp/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 18 jul. 2022.
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; VALLE, 2013VALLE, Ione Ribeiro. O lugar da educação (escolar) na sociologia de Pierre Bourdieu. Revista Diálogo Educacional, v. 13, n. 38, p. 411-437, 2013. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/1891/189126039020.pdf, Acesso em: 13 jul. 2022.
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; NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2015NOGUEIRA, Cláudio Marques Martins; NOGUEIRA, Maria Alice. Os herdeiros: Fundamentos para uma sociologia do ensino superior. Educação & Sociedade, Campinas, v. 36, n. 130, p. 47-62, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/ES0101-73302015140412. Acesso em: 5 jul. 2022.
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; PIOTTO; NOGUEIRA, 2021PIOTTO, Débora C.; NOGUEIRA, Maria Alice. Um balanço do conceito de capital cultural: Contribuições para a pesquisa em educação. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 47, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s1517-97022021470100302. Acesso em: 15 jul. 2022.
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). Esses trabalhos propiciam a compreensão de elementos da educação formal em um país distante daquele que inspirou a produção de teoria por Bourdieu, seja em termos de diferenças geopolíticas, seja pelo afastamento histórico entre as circunstâncias materiais em que as categorias bourdieusianas foram inicialmente formuladas e a contemporaneidade.
Em nossa pesquisa, buscamos verificar aspectos do capital cultural constituídos desde o passado dos indivíduos (BOURDIEU, 2014; WACQUANT, 2018WACQUANT, Loïc. Cuatro principios transversales para poner a trabajar a Bourdieu. Estudios sociológicos, México, v. 36, n. 106, p. 3-23, abr. 2018. Disponível em: https://doi.org/10.24201/es.2018v36n106.1642. Acesso em: 23 jul. 2022.
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), mas atentando principalmente ao presente e às dinâmicas de relações nas quais os estudantes estão envolvidos na universidade. De acordo com Bourdieu (2012cBOURDIEU, Pierre. Os três estados do capital cultural. In: BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2012c. p. 71-79., p. 74, grifos do autor):
O capital cultural pode existir sob três formas: no estado incorporado, ou seja, sob a forma de disposições duráveis do organismo; no estado objetivado, sob a forma de bens culturais - quadros, livros, dicionários, instrumentos, máquinas, que constituem indícios ou a realização de teorias ou de críticas dessas teorias, de problemáticas, etc.; e, enfim, no estado institucionalizado, forma de objetivação que é preciso colocar à parte porque, como se observa em relação ao certificado escolar, ela confere ao capital cultural - de que é, supostamente, a garantia - propriedades inteiramente originais.
Assim, nesta pesquisa priorizamos a abordagem dos aspectos relacionais do capital cultural, ao invés de privilegiar seu caráter de atributo acumulado. Isso significa que buscamos ler seus indícios como elementos que convergem para formar um habitus mais ou menos pré-adaptado às rotinas acadêmicas. Entendemos que, ao longo do processo de socialização acadêmica, isso envolve abordar desde as formas institucionalizadas presentes na família até o uso do capital cultural objetivado nas instalações universitárias, todos esses fatores influindo na inculcação, no reforço ou na suspensão de disposições duráveis. Isso significa relativizar a participação determinante da reprodução de classe em sua composição, ao considerar a multiplicidade de relações às quais as pessoas estão expostas, incluindo ainda outras formas de capital que passam a ter peso sobre a formação dos indivíduos (DRAELANTS; BALLATORE, 2021DRAELANTS, Hugues; BALLATORE, Magali. Capital cultural e reprodução escolar: Um balanço crítico. Educação e Pesquisa, 2021, v. 47. .Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1517-97022021470100302. Acesso em: 15 jul. 2022.
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).
A literatura sociológica contemporânea questiona, inclusive, a conservação da rentabilidade escolar do capital cultural acumulado na família, tendo em vista mudanças culturais que afetam relações e códigos acionados nos espaços de estudo e trabalho:
[...] tudo levaria a crer que as elites escolares são cada vez menos compostas por “herdeiros” [...] e mais por indivíduos que detêm trunfos informacionais e estratégicos relativos ao mundo da escola que permitem que eles se orientem particularmente bem no labirinto dos sistemas de ensino contemporâneos (NOGUEIRA, 2021NOGUEIRA, Maria Alice. O capital cultural e a produção das desigualdades escolares contemporâneas. Caderno de Pesquisa, São Paulo, v. 51, p. 1-13, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198053147468. Acesso em 19 jul. 2022.
