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Apresentação

Este Dossiê, “Intelectuais, Estado e política educacional no Brasil e em Portugal (1850-1980)”, tem como objetivo contribuir com o conhecimento histórico sobre o tema dos intelectuais e suas relações com o Estado, particularmente no que diz respeito ao protagonismo desses atores na formulação, na crítica e na gestão de políticas públicas para a educação. Os resultados de pesquisas, aqui reunidos, conjugam empreendimentos no campo da História da Educação no Brasil e em Portugal, assim como expressam caminhos de investigação acerca da temática que, apesar de se constituir como um tema consolidado nos dois países aqui representados, ainda apresenta fertilidade para pesquisas que busquem entender as ações dos intelectuais em seus múltiplos contextos, lançando luz sobre seus modos de fazer e estar na cena pública.

A partir da História Intelectual e da História Cultural, privilegiadamente, os textos revelam diálogos, investimentos conjuntos e comuns dos autores que, a partir de diferentes instituições, vêm produzindo pesquisas nessa área. Nesse sentido, este dossiê é uma oportunidade de exposição desses resultados, expondo-os à crítica e ao debate, buscando conferir ao campo uma contribuição efetiva. Não por acaso, o dossiê foi pensado e proposto para ser publicado após o XII Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, realizado em 2016, na cidade do Porto, onde as primeiras versões destes trabalhos foram debatidas em mesas-redondas, nas quais foi abordada a temática dos intelectuais e das políticas educacionais.

Em termos metodológicos, objetiva-se, por meio desta proposta, tratar seus problemas a partir de diferentes perspectivas, tendo a histórica como campo disciplinar em comum. Em sintonia com os problemas dos campos das histórias da educação, da história intelectual e dos intelectuais, as análises buscaram ir além do protagonismo dos atores individualmente considerados e focar, entre outros aspectos, a significação do agendamento, desenho e implementação de políticas públicas no setor da Educação nos respectivos contextos históricos. Política educacional é um tema de grande tradição na pesquisa educacional, tendo ocupado espaço significativo nos debates do campo. Neste dossiê propomos inovar no tratamento desse tema ao incluírmos o processo de produção das políticas, a partir da análise da trajetória e da ação de intelectuais ou grupos de intelectuais atuantes no Brasil e em Portugal. Seguindo nessa direção analítica, outro aspecto que se apresenta é a relação dos intelectuais com o Estado, uma vez que identificamos que a questão do papel ou da função do Estado se tornou um problema central na percepção dessas elites cultas, nos seus propósitos de engajamento na cena pública. Os intelectuais são assumidos nesta proposta como atores políticos engajados na problematização do papel do Estado no campo educacional, inclusive na condição de propositores ou de críticos das políticas educacionais.

Para tanto, o conjunto de artigos aqui inclusos possibilita ver a tessitura dos caminhos trilhados neste campo, considerando as tensões que se estabelecem, os processos de consenso e dissenso que configuram os projetos, as redes de sociabilidade, os meios de produção e a circulação de ideias, dos quais resultam as políticas educacionais. A problematização das trajetórias das intelligentsias revelam estratégias e objetivos variados; contudo, é possível verificar a pretensão de intervenção dessas elites na política educacional, bem como a participação ativa na organização dos sistemas educativos, tanto no Brasil como em Portugal, no período compreendido entre as décadas de 1850 a 1980.

Nesse sentido, este dossiê traz uma outra contribuição ao destacar a presença feminina nesse cenário, marcado de forma privilegiada pela figura masculina. A presença de mulheres intelectuais que, por diferentes caminhos, intervieram nos projetos e na agenda educacional, tanto no Brasil quanto em Portugal, é abordada de forma a iluminar e a ampliar a compreensão acerca dos atores envolvidos e as estratégias utilizadas na composição de um quadro de políticas que alia, muitas vezes, o moderno e o conservador em sua base.

No texto, “Conferências Nacionais de Educação: intelectuais, estado e discurso educacional (1927-1967)”, Carlos Eduardo Vieira visa à compreensão do discurso educacional enunciado pelos intelectuais engajados na Associação Brasileira de Educação (ABE), ao longo das treze Conferências Nacionais de Educação (CNEs), promovidas pela ABE, entre os anos de 1927 a 1967. No estudo realizado, o autor pretende demonstrar como a ABE e as CNEs se tornaram lugares privilegiados para projetar uma intelligentsia autorizada a falar sobre os problemas e, sobretudo, sobre as reformas políticas prioritárias para a educação nacional.