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Aqui, a heterogeneidade das possibilidades de aquisição de capital cultural é informada pelas dissimilaridades entre as formas de socialização familiar e pela oferta diversificada de estudos complementares, cursos de idiomas e viagens, entre outros, a exemplo de programas de apoio à mobilidade acadêmica internacional. Diversificam-se os meios para composição de capital cultural institucionalizado e incorporado na vida estudantil. Ao mesmo tempo, dinâmicas de digitalização da vida cultural e dos processos educacionais, em específico, relativizam aspectos de distinção social ligados ao acesso a informações que antes dependiam da posse de capital cultural objetivado.
Atentamos para indícios de capital cultural que podem ser encontrados entre estudantes de graduação brasileiros, buscando aferir a incidência de variáveis clássicas como escolarização da mãe, frequência de estudo e leitura, hábitos de estudo, assim como viagens e estudo de idioma estrangeiro, na socialização acadêmica. Identificamos atividades acadêmicas priorizadas na experiência estudantil, como participação em atividades curriculares e extracurriculares por meio de programas institucionais; ao mesmo tempo, indagamos sobre valoração de aprendizados, em seus respectivos espaços de ocorrência, e classificação de dificuldades enfrentadas pelos estudantes.
A escolha por esses marcadores orientou-se por uma definição “alargada” de capital cultural (NOGUEIRA, 2021NOGUEIRA, Maria Alice. O capital cultural e a produção das desigualdades escolares contemporâneas. Caderno de Pesquisa, São Paulo, v. 51, p. 1-13, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198053147468. Acesso em 19 jul. 2022.
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), incluindo elementos para além dos estados institucionalizados e da produção de distinção social. Essa opção guia-se pela proposta bourdieusiana de identificar disposições a partir da exploração de comportamentos, esquemas mentais e estruturas linguísticas, colocando a radicalidade do funcionamento social nas disposições acionadas pelos indivíduos ao lidar com bens culturais. Dessa forma, indagamos os estudantes sobre a série de práticas estudantis que pudemos identificar em consonância com a proposta bourdieusiana. Não buscamos estabelecer relações causais diretas, concluindo, por exemplo, que quem mais viaja tem o melhor desempenho acadêmico. Quisemos captar possíveis influências de práticas sociais sobre resultados obtidos na universidade. Adotamos o pressuposto de que atividades que favorecem um maior domínio de códigos e acesso a conhecimentos também dotam os estudantes de recursos variados a serem mobilizados nos processos de socialização acadêmica. Consideramos que algumas experiências, a exemplo daquelas que envolvem circulação internacional, multiplicam possibilidades de acesso a outros bens culturais variados, acessíveis pelo recurso a outros idiomas, tecnologias, redes de relações, espaços e eventos que maximizam o rendimento social da experiência universitária.
As escolhas aqui realizadas se orientam também pelo acúmulo de achados sobre a condição social de estudantes da educação superior em investigações associadas a projetos de pesquisa anteriores em sociologia da educação. Tais trabalhos constataram: a importância da combinação dos capitais cultural e social em uma variedade específica de capital informacional (PEDROSO, 2020PEDROSO, Murilo Marreco. A perspectiva de acesso ao ensino superior entre estudantes da rede pública de Porto Alegre: Análise de contextos disposicionais e motivações. Dissertação em Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020.); a influência da sociogênese das disposições no desempenho acadêmico (PFITSCHER, 2019PFITSCHER, Ricardo Gausmann. Disposições e estratégias nas transições de estudantes de curso tradicional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Dissertação em Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.); a constituição identitária como eixo da socialização na universidade (DOS SANTOS, 2018DOS SANTOS, Patrícia Helena Xavier. Mulheres em movimento: trajetórias de estudantes negras na UFRGS e o tornar-se mulher negra. Dissertação em Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.); inclinações para a socialização científica estabelecidas na relação com o conhecimento como fatores de identificação com o curso (SOARES, 2019SOARES, Guilherme de Oliveira. Socialização acadêmica e trajetórias estudantis: Inclinações sociológicas de estudantes no contexto da expansão universitária. Dissertação em Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.); e o papel da socialização profissional antecipatória na intensificação do processo de constituição do habitus profissional (RODRIGUES, 2018RODRIGUES, Vinicius Bernardini. Trajetórias de socialização e escolarização de egressos do Pibid Geografia - UFRGS. Dissertação em Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.).
Metodologia
Este artigo provém de pesquisa sobre trajetórias estudantis e socialização acadêmica entre egressos de escolas públicas e que ingressam na educação superior em universidades públicas, neste caso, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)2 2 O projeto de pesquisa “Socialização acadêmica em trajetórias estudantis: disposições, reflexividade e reconhecimento na educação superior” recebeu financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e bolsa de iniciação científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs). O bolsista Renato Terra contribuiu para a revisão bibliográfica utilizada neste artigo. Recebemos ainda apoio do Programa de Excelência da Coordenação para o Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Proex/Capes). Agradecemos a Harlon Romariz pelos comentários à primeira versão do texto. . Essa instituição tem particularidades que impõem cuidados ao estimar a generalização dos dados nela obtidos para o contexto brasileiro. Sua cultura institucional está associada ao posicionamento como uma das universidades mais antigas e prestigiosas do País. Suas atividades de pesquisas desempenham um papel orgânico na vida acadêmica, afetando o ethos e o habitus institucionais. Estudantes que podem se dedicar exclusivamente às atividades de educação superior e que apresentam maior concentração de capital cultural são mais valorizados. O trabalho desses estudantes em pesquisa foi fundamental para que a instituição constituísse sua capacidade de pesquisa e continua sendo fundamental para mantê-la, ainda que usualmente não seja reconhecido. Trata-se de uma instituição federal que oferta 70% de suas vagas por vestibular próprio, destinando os demais 30% através do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) (UFRGS, [2022]). Como em outras universidades federais, o corpo discente diversificou-se na última década. O ajuste dos entendimentos sobre a condição estudantil presente e as práticas pedagógicas estabelecidas ao longo de décadas como conatus, porém, segue em processo.
Em nosso projeto de pesquisa, elaboramos um questionário intitulado “Pesquisa sobre socialização acadêmica em trajetórias estudantis: disposições, reflexividade e reconhecimento na Educação Superior”, e os esforços para viabilizar sua aplicação começaram antes do início da pandemia. Ele foi enviado a estudantes da universidade através das Comissões de Graduação no período de 07/04/2021 a 31/08/2021. De um universo de 25.823 alunos de graduação matriculados na UFRGS no semestre letivo3 3 Semestre letivo 2020/2, que transcorreu entre 25/01/2021 e 25/05/2021. Podemos notar que, para esse período, o número de matriculados (25.823) e o de vinculados (31.805) a cursos de graduação divergem (PORTAL BRASILEIRO DE DADOS ABERTOS, s.d.). Assim, cerca de seis mil estudantes não tinham matrícula ativa no período, estando afastados da universidade e distantes, portanto, dos processos fundamentais de socialização acadêmica. no qual a aplicação foi iniciada, obtivemos 1.463 respostas válidas e com anuência ao termo de compromisso livre e esclarecido. Visando refinar a amostra, foram desconsiderados os respondentes que informaram estar matriculados no primeiro semestre do curso (256), pois se trata do período inicial no processo de socialização, assim como aqueles que informaram não saber qual semestre do curso estavam cursando (22). Como resultado, analisamos uma amostra com um total de 1.185 respostas. Levando em consideração o universo e o tamanho da amostra final, obtivemos uma amostra com nível de confiança de 95% e margem de erro padrão de 2,8%. Os respondentes são estudantes que estavam vinculados aos mais variados cursos da universidade, entre o segundo e o último semestre de seus currículos, e que se dispuseram a responder voluntariamente o questionário.