Na senda desse debate, o artigo de Bruno Bontempi Jr., “Nacionalismo e regionalismo em dois inquéritos sobre o ensino superior brasileiro nos anos 1920”, aborda dois inquéritos aplicados nos anos 1920, organizados pelo jornal O Estado de S. Paulo (1926) e pela Associação Brasileira de Educação (1928) sobre o ensino superior brasileiro, destacando as correntes de pensamento político que orientaram os diagnósticos e as proposições formulados nos respectivos inquéritos.

No texto “Sociabilidades, edição, educação: o Annuário Brasileiro de Literatura como projeto educativo (1937-1944)”, Luciano Mendes de Faria Filho analisa o anuário como lugar de sociabilidade e órgão de educação da intelectualidade brasileira, caracterizando-o como um investimento de construção da unidade nacional, do intercâmbio entre intelectuais diversos e um esforço por colocar o Brasil no concerto das nações civilizadas. Os autores destacam que o anuário buscava educar e mobilizar os intelectuais, ao mesmo tempo, também produzia um olhar sobre a educação escolar - vista como uma condição, ou um obstáculo, à ampliação do mercado editorial e, portanto, do esclarecimento da população brasileira.

Ednardo Monteiro Gonzaga do Monti em “‘Terminologia Musical’ e ‘Origem do Fado’: cultura política e identidade nacional nos estudos musicológicos de Mário de Andrade, publicados na revista Illustração Musical (1930-1931)” analisa questões da cultura política, principalmente pela perspectiva da identidade nacional, nos textos sobre o fado, escritos por Mário de Andrade, que foram publicados na Illustração Musical. O autor discute a proposta de uso destas músicas no processo de consolidação da cultura nacionalista brasileira - uma vez que ele ressaltava a brasilidade na origem do fado, mas não valorizava os elementos lusitanos das obras musicais - para, desse modo, como estratégia, captar recursos do Estado, visando à ampliação da arte musical nas escolas públicas em expansão naquele período.

No texto “Pedagogos da nação: reflexões sobre trajetórias e sociabilidades de bacharéis brasileiros a partir do periódico A Actualidade (1859-1861)”, Matheus da Cruz e Zica discute a postura pedagógica e a preocupação com o Estado nas trajetórias de Bernardo Guimarães, Flávio Farnese e Lafaiete Rodrigues. Estes três jovens bacharéis brasileiros, na cena pública, em meados do século XIX, além de contribuírem para o adensamento da discussão política de seu tempo pela crítica às políticas educacionais - um importante mote para a ávida intervenção - também colheram de seu engajamento no projeto d’A Actualidade (1859-1861), um reconhecimento que os levou a lugares distintos em suas trajetórias.

Evelyn de Almeida Orlando discute, no texto “‘A Bandeira e a Cruz’: caminhos da trajetória intelectual da educadora Maria Junqueira Schmidt”, a trajetória de uma educadora católica que, a partir de uma sólida rede de sociabilidade e de serviço à pátria - publicamente declarado e manifesto em suas ações, manteve-se durante quatro governos em espaços privilegiados junto ao Estado, produzindo um conjunto de trinta e quatro livros voltados para o campo educacional, de modo, privilegiado. A presença dessa mulher, aparentemente conservadora, em espaços de poder tradicionalmente reservado aos homens, lhe serviram como dispositivos de empoderamento que referendavam cada vez mais sua atuação profissional como representante de uma elite intelectual católica.

Por fim, o artigo de Maria João Mogarro destaca a relevância da atuação de Seomara da Costa Primo na educação portuguesa, no artigo “Uma mulher no seu tempo: ciência, arte e educação num percurso de vida”. Professora universitária de ciências e professora do ensino liceal que se destacou como investigadora, autora de manuais e ilustradora. A sua ação incorporou também o associativismo docente, a participação na imprensa e nas missões de estudo no estrangeiro. Percorreu algumas das instituições de referência da época e dialogou em arenas significativas de debate, afirmando-se como uma personalidade que deve ser inserida na galeria das mulheres ilustres que representam um tempo e um modo de ocupar o espaço público e afirmar a profissão docente.

Para fechar o dossiê, a resenha de Renato Torres analisa o livro História intelectual e educação: trajetórias, impressos e eventos educativos (Paco Editorial, 2015), uma vez que esta obra também problematiza trajetórias intelectuais e a produção de políticas públicas para educação.

Carlos Eduardo VieiraEvelyn de Almeida Orlando

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017
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