O principal recurso para estruturar a análise dos dados foi a elaboração de uma escala de socialização acadêmica, considerando variáveis de capital cultural, como instrumento pelo qual “números podem ser atribuídos a indivíduos distintos para
Para verificar a validade e consistência interna da escala, realizamos um teste de Alfa de Cronbach com as 20 variáveis envolvidas na escala de socialização, e a resposta do teste foi de 0,73, evidenciando suficiente coesão e coerência interna. Entre os respondentes, observamos resultados entre 3 e 73 nessa escala exploratória com intervalo teórico entre 0 e 90. A média encontrada foi 38,6; e a mediana, 38. A análise gráfica do histograma da escala e do gráfico Q-Q indica distribuição aproximadamente normal, conforme Gráficos 1 e 2.
Utilizamos a escala de socialização para averiguar sua relação com variáveis, como participação em programas universitários de iniciação científica, de extensão e de iniciação à docência. Investigamos ainda a relação entre a pontuação na escala e outras variáveis que não a compunham: escolaridade da mãe; escolaridade do pai; etapa do curso; estudo de idiomas e viagens; participação em atividades culturais e recreativas; média de livros lidos por ano; e quantidade de horas de estudo por semana. Tais variáveis estão descritas no Quadro 1:
Os resultados apresentados na próxima seção decorrem da realização de testes estatísticos para a comparação de médias e correlação bivariada. Para tanto, realizamos o Teste-T de amostras independentes, quando a variável independente era dicotômica, e a análise de variância (Anova unidirecional), quando a variável independente possuía três ou mais grupos diferentes.
Resultados estatísticos e análise
Uma variável importante quando se trata de acesso à educação e variações de socialização é a escolaridade dos pais (BOURDIEU, 2012, 2014). Embora os estudos recentes complexifiquem e inclusive relativizem seu papel (NOGUEIRA, 2021NOGUEIRA, Maria Alice. O capital cultural e a produção das desigualdades escolares contemporâneas. Caderno de Pesquisa, São Paulo, v. 51, p. 1-13, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198053147468. Acesso em 19 jul. 2022.
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), trata-se de um fator cuja presença é indispensável quando analisamos processos de socialização acadêmica ou escolar. O Gráfico 3 permite visualizar como a média de socialização acadêmica aumenta conforme aumenta a escolaridade da mãe (Anova; p<0,05).
O teste post-hoc (Bonferroni) mostra-nos que somente é estatisticamente significativa (p<0,05) a diferença entre médias dos alunos com mães com pós-graduação. Os estudantes cujas mães apresentam outros níveis de escolarização possuem médias estatisticamente equivalentes. A mesma situação aparece no caso da escolarização dos pais. Podemos ver que a média aumenta levemente com escolarização de nível médio, mas em seguida decai, e só aumenta significativamente para estudantes com pais pós-graduados, conforme o Gráfico 4. Da mesma forma, só é estatisticamente significativa a diferença entre médias dos estudantes com pais com nível de pós-graduação.
Em pesquisa anterior, havíamos encontrado a conclusão do nível médio por mães e pais como um marcador significativo para a predição da conclusão do ensino médio por jovens (CAREGNATO et al., 2021CAREGNATO, Célia Elizabete et al. Estudantes concluintes do ensino médio público de Porto Alegre: entre a expansão do acesso à escolarização e a seletividade escolar. Revista Cadernos do Aplicação (UFRGS), v. 34, p. 1-22, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.22456/2595-4377.111201, Acesso em: 19 jul. 2022.
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). Esse dado pareceu coerente com pesquisas desenvolvidas em perspectiva bourdieusiana (BOURDIEU, 2012aBOURDIEU, Pierre. As contradições da herança. In: BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2012a. p. 229-238.; 2012b) e com os altos níveis de evasão no ensino médio no Brasil. Esperávamos que o patamar mais impactante de escolaridade parental para a socialização acadêmica fosse o nível superior. O fato de apenas a pós-graduação ter influência significativa provoca a elaboração de algumas hipóteses. Uma está relacionada às transformações mais amplas no estrato social de onde provêm os estudantes universitários. Considera que, diante da expansão da escolarização, com massificação da educação superior, as diferenças significativas passam a estar condicionadas por um nível mais alto de escolarização. Outra hipótese diz respeito às formas de socialização típicas de uma universidade de pesquisa. Nesse caso, o ethos institucional teria particularidades, requerendo uma afiliação mais intensa, cujas disposições de base só seriam desenvolvidas em famílias com responsáveis pós-graduados. Soma-se à questão o acesso à informação, amparado por relações com interlocutores instruídos na rede de capital social, sobre os modos de conhecer e os processos organizacionais da universidade.
Quanto à participação dos estudantes em programas extracurriculares, verificamos uma diferença estatisticamente significativa entre os resultados de socialização acadêmica obtidos por aqueles que participaram em contraste aos que não participaram desses programas. A Tabela 2, a seguir, expõe essa variação.
A Tabela 2 mostra-nos que, com relação a programas de iniciação científica, estudantes que não participaram dessa oportunidade obtiveram média de 34,3, enquanto os participantes obtiveram média de 46,6. A diferença entre as médias é de 12,3 pontos. Em relação aos projetos de extensão universitária, os participantes obtiveram uma média 11,8 pontos maior do que os não participantes. Para programas de formação para a docência, a diferença ficou em 7,3 pontos.
Os dados expostos acima permitem-nos inferir que a participação nos diferentes programas de formação extra-acadêmica está relacionada a um índice maior de socialização acadêmica. Aqui, a variação entre as diferenças aportadas pelas distintas experiências à média na escala de socialização também nos levou a formular duas hipóteses interpretativas. Na primeira, os programas de iniciação mais consolidados e mais afins ao ethos institucional impactam com maior intensidade a socialização acadêmica de seus participantes. Ainda, em uma universidade de pesquisa, a iniciação científica é mais valorizada, enquanto a iniciação à docência não tem um lugar consagrado. Disso decorre uma segunda hipótese: há uma pré-seleção entre os participantes desses programas pelos mesmos fatores sociológicos que condicionam o sucesso na socialização acadêmica.
Outro importante meio de incorporação de recursos que favorecem a vida universitária e que incide sobre o processo de socialização acadêmica é o estudo de idiomas. Essa variável impacta na pontuação média na escala de socialização que estabelece grupos com uma diferença estatisticamente significativa entre si. A diferença pode ser verificada entre três grupos de respondentes (Bonferroni entre grupos, p<0,05): (1) os que afirmam não terem estudado, com média de 32 pontos; (2) aqueles que afirmam terem estudado sozinhos ou na escola, com média de 37 pontos; e (3) aqueles que informam terem estudado por meio de cursinho específico ou de intercâmbio, que atingiram, em média, 40 pontos. A Tabela 3 elucida essa relação.
Na indagação sobre viagens, verificamos que há uma diferença entre os que não viajam e os que viajam, como também que a média aumenta conforme o estudante viaja para destinos mais distantes, conforme Gráfico 5, abaixo. Porém, com base no teste post-hoc Bonferroni (p<0,05), vemos que somente é estatisticamente significativa a diferença entre quem fez viagens internacionais em comparação com os outros grupos, já que entre estes não há diferença estatisticamente significativa entre as médias.
No geral, entre os respondentes, 60,9% (N=722) deles afirmaram ter tido acesso a cursos de idiomas, e 46,3% (N=549), viajado ao exterior. Esses valores são superiores aos esperados e, para além dos possíveis vieses da amostra, podem sinalizar algumas dinâmicas sociais. Em primeiro lugar, o fato de se tratar de universidade altamente seletiva pode produzir uma distinção no perfil de seu estudantado. Em segundo, a melhoria nas condições de vida da população brasileira durante um período significativo no passado recente permitiu uma elevação nos níveis de consumo cultural. Dessa forma, bens que antes eram restritos às elites passaram a ser fruídos por outras classes. A conversão do consumo de bem cultural em capital cultural por processos de institucionalização e incorporação, porém, depende de fatores como referências normativas e de gosto, que podem ou não estar alinhadas à tradição universitária. No entanto, trata-se de um repertório cultural situado além da ambiência acadêmica, raramente acessível através do currículo prescrito e, no entanto, de alto valor para o posicionamento em trajetórias e embates na universidade, dada a sua relação com a cultura de elite.
Foram testadas correlações bivariadas em relação à escala de socialização e variáveis contínuas sobre práticas culturais relacionadas à condição de estudante. Dentre as correlações estatisticamente significativas, as mais relevantes foram: (1) participação dos estudantes em atividades culturais e recreativas; (2) média de livros lidos por ano; e (3) quantidade de horas de estudo por semana além daquelas realizadas em sala de aula. Tais correlações possuem direção positiva, ou seja, quanto maior a intensidade dessas práticas, maior a pontuação na escala de socialização acadêmica. Porém, devemos destacar que a intensidade de correlação é baixa (<0.3), conforme exposto na Tabela 4.
Essas práticas, prescritas dentro do currículo formal e que intensificam a relação com os conhecimentos acessíveis através das aulas e condicionáveis através de formas escolares de produção do habitus, não estão associadas a modificações significativas no padrão de relações sociais dos respondentes. O ethos universitário demanda, portanto, um habitus com componentes que não são cultivados na escola (BOURDIEU, 2011BOURDIEU, Pierre. Homo academicus. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2011.; 2012b; VALLE, 2013VALLE, Ione Ribeiro. O lugar da educação (escolar) na sociologia de Pierre Bourdieu. Revista Diálogo Educacional, v. 13, n. 38, p. 411-437, 2013. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/1891/189126039020.pdf, Acesso em: 13 jul. 2022.
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). São esses componentes, aliás, que apresentam os impactos mais significativos na intensidade com que os estudantes experimentam o fenômeno da socialização acadêmica.
A correlação mais intensa verificada é aquela entre semestre de estudos no curso e escala de socialização acadêmica (rô de Spearman = 0,33; p <0,05). Entendemos que, com o passar dos semestres na universidade, os estudantes intensificam seu conhecimento na vida universitária, em decorrência da oportunidade sustentada de participação em atividades diversas. Além disso, à medida que os estudantes dominam códigos e recursos relativos à vida acadêmica, tendem a encontrar menores dificuldades nas tarefas que precisam desempenhar.
A respeito desses dados, é possível formular algumas hipóteses. A primeira, mais óbvia, é de que a formação no curso vai habilitando os estudantes para as etapas posteriores, moldando seus habitus e exercendo pressões normativas para o alinhamento de seus ethos àquele da instituição. A segunda é que tais pressões não se dão apenas no sentido adaptativo, mas acabam por excluir estudantes com perfil não aderente ao curso e/ou à instituição. Assim, os estudantes em fases mais avançadas, com maior nível de socialização acadêmica, seriam aqueles capazes de instrumentalizar seu capital cultural para sobreviver aos desafios da universidade. Nos termos explorados por Ivermark e Ambrose (2021IVERMARK, Biörn; AMBROSE, Anna. Habitus adaptation and first-generation university students’ adjustment to higher education: A life course perspective. Sociology of Education, v. 94, n. 3, p. 191-207, 2021. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/00380407211017060. Acesso em: 4 de jul. 2022
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), esses seriam os estudantes que ingressaram com um habitus pré-adaptado ou capazes de instrumentalizar outras fontes de capital cultural para compor um habitus clivado; ou seja, apresentam, de maneiras variadas, recursos ou mecanismos para lidar com as lógicas universitárias de modo a resistirem às pressões normativas que poderiam aliená-los da formação superior. Como aponta Mena (2022MENA, Jasmine A. From cradle to college: Cultural socialization, identity development, and the college experiences of Latinx students. Journal of Latinx Psychology. Advance online publication, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1037/lat0000207. Acesso em 8 jul. 2022.
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), tais mecanismos podem estar ligados à autoafirmação desenvolvida em grupos de afinidades.
Considerações finais
Os dados parecem confirmar o traço de reprodução considerado predominante na teoria bourdieusiana pelo senso comum da academia. Há diversos elementos apontando que uma socialização acadêmica mais intensa está relacionada, de maneira estatisticamente significativa, a marcadores que costumam estar associados a condições de “herança” (BOURDIEU, 2014bBOURDIEU, Pierre. Os herdeiros: Os estudantes e a cultura. Florianópolis: UFSC, 2014b.): alta escolaridade de mães e pais e viagens ao exterior. Esses dados referendam a constatação de que as práticas universitárias supõem uma experiência social rica em oportunidades de acúmulo de capital cultural. Dessa forma, permanecem afeitas à capacidade de operar com recursos que não são comuns à maioria dos jovens brasileiros. Após as mudanças no acesso à educação superior (RISTOFF, 2014RISTOFF, Dilvo. O novo perfil do campus brasileiro: uma análise do perfil socioeconômico do estudante de graduação. Avaliação, Sorocaba, v. 19, n. 3, p. 723-747, 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1414-40772014000300010. Acesso em: 16 jul. 2022.
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; BERTOLIN; FIOREZE; BARÃO, 2022BERTOLIN, Julio Cezar Godoy; FIOREZE, Cristina; BARÃO, Fabia Roberto. Higher education and educational inequality in Brazil: elitist heritage in a context of expanding access. SciELO Preprints, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.3563. Acesso em: 22 jul. 2022.
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), tais condições não são representativas sequer entre estudantes das instituições federais de educação superior.
Os cursos de idiomas ocupam um lugar social menos definido: ainda que tradicionalmente estejam associados às classes mais ricas, vêm-se democratizando nas últimas décadas, com ofertas a custos mais acessíveis, ou mesmo em gratuidade4
4
É exemplar a oferta de cursos gratuitos para o público das instituições federais de educação superior através do programa Idioma sem Fronteiras, estabelecido originalmente pelo governo federal, descontinuado e retomado pela Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Educação Superior (Andifes).
. Consistem em marcadores analíticos de investimento parental, indicando priorização de gasto familiar com a formação dos filhos entre famílias de uma mesma faixa de renda. São indícios de um projeto de mobilidade social, como a busca e mobilização de informações sobre estabelecimentos escolares de maior qualidade dentro de uma mesma rede pública. Ainda que a maior parte desses esforços esteja ligada a estratégias familiares, há, em período recente, a intensificação de mecanismos extrafamiliares de apoio e troca de informações, notadamente vinculados a espaços como cursos pré-vestibulares populares e coletivos socioculturais. Ingresso e sucesso na educação superior passam assim a ser influenciados também pelo agenciamento mais amplo de estratégias de recomposição das elites educacionais através de trunfos informacionais para aquisição de capital cultural, como observado por Nogueira (2021NOGUEIRA, Maria Alice. O capital cultural e a produção das desigualdades escolares contemporâneas. Caderno de Pesquisa, São Paulo, v. 51, p. 1-13, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198053147468. Acesso em 19 jul. 2022.
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).
Para além disso, os dados mostram que há outras variáveis com impacto significativo sobre a intensidade da socialização acadêmica de estudantes universitários, associadas à participação em programas extracurriculares. Essas oportunidades, quando ligadas à pesquisa e à extensão, cresceram junto à expansão das vagas na educação superior pública. Além disso, houve a criação de novos vínculos de formação e atuação para estudantes de graduação, como a iniciação à docência5 5 Atualmente, a maior parte dessas oportunidades se concentra no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), criado em 2007, e na Residência Pedagógica, criada em 2018. . Tais espaços de socialização possibilitam e proporcionam a imersão nos códigos acadêmicos de forma diferente da sala de aula, usualmente com maior integração. A interação com pares ou com pessoas em diferentes pontos da hierarquia acadêmica permite a combinação de diferentes pontos de vista na assimilação à vida universitária. O trabalho conjunto propõe outras formas de relação com o conhecimento, frequentemente amparadas em processos de solidariedade mecânica que propicia mediações cognitivas e afetivas como outra instância de desenvolvimento interpessoal. Decorrem mais possibilidades de negociação dos recursos culturais do indivíduo diante das exigências normativas da instituição (RODRIGUES, 2018RODRIGUES, Vinicius Bernardini. Trajetórias de socialização e escolarização de egressos do Pibid Geografia - UFRGS. Dissertação em Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.; SOARES, 2019SOARES, Guilherme de Oliveira. Socialização acadêmica e trajetórias estudantis: Inclinações sociológicas de estudantes no contexto da expansão universitária. Dissertação em Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.).
Diante dos dados analisados, destacamos a necessidade de conhecermos as fontes de capital cultural dos estudantes que divergem das instâncias tradicionais de educação e estão associadas a sistemas difusos de conhecimentos e informações (SETTON, 2005SETTON, Maria da Graça. Um novo capital cultural: Pré-disposições e disposições à cultura informal nos segmentos com baixa escolaridade. Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 90, p. 77-105, 2005. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-73302005000100004. Acesso em: 16 jul. 2022.
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). Essas fontes, entre as quais percebemos, em diálogo com pesquisas anteriores (DOS SANTOS, 2018DOS SANTOS, Patrícia Helena Xavier. Mulheres em movimento: trajetórias de estudantes negras na UFRGS e o tornar-se mulher negra. Dissertação em Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.; PFITSCHER, 2019PFITSCHER, Ricardo Gausmann. Disposições e estratégias nas transições de estudantes de curso tradicional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Dissertação em Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.; PEDROSO, 2020PEDROSO, Murilo Marreco. A perspectiva de acesso ao ensino superior entre estudantes da rede pública de Porto Alegre: Análise de contextos disposicionais e motivações. Dissertação em Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020.), a relevância de espaços de sociabilidade como coletivos de ação política, grupos de agitação cultural, clubes étnicos e comunitários, bem como outras formas de agrupamento identitário que compõem ambientes densos em capital social, permitem o cultivo de disposições de autoconfiança, organização de tarefas, argumentação, recursividade retórica e composição de repertórios (MENA, 2021). Esse conhecimento torna-se ainda mais importante em um contexto histórico de redução da importância relativa da socialização familiar e de diversificação dos horizontes de experiência, convergindo, inclusive, com uma autopercepção da universidade brasileira como instituição mais plural do que costumava ser praticada ou mesmo ideada. Esse capital cultural alargado compõe um campo de possibilidades que podem ser acionadas pela pedagogia universitária para potencializar a socialização acadêmica de grupos não tradicionais.
Os limites em relação aos dados analisados também ensejam a realização de novas pesquisas. O questionário que serviu de base para a pesquisa aqui relatada foi elaborado em período pré-pandêmico. A alteração do ensino presencial para o modelo remoto emergencial implicou a desarticulação de instâncias de convivência que tinham papel fundamental na socialização acadêmica ao expor estudantes universitários aos habitus uns dos outros e ao habitus institucional. A rarefação do contato com docentes também implicou um menor contato com pressões normativas que compõem o ethos institucional. Novas pesquisas precisariam se debruçar sobre esse fenômeno, por exemplo, testando a hipótese de que esse período de excepcionalidade levou ao aumento da importância do capital cultural prévio no sucesso acadêmico, ou explorando respostas de compensação de estudantes, instituições e outros agentes para garantir condições mínimas de socialização.
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» https://doi.org/10.1590/S1413-24782006000200003
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Nos termos bourdieusianos, esse tipo de persistência é tematizada através do conceito de conatus, uma manutenção dos modos de funcionamento institucional associado à preservação de um nomos emanado de uma posição social, conforme “as pessoas que detêm um poder, um capital, agem, quer saibam ou não, de maneira a perpetuar ou aumentar seu poder e seu capital” e que “leva os diferentes corpos que detêm o capital a se enfrentarem e a instalarem os poderes que detêm nas lutas destinadas a manter ou a aumentar esse próprio poder” (BOURDIEU, 2014a, p. 351).
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O projeto de pesquisa “Socialização acadêmica em trajetórias estudantis: disposições, reflexividade e reconhecimento na educação superior” recebeu financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e bolsa de iniciação científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs). O bolsista Renato Terra contribuiu para a revisão bibliográfica utilizada neste artigo. Recebemos ainda apoio do Programa de Excelência da Coordenação para o Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Proex/Capes). Agradecemos a Harlon Romariz pelos comentários à primeira versão do texto.
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Semestre letivo 2020/2, que transcorreu entre 25/01/2021 e 25/05/2021. Podemos notar que, para esse período, o número de matriculados (25.823) e o de vinculados (31.805) a cursos de graduação divergem (PORTAL BRASILEIRO DE DADOS ABERTOS, s.d.). Assim, cerca de seis mil estudantes não tinham matrícula ativa no período, estando afastados da universidade e distantes, portanto, dos processos fundamentais de socialização acadêmica.
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É exemplar a oferta de cursos gratuitos para o público das instituições federais de educação superior através do programa Idioma sem Fronteiras, estabelecido originalmente pelo governo federal, descontinuado e retomado pela Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Educação Superior (Andifes).
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Atualmente, a maior parte dessas oportunidades se concentra no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), criado em 2007, e na Residência Pedagógica, criada em 2018.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
09 Jan 2023 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
11 Maio 2022 -
Aceito
24 Ago 2022